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quarta-feira, 27 de março de 2019

AUTODESTRUIDORES


Os exemplos se multiplicam. Basta prestar atenção a algumas pessoas e suas decisões. Parece que elas têm o instinto assassino de matar as oportunidades que a vida se lhes apresenta. No trabalho pastoral posso citar de memória um monte de casos de pessoas que agem desastradamente em prejuízo próprio.
Lembro-me de uma mulher que me procurou toda machucada. Soube que ela apanhava do marido há muito tempo. Orientei-a a dar queixa à polícia e se afastar dele para que sua vida fosse preservada. Nada fez e continuou apanhando. Outro que, enrolado até o pescoço com dívidas, foi convencido pelos amigos de apartamento que compartilhavam a vender uma motocicleta de primeira linha que possuía. Saiu no outro dia para se desfazer dela e saldar suas pendências. Quando voltou à casa, tinha vendido a moto, mas comprou um carro zero com prestações impagáveis.
Conheço outra que saiu de casa para comprar uma bolsa e voltou com uma SUV Toyota! Outra, vendeu uma casa que tinha, para ficar sem ter onde morar. Achou um muquifo, mudou-se para lá e o proprietário lhe ofereceu vender. Todos os que a conheciam e também conheciam o proprietário a avisaram que era uma tremenda fria fazer negócio com ele. Não escutou a ninguém, comprou, pagou e até hoje, depois de quase 15 anos, ainda está tentando regularizar a compra.
É o caso do pai que, avisado pelo filho de 17 anos que havia feito um negócio e que, por erro do vendedor, ele o carregou no catão do pai, ele afirma com alto e bom som que o filho o estava roubando. Nem considerou que o filho o estava comunicando um erro e tentando acertar as coisas. Perdeu a autoridade paterna sobre o filho.
Poderia citar os muitos casos de mulheres que, sabendo que o namorado era viciado em algum tipo de droga, mesmo assim decidiram se casar e, depois se arrependem amargamente. Criam piamente que conseguiriam “consertar o marido”.
Mais recentemente, no âmbito da política temos alguns exemplos de “suicídio”. Para ficar em um especialista em tiro no pé, cito o presidente que, sem contrapartida comum no campo da diplomacia, abre os vistos para estado-unidenses, canadenses, japoneses e australianos. Um visto para os EUA custa quase duas centenas de dólares (sem restituição caso seja negado), mais a humilhante entrevista para saber se você é um pretendente a morar e trabalhar naquele país. Ainda com o mesmo personagem, está a declaração dele, em solo chileno elogiando a ditadura de Pinochet. Falou de corda em casa de enforcado!
Acrescente-se a isto as desastradas declarações sobre o aumento de impostos, redução da alíquota do IR, os retuites das asneiras escritas pelos filhos, a comparação da crise com o presidente da Câmara, Maia, como sendo uma briga com a namorada. Há ainda a “carta branca” que deu ao Moro e que, depois, o obrigou a “desconvidar” a Ilona Szabó, especialista em Segurança Pública; a falta de posição no caso do laranjal do PSL que afeta o Ministro do Turismo, as idas e vindas (não sei se houve até agora alguma ida, porque me parece que só há retrocessos) no MEC; a presença esdrúxula do ex-aprendiz de astrólogo, Olavo de Carvalho, sentado à sua direita em reunião nos EUA; a continuidade da folclórica Damares no Ministério de Todas as Coisas; o exótico olavete Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores. Por falar nele, acho que ele tem sangue de barata. Excluído da conversa do Bolsonaro com o Trump, quando assunto tratado era todo relacionado à sua pasta, saiu-se dizendo que o filho do presidente também tem papel protagônico no trato destes assuntos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 20 de março de 2019

