Leia mais

Há outros artigos e livros de Marcos e Suely Inhauser à sua disposição no site www.pastoralia.com.br . Vá até lá e confira

quarta-feira, 24 de maio de 2017

COELET E OS 40


Há 40 anos, na última segunda-feira, dia 22, fui ordenado ao ministério pelo Presbitério Norte de São Paulo. Não celebrei a data e ninguém a celebrou. D minha parte não celebrei e tenho razões para isto.

A razão maior é que estou em período em que estou vivenciando a experiência do Coelet, o Pregador do livro bíblico do Eclesiastes. Já escrevi aqui, há algum tempo, que o Coelet é quem valida uma “espiritualidade da depressão”. Não acho que estou deprimido, mas estou, sim, frustrado, decepcionado, envergonhado, magoado, bravo e desanimado (FDEMBD).

Estou FDEMBD com a situação do meu país. Eu imaginava que a coisa estava ruim, mas não que a podridão tivesse alcançado os níveis e as autoridades que alcançou. Estou FDEMBD com os políticos do meu país, inclusive com os que ajudei eleger, porque esperei deles algo muito diferente do que estão sendo e entregando. Estou FDEMBD com o cinismo das pessoas públicas que têm a coragem de negar o batom na cueca. Estou FDEMBD com o STF que solta o Eike, o Zé Dirceu, que tem ministro que inocenta o Maluf, que rasga a Constituição no processo de impeachment. Estou FDEMBD com o Judiciário pelas idas e vindas, sentenças e liminares, que joga a coisa numa ciranda que vence quem tem o melhor advogado, o mai$ bem pago. Estou FDEMBD com a Lava Jato que anda dando sentenças ínfimas para quem cometeu crimes máximos. Estou FDEMBD com A PGR que dá impunibilidade aos irmãos Batista, no que pese terem comprado o Brasil e os deputados com suas propinas e maracutaias.

Estou FDEMBD com a “igreja brasileira” porque, salvo honrosas exceções, sucumbiram ao modelo de mercado. Ou fazem a coisa para o gosto do público e para encher templos, ou fazem as coisas numa sucessão de eventos, onde a igreja é “uma fábrica de eventos”: jantares, gincanas, acampamentos, encontros deste ou daquele grupo, etc. Estou FDEMBD com um monte de gente que se chama pastor, que nunca passou por um treinamento teológico sério, que se achou bom orador, que nunca passou por uma cerimônia bíblica de ordenação e que envergonham algo que tem sua origem na vocação divina.

Estou FDEMBD com alguns com quem gastei tempo ensinando, dei do meu tempo, investi até financeiramente e que resultaram em perda total ou em vergonha para mim e para o evangelho. Gente que treinei para ser pastor e que virou bandido. Estou FDEMBD com alguns membros de igreja que trocam a comunhão dos irmãos na reunião da igreja por qualquer coisa de somenos. Estou FDEMBD com quem me critica porque me acham radical, veemente, profético ao estilo jeremias,

No entanto, nestes 40 anos, tive meus bons momentos e recordá-los me dá ânimo para seguir adiante, mesmo porque, tenho absoluta certeza, a vocação que tenho é irresistível e, por mais que queira deixá-la (e já tentei), tal como Jeremias “como me calar se tua voz me queima aqui dentro?” Nestes 40 anos tenho gente que ensinei, pastoreei, me fiz confidente e que me dão a alegria do respeito, do carinho e da acolhida. Tenho Igrejas e famílias que me recebem de braços abertos, onde me sinto amado e percebo que não trabalhei em vão.

Plantei flores e me arranhei com os espinhos. Semeei espinhos é verdade, mas sempre na firme convicção do exercício do profético enquanto denúncia. Acho que demorei muito tempo para reconhecer a graça de Deus no meu ministério e na vida das pessoas. O fardo do ministério se tornou mais leve a partir da dimensão da graça. Se estivesse ainda pregando e ensinando a justiça retributiva, teria sucumbido.

