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quarta-feira, 29 de março de 2017

FALTAM PASTORES

Estou no pastorado há 44 anos. Já vi muita coisa, conheci pastores exemplares como foram o Joás Dias de Araujo, o Nephtali Vieira Junior, Naor Garcia entre outros. Há no pastorado, no dizer do Rev. Joás, um mistério. Eu acrescentava que é um mistério místico. Há uma mística na vocação, na imposição das mãos para a ordenação e no próprio desenvolver do ministério pastoral.
O pastorado é a vocação para o trabalho com pessoas, com tal intensidade e autoridade que pode e muitas vezes entra nos detalhes da vida pessoal e até íntima da vida dos fiéis. Não é só o pregar. Este é um dos trabalhos e talvez o de menos importância e de resultados comprovadamente baixos. Pergunte a uma pessoa na segunda-feira qual foi o tema do sermão pregado na igreja e certamente você escutará com muita frequência: “não lembro”.  OO aconselhamento pessoal, familiar, conjugal, a orientação de jovens e adolescentes, o ensino de valores éticos e morais, a confissão espontânea de pecados, a conversa onde as dúvidas bíblica e teológica surgem, o visitar enfermos, famílias, estar presente nos momentos marcantes da família e nos ritos de passagem, são alguns dos aspectos que diziam/dizem respeito ao trabalho pastoral.
Acontece que os tempos mudaram e a sociedade também. Já não é tão fácil visitar as famílias em suas casas, uma vez que muitas delas se encontram fechadas a maior parte do tempo. Lembro-me da primeira igreja que pastoreei nos Estados Unidos e que, ligando para os telefones dos membros, fazia um pastorado de secretária eletrônica. O que era uma celebração para muitos, hoje, o receber o pastor para uma visita pode ser um incômodo por ser o horário quando a família, que esteve separada durante todo o dia, tem agora para se reunir e conversar.
O trabalho do pastor como conselheiro foi cedendo espaço para os psicólogos, psicanalistas e outros profissionais. Antes não se exigia do pastor conhecimentos mais profundos sobre o ser humano e suas relações. Hoje precisa estudar várias linhas para poder fazer um trabalho significativo.
Os pastores pastoreavam comunidades onde ele conhecia a todos pelo nome. Era o pastor que sabia da vida de cada ovelha. Com o advento das mega-igrejas, os pastores perderam o contato pessoal com a membresia. De pastores passaram a ser animadores de auditórios, as suas congregações se transformaram em plateia, de doutrinadores passaram a ser motivadores. O evangelho do “cada um tome a sua cruz” foi banalizado, para um evangelho da graça barata, da vida cristã anônima, individualista, solitária. É a comunhão comigo mesmo. A membresia e fidelidade a uma congregação foi substituída pelo turismo eclesiástico. A participação fiel a uma congregação local foi trocada pelas igrejas de grife.
De doutrinadores, hoje muitos são apeladores (no mais negativo sentido da palavra). Vivem de fazer apelos para que os presentes contribuam acima do que haviam se disposto a fazer. Deixam de dar com alegria para serem contribuidores constrangido. Inventam símbolos, eventos, programas com o fim de “motivar” a contribuir.
O servo da comunidade se transformou e ganhou títulos pomposos de apóstolos e quejandas. O serviço anônimo ao próximo cedeu espaço ao tempo televisivo pago a peso de outro. O mistério místico do pastorado virou narcisismo midiático.
Faltam pastores. Sobram animadores de plateia, arrecadadores, show-men.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de março de 2017