INVISIBILIDADE URBANA


Todas as tentativas de narrar a pré-história da humanidade mostram pequenos grupos preambulando em busca de caça e alimento. Os grupos, não mais de cem pessoas, quando muito, se fragmentavam quando cresciam, em função da estratégia da busca de sobrevivência, uma vez que, para se ter alimentos e caça para um grande número de pessoas, era mais problemático.
A convivência em um grupo reduzido de pessoas tem a vantagem de se ter relações afetivas fortes, laços de solidariedade e uma rede de proteção e apoio do tamanho do grupo. A pessoa é reconhecida nas suas qualidades e potencialidades. Ela existe socialmente falando!
Por outro lado, os pequenos grupos, pela dificuldade ou até inexistência de relações externas, tendem a se normatizar nos padrões aceitos pelo grupo, a buscar a homogeneização comportamental e de cosmovisão. Nestas sociedades a convivência com o diferente é mínima ou nula. Não há o treino para a vida com a novidade ou o diferente. É uma situação de conforto.
Quando a humanidade começou a se sedentarizar, vivendo mais tempo em um mesmo lugar, quando começou a dominar as técnicas da agricultura e pastoreio, quando o desenvolvimento comunitário começou a experimentar avanços, os grupos puderam crescer e assim fizeram. Agora se tinha mais gente vivendo juntas nos assentamentos onde se lavrava a terra e se cuidava dos rebanhos. O aumento dos grupos introduziu a necessidade da convivência com o diferente (ainda que em pequeno número).
A transposição do modelo rural/pastoril para o urbano trouxe implicações enormes. Cada pessoa teve que aprender a lidar com um número maior de pessoas e desconhecidos, com uma variedade maior de diferentes, com hábitos e comportamentos estranhos. À medida que o grupo aumentava, diminuía a capacidade de estabelecer relações afetivas significativas, menor era o reconhecimento social para a existência, uma vez que, em função da quantidade, o anonimato se instalava. Surgem os “walking deads”: seres que vivem sem vida social, invisíveis para a grande sociedade, não reconhecidos, não vistos, não ouvidos.
A forma de chamar a atenção, de gritar “olhem para mim”, “me escutem”, de chamar a atenção dos transeuntes, é usar penteados espalhafatosos, roupas “descoladas”, enormes brincos, piercings, tatuagens até na testa. Quanto mais invisível a pessoa se sente, mais ela chama a atenção.
Esta análise me vem ao pensar nos recentes episódios de massacre: Suzano e Christchurch, além dos casos de feminicídio resultantes da inconformidade com o fim da relação. Note-se que os atiradores dos massacres queriam “se tornar heróis, reconhecidos”, queriam dizer “eu existo” ainda que para isto, paradoxalmente, lhes custasse a vida! As Deep e Dark Web eram espaços onde encontravam pessoas dispostas a ouvi-los e lhes dar ajuda. A solidariedade para a fama questionável. Os invisíveis sociais ganharam as páginas dos jornais e as telas de televisão. Conseguiram ser vistos e estudados pela sociedade.
Os feminicidas, ao verem uma relação ruir, pela incapacidade de estabelecer novos relacionamentos porque sabem ser invisíveis sociais, matam quem os rejeita. A frustração de não ser ninguém os leva a matar quem, por um tempo, deu-lhes esperança e reconhecimento. Matam quem se interessava por eles, paradoxo dos paradoxos.
Faltam orelhas e olhos na sociedade. Todos de cabeça baixa olhando a tela e, ao redor, milhares pedindo: “olha prá mim!”.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 13 de março de 2019

A RETÓRICA E A PARRESIA


Michel Foucault, em uma de suas últimas aulas (01/08/94), fez comentários sobre o exercício da retórica e a parresia (que é o falar a verdade, sem esconder nada). Para ele, “na retórica não há vínculo entre aquele que fala e o que ele diz, mas a retórica tem por efeito estabelecer um vínculo obrigatório entre a coisa dita e aquele ou aqueles a quem ela é endereçada ... está no exato oposto da parresia”.
A parresia, por sua vez” estabelece entre aquele que fala e o que diz um vínculo forte, necessário, constitutivo, ... (que) se abre sob a forma de risco ... entre aquele que fala e aquele a quem ele se endereça. ... aquele a quem ele se endereça sempre pode não acolher o que lhe é dito. Ele pode (sentir-se) ofendido, pode rejeitar o que lhe dizem e pode, finalmente, punir ou vingar-se daquele que lhe disse a verdade”. É o falar sem dissimular.
Voltei a ler estes textos do Foucault em função de coisas acontecidas no passado recente e no presente da política brasileira. Não posso esperar de Foucault uma digressão sobre o significado e as consequências das Fake News, mesmo porque, nada data em deu suas últimas aulas, tal conceito ainda não havia sido elaborado. No que pese a isto, não posso desconsiderar que o termo é mais novo, mas o uso de meias verdade ou mentiras propositais sempre fizeram parte da política. Parece-me que a palavra “demagogia” está muito próxima ao conceito de retórica de Foucault, e é irmã gêmea de Fake News.
No anedotário político brasileiro há inúmeros exemplos de demagogia. Conta-se que Ademar de Barros subia ao palanque e, antes de começar a falar, tirava do bolso um sanduíche de mortadela, para que as pessoas o considerassem uma pessoa do povo. Também se conta que, quando suava em seus discursos, tirava do bolso um lenço e, propositalmente, caía um terço que ele o apanhava no chão e, com toda a reverência, o beijava e o recolocava no bolso. Assim fazia para mostrar que era católico fervoroso. Jânio Quadros afirmava que a Coca-Cola era um veneno e que iria fechar a fábrica e proibir o comercio do refrigerante. Nunca o fez e se sabia que era bravata eleitoreira.
A onda de Fake News, propiciada pela proliferação das redes sociais, onde pessoas reais, perfis falsos e robôs disseminam notícias e inverdades, é algo que está entre o demagógico e a retórica no sentido proposto por Foucault: sem nenhuma relação entre o que “envia as mensagens” e o que “recebe as mensagens”, sem conexão com a verdade dos fatos. Um paradoxo da problemática é que quem condena as Fake News, se vale delas para conseguir seus propósitos, haja visto os recentes episódios, tanto na política brasileira como na estado-unidense.
Exemplo claro desta retórica dissimuladora são os discursos do autocrata Maduro, diagnosticando como ataque do imperialismo ianque o que se sabe é incompetência do falastrão.
Tenho para comigo que os falastrões e Instagramers poliativos (para usar um neologismo para me referir às novas formas de falastrões midiáticos) são mais tendentes a ser retóricos e demagógicos, quando não fabricantes e disseminadores de inverdades ou meia verdades. Exemplo disto foi a controvérsia com o Bebiano, se falou ou não com o pai, quando este estava no hospital e mais recentemente a da jornalista do Estadão.
A parresia tem um preço e parece que os políticos não têm disposição de pagar. Quem paga o pato é o povo que engole meias verdade como verdade final.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 6 de março de 2019

