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quarta-feira, 24 de junho de 2020

ORE PELAS AUTORIDADES!


Já recebi um monte de e-mails e mensagens privadas e públicas me criticando por fazer críticas aos governantes. Estas mensagens não têm cor ideológica: recebia no tempo do Lula, da Dilma do Temer e agora com o Bolsonaro. 

O interessante é que estas recomendações me são enviadas por quem, sendo apoiador do governante de plantão, se sentiu ofendido. Via de regra, as exortações vêm acompanhadas do conselho de que deveria usar do espaço da coluna para evangelizar e não me meter em política.

Quero me deter no conselho de que devo orar pelas autoridades. Se a memória não me falha, não encontro em nenhum dos profetas do Antigo Testamento um deles em oração pelos reis do seu tempo. Nem mesmo o impoluto Daniel! Antes, pelo contrário, encontro uma montanha de sermões e oráculos mostrando os pecados dos reis que praticavam injustiças e oprimiam os pobres, viúvas, órfãos e estrangeiros.

Também não encontro nos evangelhos sinóticos nenhuma menção a uma oração específica de Jesus, ou uma recomendação dEle aos Seus discípulos para que orassem pelos invasores de Israel, os romanos. Olhando para o Evangelho de João, o mesmo posso afirmar. Nem mesmo no sermão de despedida há qualquer alusão aos governantes e a necessidade de orar por eles. Não há nada no Sermão da Montanha, no Sermão das Dores, nem nas parábolas ou milagres.

O que se tem na Bíblia são as recomendações paulinas: “Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade”. (ITm 2:1,2) e ainda "porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas" (Rm 13:1). A questão é saber o que Paulo entende por autoridade.

No mesmo contexto em que pede as orações, ele afirma: “quando as autoridades cumprem os seus deveres, elas estão a serviço de Deus” (13:6). Resumindo: é autoridade aquela que cumpre com seus deveres. Quais deveres? “Porque as autoridades estão a serviço de Deus para o bem. Elas estão a serviço de Deus e trazem o castigo dele sobre os que fazem o mal”. Elas, em outras palavras, cumprem com o dever de promover a paz, a vida, a dignidade humana, a justiça etc.

Quando a “autoridade” promove dissensões, conflitos, impede a aplicação das leis, protege os mais chegados e ofende os que se lhe opõem, interfere nas instâncias que não lhe compete, se nega a ver a realidade dos fatos, menospreza as mortes, faz críticas contundentes, mas sempre genéricas sem especificar ou pessoalizar, ela pode ser tudo, menos autoridade.

Há aqui uma distinção que merece ser feita. Os votos podem dar a uma pessoa uma posição de vereador, prefeito, governador, deputado, senador ou presidente. Isto não implica que, automaticamente tenha autoridade. Ele tem o poder, que é diferente da autoridade. Esta se constrói com o exemplo, com as decisões sábias, com afirmativas prudentes e pacificadoras, com a construção de pontes de diálogo, com decisões imparciais, mesmo que afete a vida do filhos. O uso do poder pode levar a esconder quem não pode ficar à mercê da imprensa. Autoridade é dizer onde se encontram os bandidos e encaminhá-los para o juízo justo e imparcial.

Tenho disposição de orar por quem é autoridade e não por quem está investido de poder sem a autoridade que deveria ter.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 17 de junho de 2020