FALTAM LÍDERES

Acho que nunca se falou tanto em formar líderes, nunca se deu tanto treinamento nas empresas para capacitar líderes e nunca estivemos tão necessitados deles. No que se refere ao político, a coisa fica ainda mais feia.
Se se toma uma das premissas básicas da liderança que a de que o líder deve ser exemplo, dá para entender porque estamos faltos de liderança. Depois de Tancredo, tivemos uma sucessão de pessoas investidas na mais alta posição da nação, mas que não puderam ser exemplos. Com a morte do Tancredo, tivemos ascensão de um especialista em surf: vivia na crista da onda e assim ficou até que não mais conseguiu se eleger pelo estado onde nunca morou: o Amapá. Era a sua mentira pública. Outros atos e fatos conspurcaram-lhe a biografia e só foi exemplo para gente do senado e Câmara que aprendeu com eles as patranhas da política. Como legado deixou o Plano Cruzado e uma inflação astronômica.
Sucedido pelo nada exemplar Collor, com sua altivez e arrogância, aliado às maracutaias de seu tesoureiro, foi defenestrado e impedido de se eleger por oito anos. Voltou, mas vive período em que deve muitas explicações ao judiciário brasileiro.
No seu lugar subiu o Itamar Franco quem, não tendo sido eleito, teve um mandato que, se não teve acusações, também não teve o brilho que se espera de uma liderança. Sucedido por Fernando Henrique Cardoso que tinha o brilho do acadêmico, mas não tinha o carisma da liderança. Governou, nunca explicou muito bem como foram feitas as privatizações que, segundo um ministro do seu governo, raiaram à irresponsabilidade. Dava sono quando se dirigia à nação.
Veio o Lula e a Dilma e ambos não são exemplos de liderança. O primeiro o foi no primeiro mandato, mas perdeu a legitimidade com o mensalão e mais tarde com a Lava Jato. A Dilma também não é exemplo de liderança. Veio o Temer que de líder não tem nada. Pusilânime, volúvel, nunca se sabe o que pensa. Como disse uma jornalista, quando perguntada sobre qual o posicionamento dele sobre um assunto: “antes da última piscada de olhos dele, ele era a favor”.
Estamos entrando na reta para as eleições de 2018. Ao olhar ao redor e as candidaturas que estão sendo sugeridas ou pleiteadas, me leva à conclusão de que teremos um cenário desolador. Mais uma vez teremos que optar pelo menos pior. As opções do mundo político (Lula, Ciro Gomes, Alckmin, Serra) são farinha do mesmo saco. Com a exceção do Ciro (ainda), todos os demais têm suas explicações a dar na Lava Jato.
Das figuras que estão correndo por fora do páreo (Doria e Meirelles), a ambos lhes falta o carisma da liderança. Podem estar fazendo (talvez) algumas coisas, mas isto não é o suficiente. É verdade que precisamos de um bom administrador, mas no tipo de presidencialismo brasileiro, um presidente sem base parlamentar é transformar o governo em balcão de negociatas. Vide Collor, Dilma e Temer.
Uma reforma política significativa e estrutural é milagre que não vai acontecer. A propalada reforma eleitoral, se algo fizer, será cosmética. No andar da carruagem, as alterações visarão proteger com o foro privilegiado os que devem muitas explicações. Como a “carne é fraca”, fizeram merenda eleitoral com carne podre e carcaça de cabeça de porco. Nem ácido ascórbico salva.
Ao povo cabe clamar aos céus para que algo aconteça e um verdadeiro líder apareça. Que no frigorífico das eleições não haja carne podre. Está é a minha oração.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de março de 2017

