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quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

GILMAR TOFFOLI NATALINOS

A tradição brasileira, tanto no legislativo como no judiciário, é que as decisões mais importantes são tomadas ou na calada da noite, ou nos estertores do ano legislativo ou judiciário. Assim foi a aprovação da “censura na internet”, votada no dia último 05 de outubro. O mesmo se deu com o pacote contra a corrupção que foi mutilado pelas muitas emendas e alterações.

A poucos dias outro fato pitoresco e grotesco: o Presidente da comissão, Caio Narcio (PSDB), anunciou votação e proclamou aprovação de projeto sobre cursos de saúde à distância! A desfaçatez está no fato de que não havia ninguém na hora da votação. Só ele!

Mas o que me choca é o sentimento natalino que se bate sobre alguns ministros do STF nos finais de ano. O mais afetado pelo espírito cristão é o Gilmar Mendes, a quem já dediquei uma coluna, pelo mesmo motivo, com o título Gilmar Noel Mendes. Nele escrevi: “no exercício do sagrado dom da misericórdia, o judiciário que ele representa e que por ele assinou, deu habeas corpus ao médico Abdelmassih (tantas vezes negado anteriormente), anulou a sentença do juiz De Sanctis condenando Daniel Dantas no caso da empresa Kroll, paralisou a ação da operação Satiagraha. Neste espírito natalino, a esposa do traficante Juan Carlos Abadía, a Jéssica Paola Morales, também recebeu a permissão para sair da prisão e ficar com a mãe que a visitaria”.

A coisa se repetiu neste final de ano. Ele e seu colega Toffoli, contagiado pelo dom da misericórdia e perdão do Gilmar, avalizou as decisões tomadas. Suspendeu o inquérito contra o governador Beto Richa, deu prisão domiciliar para a Adriana Ancelmo,  livrou da ação o senador Benedito de Lira e o deputado Arthur Lira, ambos do PP que teriam recebido R$ 2,6 milhões de propina entre 2010 e 2011; também inocentaram o deputado José Guimarães, do PT, denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro, acusado de ter recebido de R$ 97 mil em troca da liberação de empréstimo para a construtora Engevix. Novamente, o deputado Eduardo da Fonte, do PP, também foi salvo, sob a alegação de que a denúncia não era substancial.

Parece que, para a dupla, para ser considerada denúncia substancial, precisa haver recibo com firma reconhecida e duas testemunhas. Vídeo com quinhentos mil, áudio com provas, não são “substanciais”.
Para selar com chave de ouro o seu período natalino e de papai Noel, o Gilmar proíbe a “condução coercitiva”. Agora corrupto, ladrão, engravatado, dono de mandato, pode escolher a hora e local onde prestar depoimento. Nada de ser levado sob convite!
O Toffoli, expert em pedir vistas, tem usado do recurso como instrumento político protelatório. Causas já definidas com a maioria dos votos proferidos é paralisado pelo ministro cego que pede vistas. Tenho para comigo que um pedido de vista é uma afirmação de incompetência. O assunto está no tribunal há tempos e ele vem dizer que precisa de tempo para estudar a matéria. O que fez antes?
Se eu fosse o Eduardo Cunha, Geddel, Delcídio, Eduardo, Henrique Alves, Lula, Cabral, ou algum outro que recebeu alguns votos na vida e “tem ou teve foro privilegiado”, clamaria aos céus para que meu recurso ao STF caísse para o Gilmar julgar. Seria livramento garantido.

Este espírito natalino me envergonha, assim como boa parte da nação brasileira. Não precisamos destes Papai Noeis!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

ANJO COM CÂNCER

Esta coluna eu a tenho na mente há alguns anos. Não vou colocar nome na pessoa por algumas razões: levaria uma baita bronca dela (quem detesta holofote), quem a conhece sabe que estou falando dela e quem não a conhece o que importa saber é que há anjos de carne e osso.
Por várias vezes e sempre pela mesma razão tive que adiar a publicação, porque, em vista da saúde dela, poderia parecer que o que escrevo é comiseração. Queria escrever o que vou dizer em um contexto de saúde. Não consegui e se o faço é porque quero dar a ela uma palavra de alento.
Eu a conheço há uns 46 anos. Ainda na pré-adolescência, foi daminha de honra do meu casamento. Desde então venho acompanhando sua vida e sempre a admirei por sua atitude positiva frente à vida e seus percalços. Acompanhei sua juventude, casamento, filhas e desenvolvimento profissional. Sempre admirei seu compromisso com a fé e a maneira como vive de maneira prática e significativa a vida cristã abençoando todos quantos a conhecem.
Há algumas coisas que nela me edificam e me fazem admirar. A sua disponibilidade constante em ajudar aos outros. Enumerar as vezes e os fatos em que ela esteve envolvida fazendo algo em benefício de alguém é trabalho sem fim. Seu coração alegre e generoso tem sido benção. Dizer do seu trabalho maravilhoso na igreja como pianista é falar o óbvio.
Filha de um pai abençoado e abençoador e de uma mãe que se entrega de alma ao ministério de oração, ela pegou o DNA dos dois: abençoadora com palavras, ajuda e orações. Leva a sério a recomendação bíblica de que a mão esquerda não deve saber o que a direita faz. Assim, o que dela sei foi por testemunho de outros e nunca porque ela tenha me contado.
No auge de sua vida descobriu-se com um câncer no seio. Encarou-o com serenidade, fez o que devia ser feito, levantou a cabeça e continuou sendo o mesmo anjo que sempre foi. Alguns anos mais tarde descobriu um câncer no fígado. A mesma determinação e enfrentamento. Daí veio o do pâncreas e depois, outra vez, o do fígado. Continua sendo o anjo que sempre foi.
Dia destes conversávamos e ela contava o quanto tem tido a oportunidade de ajudar pessoas que estão na mesma condição, quando das aplicações que deve fazer. Abatida pelo tratamento prolongado, tem mostrado uma fé abençoadora. Assim são os anjos!
Não entendo por que Deus faz estas coisas. Por que Ele bota de molho alguém que fez da sua vida uma benção para muitos? Por que ele deixa familiares, amigos e abençoados por ela no estresse de acompanhar a evolução do seu tratamento? Porque alguém cheio de vida precisa ficar de molho até recuperar as forças para continuar fazendo o que sabe fazer: abençoar? Por que Deus permite que anjos adoeçam e ainda mais de câncer?
Ela é a negação da teologia do mérito. Ela não merece o que está passando porque, se Deus é verdade que abençoa os retos e castiga os injustos, ela nunca deveria ficar doente.
Tô brigando com Deus por causa dela. Sei que vou perder a briga, mas sou honesto em dizer a Deus o que penso: Ele está errando com este anjo! Já passou da hora de curar este anjo!
Marcos Inhauser


quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

A ESSÊNCIA DA IGREJA

Estou dando um curso à distância para alunos que são hispanos nos Estados Unidos. O curso, por causa da modalidade, é experiência nova para mim que sempre dei cursos presenciais e podia “ler a classe” e acertar o caminhar do conteúdo com a linguagem corporal dos alunos. As aulas versam sobre a história da igreja, especialmente voltadas para os movimentos anabatistas e petistas.
Para que houvesse certo consenso no que os alunos entendem como sendo igreja, dada a diversidade de opiniões e conceitos, trabalhei dois elementos: a essência e a forma da igreja. Por essência se deve entender aquilo que, se retirado ou inexistente, deixa de ser igreja. É o mínimo necessário para que um agrupamento religioso possa ser considerado como tal.
Por forma se entende tudo o que “enfeita”, “adorna” a essência. Neste quesito está a cultura, o idioma, as músicas, a liturgia, os cânticos, as vestimentas, os horários e dias de reunião, a estrutura organizacional, os cargos e ofícios, as celebrações, etc. A essência não pode mudar. É a mesma em qualquer lugar, mas a forma deve mudar para que o grupo se adeque ao seu contexto e às pessoas que dele participam.
Ainda que possam parecer simples, estes dois elementos encontram dificuldade em ser definidos, especialmente no que à essência se refere. Em um dos testes, pedi que me listassem cinco elementos essenciais da igreja e tive tantas respostas quanto alunos. A variedade do que entendem como essência me causou espécie, e me fez refletir sobre o que se entendem como sendo igreja, o que eu entendo como essencial e o que, histórica e teologicamente devem ser considerados como elementos essenciais.
Um elemento foi comum a todos eles: a centralidade de Cristo, ou o cristocentrismo. Na avaliação das respostas dadas surpreendi-me em perceber que eu mesmo não saberia dar os elementos essenciais que fossem consenso com outros colegas. No refletir sobre o assunto, percebi que há um elemento que eu nunca havia incluído. É sabido e ensinado que Jesus deixou a lei magna, pela qual toda a lei de Deus é cumprida: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Esta tríplice dimensão do amor (Deus, próximo e mim mesmo) deve estar na essência da igreja. Ela deve promover o amor a Deus e isto, de uma forma ou outra, questionável ou não, todas se declaram como imbuídas desta missão.
O problema surge no exercício do amor ao próximo porque muitas segregam, discriminam condenam ao diferente ou ao que não pertence ao grupo ou dele diverge nos ensinamentos. Não é raro ver ou escutar de pessoas que foram condenadas ao inferno porque não pertencem a esta ou aquela denominação ou “seita cristã”, de igrejas que mandam ao inferno ao diferente por sua opção sexual, por ter roubado, ou assassinado. Por se verem como “santos e santificados”, entendem que pertencem a uma classe especial de seres humanos porque agraciados com a benção da justificação e, pela presença e ação do Espírito Santo, se comprometem com a santificação que os “tira do mundo”.
Mais ainda: não há um compromisso sério de promover o amor a si mesmo, com medo de estar promovendo o egoísmo. Antes, a pregação é culpabilizante, tripudiando a pessoa com a ideia de uma velha criatura, qual cadáver insepulto que está a atormentar o crente, levando-o à tentação e pecado. O ser humano convertido não é portador de virtudes, mas de erros e pecados potenciais. Assim, as igrejas se transformam em demolidoras de autoestima.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