Não tenho ânimo para celebrar os 40 anos de ordenação ao ministério, por mais significativo que isto tenha sido para a minha vida. O que, sim, faço é agradecer a Deus por me manter em pé nestes anos, apesar do tropeços e erro, da descrença costumeira nos momentos de crise, e por me ter usado quando nada em mim servia. Como diz um hino: “se Tu podes usar qualquer coisa, Deus, usa-me! Esta é a minha oração!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 17 de maio de 2017

OS REIS TEMER E ASA

Todas as vezes que ouço notícias das reformas que o presidente Temer pretende fazer na previdência e trabalhista, não consigo deixar de pensar em um rei bíblico: o rei Asa. Sem querer descer aos detalhes da sua vida e obra, uma vez que há muitos dados para serem considerados, quero ressaltar aqui que o rei Asa foi uma pessoa que teve bons propósitos para seu reinado.
Assumiu em momento difícil para a nação. Havia muita tensão com o reino do Norte, teve que fazer alianças para sobreviver politicamente, mas, animado pela palavra profética de Azarias, promoveu reformas profundas. Tal foi seu comprometimento em fazer o que era certo, que não teve dúvidas em destituir sua mãe, a rainha-mãe Maacá de sua dignidade porque ela havia construído algo abominável em homenagem a Aserá. Também não teve escrúpulos em pegar os tesouros do templo para pagar a Ben-Hadade para que desfizesse a aliança com Israel.
No entanto, a narrativa bíblica coloca senões na sua atuação: os altos e os postes ídolos não foram retirados ou derrubados. Teve excelente ímpeto em um monte de coisas, mas deixou ou cedeu às pressões quanto aos postes ídolos e altos, onde se cultuava os deuses da fertilidade.
Ainda que as semelhanças não sejam exatas, há entre o Temer e o rei Asa algumas coisas que podem ser assinaladas. Não duvido das boas intenções do Temer. Duvido de seus auxiliares (vários deles já derrubados por problemas com a Lava Jato) e das alianças que faz para conseguir o que quer, nem que para isto tenha que saquear os tesouros do templo (tesouro nacional). Duvido também da sua constância em perseguir os objetivos que se propôs, uma vez que tem mudado de opinião cada vez que pisca os olhos.
Assim como o rei Asa, ele teve que destronar a rainha para que pudesse ter domínio completo. A Maacá do Temer foi derrubada e destituída porque, no seu entender e no entender dos seus auxiliares, havia ela construído uma abominável estátua a Aserá (aqui, no caso, à corrupção).
Tal como o rei Asa, sua disposição inicial era fazer todas as reformas necessárias, doesse a quem doesse. Veio com o ímpeto de um canhão, pronto a derrubar o edifício existente e construir coisa nova. Tal qual Asa, no decorrer das tratativas para a reforma radical, foi cedendo à Polícia Federal, aos militares, à polícia civil, à polícia legislativa. Os altos e os postes-ídolos da nação ficaram de fora da reforma da Previdência. Se no tempo do rei Asa era o culto à fertilidade que o demoveu da reforma completa a radical, com o Temer parece que é o culto à farda que o tem demovido de realizar o que havia prometido inicialmente.
Assim como Asa que teve que fazer alianças para não ver seu reinado destruído pelo reino do Norte, o Temer também vai ter que buscar alianças, mesmo que saqueando o templo, para não ser destronado pelo TSE. Se o rei Asa buscou Ben-Hadade, temo que o Temer busque a aliança com o Gilmar Mendes para salvar seu mandato.
É verdade que em ambos os casos houve tempos de paz, no que pese as muitas frentes de batalha que travaram. No que pese o momento delicado da política nacional, deve-se dizer que, dadas as circunstâncias, há relativa paz social. Mas também é verdade que ambos sonharam em parir um dinossauro, mas pariram lagartixas. Entre o prometido e o entregado, houve e há muita distância.