CRIMINOSOS COM O PODER DA CANETA

Há algo no ar que me inquieta. São sinais aparentemente contraditórios que, a meu ver, merecem ser melhor analisados. Não os mencionarei por ordem cronológica, mas segundo uma ordem própria.
O primeiro sinal é relacionado à soltura do goleiro Bruno, implicado no crime da modelo Eliza Samudio. O crime foi investigado, gente foi presa, condenada, o corpo nunca foi encontrado, ninguém confessou o crime, o delegado ganhou seus minutos de fama, a imprensa trabalhou e ganhou manchetes, Bruno foi condenado, cumpriu parte da pena, a sentença nunca foi julgada em segunda instância e o réu esteve preso sem sentença que justificasse sua prisão por tanto tempo. Acertada ou não a decisão do STF em soltá-lo, ele encontra emprego (coisa raríssima para um ex-presidiário), é aceito pelo Boa Esporte. É muita névoa para um só caso.
Mas a patrocinadora do clube, em função da decisão da Diretoria, decide retirar o patrocínio, o mesmo fazendo a Prefeitura Municipal de Varginha. A opinião popular julgando o acusado e sentenciando o que só a Justiça deve fazê-lo.
O segundo caso: o Ministério Público apresentou as denúncias de superfaturamento na construção de hospitais no Maranhão, onde mostra que há indícios, evidências e provas de uma quadrilha que ganhou milhões fraudando as licitações e recebendo um “fluxo de propinas” (palavras do delator) que ajudou nas campanhas eleitorais no estado. O juiz substituto que decidiu inocentar a ex-governadora e filha do “ilustre” José Sarney, não contente com a sentença estranha que exarou, ainda se deu a ensinar às mais altas cortes como se aplica o Código Penal.
No primeiro caso sem a prova de um corpo e sem a confissão de alguém, se juntaram evidências e coincidências e se condenou. No segundo caso, com as evidências, os comprovantes de fraude e superfaturamento e provas da transferência de recursos, o juiz absolve.
Causa-me estranheza a facilidade com que as cortes brasileiras, ao lidar com sobrenomes ilustres ou autoridades das três esferas, tem tido o cuidado de não ver provas que justifiquem a condenação e promovem a absolvição. Assim foi com a própria Roseana e o senador Lobão no STF, com o Renan no caso das Notas Fiscais frias que não foi visto como falsidade ideológica, o Collor no processo do impeachment, o deputado Russomano, para ficar em só alguns exemplos.
Agora temos os deputados e senadores denunciados pelas delações na Lava Jato, com a confissão de 77 executivos e os donos da construtora que afirmaram sob juramento que pagaram milhões a todos os partidos políticos. Como eles, deputados e senadores, têm o poder da caneta, movem-se nas sombras, como foi no dia que tentaram tal movimento quando do desastre da Chapecoense, e pretendem promulgar uma lei que anistie toda e qualquer contribuição feita para campanhas políticas. Com isto, todos os detentores de mandatos obtidos com vultosas somas de dinheiro empregado em suas campanhas, que alugaram seus mandatos para promover leis e medidas provisórias que beneficiassem os doadores de suas campanhas, os saqueadores dos Fundos de Previdência, os autorizadores de empréstimos vultosos via BNDES a empresas sabidamente inviáveis, sejam inocentados de todo e qualquer crime.
Doadores, saqueadores da Petrobrás e do erário, criminosas travestidos de empresários, os Cabrais da vida e suas viagens, contas e joias, O Vaccari, Duque, Zé Dirceu, Barusco, Youssef, e tantos outros, estariam de volta às ruas.
É hora de nós, os patrocinadores deste Esporte Clube do Colarinho Branco, retirarmos o patrocínio, condenarmos quem tenta tal crime de lesa-pátria, onde criminosos fazem as leis para benefício próprio. La atrás, alguém me ensinou que é crime quando se promulga uma lei com animus legendi, com o objetivo de culpar ou beneficiar uma pessoa ou grupo de pessoas específico. O princípio da impessoalidade será quebrado e a nação será afogada na lama, porque jogada nela já está.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de março de 2017

QUARTA DE CINZAS NA LAVA JATO

É verdade que o uso litúrgico das cinzas como símbolo de arrependimento remonta aos tempos bíblicos. Podemos ver o uso delas no arrependimento em Ester, quando Mardoqueu se veste de saco e se cobre de cinzas ao saber do decreto de Asuero I (Xerxes, 485-464 AC, da Pérsia, que condenou à morte todos os judeus de seu império Est 4:1). Outro personagem, Jó, mostrou seu arrependimento vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinzas (Jó 42:6). Daniel afirmou: "Volvi-me para o Senhor Deus a fim de dirigir-lhe uma oração de súplica, jejuando e me impondo o cilício e a cinza" (Dn 9:3). O povo de Nínive proclamou jejum a todos e se vestiram de saco, inclusive o Rei, que além de tudo levantou-se de seu trono e sentou sobre cinzas (Jn 3:5-6). São exemplos do Antigo Testamento que mostram a prática estabelecida de valer-se das cinzas como símbolo de arrependimento.
Jesus fez referência ao uso das cinzas: "Ai de ti, Corazaim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidônia os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam se arrependido sob o cilício e as cinzas. (Mt 11:21).
Por outro lado, as cinzas também são símbolo de algo que foi destruído, queimado, que virou pó. Elas são a evidência do aniquilamento. “Tudo virou cinzas” é uma expressão que denota derrota, impossibilidade de se recuperar ou ressuscitar.
Quando penso na quarta-feira de cinzas fico entre a cruz e a espada. Não sei se as cinzas, no caso do brasileiro, seriam símbolo de arrependimento ou de aniquilamento. Digo isto porque o Carnaval tem sido um evento nacional que vem ganhando contornos cada vez maiores a cada ano, e se tem explorado comercialmente as festas que em seu nome se realiza. Muitos cometem excessos de todos os gêneros e pode ser que, ao voltar à vida de trabalho e estudos, se arrependam dos excessos cometidos e por eles peçam perdão.
Por outro lado, talvez se deva pensar na quarta de cinzas como sinal de aniquilamento, vez que, a grande maioria que se esfalfou nos cinco dias, chega à quarta em frangalhos, feito cinza, porque a energia, a vitalidade e parte da saúde estão acabadas.
Mas o que realmente a nação gostaria de ver é uma confissão de pecado e arrependimentos dos políticos brasileiros, por atos de comissão e de omissão. Gente confessando que errou, que roubou, que montou esquemas e que viesse à luz, não numa delação premiada, mas em ato genuíno de arrependimento.
Gostaria de ver também os que, mesmo não tendo participado ativamente, mas que sabiam dos atos e nunca fizeram nada para impedi-los. Pecaram pela omissão!
Mas há mais um aspecto: a delação premiada. Para os que negociaram propinas, contratos, maracutaias, vantagens, esquemas, reeleições, na Delação Premiada continuam a fazer seus acordos espúrios: trocam a informação pela propina de uma sentença mais branda e curta, trocam a cela pela tornozeleira, pagam causídicos que, tal como os lavadores de dinheiro, somem com os rastros das suas operações. Advogados especializados em apagar rastros e trazer vantagens para os clientes, sendo a maior delas a liberdade o mais breve possível para que possam desfrutar do que amealharam.
A sentença reduzida é a propina para corruptos que fingem passar por uma cerimônia de arrependimento vestindo-se de cinzas!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