MICROCORRUPÇÕES

Estamos assustados com os milhões que correm solto nos vários esquemas revelados pela Lava Jato. Pior: o Joesley nem fala de milhões, mas de “milhão”, tudo no singular, como se um, dois ou mais fossem a mesma coisa.
No entanto, há um tipo de corrupção miúda correndo solto, que nem sempre estamos atentos a ela e que prejudica tanto ou mais que a corrupção graúda. Por ser pequena não há delação premiada, nem TV. Falo das microcorrupções.
Quem nunca viu em um restaurante, bar, padaria, alguns policiais parados como se estivessem protegendo aquele patrimônio específico? Quem nunca viu eles comerem algo, almoçarem e saírem sem pagar, como “cortesia da casa”? Isto não favorece o estabelecimento em uma relação de desigualdade quando se tratar de eventos concomitantes? Se há dois eventos e eles tiverem que atender a este ou aquele, qual deles vão preferir atender? O que lhes dá comida de graça ou o sujeito que nunca souberam sequer que existia?
Quem nunca viu policiais, especialmente os rodoviários, pegando caronas em viagens intermunicipais? Param o ônibus, sobem, quase sempre ficam em pé ao lado do motorista e vão com ele conversando. Em quase todos os ônibus há um alerta de que se deve falar com o motorista o estritamente necessário. Mas se é Policial Rodoviário pode conversar e falar de tudo, de futebol a política. Se a conversa distrai o motorista como faz supor o aviso, porque ele pode ficar conversando? Se amanhã ou depois este policial flagrar este “amigo motorista” em alguma infração, terá ele o mesmo rigor que terá com um cidadão comum? Não é isto uma forma de “amaciar” e reduzir multas?
Outro caso: a pessoa está em um Pronto Socorro, na fila para ser atendido e um parente fica sabendo que estão demorando para atender. Ele conhece o prefeito, o vice ou algum vereador e liga para a “autoridade” relatando o ocorrido. Porque sabe que atender ao pedido estabelecerá uma relação de dívida, o prefeito ou vereador liga para a unidade de saúde e pede para dar prioridade ao caso do parente que está na fila e este é imediatamente atendido e, se for o caso, hospitalizado. O paciente e os parentes vão ser “gratos” e votos estão sendo cabalados. Ocorre que esta pronta ação do “dependente dos votos” implica que alguém que estava na fila vai ficar para trás, que quando chegar a vez do próximo e este precisar de um leito, não vai ter porque o paciente que tem boas relações políticas, furou a fila.
A pessoa é policial e está viajando com seu carro, dirigindo-o em alta velocidade. Ele é parado pela Polícia Rodoviária. O motorista desce do carro e bate continência para o patrulheiro rodoviário. No máximo, o que pode ocorre é que o rodoviário diga que ele está acima do limite de velocidade, mas o “espírito de corpo” não vai permitir que ele “prejudique o colega”.
As constantes visitas do Gilmar Mendes e do Toffoli ao Temer e, especialmente, as decisões favoráveis às causas do presidente dadas por estes dois, devo entender como sendo coincidência (como querem fazer supor), ou como troca de favores? O insuspeito absoluto, ao presidir o TSE no julgamento da chapa Dilma/Temer, não fez um grande favor ao amigo? O antigo advogado do Dirceu e do PT, ao pedir vistas para um processo que ele não mais conseguirá reverter o resultado, o fez por preciosismo jurídico ou para favorecer a um grupo seleto de indiciados que temem a primeira instância?

Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

RODA DOS ESCARNECEDORES

Aprendi o Salmo 1 de memória na minha infância, antes mesmo de saber ler. A memorização completa dava direito a um brinde na Escola Dominical da qual eu participava. Desde aquela época eu não entendia o que significava o “assentar-se na roda dos escarnecedores”. Fui ao dicionário e encontrei como afrontoso, difamador, oprobrioso, motejador, zombador, zombeteiro. Mas nunca havia entendido direito a tal da roda dos escarnecedores.
Por algumas vezes pensei que sentar-se com os amigos e contar umas piadas pudesse ser a roda. Outra, pensei que seriam as conversas das/os fofoqueiras/os. Quando trabalhei no presídio, cheguei a pensar que uma cela e suas conversa pudesse ser.
Mas foi só recentemente que a ficha foi caindo. O primeiro degrau da ficha caindo foi no julgamento da chapa Dilma-Temer, quando, no que pese a abundância de provas e a muito bem fundamentada relatoria, alguns ministros do TSE, capitaneados pelo escarnecedor-mór, o Gilmar Benevolente Mendes, mandaram às favas as provas e decidiram absolver o amigo do ministro narcísico. Para mim aquilo foi uma afronta ao Direito, à justiça e à seriedade que se espera de um colegiado de juízes.
O segundo degrau da queda da ficha foi no julgamento da “questão Aécio”, quando, no exercício de sofismas indecifráveis, a presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, proferiu um voto transversal, que cada qual entendeu como quis. A coisa foi tão deprimente e desastrada que ela mesma não teve a coragem de pronunciar o que havia decidido, cabendo ao ministro decano, Celso de Mello, “costurar o remendo” que ela havia proferido. O STF criava o Supremo Tribunal Congressual, maior em poder que o Supremo Tribunal Federal, pois uma decisão do STF poderia ser cassada pelo STC. O STF deu uma atropelada no princípio básico de qualquer estado de direito: não pode alguém ser julgado por si mesmo, por seus parentes, ou por pessoas que estão sob sua influência. A Carmen deu aos acusado o direito de dizer se queriam ou não ser julgados.
Deu no que deu: Aécio livre, todo serelepe, cassando o presidente interino, colocando uma pessoa de sua confiança, detonando o partido, e sei lá o que mais pode acontecer.
Escárnio foi a soltura do Geddel, muito mais quando se sabe que, na sua prisão domiciliar, aproveitou para destruir provas. Escárnio foi a soltura do Zé Dirceu, do Barata (amigo do ministro narcísico), a prisão domiciliar do Abdelmassih, o acordo de delação premiada da JBS e outros casos mais que recentemente abalaram a fé pública em um judiciário independente.
Escárnio máximo foi a decisão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Em tempo recorde, atropelando a bom senso e o regimento, revogaram a decisão unânime do colegiado de juízes e emitiram ordem de soltura, como se para tanto tivessem autoridade. Os deputados se assentaram em roda, na Assembleia Legislativa e, juntos, escarneceram dos funcionários públicos que não recebem salários porque uma quadrilha (ou “familha”) meteu a mão. Quem, na casa, não sabia das maracutaias? Quem não se beneficiou delas? Tanto que até parlamentar de oposição votou a favor da soltura do chefe da familha.
Estamos a ponto de ver outro escárnio. O STF que decidiu pela prisão de condenados em segunda instância, está a ponto de escarnecer e rever a decisão tomada. A razão: alguns amigos dos togados estão ao ponto de serem presos. Basta ver as dezenas de ligações telefônicas entre o Aécio e o Gilmar, reveladas pela PF. O Renan, Jucá, Padilha, Moreira Franco, Sarney, Rodrigo Maia, e outros estão na mira da segunda instância. Vamos livrá-los! Este é o lema!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