Marcos Inhauser

A IGREJA DO PASSADO E DO PRESENTE

Duas grandes ameaças pesavam sobre a Igreja primitiva: o poder imperial e líderes heréticos. A primeira tinha conotações políticas, porque o poder central percebeu que estava ameaçado por um grupo de fanáticos que se recusavam a dizer “César é Senhor.”
Infiltraram espiões e concluiram que os cristãos celebravam o ágape ou “festa do amor”, que se chamavam de irmãos e irmãs e que comiam do corpo e bebiam do sangue de Jesus Cristo. Do alto de sua sabedoria político-filosófica concluíram que os cristãos promoviam orgias sexuais em suas festas do amor, praticavam o incesto porque se chamavam de irmãos e irmãs nestes banquetes orgiásticos e praticavam a antropofagia, porque comiam do corpo e bebiam do sangue de Jesus.
O império alertou a todos e divulgou o perigo que esta nova seita representava para os projetos políticos do César. Cabeças rolaram, gente inocente foi crucificada, comida pelos leões, queimada, serradas ao meio.
A segunda ameaça era interna e tinha elementos político-teológicos. A igreja tinha sido fundada pelos alunos do “Seminário Teológico de Jesus, um curso teológico e prático de três anos, receberam a ordenação ministerial pela descida do Espírito Santo e houve alguém que se extraviou e traiu a causa do evangelho. Zelosos que eram da sã doutrina, procuravam transmitir as coisas com fidelidade, tal qual haviam aprendido do Mestre.
Mas, eis que surge, lá não se sabe de onde, nem como, outro apóstolo, nascido fora de tempo. Paulo era o seu nome.
Ele ensinava a graça que liberta da escravidão da lei. Os alunos do Seminário, por terem recebido aulas do próprio Mestre e por terem um background judeu, viram com restrição os ensinos deste também judeu, só que renegador das tradições da religiosidade judaico/cristã. A coisa esquentou a tal ponto que fizeram um concílio em Jerusalém para decidir se Paulo era ou não verdadeiro apóstolo. Depois de muita saliva, chegaram a um acordo salomônico: Paulo é apóstolo, prega a verdade, mas deve ensinar algumas coisas como não comer sangue, não ter relações sexuais ilícitas, etc. e tal.
Ocorre que Paulo não foi o único herege” que surgiu. Começaram a aparecer aqui e ali profetas, profetisas, apóstolos, mestres, sábios, ex-qualquer-coisa e todos se julgavam donos da verdade. A quase totalidade deles não se sabia com quem havia aprendido.
Havia os que negavam partes da Bíblia, como era o caso de Marcião que desprezava o Antigo Testamento, havia os que enfatizavam os dons, como era o caso de Apolo que criou uma tremenda confusão em Corinto, havia os profetizadores, os que se perdiam em discussões genealógicas, outros que falavam mais de demônios que de anjos, outros que fabricavam uma lista interminável de “pode” e “não pode”. Havia também os milagreiros, os mercadores da palavra, os que no dizer de Pedro, “faziam comércio dos crentes”, os que negavam a humanidade de Jesus e os que sustentavam o adocionismo. Era um supermercado de doutrinas, uma para cada gosto e para cada comichão de ouvidos.
É neste contexto que alguns dos escritores neo-testamentários escreveram suas epístolas, preocupados que estavam com o futuro da Igreja. É o caso de Judas que alertava a igreja quanto aos que “se introduziram no nosso meio, que convertem em dissolução a graça de Deus... que contaminam a carne, rejeitam as autoridades, que são como manchas em vossas festas de amor, pastores que a si mesmos se apascentam”. É o caso de I João alertando quanto aos que diziam que não mais pecavam.
É o caso de Pedro em suas duas epístolas. Pedro, um dos alunos do Seminário de Jesus, preocupado com a desaparição precoce de seus colegas de turma, quase todos eles martirizados, e também preocupado com a investida, de verdadeiras fábricas de heresia, pessoas que surgiam de não se sabe onde, que não haviam estudado com ninguém, mestres de si mesmos.

Parece que as coisas não mudaram.  Dois mil anos de eterna repetição das mesmas heresias.