COELET E O BRASIL

O escritor/pregador/sábio do livro de Eclesiastes, é assim chamado no hebraico. Determinar quem era ele é coisa quase impossível, ainda que muitos creiam ser Salomão, já velho, depressivo e desesperançado. Há no livro um refrão: “É ilusão, é ilusão, diz o Coelet. Tudo é ilusão. A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando e afinal que vantagem leva em tudo isso? ... o mundo continua sempre o mesmo. O sol continua a nascer, e a se pôr, e volta ao seu lugar para começar tudo outra vez. O vento sopra para o sul, depois para o norte, dá voltas e mais voltas e acaba no mesmo lugar. Todos os rios correm para o mar, porém o mar não fica cheio. A água volta para onde nascem os rios, e tudo começa outra vez. Todas as coisas levam a gente ao cansaço—um cansaço tão grande, que nem dá para contar. ... O que aconteceu antes vai acontecer outra vez. O que foi feito antes será feito novamente. Não há nada de novo neste mundo.”
O Coelet me dá a garantia de que há uma espiritualidade da depressão ou da desesperança. E ando com ela estes dias, provocada e alimentada pelo noticiário político e policial brasileiro. Já me entusiasmei com alguma aparente novidade que a Lava Jato estaria trazendo, mas se considero as penas até aqui impostas, concluo que há premiação em ser criminoso e que o crime compensa. O Sérgio Machado está em prisão no palacete que tem em Fortaleza. O Delcídio passou um mês se esfalfando na praia, com direito a fotos no Facebook. O Paulo Roberto , o Yussef, o Cerveró, o Barusco, e outros mais já estão em casa.
Mas, a minha maior decepção tem sido o STF. Tenho ficado indignado, irritado e desesperançado com os narcisos do STF: Gilmar Mendes, Lewandovsky e Marco Aurélio. Não podem ver uma luz que pensam que é holofote e já saem a dar entrevistas e fazer afirmações enviesadas. Eles me dão a impressão que agem com a seguinte máxima: o que posso fazer/dizer que vai me colocar na mídia? Agora vem mais um para disputar as luzes: Alexandre de Moraes.
Outro que tem me decepcionado é o tal do decano. Por ser o mais antigo eu esperava, que fosse mais sensato e menos dado a malabarismos. Qual o quê. O Celso de Mello atravessou alinha da sensatez ao dar o voto no caso da linha sucessória (o caso em que o Renan seria impedido de assumir a presidência), dizendo que ele estaria impedido, mas que continuaria na Presidência do Senado. Uma decisão salomônica: cortou o filho ao meio! Depois, quando teve que julgar o foro privilegiado do Moreira Franco, contrariando o que já havia sido decidido anteriormente sobre o caso Lula, elaborou uma sentença rococó, que exigiu a ciência da hermenêutica jurídica para entender o que disse e no final, decidiu mantê-lo no cargo, mas passível de deliberação pelo plenário do STF. Outra decisão salomônica!
Morreu o Teori Zavaski. Ainda fico me perguntando como uma figura do naipe dele, com a importância que tinha no cenário brasileiro, se mete a viajar em um avião de um amigo, com duas desconhecidas, para ir a uma cidade cujo aeroporto não tem aparelhagem adequada. No lugar dele o sorumbático/errático presidente nomeia a pessoa que se encarregou de colocar na cadeia quem chantageou a esposa. É o exercício da gratidão! Um futuro ministro do STF galgado pelo agradecimento.
Para não me delongar mais, a sabatina do Alexandre de Moraes no Senado, em uma CCJ presidida pelo monge das virtudes políticas, enrolado até ao pescoço em denúncias várias, com a parceria de seus filhos, é uma encenação. As cartas estão marcadas. Vão perguntar o óbvio, ele vai responder como querem ouvir, receberá os elogios dos sabatinadores e as críticas de uns poucos, para dar a aparência de democracia.
Concluo com o Coelet: “Todas as coisas levam a gente ao cansaço—um cansaço tão grande, que nem dá para contar. ... O que aconteceu antes vai acontecer outra vez.” E está acontecendo hoje.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