LITURGIA

Liturgia é o nome dado desde os tempos apostólicos para o ato de tomar parte de uma solenidade cúltica, pública e corporativa. Tem o sentido original de “serviço público”. Percebe-se aqui três dimensões. A primeira é que é um ato solene, o que implica em algo especial, consciente, feito com a devida reverência. A segunda é que é um ato público, pois dele devem participar todos os que queiram e dele devem tomar conhecimento, nada sendo feito na obscuridade. A terceira é que é um ato que se realiza com a presença de pessoas e não é individual.
No Cristianismo, este culto público e solene é prestado pelo corpo de fieis, também reconhecidos e considerados como sacerdotes, naquilo que se conhece como sacerdócio universal. Todos os participantes são credenciados pois formam a nação sacerdotal (aqui presentes o corporativo e o solene). Sendo assim, a liturgia é o culto feito pelos membros de uma comunidade, que, como igreja, solenemente louvam, oram e intercedem a Deus uns pelos outros.
Ocorre que, nos seminários, no mais das vezes, o que se ensina como liturgia é a prática dos ritos religiosos, combinado com o emprego de símbolos, cerimônias e ornamentos. O ensino da liturgia se preocupa em responder à questão: como se cultua? E o que se faz é ensinar as regras para um culto bem celebrado, segundo as regras e cânones.
Ocorre que, na quase totalidade dos cultos liturgicamente celebrados (e mesmo nos que não obedecem tais regras por não conhecê-las ou por criticá-las), o culto público e corporativo é um culto individual, onde o pastor, sacerdote ou o líder da liturgia, o presta sem o concurso dos presentes. Quando se dá a participação pública é para recitar frases, cantar alguns cânticos ou fazer uma breve oração. É ele quem decide a ordem, quem faz o que, o que vai ser cantado, quem vai orar. Acaba se transformando em ação individual onde um-só-faz-por-todos. Isto sem contar aquele que canta, ora, faz solo, prega, dá a benção e fica à porta para ouvir os elogios. No dizer futebolístico “bate o escanteio e corre para cabecear a bola”.
Neste sentido causou-me estranheza quando, em uma viagem de ônibus, escutei uma senhora no banco de trás, dizendo que o pastor a havia convidado para “dar o culto” no domingo Ela ia cultuar. Eu pensei: e a igreja? Não é para menos que a maioria dos cristãos falam em “assistir” ao culto ou à missa e nunca falam em “participar”. A liturgia acaba sendo o show de um.
Se o culto deve promover e incentivar a intimidade com Deus, no “culto-de-um-só” a intimidade do pastor ou sacerdote é que é promovida. O culto é lugar de encontro das diferenças e deve ser espaço para conhecer o outro que comigo participa, saber da sua fé e experiências. É o lugar para perceber a diferença e para entender e aceitar que não são as diferenças que nos unem no culto, mas a humanidade comum que temos e a nossa necessidade de Deus. Na oração conjunta, onde oro e recebo as orações de outros que, tanto quanto eu, também estão ansiosos. Nisto sou aliviado e curado.
O culto e a missa, por serem celebrações públicas, são espaços para tornar cada um dos participantes visíveis e públicos. Não pode ser espaço para o anonimato, para segregação. É o espaço para tornar pública minha oração individual e privada. Onde é que, nos cultos e missas, o adorador/cultuador tem a chance e oportunidade de orar em voz alta o que lhe vai no coração?

Marcos Inhauser

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

FMF

Também poderia ser FaMedFa ou FaMedFac.
Tenho ficado impressionado com a quantidade de coisas que entram no meu e-mail, Whatsapp ou Facebook falando de remédios alternativos, que curam desde calo até Alzheimer. Juntamente com esta enxurrada, vem as “pesquisas” de cientistas e Universidades, que “descobriram” isto ou aquilo.
Já escrevi aqui que não sou afeito às redes sociais. Uso-as esporádica e parcimoniosamente. Mesmo assim estou entupido de coisas médicas e pesquisas mil. Imagino quem é aficionado ou viciado nas redes. Não é para menos que a quantidade dos hipocondríacos tem aumentado exponencialmente.
Por outro lado, percebo na conversa de certas pessoas que há, cada vez mais, gente que se julga entendida nas doenças. Mencione em uma roda de pessoas que você tem gastrite, pressão alta, intestino preso, tosse há algum tempo, alergia ou dorme mal: você receberá um caminhão de receitas!
Isto tem resultado numa multidão que recorre aos médicos para que estes receitem o que já sabem e querem. Eles chegam, dizem ao médico o que têm e pedem que ele receite o remédio X, Y ou Z. Conversando com alguns deles, senti que eles enfrentam a geração “medicina Google”. Pegam o resultado de um exame, veem palavras difíceis, vão ao Google, digitam e já saem com um diagnóstico. Um deles me perguntou: para que vir ao consultório se já sabem o que têm e que remédio tomar?
Há algum tempo recebi de um médico amigo um e-mail. Estranhei porque ele tratava das maravilhas da banana. O e-mail dizia que ela cura uma enormidade de enfermidades, repõem potássio, vitaminas, regulariza intestino, tem baixa caloria e tem alto poder nutritivo, etc. e tal. Ao final ele dizia: estou largando a medicina e fechando o consultório. Vou plantar banana porque, com todas estas capacidades da fruta, não terei mais espaço para a minha prática.
Aliado a isto há os remédios milagrosos para fazer nascer cabelo, para insônia, para perda de pessoa, suplementos vitamínicos os mais variados, todos com poderes acima da média. Ressuscitam até mortos, a acreditar-se na propaganda. Busca-se informações e tem-se, invariavelmente: vendido somente pelo site ou telefone. Não se sabe o laboratório, farmacêutico responsável, se tem ou não aprovação da Anvisa. Ainda bem que nuinca ninguém veio me falar das maravilhas do chuchu, da abobrinha e do jiló. Morro de fome, mas não como isto!
Outros dizem que curam a fibromialgia. É uma mensagem que, quando você se dispõe a assistir, toma uns 40 minutos, falando e repetindo coisas para, ao final, tentar vender um livro.
Some-se a isto os propagadores da cultura fitness. Exercício os mais variados, malhação diária, levantamento de pesos, caminhadas, bicicleta, trilha, etc. Cada um deles, no fundo estão vendendo algo.
Vivemos uma geração de formados em Medicina pela FaMedFac: Faculdade de Medicina do Facebook. E como todo autodidata, estes “médicos Face” (ou Fake?) tem a arrogância de quem se acha o dono da verdade e detentor da cura dos males mais comuns. Desde limão em jejum, berinjela a granel, abacate sem açúcar, regime de alface, dieta da lua, nutrição dos astronautas, e outras coisas que dá para encher o jornal.
Não perca tempo discutindo. Nem cometa a besteira de falar de doença perto deles. Vai ouvir montanhas e nada de escutarem. Pensando bem, acho que vou abrir um blog sobre “como suportar os chatos médicos fakes”.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O BENEVOLENTE

Não gosto dele. Eu o acho narcísico ao extremo e com uma postura que não se coaduna com o cargo que tem. Falo do ministro Gilmar Mendes. Fala pelos cotovelos, fala fora dos autos (inadmissível para um juiz), fala mal de companheiros de toga, de Procurador Geral, mantém amizade suspeita com o Presidente Temer, trocou inúmeros telefonemas com o Aécio no tempo em que este estava sub-judice do STF, etc.
Já o mencionei em minhas colunas (Gilmar Noel Mendes foi uma delas), apontando sua benevolência para com os criminosos. Foram dele os habeas corpus para o Cacciola (responsável por crimes bancários e financeiros) e para o Abdelmassih (condenado por crimes sexuais contra pacientes), que usaram do HC para fugir do país. Trazê-los de volta custou uma fortuna, que, acho, deveria ser paga pelo magistrado. Foi o Gilmar quem soltou o Jacob Barata ("rei do ônibus"), Eike Batista (rei do investimento via Power Point), e outros mais, ao ponto de ter ganho o apelido de Gil-Lax (Gilmar Laxante porque “solta tudo”).
Ontem, em mais uma destas suas façanhas, ele suspendeu a remoção do condenado Sérgio Cabral para o Presídio Federal, determinada pelo juiz Marcelo Bretas. A decisão do juiz Bretas estava baseada no fato de Cabral ter citado o ramo de atividade da família do juiz, o que, no contexto e dadas as características da fala, ele interpretou como ameaça.
As falas e as atitudes do réu Cabral na audiência em que tal fato ocorreu foram acintosas, agressivas e mal-educadas. Não era a de um réu sentado em um banco para responder perguntas sobre crimes praticados, antes era de alguém que queria se impor, como se ainda tivesse a majestade que tinha, sustentada por asseclas propinados.
Na sentença proferida pelo narcísico ministro, ele disse que mencionar a família do magistrado não é crime. Nem poderia ser porque, se assim considerasse, teria que aceitar a tese de muitos de que ser padrinho de casamento da filha do Jacob Barata é impedimento para julgar a ação.
Confesso que, em certos momentos, achei que eu estava sendo implicante com o ministro. Cheguei a pensar que o caso estava se tornando pessoal (da minha parte para com ele, mesmo porque, não tenho a veleidade de que ele leia ou leve em consideração minhas opiniões sobre ele). Mas ... depois do entrevero dele com o ministro Barroso, em que este último, em plenário do STF, com a TV transmitindo, expôs suas diferenças com o Gilmar e afirmou que ele tem se mostrado leniente com os criminosos de colarinho branco, fiquei com a consciência tranquila.
Digo mais: na minha quase laicidade com o mundo das leis, no que pese o fato de ter estudado Direito, acho que a benevolência do Gilmar é proporcional à notoriedade do réu: quanto mais notório for, mais benevolente ele tem se mostrado. Uma equação perversa, maligna e desabonadora do poder Judicial.
Já houve um pedido de impeachment dele, com mais de um milhão de votos virtuais. Sintomaticamente, este e outros pedidos já formulados, não foram decididos pela Presidência da Câmara. Foram engavetados e lá permanecem. Para que tirar quem pode amanhã dar um HC para um senador ou deputado condenado pela Lava Jato? Melhor mantê-lo para garantia da liberdade.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A REFORMA PROTESTANTE E A POLÍTICA