QUANDO AS PALAVRAS FALTAM

É jargão alguém dizer: “não tenho palavras para dizer ...” Elas revelam algumas coisas sobre a pessoa que as profere. A primeira é que o que ele está sentindo ou vendo é de tal magnitude que todas as palavras que têm ou conhece não exprimem o sentido e a verdade do momento. É como se algo que dissesse fosse insuficiente. Ao dizer as palavras comuns deixa a aberta a porta para que que os ouvintes imaginem o que gostaria de dizer. Ocorre que, mesmo imaginando, não se consegue chegar perto do que a pessoa sente ou vê, porque não há pistas para se seguir.
Outro grupo de pessoas é formado por aquelas que não tem vocabulário. Estudaram pouco ou só passaram pela escola, não leram um livro na vida e o que sabem falar é o corriqueiro. Nada que consiga expressar conceitos ou sentimentos. Diz o trivial, o básico. Nada além disto porque lhe faltam mais palavras.
Há o que tem dificuldades de se expressar porque teve o contato com o numinoso. O apóstolo Paulo, ao falar da experiência de arrebatamento e ida ao céu, afirmou que ouviu palavras inefáveis que ao homem não é lícito pronunciar. Tenho para comigo que ele não tinha palavras para descrever.
Há, no entanto, aquele que nunca vai proferir a frase “não tenho palavras...” porque acha que tem palavras para tudo. Fala besteiras, vomita obviedades, se acha sábio e não percebe que é uma anta rosnando. Estes que são rasos de vocabulário e de autopercepção falam pelos cotovelos porque creem que falam pérolas. O único livro que leram foi o “Caminho Suave” quando foram alfabetizados.
As pessoas com déficit de vocabulário se revelam pela quantidade de vezes que repetem as muletas orais. Abundam nas suas falas o “né”, “entendeu”, “realmente” e coisas parecidas. Falam uma palavra ou frase e usam a muleta para pensar no que vão falar adiante. O discurso não é fluído, fácil.
Outra característica é que acreditam nas coisas sem muita inquirição ou análise, porque lhes falta o treino da lógica e o vocabulário para ler algo mais denso. Se tiverem que ler uma explicação do porquê a terra precisa ser redonda e não plana em função das leis físicas, prefere ser terraplanista, por não entender a diferença entre vírus e bactérias e pela falta de treino no estudo, prefere ser negacionista. Não consegue ter visão universal, antes vê o mundo a partir da sua ótica de tubo: uma coisa de cada vez. Acha que floresta são as árvores que ele vê. Não consegue ver a floresta como um todo.
Quando o vocabulário da pessoa é raso, parco e pobre, ele usa palavrões, os mais variados. Não tem outra forma de se expressar, não tem vocabulário e usa uma infinidade de vulgaridades para se expressar, para ofender, para denegrir.
O Brasil tem exemplos pródigos de autoridades que se enrolam ao falar. Há os que tinham muitas palavras, mas pouca empolgação para falar e para ouvir. Refiro-me ao Sarney e ao FHC. Há o que falava empolgado, mas era pastel chinês, sem recheio: Collor. O Itamar mais parecia um gravador: monocórdico. O Lula falava empolgado, empolgava que o ouvia e usava metáforas o que ajudava no seu vocabulário escasso. A Dilma não se entendia o que falava, pois sem nexo. O Temer abusava das mesóclises e pouco se aproveitava do que dizia.
O atual, que cada qual classifique em uma das categorias aqui colocadas.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 10 de junho de 2020

1984: JÁ FOI, É OU SERÁ?


Li o romance “1984” em 1976. Ele é a visão-pesadelo de George Orwell sobre o totalitarismo. Publicado após a Segunda Guerra Mundial, permanece atual. Nele Orwell trata do abuso do poder, a negação do eu e a erradicação do passado e do futuro. Lembro-me de alguns pensamentos e sentimentos que me afloraram com a leitura.
Um deles, a sensação de que 1984, que àquela altura estava tão próximo, não me parecia que se concretizaria na data prevista pelo autor, mas que poderia ocorrer em futuro mais longínquo. O outro foi a repulsa sentida com os “reescritores da história”, encarregados que eram de reescrever os dados e discursos do regime totalitário, para que ninguém pudesse acusá-lo de ter mudado de opinião. Estes reescritores também se encarregavam de maquiar os números de safras e produtividade, para mostrar um regime mais bonito do que na realidade era.
Na sequência li “Revolução dos Bichos”, e impressionou-me a facilidade com que se mudavam as leis revolucionárias para criar uma casta e justificar os desmandos do Porco Ditador. Incentivado pelas leituras anteriores li “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, onde o autor apresenta uma sociedade organizada cientificamente. As pessoas são programadas em laboratório e domesticadas segundo os interesses da sociedade. Elas não têm consciência crítica e aceitam as notícias tal como lhes são passadas. A cultura (literatura, a música e o cinema) só solidifica o conformismo. Há avanço da técnica, a linha de montagem, a produção em série, a uniformidade, a obediência cega.

Estes três livros me vêm à mente nestes dias, com as investigações sobre as fake news, a polarização política, os desmandos governamentais, a manipulação de dados, a negação da ditadura, a exaltação de torturadores, o armamentismo da população, a imprecisão das informações presidenciais, as mentiras ditas com a firmeza de quem acredita nelas como sendo expressão da verdade. O site www.aosfatos.org fez recenseamento das frases ditas e concluiu que, em “Em 524 dias como presidente, Bolsonaro deu 1151 declarações falsas ou distorcidas”.