PALAVRA DESUMANA

Com algumas exceções, por que elas sempre existem, houve certo consenso em recriminar mensagens, postagens, memes, teorias de conspiração e manifestações animosas quando da enfermidade da sra. Marisa Letícia. Causou indignação e muita gente de bem, independentemente da predileção ou partido político que tivesse censurou as manifestações. Também vi manifestações de religiosos condenando tais postagens e afirmando tratar-se de comportamento execrável.
Nos mesmos dias em que isto se dava, por uma prática que adotamos na Igreja da Irmandade de estudar um livro da Bíblia em sequência e lermos os Salmos também em sua sequência numérica, estive lendo alguns salmos entre o 40 e o 48 e fiquei pasmo com algumas afirmações neles constante. Pesquisei um pouco mais e cito aqui alguns trechos dos salmos: “Sobrevenha-lhes inesperadamente a destruição, e prenda-os o laço que ocultaram; caiam eles nessa mesma destruição”” (35:8); “Os ímpios têm puxado da espada e têm entesado o arco, para derrubarem o poder e necessitado, e para matarem os que são retos no seu caminho. Mas a sua espada lhes entrará no coração, e os seus arcos quebrados. Mais vale o pouco que o justo tem, do que as riquezas de muitos ímpios. Pois os braços dos ímpios serão quebrados” (37:14-17); “Deus meu! pois tu feres no queixo todos os meus inimigos; quebras os dentes aos ímpios”. (3:7); “Deus afiará a sua espada; armado e teso está o seu arco; já preparou armas mortíferas, fazendo suas setas inflamadas. Eis que o mau está com dores de perversidade; concedeu a malvadez, e dará à luz a falsidade. Abre uma cova, aprofundando-a, e cai na cova que fez. A sua malvadez recairá sobre a sua cabeça, e a sua violência descerá sobre o seu crânio.” (7:12-16); “Ah! filha de Babilônia, devastadora; feliz aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós;  feliz aquele que pegar em teus pequeninos e der com eles nas pedra” (137:8-9); “Ó Deus, quebra-lhes os dentes na sua boca; arranca, Senhor, os caninos aos filhos dos leões. Sumam-se como águas que se escoam; sejam pisados e murcham como a relva macia. Sejam como a lesma que se derrete e se vai; como o aborto de mulher, que nunca viu o sol. Que ele arrebate os espinheiros antes que cheguem a aquecer as vossas panelas, assim os verdes, como os que estão ardendo. O justo se alegrará quando vir a vingança; lavará os seus pés no sangue do ímpio”. (58:6-7)
Diante destes textos fico com a pergunta: é justo regozijar-se com a desgraça do inimigo ou daqueles que nos causaram problemas? Quando vejo pessoas que defendem a ferro e fogo e inerrância e infalibilidade das Escrituras e que tudo nela é Palavra de Deus, e ao mesmo recriminam o que foi dito da Marisa Letícia, acho que há profunda incoerência, pois o salmista nos ensina a fazê-lo. Se os Salmos são Palavra de Deus e regra de fé e prática, quem ironizou, zombou ou fez chacota da enfermidade da Marisa Letícia, teve comportamento bíblico. Ou seriam estes textos exemplos de comportamentos humanos e que se tornaram clássicos porque muita gente se vê neles e no desejo de ver a ruína do malfeitor? Não faz parte do DNA humano se alegrar com a desgraça do inimigo?
No que pese o fato de ser isto algo muito humano, não significa que é aceitável, nem mesmo nos salmistas. Devemos condenar suas palavras e desejos, da mesma forma como criticamos quem postou as mensagens. E acima de tudo, devemos condenar em nós mesmos os desejos de vingança e prazer na desgraça alheia.
Marcos Inhauser



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

PALAVRA DE DEUS OU HUMANA?