No dia 31 de outubro de 1517 o monge agostiniano, Martinho Lutero, afixou na porta da Catedral de Wittemberg 95 teses que queria discutir com a comunidade acadêmica e que versavam sobre a autoridade papal para perdoar pecados e vender indulgências. Este fato é tido como o ponto inicial do movimento da Reforma Protestante do século XVI.
Lutero foi seguido por Calvino, quem foi o Reformador de Genebra, onde estabeleceu uma nova forma de governo, formado pelo Consistório, um modelo mais representativo de participação popular no governo da cidade.
Em Zurich surgiu Zwínglio. Como ponto central da reforma estava o fato de que as Escrituras, e somente elas, são obrigatórias aos crentes e normatizam a vida de fé e prática. Zwínglio cria que a comunidade era a palavra final na interpretação das Escrituras, criando um conceito que mais tarde veio a se chamar “comunidade hermenêutica”. Com esta posição Zwínglio estava sentando as bases para o movimento da Reforma Radical, também conhecido por Anabatismo, onde, em suas raízes, não tinha um pregador-que-sabe-que-ensina-quem-não sabe, mas pela participação de todos, se constrói a interpretação.
Três dos seus seguidores estavam inconformados com a falta de coragem de Zwínglio em levar às últimas conseqüências as afirmações que sustentava. Acreditavam que o batismo, por ser um ato de fé, só pode ser feito por quem tenha consciência do ato. Zwínglio assim creu e ensinou, mas depois, por pressão do Conselho da cidade, recuou.
Os Radicais negavam a validade da prática do batismo infantil. Estes três discípulos do reformador Zwínglio, Blaurock, Grebel e Mantz, decidiram se rebatizar. O fato teve profundas implicações políticas, porque ao se rebatizarem, estavam negando o poder estatal de decidir a religião dos súditos, afirmando que a fé é uma questão de foro íntimo e que ninguém pode decidir por alguém qual a religião que irá seguir.
Como consequência, passaram a pregar a separação da igreja e do estado, fato revolucionário em uma época em que a Igreja Católica era um estado, em que Lutero e Calvino estavam vinculados ao estado seja para proteção ou para governo, e Zwínglio estava em caminho parecido ao dos demais reformadores.
Os anabatistas foram perseguidos por suas posições revolucionárias e fugiram de uma parte a outra da Europa, em busca de regiões onde os reis os tolerassem. Desenvolveram a ética do trabalho, sendo exímios lavradores, forma encontrada para evitar que fossem constantemente expulsos, por causa dos lucros que traziam.
O conceito de separação da Igreja e do Estado foi ganhando força e hoje é aceito na quase totalidade dos países do mundo ocidental. O modelo constitucional norte americano da completa separação está influenciado por anabatistas e não é coincidência que a declaração de independência tenha sido feita na Pennsylvania, terra então majoritariamente habitada por menonitas, quackers e irmandade.
Trago estas coisas históricas por duas razões: estamos comorando mais um aniversário da Reforma e mais do que nunca estes princípios de separação da igreja e estado precisam ser relembrados, em um momento em que setores da igreja evangélica brasileira se envolvem com a política, transformam púlpitos em palanques e têm projetos de criar um estado religioso de fundamentação cristã/evangélica, deputado evangélico está envolvido em corrupção, a bancada evangélica acha que dar uma Bíblia ao presidente é evangelizar, pastores vivem mendigando benesses do poder público para a reforma do templo ou a cessão de um terreno, etc.
Isto é negar um dos elementos basilares da Reforma: Igreja é Igreja, Estado é Estado. A Igreja pode e deve ter uma atitude profética para com o Estado, denunciando os pecados existentes e os cometidos por ele. Para fazer isto, não pode ter o rabo preso.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

REFORMA E OS RADICAIS

Transpiração e inspiração são irmãs gêmeas do processo criativo. Uma descoberta, para ter impacto, deve responder à algumas condicionantes históricas. Newton, Thomas Edison, Pascal e outros, fizeram descobertas que não eram totalmente novidade, mas tinham antecedentes nas pesquisas, descobertas e pensamentos anteriores.
No campo da Reforma religiosa do século XVI, Lutero também não pode ser apontado como alguém que teve todas as idéias que o motivaram a posicionar-se da forma como o fez, mas Wycliffe, os Valdenses, Albingenses, os Cátaros, John Huss, Savanarola são comumente citados como antecessores da Reforma.
Mais que isto, a “descoberta” de Lutero que a justificação do pecador se dá pela fé e esta é obra da graça de Deus, só foi possível porque teve acesso a pensamentos divergentes da teologia oficial e porque esta descoberta teve ambiente histórico, econômico e político para ser aceita larga e amplamente como resposta esperada pela população, tendo em vistas as opressões que sofriam do senhor feudal e da própria igreja através de suas autoridades. Não fossem dadas estas circunstâncias históricas, Lutero, Calvino, Zwínglio e outros talvez não teriam sido quem foram.
Estranha-me que, quando se fala em Reforma, os assim autodenominados reformados, ser esquecem de mencionar uma importante ala da Reforma, que fez com que ela avançasse para além dos limites que Lutero, Calvino e Zwínglio avançaram; a Reforma Radical promovida pelos Anabatistas. A separação da Igreja do Estado, a liberdade de culto e consciência, a opção livre e espontânea para a escolha da fé, foram feitos que os Anabatistas trouxeram. Estes postulados hoje são conditio sine qua non para a vida religiosa, mas há muitos que se esquecem que devem isto aos radicais.
Entender esta dimensão histórica e as condicionantes políticas e econômicas do contexto em que tal se deu, é fundamental. Talvez seja por isto que há quem, hoje em dia, não entendendo estas implicações, querem reproduzir a Reforma do século XVI em pleno século 21.
Tendo isto em mente se deve entender a expressão reformada que se tornou bandeira, ainda que na prática quase nada tem acontecido: Igreja Reformada sempre reformando.
Neste 31 de outubro a igreja reformada e protestante estará celebrando os 500 anos da Reforma, uma pergunta deve estar na mente: o que mudou na igreja reformada nestes anos? Não são as igrejas reformadas réplicas de práticas seculares e, portanto, defasadas no tempo e inócuas nas respostas aos cidadãos do século 21?
Aqui, me parece, reside uma das questões que as igrejas reformadas (e também a católica) devem analisar quando avaliam os problemas pelos quais estão passando, que se traduz na perda de membros e frequência, na falta de vitalidade e no pouco envolvimento de seus membros: está a igreja respondendo às questões das pessoas que vivem no mundo atual? Ou está a igreja repetindo respostas de centenas de anos, que se foram próprias naquele momento, hoje nada dizem?
Há os que pedem uma nova Reforma. Estariam eles dispostos a uma ruptura radical com o atual modelo? Não são muitos destes, pessoas que pedem reforma, mas a querem para reforçar o que já fazem há séculos?
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

REFORMA COMO RETORNO

Os Reformadores tiveram a visão direcionada ao passado. Estavam interessados ​​em descobrir no Novo Testamento as origens do cristianismo, influenciados pelo Humanismo Renascentista que acreditava que a verdade estava nas origens.
Como resultado, os reformadores estavam interessados ​​no estudo do grego e do hebraico, deixando de lado o latim que era a língua oficial da Igreja Católica.
Ao procurar as línguas originais para a verdade do Novo Testamento, eles deixaram de lado a tradução oficial e normativa da Vulgata, tradução feita pelo monge Jerônimo, e que foi criticado por muitos por não ser fiel aos originais.
Este retorno ao passado implicou um grande risco para a Igreja Católica, porque o cristianismo, nas suas origens, não validava a estrutura, a pompa e muito do que a Igreja tinha e fazia.
O perigo era real. Além dos Reformadores clássicos (Lutero, Calvino e Zwinglio), houve a Reforma Radical promovida pelos anabatistas, que levou as reivindicações da Reforma às últimas consequências.
Para entender isto há que se lembrar que a teologia não é feita apenas pelo confronto do calvinismo versus o arianismo, do misticismo versus racionalismo, do liberalismo versus neo-ortodoxia. Ela não é uma discussão para dentro de si mesma, mas diálogo com o contexto, o que envolve o histórico, o cultural, o filosófico, o econômico, o social, o político, etc. Ela é uma resposta às questões em que o mundo vive. A teologia reformada é um pensamento, reflexão, meditação, escrita em diálogo teológico com o mundo que abandonou o paradigma cristão.
O século XVI teve grandes luminares, como Cortes, Carlos V, Pizarro, Copérnico, Lutero, Da Vinci, Maquiavel, Erasmus, Bacon, Galileu, Loyola, Knox, Calvino, Cervantes e tantos outros. Muitas mudanças e transformações que eles promoveram causaram impactos nas mentes dos europeus e uma delas foi o cristianismo do Renascimento. Havia uma contração econômica, as monarquias inglesas e francesas estavam em processo de deterioração, o sistema feudal tornava-se obsoleto e o uso do papel permitia que a memória fosse mantida indefinidamente.
Foi um período de crescimento populacional, da revolução impressa, do aumento do capitalismo, da reforma e contrarreforma, dos estados nacionais, etc. Vários modelos de desenvolvimento e economia foram desenvolvidos
Na política, os reis ganharam o poder com alianças e casamentos arranjados politicamente.
Além disto, não se pode falar de uma só Europa no século XVI. Havia várias. Quase toda a população da Europa Central, Sul e Ocidental vivia em comunidades rurais. A Europa Central e Oriental foi mais opressiva e feudal do que o resto do continente. Na Europa Central e Oriental, as condições eram críticas para a maioria da população camponesa, porque as leis davam direitos para retirar os bens dos camponeses. Na Inglaterra, a população rural aumentou seu grau de liberdade, o que deu origem ao proletariado rural.
Muitos tumultos e revoltas foram a marca do século.
O pensamento dogmático da Idade Média, do tomismo e seus universais, cedeu a um renascimento em literatura, direito, matemática e outras ciências.
A ruptura da perspectiva religiosa e a diversificação do conhecimento geraram incertezas e mudanças.
Houve uma troca entre crenças autênticas, preconceitos e avaliações com interesses pessoais ou grupais. Em termos religiosos, a tolerância e a liberdade de crença seguiram caminhos diferentes.
Não há dúvida de que, em 31 de outubro de 1517, abriu um debate hermenêutico, soteriológico, eclesiológico e ético. A interpretação correta da Bíblia, a suficiência das Escrituras, a graça, a relação da Igreja com o Estado e o estilo de vida do clero eram fundamentais.
Uma nova ordem se estabelecia e a liberdade ganhava espaço na religião, na sociedade e no pensamento.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