É MUITA CINZA!


É verdade que o uso litúrgico das cinzas como símbolo de arrependimento remonta aos tempos bíblicos. Podemos ver o uso delas no arrependimento em Ester, quando Mardoqueu se veste de saco e se cobre de cinzas ao saber do decreto de Asuero I (Xerxes, 485-464 AC, da Pérsia, que condenou à morte todos os judeus de seu império Est 4:1). Outro personagem, Jó, mostrou seu arrependimento vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinzas (Jó 42:6). Daniel afirmou: "Volvi-me para o Senhor Deus a fim de dirigir-lhe uma oração de súplica, jejuando e me impondo o cilício e a cinza" (Dn 9:3). O povo de Nínive proclamou jejum a todos e se vestiram de saco, inclusive o Rei, que além de tudo levantou-se de seu trono e sentou sobre cinzas (Jn 3:5-6). São exemplos do Antigo Testamento que mostram a prática estabelecida de valer-se das cinzas como símbolo de arrependimento.
Jesus fez referência ao uso das cinzas: "Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidônia os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam se arrependido sob o cilício e as cinzas. (Mt 11:21).
Por outro lado, as cinzas também são símbolo de algo que foi destruído, queimado, que virou pó. Elas são a evidência do aniquilamento. “Tudo virou cinzas” é uma expressão que denota derrota, impossibilidade de se recuperar ou ressuscitar.
Quando penso na quarta-feira de cinzas fico entre a cruz e a espada. Não sei se as cinzas, no caso do brasileiro, seriam símbolo de arrependimento ou de aniquilamento. Digo isto porque o Carnaval tem sido um evento nacional que vem ganhando contornos cada vez maiores a cada ano e são exploradas comercialmente as festas que em seu nome se realiza. Muitos cometem excessos de todos os gêneros e pode ser que, ao voltar à vida de trabalho e estudos, se arrependam dos excessos cometidos e por eles peçam perdão.
Parece que o ex-governador Cabral foi acometido do espírito de arrependimento antes da quarta de cinzas. Decidiu entregar os podres de sua administração. Acho que mudou a estratégia para ver se esconde ou sobra algum do arsenal de dinheiro que tem sabe-se lá onde.
Mas o Bolsonaro parece que está fazendo cinzas das suas promessas de campanha. Prometeu que não haveria o toma-la-dá-cá e há fortes indícios de que abriu o balcão fisiológico para, ao menos, aprovar a Reforma da Previdência. Mas ele próprio já está queimando etapas ao explicitar o que pode ser mudado na proposta, antes mesmo de se iniciarem as negociações. A sabedoria virou cinzas!
Também virou cinzas a propalada decisão de não interferir na composição ministerial, dando aos ministros carta branca. O recente episódio do convite feito por Moro a Ilona Szabó e sua defenestração, antes mesmo que esquentasse na cadeira, mostra que a carta branca tem seus pontos cinzas bastante escuros. O mesmo se deu com o Bebiano, criticado por ter marcada na agenda uma reunião com o encarregado das Relações Institucionais da Globo.
Se as redes sociais o alçaram à presidência, estas mesmas redes têm dado balizamentos para suas ações. Mesmo que venha dizer que nenhum dos filhos interferirá no seu governo, parece que o MBL e outros viralizadores de comentários nas redes têm, sim dado a pauta para este governo.
Se o senador Jorge Kajuru votou pedindo a opinião para seus seguidores no Facebook, parece que o presidente está fazendo o mesmo, olhando parcialmente para a opinião pública via Whatsaap e Instagram.
Marcos Inhauser