A posição clássica e ortodoxa é afirmar que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino...”. Por “toda a Escritura” os protestantes e os que neles tem alguma raiz histórica e/ou teológica (batistas, metodistas, pentecostais) vão afirmar tratar-se de todos os livros que fazem parte do cânon bíblico aceito pelas igrejas chamadas de “evangélicas”. Já para os católicos, para os que creem na inspiração plenária das Escrituras, muito provavelmente acrescentarão os livros chamados de deutero-canônicos.
Há, no entanto, um senão nesta postura. Trata-se dos livros dos Salmos e Lamentações de Jeremias. A análise criteriosa deles nos fará perceber que, antes de serem palavra de Deus dirigida aos homens (tal como ocorre nos profetas, por exemplo), trata-se de palavra humana dirigida a Deus.
A grande maioria dos Salmos são orações humanas dirigidas a Deus na forma de pedido, lamentação, louvor, imprecação, etc. Não são strictu sensu Palavra de Deus, mas palavra para Deus, ainda que haja trechos em que explicitamente se afirma ser Deus falando. Da mesma forma as Lamentações de Jeremias. Trata-se de uma coleção de orações, lamentos, falas de arrependimento, que nascem da boca do profeta e são dirigidas a Deus.
A tomada de consciência deste fator é de profunda importância, porque muitos há que, lendo algo que era uma aspiração ou desejo do orador, o transformam em promessa de Deus. Cito o Salmo 23: “O SENHOR é o meu pastor; nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma. Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam. Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges-me a cabeça com óleo; o meu cálice transborda. Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do SENHOR para todo o sempre.”
Note-se que não há nele uma única menção a algo que Deus fala ou promete, antes é a fala do salmista. É uma oração de confiança na provisão e cuidado divinos, mas não é promessa de Deus de que ele fará o que ali está escrito. É um desejo humano e não uma promessa divina.
De igual forma se deve tomar o Salmo 37. Não se trata de promessas, mas de aspiração, de confiança. Neste caso, muito mais de exortação à confiança no Senhor: “Não te indignes por causa dos malfeitores, nem tenhas inveja dos que praticam a iniquidade. Pois eles dentro em breve definharão como a relva e murcharão como a erva verde. Confia no SENHOR e faze o bem; habita na terra e alimenta-te da verdade. Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará. Fará sobressair a tua justiça como a luz e o teu direito, como o sol ao meio-dia. Descansa no SENHOR e espera nele, não te irrites por causa do homem que prospera em seu caminho, por causa do que leva a cabo os seus maus desígnios. Deixa a ira, abandona o furor; não te impacientes; certamente, isso acabará mal. Porque os malfeitores serão exterminados, mas os que esperam no SENHOR.”
Por não perceberem isto, muitos há que prometem o que Deus não prometeu. Conheço muita gente que teve o Senhor como seu pastor, mas que passou por dificuldades e não teve pastos verdejantes e nem água tranquila. Outros que confiaram no Senhor e a Ele se entregaram e nem por isto todos os seus desejos foram satisfeitos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A TEOLOGIA DOS SEM-PODER