DEPOIS DE QUINHENTOS ANOS

É significativo que as duas maiores transformações da sociedade ocidental tenham suas origens em acontecimentos religiosos cristãos: o nascimento de Cristo e a reforma religiosa do séc. XVI que neste 31 de outubro completa quinhentos anos.
Uma visão simplista deste segundo evento o considera como sendo de conotação espiritual, um agir do Espírito para a retomada dos valores do cristianismo dos quais a igreja havia se desviado, algo que aconteceu porque o monge Lutero recebeu uma iluminação especial.
Isto é verdade, mas não toda a verdade. A Reforma não teria sido o que foi se tivesse se limitado aos pensadores (sacerdotes e filósofos) e à nobreza. Ela teve impacto porque teve apoio popular.
Este apoio se deu mais por razões políticas que por convicções religiosas. A sociedade europeia do séc. XVI era feudal (baseada na iníqua equação de direitos da nobreza e deveres da plebe), onde os pobres tinham chances quase nulas de reverter sua situação pela obtenção de salários mais justos, pagamento de menos impostos ou acesso à propriedade.
Lutero, ao atacar o poder papal de decretar indulgências (perdão de pecados que eram vendidos para financiar a pompa papal e a construção da catedral de São Pedro), atacou também o poder de excomunhão, que era o instrumento político usado pelo Vaticano para submeter a população e a nobreza, mantendo assim o estado feudal que tanto lhe interessava. Desde cedo o povo percebeu que as teses de Lutero eram revolucionárias porque podiam reverter o quadro social, político e econômico em que viviam.
A análise mais atenta da Reforma mostra que este engajamento popular permitiu que se reformasse não só a religião vigente, mas a sociedade. Assim, a Reforma só foi um evento significativo porque mexeu também com as estruturas sociais.
As propostas de reforma social partiram não de formulações filosóficas ou econômicas, mas do compromisso em obedecer ao princípio reformado de “Sola Scriptura”.
Ao fazerem mudanças na ordem política e econômica, o fizeram a partir da visão teológica sobre a injustiça e o pecado. Calvino, em Genebra, criou a assistência semi-estatal para os inválidos, doentes e velhos, promoveu a luta contra a imoralidade, fiscalizou os preços, regulamentou o trabalho, estabeleceu feriados e a guarda do domingo, promoveu a educação (André Bielér. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. S. P.: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 102).
O mesmo se pode dizer dos reformadores radicais, os anabatistas. A partir da convicção de que as questões de fé são de foro íntimo e que ninguém pode decidir o que o outro deve crer, defenderam o batismo de adultos como forma de se respeitar o princípio e negaram o poder estatal de decidir qual a religião que os súditos deveriam ter. Como consequência disto, nascem os conceitos de liberdade de consciência e a separação da Igreja e do Estado. Na sua vertente mais radical, Tomas Muntzer promove a guerra dos camponeses para que estes tivessem acesso à terra.
Vivemos uma situação social de excludência da maioria, atirada à pobreza por mecanismos econômicos injustos, onde verbas sociais são cortadas para financiar bancos falidos, o perdão dos pecados é vendido juntamente com as bênçãos da prosperidade.
Mais do que nunca é necessário que a igreja olhe para sua história que ensina o erro de se vender a benção (seja perdão de pecados, cura, libertação ou prosperidade), de crer em revelações extra-bíblicas trazidas pelos iluminados de plantão autointitulados de profetas e profetisas, deve combater com o compromisso da “Sola Scriptura”, da “Sola Gratia”, “Sola Fide”, “Soli Deo glori” e “Solus Christus”.

Marcos Inhauser

FALASTRÕES

Não sei se em algum outro momento da história humana se teve tantos falastrões em postos-chave da política. Nos dias que correm, há quase uma dezena deles, enchendo os noticiários com suas diátribes.
Exemplo maior deles é o Donald Trump. Quando abre a boca, impropriedades saem com fluência, veemência e insensatez. Fala o que quer, quando quer, onde quer. Haja vista que transformou a reunião da ONU em palco de ataques e ameaças.  Ele atira para todos os lados e acaba de comprar briga com os jogadores do futebol americano e do basquete. Não mediu as palavras e ouviu o que não deveria ter ouvido, como presidente que é.
Suas ameaças à Coreia do Norte foram interpretadas pelas autoridades do país (e com razão, digo eu), como declaração de guerra. Parlapatão, precisa de gente atuando como bombeiro para apagar os incêndios que provoca. A cada pouco vem a porta-voz dizer que o que ele disse não é o que disse. Neste mar de impropriedades diárias, muitos dos seus colaboradores já se foram, porque não queriam servir de acólitos no show do boquirroto.
Na América do Sul, como a seguir-lhe os passos, está Nicolas Maduro. Sua retórica bombástica ataca e acusa os Estados Unidos como a causa de todos os seus erros e desatinos. Sua fala, segundo ele, inspirada em Hugo Cháves que o visita como pássaro ou borboleta, além de parecer espada (comprida e chata, bem ao estilo do seu mentor, Fidel Castro), em nada deve às impropriedades do Trump.
Mais calmo nos últimos tempos, há o Evo Morales da Bolívia. Andou falando aos quatro cantos, disse o que quis e, ainda não entendi direito a razão, está em período de “silêncio obsequioso”.
No cenário brasileiro há alguns exemplares. Cito o Bolsonaro, tão falastrão quanto os anteriores, com a agravante de que defende torturador, a ditadura e fez apologia ao estupro. Um boquirroto que insufla a violência contra marginais e de sexualidade alternativa.
Outro exemplo é o Cristiano Zanin, advogado do Lula. Quando comenta o que aconteceu, tenho a impressão de que ele acredita que sua tergiversação dos fatos criará uma nova realidade. Ainda que não promova a violência física, tem o condão que tentar colocar todos contra o sistema judiciário brasileiro, único culpado pelos crimes atribuídos ao seu cliente.
Não posso deixar de citar neste rol o Silas Malafaia, histriônico, narcísico e oportunista, fala o que lhe dá holofotes.
O Gilmar Mendes é boquirroto-mór. Fala sobre tudo, dá palpite sobre qualquer assunto, desde cesariana até motor à explosão. Já disse que me parece que ele tem orgasmos quando ouve sua voz. Seus votos no STF são peças cansativas e de uma lógica toda peculiar, tanto que, quase sempre, são vencidos pela maioria. Quando tem um habeas corpus para julgar monocromaticamente, libera o médico Abdelmassih, o banqueiro Cacciola, os amigos da máfia do transporte do Rio, mas nega quando se trata de Joesley e Wesley (que, a bem da verdade, devem mesmo continuar presos). Ele se considera insuspeito para julgar até uma ação em que ele próprio é réu. É o caso, único na história da humanidade, da imparcialidade absoluta.