Não bastasse isto, a recente interferência no Ministério da Saúde transformando-o em quartel pela quantidade de militares ali alocados, sem expertise na área da saúde, causa espanto. Mais espantoso ainda é que, em plena pandemia, não se tenha um ministro médico, nem se lidere as ações de combate, jogando no colo dos governadores e prefeitos. Como desgraça pouca é bobagem, a manipulação dos dados estatísticos, a mudança nos critérios e a omissão de informação relevante para o combate ao Covid-19, vem me dar a certeza de “1984” e “Admirável Mundo Novo” não são utopias impossíveis. O número de mortos diários precisa ser reduzido pela engenharia estatística e pela reconceituação dos óbitos. Chame-se os reescritores da história!

A imprensa está noticiando o que não agrada? Fabrique-se notícias e espalhe-se pelas redes sociais! O povo vai engolir porque não tem massa crítica! Os ministros do STF estão interferindo nas decisões do mandatário? Coloque os produtores em série de manifestações e peça o fechamento do STF e Congresso! Precisa dizer algo? Crie um “curral de vaquinhas de presépio” e todos os dias faça as lives sem a mediação da grande mídia!

Marcos Inhauser


quarta-feira, 3 de junho de 2020

O DERRETIMENTO DAS AUTORIDADES


Não é de hoje que o mundo ressente a falta de grandes líderes. Há quem cite Churchill, Eisenhower, Mandela e Margareth Tatcher como os últimos que a humanidade produziu. Há quem se aventure a citar Barack Obama e Angela Merkel.

Se se faz um reconto nas lideranças políticas das últimas três décadas, vamos perceber que muitos dos que se destacaram, tiveram suas autoridades questionadas, deterioradas, derretidas e acabaram condenados pela opinião pública. Daria para citar muitos exemplos. Faço uma lista dos que agora me lembro. Perón na Argentina que, ao regressar do exílio, não teve o lustre que o havia caracterizado. Deixou a Evita no seu lugar, que acabou em desgraça. A Cristina Kirchner e o Mauricio Macri deixaram péssimas heranças. A Michele Bachelet, do Chile, saiu questionada por conta de empréstimos concedidos a seu filho. O sucessor, Sebastián Piñera, enfrentou a convulsão social e teve que ceder para sobreviver na presidência.

Os Bush, tanto o pai como o filho, foram questionados pelo envolvimento nas guerras do Iraque e Afeganistão. O Nixon teve que renunciar por causa do Watergate. O Clinton enfrentou um processo de impeachment pelo seu envolvimento com a estagiária, Monica Lewinsky.

O atual, Trump, mais dá tiro no pé que governa. Não tem propostas objetivas para os problemas que enfrenta. O seu remédio, a hidroxicloroquina, não ajuda na pandemia, não soluciona a economia e não apazigua os ânimos exaltados da população negra.

O Macron, na França, anda se equilibrando, assim como seu par, o Boris Johnson na Inglaterra. Depois que o Corona o pegou, teve que mudar de rumo e não recuperou o seu prestígio. A sua antecessora, a Theresa May, fez o que pôde e não conseguiu se manter no cargo.

Olhe-se para a Itália, onde há uma dificuldade enorme para se montar um gabinete, coisa que também acontece com o Netanyahu em Israel, que compôs com a oposição para ter sobrevida. O Peru, com o ex-presidente que se suicidou por causa de corrupção, mais os dois presidentes que também derreteram pela mesma acusação.

A Nicarágua teve um líder, Daniel Ortega que, ao regressar ao poder, se transformou em déspota. O mesmo ocorre com o Putin, na Rússia. A liderança do Xi Jinping é mantida por um partido monolítico e altamente obediente.

No Brasil dos anos recentes Sarney saiu queimado da presidência, seguido pelo carbonizado Collor. O Lula acabou preso, a Dilma é alvo de chacotas pelas suas declarações sem pé nem cabeça. O Temer saiu do poder, mas não sai do noticiário policial.

O Brasil de hoje vive dias de angústia, tanto para os que estão no poder, como para os que fazem oposição. A autoridade presidencial vem derretendo sob o sol escaldante das milhares de morte e contaminados, de um vídeo de uma reunião abjeta onde mais se falou palavrões do que se decidiu algo, das investigações que se aproximam do Planalto, de filhos que mais tumultuam que ajudam.

Assim como o gelo e a neve, as autoridades estão derretendo. Os exemplos estão aí, seja por envolvimento com a corrupção, por inépcia, incúria ou incontinência verbal e comportamental.

Marcos Inhauser