Quando se olha para os textos bíblicos que compõem o Antigo Testamento, pode-se fazê-lo de duas óticas: a tradicionalista e a instrumentalizada. Pela primeira, nos impingem premissas que a tradição repete até que pareça ser verdade. Exemplo disto é afirmar que os cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco, foram escritos por Moisés; que Isaías pertencia à corte; que a maior parte dos Salmos foram escritos pelo rei Davi, que Habacuque era sacerdote; Samuel é o autor dos livros a ele atribuídos, etc. Percebe-se uma nítida tendência de atribuir a autoria dos textos a personalidades do mundo antigo, gente ligada à corte (Moisés, Davi e Isaías), ou ao templo (Habacuque e Samuel).
A leitura instrumentalizada pelas descobertas arqueológicas, pelos fragmentos de escritos tanto em cerâmicas como pedras e papiros, desenhos feitos em cavernas ou nos palácios, a história comparada, a análise dos estilos e o vocabulário empregado nos escritos vários, mostram que a autoria dos textos bíblicos é bem mais complicada e difícil de se precisar. Já perguntei a muita gente que defende a autoria mosaica do pentateuco como poderia ter Moisés escrito em hebraico lá pelo século XIII aC, se os mais antigos textos com alguma palavra que talvez se possa atribuir ao hebraico são datadas no século X? Teria ele escrito em uma língua ainda inexistente? Um dos defensores, diante da pergunta, me respondeu que o “Espírito Santo o capacitou com o dom de uma língua que um dia apareceria”. Por que não se atribui nenhum trecho à autoria de uma mulher, mesmo que se tenha o cântico de Rebeca? Poderia um homem escrever com a fineza e a qualidade dos sentimentos femininos que estão presentes na história de Sara e Hagar e especialmente no encontro desta última com um anjo que a manda de volta para a casa de Abraão?
Como pôde Davi escrever tantos salmos para serem cantados no templo se em seu tempo ele não existia e, mesmo que quisesse construí-lo, foi seu filho, Salomão, que o construiu? Como podia ter dados ordens para se cantar com a melodia tal ou ao som de oitava, se o serviço religioso foi estabelecido mais tarde?
Quando se examina com mais imparcialidade e menos fervor religioso pré-concebido, percebe-se que o Antigo Testamento é uma coletânea de textos, escrito por uma multidão de autores que transmitiram o que ouviram e viram milhares de vezes, ao ponto de se tornar um texto de produção coletiva. A teologia do Antigo Testamento foi obra de um trabalho comunitário, de uma hermenêutica nacional, contando e recontando suas histórias e adaptando-as a cada momento que viviam. A fixação por escrito dos relatos orais se deu tardiamente. Exemplo disto é o livro de Jó, hoje reconhecida por muitos como obra teatral e não relato histórico sobre um personagem real. Em Jó estamos todos os que sofremos, que perdemos bens e família, que fomos falsamente consolados pelos amigos, que fomos acusados por quem nos dizia que nos queria ajudar.
Pela quantidade de denúncias que os textos fazem dos governantes e sacerdotes, da corrupção reinante nos juízos que exploravam e tomavam as propriedades aos mais pobres, pode-se concluir, com grande margem de acerto, que os que transmitiam oralmente as mensagens, especialmente as proféticas, e quem as redigiu, não era gente da corte, do templo ou dos tribunais. Era gente que estava sofrendo as agruras e que via nas mensagens a sua voz e angústia expressadas.
Tudo leva a crer que a teologia do Antigo Testamento é a feita pelos sem-poder, sem-notoriedade, gente sofrida, explorada, escravizada. Por isto, e com propriedade, é que se diz que a Bíblia é a memória dos pobres.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

QUEM VOS FASCINOU?

O apóstolo Paulo fez três viagens missionárias e, ao que tudo indica e os estudiosos apontam, visitou a região da Galácia nas três viagens. Definir os limites de tal região é algo que tem suscitado controvérsias e não tenho aqui espaço para isto. O que se sabe é que, na região da Galácia, especialmente nas cidades de Icônio, Listra e Derbe, ele teve atuação que marcou a sua forma de entender o evangelho e nelas estabeleceu comunidades cristãs.
Tudo indica que os Gálatas praticavam uma forma de politeísmo romano-céltico, comum em outras terras célticas e ali Paulo pregou o seu evangelho da graça, livre dos preceitos legalistas dos judaizantes ou das religiões de mérito, onde o fiel recebe segundo suas ações. Dá-me a impressão que Paulo se dedicou de corpo e alma a esta tarefa e acreditou piamente que os gálatas tinham entendido o evangelho da graça e que viveriam pela graça.
No entanto, na carta que escreve às igrejas, percebe-se um tom de frustração e indignação. Em nenhuma outra missiva ele foi tão duro e contundente quanto o foi ao escrever a estas igrejas. O texto, no seu início, tem uma advertência dura e defesa clara do evangelho de Cristo. Nota-se uma brusca ruptura entre a saudação inicial (Gl 1,5) e o texto seguinte (Gl 1,6) que mostra o estado de humor do autor e sua decepção com os gálatas. Ela difere das outras cartas onde, à saudação inicial, segue-se ação de graças e elogios. Tal era sua indignação e certeza do que lhes havia pregado que afirma: “... ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema. ... se alguém vos prega evangelho que vá além daquele que recebestes, seja anátema. ... Faço-vos, porém, ... que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo.”
Dada a seriedade e a certeza do que havia pregado, dada a esperança de que a graça prosperaria no seio destas comunidades, Paulo se decepciona amargamente e escreve: “Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado? Quero apenas saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?”
Esta carta me leva constantemente à pergunta: por que é tão difícil para os cristãos viver a graça? Por que, mesmo sendo instruídos nela, preferem, pregadores de méritos, do Deus que dá segundo o seu dízimo, que prometem o milagre, a cura, a posse, como se senhores de Deus fossem, dando-lhe ordens? Por que é mais fácil acreditar que foi a fé que imaginam ter o que causou a benção, do que acreditar que a dádiva foi presente imerecido?
Por que, pessoas que viveram certo tempo em uma comunidade onde a graça é ensinada, acreditam que seu filho, genro, marido, vizinho, amigo só se converterão se forem para outra igreja, onde a “des-graça” é pregada, onde a salvação vem pela obediência, e a “graça” exige a aceitação de uma decisão?
Por que pregar a graça é cair em desgraça diante dos pregadores de milagres e arrecadadores contumazes? Por que pregar a graça é ser acusado de incentivar a licenciosidade e o anarquismo religioso?
Na Sua infinita graça, Deus permitiu que houvesse no Novo Testamento uma carta para nos alertar que os pregadores de certezas e de recompensas segundo as boas ações devem ser anatematizados, amaldiçoados! Não sou eu quem o diz. Reclamem com o apóstolo Paulo e com o Espírito Santo!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