O silêncio deles seria uma benção divina!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A FÉ DESIGREJADA

Vivemos tempos em que as mudanças são tantas que até neologismos precisam ser inventados para dar conta de apreender parte do que está acontecendo. Elas abarcam todas as áreas da vida e conhecimento e, para não ser exceção (ainda que alguns queiram que assim seja), também afetam as igrejas e a maneira como se tem pensado a fé e vivido a vida cristã.
É verdade que o anúncio e os ensinos feitos por Jesus foram uma revolução para o modelo engessado e hierárquico da religiosidade sacerdotal e templária. Quando Ele disse que iria destruir o templo, Ele o fez de forma concreta, mas alternativa, na afirmação feita à Samaritana. Diante da pergunta por ela feita se o lugar certo para adorar a Deus era no monte em Samaria ou no Templo em Jerusalém, Jesus deu a resposta: “vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”. Com isto Ele destronava o local geográfico da adoração e o colocava na atitude do adorador.
Esta Sua colocação, ao que tudo indica, não foi compreendida pelos apóstolos, uma vez que Pedro, Tiago e outros, se reuniam no templo e faziam do cristianismo uma extensão ou reforma ao judaísmo. O cristianismo primitivo (talvez o correto seja dizer de cristianismo primitivos, porque houve muitas formas de se entender e viver a fé), de uma postura orgânica e não-institucional, sentiu a necessidade de, aos poucos, ir elaborando suas crenças e sistematiza-las. Os grandes embates nos primeiros séculos foram no sentido da afirmação da fé genuína e a condenação das heresias.
Com isto, a igreja se institucionalizou, fortaleceu e afirmou a “verdade” e condenou as “heresias”. Verdade era o que a instituição afirmava. Heresia o que os alternativos diziam. Era a verdade do poder eclesial.
Com a reforma houve uma verdade alternativa, também institucionalizada nas igrejas reformadas e no poder de sistematização dos reformadores.
Este modelo se construiu e se sustentou nas igrejas reformadas na base do tripé: confissão de fé (condensado das afirmações da instituição), pregação monológica de um educado em teologia e disciplina dos que se aventuravam por caminhos não confessionais. Na Católica a base era a autoridade papal e episcopal, a celebração dos sacramentos e a aplicação da excomunhão.
Desde a Reforma as igrejas protestantes e históricas obedecem a este modelo. Com o advento das igrejas pentecostais, a pregação cedeu a preeminência para os testemunhos. Mesmo assim, o modelo monológico foi praticado à exaustão. A igreja é formada, então de “ouvintes” e não de participantes. Uma igreja de uma boca e muitas orelhas!
Este modelo vem ruindo com a nova geração, mais afeita às redes sociais e à possibilidade de dar a opinião. Os pastores engravatados estão perdendo autoridade e influência para jovens que postam suas convicções nas redes sociais, sem nenhum compromisso com a história do pensamento cristão e com a lógica. A nova igreja se reúne nos Facebooks, Tweetes  e Youtubes, cada qual falando o que quiser, e com uma enxurrada de críticas, muitas ácidas. É o evangelho “segundo o que penso”. “Eu sou a verdade”.
Onde isto vai dar? É o que teólogos, estudiosos, cristãos com mais de 40 anos estão se perguntando. Seria um modelo de fé “desigrejada”, sem a comunhão com os outros?
Se alguém souber a resposta, por favor, me avise e compartilhe.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

AFORISMOS BRASILIANOS

Diante da profusão de revelações, notícias, imagens, mentiras e desmentidos, especialmente os ocorridos nos últimos dias, alguns aforismos foram cunhados (“há malas que vem para o DEM” é um dos muitos exemplos que poderiam ser citados). No intuito de colaborar com esta obra descritiva em palavras mínimas, trago minha modesta contribuição.
Do jatinho ao quartinho
Joesley indo na quinta a Brasília em seu jato particular para depor à PGR e na segunda sendo confinado a um quarto sem janela e banheiro na Polícia Federal de Curitiba.
O franciscano milionário
O Geddel, depois de pilhado com a dinheirama, é preso, sai de casa e vai à PF em Curitiba vestindo uma blusa branca onde se lê “San Francisco”. Seria por ironia, por gozação ou porque ele acha que os 51 milhões é pouco!
Transparência de bêbado
O Joesley afirmando que a gravação é conversa de bêbado e, ao mesmo tempo, que a gravação deveria ser tomada a sério porque mostra o desejo de transparência que os delatores têm.
“Nóis num vai ser preso”
Mantra repetido pelo indigitado, como se a repetição dele os livrasse da cadeia. Igual a este mantra há outros repetidos à exaustão pela maioria das pessoas e que são tão ineficientes quanto: “vai dar tudo certo”, “você vai sair desta”, “depois da tormenta o arco-íris”, etc.
Juiz só fala nos autos
Máxima jurídica diariamente quebrada pelo Gilmar Mendes, que se sente no direito de dizer o que pensa sobre tudo, e emite sentenças difamatórias contra o Janot, fora dos autos. Os amigos da máfia do transporte no Rio são habilitados ao benefício da dúvida e ao habeas corpus duvidoso e o Janot é execrado publicamente.
A Constituição é para ser cumprida
Que se ensine isto ao Gilmar Mendes e ao Lewandovsky, pois os dois a rasgaram no episódio do impeachment (cassou o mandato sem perda dos direitos políticos) e no julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE.
O juiz fala e julga com base nos autos
Não foi o que aconteceu com o julgamento da chapa Dilma-Temer, pois apesar das inúmeras provas apresentadas pelo relator, os autos foram deixados de lado e o julgamento legal passou a ser político e, para mim, deveria ir para a área criminal.
Todas as contribuições foram declaradas e aprovadas pela Justiça Eleitoral
Sabe-se desde há muito que as declarações dos candidatos à Justiça Eleitoral é uma peça de ficção. O que aconteceu com as doações feitas por mortos e beneficiários do Bolsa Família?
É perseguição política
Como conseguir que três ou quatro juízes federais, mais a PGR, PF e STF se orquestrem para perseguir uma única pessoa ou partido?
Invalidada a delação, invalidados estão os documentos e áudios
É o que muitos gostariam que acontecesse. Se mentiram ou omitiram na delação, o que apresentaram é também mentira, logo a voz do Temer, Aécio e outros nas gravações devem ser mentira.
Bandidos constroem versões em busca de perdão
A legislação sobre a delação premiada castiga quem não apresenta provas do que fala ou acusa. Não apresentando as provas, a delação é um tiro no pé. Por outro lado, os que assim afirmam são mestres na mentira, mesmo diante das evidências e provas. Também mentem para não ser incriminados.
A melhor defesa é o ataque!
Que o diga o advogado de Lula e o próprio Temer.
Do círculo de amigos próximos ou estão no ministério ou estão na prisão!
É hora do TREMER!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

EMDR – A cura de traumas

Segue mais um texto do meu amigo Paulo Rückert
EMDR é uma sigla em inglês e significa Dessensibilização e Reprocessamento pelo Movimento dos Olhos.
Em 1987, a psicóloga Francine Shapiro estava passeando num parque da Califórnia. Defrontando-se com lembranças desagradáveis e perturbadoras, ela começou a movimentar os olhos para a direita e para a esquerda; é o mesmo movimento que fazemos no sono REM, quando sonhamos. E ela percebeu que estava ocorrendo uma dessensibilização das emoções desagradáveis.
Esse movimento dos olhos estimula os hemisférios cerebrais. No hemisfério direito predominam as emoções. E o hemisfério esquerdo destaca-se pela lógica e pelo raciocínio técnico.
O equilíbrio neurológico possibilita o processamento espontâneo e natural das informações. A informação útil é armazenada e fica disponível na memória. Mas, uma situação perturbadora e traumática pode ocasionar um desequilíbrio no sistema nervoso. Com o processamento de informações prejudicado, permanecem no cérebro emocional as lembranças disfuncionais.
Mediante o movimento dos olhos é acionada a rede neurológica onde a lembrança traumática ficou presa, e o cérebro é estimulado a reorganizar a lembrança disfuncional e processá-la de forma funcional.  A partir de então, a rede onde o trauma está arquivado passa a cooperar com a rede que possibilita a compreensão das informações. A dimensão emocional e o conhecimento racional passam a trabalhar juntos.
Enquanto os dois hemisférios do cérebro não estiverem cooperando entre si, as emoções traumáticas permanecem travadas. É preciso promover a conexão entre a dimensão emocional e o conhecimento racional. E essa conexão é efetivada mediante o movimento dos olhos.
Francine Shapiro também observou que sons alternados – da esquerda para a direita – nos fones de ouvido, ou palmadas suaves ora na mão direita, ora na esquerda produzem o mesmo efeito.
A pessoa traumatizada é incentivada e relembrar o episódio perturbador. Enquanto a pessoa evoca uma imagem marcante, ela recebe o estímulo, que pode ser visual, sonoro ou tátil. Acontece, então, uma dessensibilização da lembrança traumática. E, também, um reprocessamento das informações no cérebro.
As pessoas submetidas à terapia do EMDR declaram que a lembrança traumática está lá no passado; ela continua existindo, mas não incomoda mais. Livre da carga disfuncional, a memória traumática perde a potência. E a partir de então, a pessoa está em condições de elaborar uma nova compreensão do ocorrido, um reprocessamento.
Em seu livro Curar, o neurocientista David Servant-Schreiber relata que a revista Journal of Consulting and Clinical Psychology publicou “um estudo com oitenta pacientes com traumas emocionais que foram tratados com EMDR”. O médico prossegue: “Nesse estudo, 80% dos pacientes sentiram recuperação de suas síndromes traumáticas depois de três sessões de noventa minutos. Esse índice de recuperação é comparável ao dos antibióticos no caso de pneumonia”. E o neurocientista conclui: “O mesmo grupo de pacientes foi analisado durante quinze meses e descobriu-se que eles desfrutavam daquele benefício quinze meses após o tratamento”.
Os resultados terapêuticos do EMDR são reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A terapia é breve e eficaz, como mostram os vídeos na internet.
Assim como o corpo pode curar a si mesmo, quando nos machucamos, também a mente pode se restabelecer, afirma Francine Shapiro. E nós acrescentamos: “Graças a Deus”.