DOIS CAMINHOS

No emaranhado das teologias, com tantas interpretações, não é fácil entender a essência dos posicionamentos. No desejo de explicitar as coisas, apresento este esboço, resumindo as teologias a duas linhas fundamentais: a teologia do mérito e a da graça.
A do mérito também pode ser descrita como sinérgica ou da justiça retributiva. A palavra “sinérgica” vem do grego “syn”+”erga” = trabalho conjunto. Esta teologia trabalha com o conceito do mérito: a pessoa recebe de Deus o que ela merece. Se praticar o bem, recebe a benção. Se praticar o mal, recebe de Deus o castigo.
Frases características desta linha de pensar são: “Se sou fiel no dízimo, Deus vai aumentar meu salário”; “se sou fiel, não vou ficar doente”; “Deus levou em conta a minha fé”; “Deus me curou porque minha fé é muito grande”; “Deus me deu o emprego porque jejuei três dias”; “aquele que é fiel, praga nenhuma o atingira´”.
As consequências lógicas e práticas deste pensamento é que Deus não é onipotente porque obrigado a retribuir as ações humanas. Deus passa a ser previsível: só responde às ações humanas. Por consequência, Deus pode ser manipulado, porque se consegue que Ele atue em retribuição às ações boas ou más. A salvação não depende de Deus, nem de Cristo, mas das obras feitas para merecê-la, deixando de ser dádiva ou presente para ser pagamento pelo comportamento exemplar que se teve. O juízo final será a pesagem de ações boas e más e, dependendo do resultado desta balança, vai-se para o céu ou o inferno. Como juiz, Deus sentencia cada um de acordo com suas obras. Assim, deixa de ser salvador e se transforma em juiz, deixa de ser amor e passa a ser justiça.
Ela promove o egoísmo: “eu som bom e por isto Deus me abençoa”. Promove a competição e a jactância: “orei tantas horas”; “oro todos os dias, três vezes ao dia”; “li X vezes a Bíblia inteira”; “nunca faltei a um trabalho da igreja”; “Deus vai me responder, porque acredito muito nEle, minha fé é muito grande”. Os cultos se transformam em palcos para a atuação de narcisos: gente que vai à igreja para mostrar quão bons eles são. Ávidos para fazer um solo, orar em voz alta, dar testemunho, contar uma benção. Cacarejam o quanto Deus os está abençoando porque são merecedores. Fazem um rosário de “testemunhos”, cada qual querendo mostrar que é mais merecedor das bênçãos de Deus.
A outra teologia é a da graça que é o agir espontâneo de Deus, aquilo que Ele faz sem que nada o motive ou obrigue a fazê-lo. A graça é o agir surpreendente de Deus, porque nunca previsível: nunca ninguém poderá dizer que a graça vai se manifestar! Ela está definida no texto de João: o vento sopra, não sabes de onde vem, nem para onde vai. A graça não pede licença, nem retribuição ou mesmo um “obrigado”. A graça atropela! Faz mais do que imaginamos ou pedimos! Ela arregaça com os parâmetros da justiça humana, porque ilógica! A graça não precisa de “estrelas televisivas do mundo gospel” para se manifestar, ainda que, se quiser, pode usá-las! Não há poço tão profundo que a graça não possa alcançar! Não há trevas tão escuras que a graça não ilumine!
A graça não é resposta às orações feitas. A graça vem de onde menos se espera! Muda o caos em ordem, a briga em harmonia, a crise me abundância! A graça tapa a boca de pregadores presunçosos! Destrona os que se acham porta-vozes de Deus! Ela exalta o humilde, o órfão, a viúva, o enfermo! A graça visita leitos de doentes terminais!
Marcos Inhauser