quarta-feira, 30 de agosto de 2017

SUJEITO MEIA-BOCA

Comecei a prestar a atenção ao fato quando, em uma viagem, fui recebido no aeroporto e a pessoa que me esperava me disse que eu ficaria hospedado em um hotel recém-inaugurado. Lá chegando, percebi que o prédio era novo, mas que carecia de um bom acabamento na pintura, a recepção era pobre, a decoração de mau gosto. Quando entrei no quarto, as camas eram de metal, pobres, os colchões de espuma fina, o lençol, ainda que novo, era de terceira categoria, as toalhas mais pareciam lençóis recortados, o cobertor era puaia. Entrei no banheiro: a torneira era de plástico e rodava quando se tentava abrir ou fechar porque colocada de forma inapropriada. O chuveiro era dos mais baratos e jogava água para todo lado, menos onde devia molhar.
Conversando depois com o dono, percebi que ele era assim: meia-boca. O carro, a camisa, a calça, o sapato. Tudo nele era mal feito, torto, faltando botão, etc.
Em outra oportunidade, fui recebido na Rodoviária por um pastor. Ele pegou minhas malas, fomos ao estacionamento e o carro dele era um arremedo de alguma coisa que um dia tinha sido uma Belina. Abriu a tampa de trás no tranco. Colocou um cabo de vassoura para manter a tampa aberta. Para abrir a porta do motorista teve que colocar a mão e abrir por dentro. Eu pensei que aquele carro nunca tinha sido lavado. Ao andar parecia escola de samba: barulho por todo lado e o carro nas curvas rebolava. Perguntei como ele se sentia com um carro neste estado. Para surpresa minha, ele disse: este carro tá bom de mecânica, só tem umas coisinhas para acertar e vai ficar zero bala. Um ano depois, estava com o mesmo carro e sem ter acertado as coisinhas.
Em outra oportunidade, era uma S10. Estava aparentemente boa. A maçaneta da porta do passageiro estava quebrada. — Quando você vai arrumar isto? —Já fui ver. É barato. Três anos depois a coisa estava do mesmo jeito.
Estive em uma casa que tinha três aparelhos de televisão, um em cima do outro. Perguntei o porquê daquilo. A resposta: —Os de baixo estão queimados. —E por que você não descarta? —É o que pretendo fazer! Nunca fez.
Em uma casa que conheço, a caixa d’água fica no forro em cima do banheiro. A boia quebrou e vaza água. De preguiça de consertar, deixaram derramando. No máximo fechavam o registro até que água acabasse. Aí se lembravam de abrir e deixá-lo assim até que nova “inundação” ocorria. Havia goteira em cima da cama do casal quando isto acontecia. Mudaram a cama de lugar, mas nunca arrumaram a boia.
Estas pessoas meia-boca não pagam as coisas em dia, vivem com o nome sujo, trocam de operadora de celular cada vez que cortam a linha que estão usando. Não cozinham, mas vivem de comer “tranqueiras”: sanduiches, batata frita de saquinho, salgadinhos, frituras de bar de esquina. Um banquete é uma pizza pedida no delivery mais barato.
Há pessoas que não tem o cromossomo da coisa completa, terminada, da coisa limpa, arrumada. Elas se contentam com uma casa meia-boca, uma torneia pingando, uma porta sem maçaneta, uma janela que não fecha.
O pior é que algumas destas pessoas acham que tem a vocação para serem líderes, pastores ou ter seu próprio negócio ou se candidatarem para algum cargo. Não avançam nos negócios, não têm liderados, perdem a membresia das igrejas e acabam morando em casa construída com coisas roubadas.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

COBRADO A FORCEPS, GASTO A RODO

Não vivemos uma democracia. O modelo político brasileiro é a impostocracia. Não temos o poder de decidir o quanto podemos e devemos contribuir, mas ele é tirado a fórceps de nossos holerites e bolsos. No Brasil não se paga impostos: eles são roubados de nós. A carga tributária excessiva e o retorno pífio de benefícios advindos do seu uso é gritante.
Os políticos brasileiros são verdadeiros gigolôs: vivem a extorquir o sangue dos que se entregam ao trabalho árduo, como se o povo fosse a prostituta que eles dominam e escravizam. Somos escravizados pelos políticos que, na ânsia de sempre ganhar mais sem trabalho, mas de ter à custa do trabalho alheio, produzem mecanismos de escravização. Eles se chamam Imposto Retido na Fonte, Antecipação de Receita, Cadastro de Proteção ao Crédito, Serasa, Lista Negra, Certidão Negativa de Débito, Alíquota, ICMS, ISSQN, IR, IBTI, IPTU, IPVA, e a miríade de tributos e taxas e outras formas de extorquir o suor do povo.
As recentes elevações de impostos, taxas, contribuições previdenciárias, a proposta de criação do bilionário Fundo Eleitoral, mais a existência do Fundo Partidário, a quantidade e assessores, viagens, auxílios e quejandas que os políticos recebem, formam a trama escravizadora que se sustenta com o que os gigolôs tiram da sociedade. Tal como nas estruturas de trabalho escravo, onde os trabalhadores mal recebem salário e vivem a dever para os patrões, porque precisam comer e se vestir, tornando-se eternos devedores, assim também a sociedade brasileira. Trabalhamos arduamente e o que recebemos mal dá para se ter uma vida confortável. Duvido que algum trabalhador médio brasileiro (a grande maioria) tenha parte do luxo ou conforto que os salários dos políticos têm. Para eles o luxo, para o povo o lixo!
Neste emaranhado de comodidades e asseclas, ficamos sabendo esta semana que, no Congresso e gabinetes de Brasília há a figura de um Fiscal do Café. O que eles têm de graça precisa ser testado e controlado por um Fiscal que ganha salário de executivo. Fiscal de Café em um país onde muitos nem café tomam porque não podem adquirir o pó para fazê-lo.
A indústria e o comércio brasileiro vive às voltas com tantas leis, portarias, decretos e regulamentações que obedecer a todos é certeza de que, em algum momento, um fiscal poderá multar, porque conflitantes. Esta parafernália fiscal é feita para autuar. Sempre há um ponto ou outro em que um fiscal pode pegar alguma coisa e lascar uma multa milionária. O empregado brasileiro é refém de uma justiça trabalhista anacrônica e parcial, inventando indenizações a cada nova sentença.
Os financiadores extraoficiais dos gigolôs têm a certeza da impunidade se tiver um amigo ministro no STJ, como aconteceu com a Abdelmassih, Cassiola e recentemente com os empresários dos ônibus no Rio de Janeiro. Flagrados, tiveram o Habeas Corpus concedido pelo amigo ministro. Padrinho de casamento da filha, aquele que não se sente impedido nem para emitir juízo sobre si mesmo. É a imparcialidade absoluta!
Talvez a atitude de gigolô dos políticos, em parte, se deva à prostituição de eleitores. Eles se vendem por uma dentadura, uma consulta médica, uma receita oftalmológica, um par de óculos. Prostituição a baixo custo que garante o luxo na capital.
A política brasileira é um lixo! Fazem do povo a boca do lixo para viverem na boca do luxo!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

HENOTEÍSMO E MONOTEÍSMO

Segue texto do meu amigo e teólogo Paulo Rückert:
A dura lição do exílio na Babilônia provocou o amadurecimento teológico dos judeus. O confronto com os deuses dos dominadores ocasionou uma transição do Henoteísmo para o Monoteísmo.
O Henoteísmo afirma a adoração exclusiva de um Deus, que é superior aos demais deuses (2 Cr 2,5; Ex 15,11; Sl 82,1). Os outros povos têm os seus deuses, mas para os hebreus há somente um Deus, o verdadeiro. Os demais deuses foram subordinados a Iahweh (Sl 82), o Deus dos hebreus. “Celebrai o Deus dos deuses, porque o seu amor é para sempre!” (Sl 136,2).
No Sl 95,3 lemos: “Porque Iahweh é Deus grande, o grande rei sobre todos os deuses”. O hebreu reconhecia a existência dos deuses dos outros povos, mas declarava de modo enfático: Iahweh é superior a todos eles. Ele controla toda a realidade. Ele é o grande Rei (Sl 77,13; 96,4-5; 97,9; 136,2-3; 145,1).
O Sl 96 declara: “Pois Iahweh é grande, e muito louvável, mais temível que todos os deuses!” (v. 4). “Os deuses dos povos são todos vazios” (v. 5). Diante de Iahweh, os demais deuses são inexpressivos. Iahweh é o maior de todos (Sl 97,7; 115,4-8; 135,15-18; Is 40,18-19; 41,21-24).
“Graças te darei, de todo o coração; celebrar-te-ei perante os deuses” (Sl 138,1). Ao povo hebreu compete adorar somente um: Iahweh. Não há possibilidades para um sincretismo. Encontramos também declarações de henoteísmo em Ex 15,11; Dt 3,24; Sl 77,14.
Por sua vez, o Monoteísmo declara que só existe o único Deus verdadeiro com o qual todos os acontecimentos estão relacionados. Há um só Deus e os ídolos são nulos e inexistentes (Is 43,10; 44,6; Dt 32,39; 1 Rs 8,60; Sl 18,31; Zc 14,9). Vejamos o Sl 86,10: “pois tu és grande e fazes maravilhas, tu és Deus, tu és o único”. Vejamos também Is 45,21; Jr 10,6.
A partir da afirmação do Monoteísmo, o povo constatou que Deus continua com o controle dos acontecimentos. O propósito divino se realiza.
Mais tarde, Isaías formulou o monoteísmo absoluto (45,6.14-21), que é mais afirmativo do que o henoteísmo, pois declara a nulidade e a inexistência dos ídolos. O profeta Zacarias radicalizou o monoteísmo (Zc 14,9).
O monoteísmo ético significa que o único Deus compromete a pessoa a orientar a sua vida mediante princípios éticos. A fé e a ética estão interligadas.
 “A evolução intelectual e religiosa da antiga sociedade oriental tendia para o monoteísmo ético e transcendental. Apenas os judeus, no entanto, foram capazes de levar essa tendência a uma conclusão lógica e inequívoca” (William McNeill, História Universal, p. 59).
Portanto, o monoteísmo não se restringe a uma crença teórica e abstrata, contestada por Tiago (2,19). O monoteísmo ético implica um vínculo entre fé e compromisso. “A definição de monoteísmo ético por esse povo foi, portanto, uma das maiores e mais duradouras conquistas da antiga civilização oriental” (William McNeill, p. 64).
Não se trata de uma contemplação esotérica de um disco solar (como foi proposto pelo faraó Aquenáton), mas de um relacionamento pessoal com o Deus vivo, que se reflete nas relações e na conduta com a totalidade dos seres vivos. 



quarta-feira, 2 de agosto de 2017

COM QUEM ANDAS?


Diz o ditado: “dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Sabedoria popular acumulada por séculos. Aplicada no dia-a-dia, nem sempre ela se aplica cabal e infalivelmente. Um exemplo disto é Jesus: andou com publicano, zelote, ladrão, esteve na casa de coletor de impostos odiado pelo povo, deixou-se lavar os pés por uma prostituta, teve um mentiroso em sua companhia. Nem por isto teve em sua vida uma destas características.

No entanto, se esta máxima popular for aplicada ao Temer, tenho a impressão de que a conclusão será outra. Ele está cercado de pessoas suspeitas, denunciadas por mais de um delator da Lava Jato (Padilha, Gedel, Jucá e Moreira Franco). Do seu círculo próximo de auxiliares, vários devem explicações à Justiça: Loures, Yunes, Filipelli. Do seu entorno político, o Marum, precisa explicar sua lealdade ao Eduardo Cunha, ao ponto de visitá-lo na cadeia em Curitiba, com viagem que ele cobrou da Câmara. O Perondi e o Vladimir Costa (aquele que tatuou Temer o ombro depois de ganhar cinco milhões em emendas parlamentares) são figuras histriônicas que se desacreditam cada vez que falam. O relator que apresentou a versão pró-Temer na CCJ, o Ackel, também foi agraciado com emendas parlamentares, assim como tantos outros, no festival de liberação que antecedeu a votação. Até o presidente da CCJ recebeu quinhentos mil para pagar dívida.

O presidente teve o apoio em sua campanha dos dez milhões da Odebrecht, acertados em reunião no Palácio do Jaburu, mesmo local da reunião com o Joesley, a quem agora ele chama de bandido e seus funcionários de capangas. Para se segurar no cargo, reúne-se com o Aécio, também no Palácio do Jaburu, outro enrolado com a delação da JBS e Furnas.

Dos seus ministros, Kassab, Bruno de Araújo, Aloisio Nunes, Marcos Antonio Pereira, Blairo Maggi e Helder Barbalho devem explicações às citações feitas pelos delatores. Os líderes André Moura e Aguinaldo Ribeiro não fogem à regra: estão sujos na Lava Jato.

Sobra quem? Esta é a pergunta que muitos se fazem.

Mas vamos adiante: um presidente que tem uma acusação com áudio gravado em que comete o crime de obstrução da Justiça e corrupção, que ouve de um cidadão que ele está corrompendo juiz e nada faz, pode governar um país? Merece credibilidade um presidente que compra votos de parlamentares abrindo as torneiras do erário para liberar emendas parlamentares, mesmo diante do rombo nas contas públicas? Tem autoridade um político que se sustenta no cargo pela compra de votos e chicanas regimentais, trocando peças na CCJ para que a votação lhe seja favorável?

Na América Latina vivemos dias ímpares: na Venezuela um presidente que se sustenta pela truculência, por histrionismos retórico e chicanas jurídicas para convocar uma constituinte a seu gosto e formato. No Brasil, um presidente que se sustenta com mudanças nos membros da CCJ, com compra de votos e Decreto Lei que agrada a bancada ruralista. Dois mandatos ilegítimos pelos atos praticados. Se na Venezuela há mortes nas manifestações, no Brasil há mortes pelo contingenciamento de verbas para a saúde. Se a Venezuela está falida, no Brasil estados estão falidos ou em estado pré-falimentar.

Neste momento parece que Venezuela e Brasil são nações gêmeas siamesas.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 26 de julho de 2017

COMUNICAÇÃO CANSATIVA


Ouvi hoje a entrevista do ex-jogador são-paulino que volta ao time, o Hernanes. Em quinze segundos de fala ele repetiu três vezes o advérbio “realmente”. Irritante!

Cada vez que ouço alguém falando e usa um dos cacoetes (serão mesmo cacoetes?) como “realmente”, “na verdade”, “neste momento”, “ entendeu?”, “né” passo a contar quantas vezes a pessoa vai repetir o irritante cacoete. Tem gente que diz que sofro de Transtorno Obsessivo Compulsivo, mas acho que é implicância com coisas que só fazem irritar.

Dou alguns exemplos: um repórter da CBN Campinas, quando do acidente com o barco na Lagoa do Taquaral e que lá estava para reportar o que estavam fazendo, falou em sua intervenção (que durou uns dois minutos) mais de quinze vezes a expressão “neste momento”. Uma repórter da mesma rádio, em uma fala de 30 segundos mais ou menos, repetiu o “realmente” sete vezes. Uma psicóloga dando uma entrevista na televisão, repetiu nada menos que 28 vezes o “realmente”.

Quando uma pessoa começa a frase com o “na verdade” eu me ponho na defensiva: ele quer me convencer de que está falando a verdade e que o que ele fala não pode ser questionado. Se ele começa com “na verdade” como posso duvidar do que diz? Como posso questionar? A melhor atitude para os que usam o “na verdade” é ficar quieto e engolir o que falam, mesmo que seja asneira. Digo isto porque já tentei questionar e me dei mal e quase perco um amigo.

Dependendo do que a pessoa fala, o “neste momento” é desnecessário. A descrição feita pelo repórter era feita em cima dos fatos e dizer “neste momento” era redundante. Só podia ser naquele momento. E pela redundância e pela repetição tornou-se cansativo. Já ouvi muitas vezes em igrejas esta expressão: “neste momento” vamos ter uma oração ... Desnecessário!

Mas o que me irrita e me coloca na defensiva é a repetição do “entendeu”. Para mim, o que a pessoa está me comunicando é que o que ela está dizendo é tão complicado ou profundo que ela precisa se certificar de que estou entendendo a sua colocação. No fundo, é uma forma de me depreciar. Se você disser para sacanear: “não, não estou entendendo” a pessoa se perde na sua fala ou, o que é pior, vai tentar explicar o óbvio que está dizendo. Mesmo porque, todas as vezes que vi alguém empregando com insistência o “entendeu” não estava dizendo nada mais que obviedades.

Acho que esta minha implicância e o contar as vezes que as coisas se repetem se deve a uma experiência da juventude. Tive um professor de química que abusava do “né”. Os alunos faziam um bingo para ver quem mais próximo chegava da quantidade de “né” que ele proferia em uma hora de aula. Três estavam encarregados de contar e se tirava a média das contagens porque a gente às vezes perdia um ou outro. Quem mais próximo chegasse do número aferido, ganhava a bolada das apostas feitas. A média era de 250 por hora!

Para mim o “né” é manipulador: é uma contração do “não e?” e o uso dele implica em me fazer concordar com o que a pessoa está falando, sem ter chances de questionar.

Na verdade, realmente fui chato neste momento, né? Perdão!

Marcos Inhauser