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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O NOVO ANÊMICO


Dizem que os ditados traduzem a sabedoria popular. Eu acho que também servem para consolidar o senso comum. Um deles tem para mim mais cheiro de senso comum que de sabedoria: “ano novo, tudo novo”. Uma variação dele é “ano novo, vida nova”.

No Brasil de hoje e deste final de ano, tenho minhas restrições em pensar que a magia de cruzar a meia noite de um dia para outro seja suficiente para que coisas novas aconteçam. Bem que eu gostaria que isto acontecesse, mas a meu espírito mais cético que esperançoso me faz a advertência: “devagar com o andor porque o santo é de barro”.

Como esperar vida nova e tudo novo diante do cenário político e econômico que estamos encerrando o ano? Há mágica que dê conta de transformar tudo com a passagem do ano? É ato de fé esperar um milagre neste cenário?

Vamos lá. Não fosse um profeta Jeremias, talvez eu me encorajasse a pensar que um milagre poderia acontecer. No que pese a misericórdia de Deus, ele castigou o seu povo por causa das perversidades, mentiras, corrupção de sacerdotes e reis (e seus asseclas). A idolatria grassava solta em Israel e ele deixou que o curso da história seguisse e o povo colhesse os frutos de suas loucuras. Foram castigados pelo seus próprios atos desvairados.

É verdade que está ruim com o PT, mas será muito pior com o PMDB! Olhe para as lideranças destes dois partidos e se verá uma penca de gente acusada e sendo investigada por mal feitos na administração da res pública que eles insistem em tratar como se fosse “res própria”. Quem os colocou lá? O povo através do voto. Se eles agem indevidamente o fazem porque tiveram seus mandatos renovados, no que pese as acusações que sobre eles pesavam. Exemplos? Collor, Jader, Renan, Cunha, Lobão, Jucá, Maluf, para citar só os mais notórios. Se o povo insiste em escolher raposas para cuidar do galinheiro público, que moral tem para agora criticar e pedir a intervenção divina? Se não foram fieis no pouco, com certeza se locupletarão no muito. E é o que fizeram.

Confesso que chego às portas do novo ano com uma esperança prá lá de anêmica. Sempre brinquei com uma frase que parece que se aplica a este momento: “dias piores virão”. Não acredito que algo espetaculoso ou milagroso possa acontecer, haja visto as manobras do Temer se associando ao Cunha contra o Renan, a troca do ruim pelo péssimo na economia, a judicialização do legislativo, a legisferante atividade do STF, as infelizes declarações do Falcão no exercício da presidência do PT, as intervenções inadequadas e impróprias do ex-presidente que ainda acha que é, a demora em se tomar providências mais robustas contra o Collor, o Renan, o Lobão, o Jader, etc.

Lembro-me de uma frase de Paulo na sua carta aos Romanos, referindo-se a Abraão: “em esperança, creu contra a esperança”. Outra na mesma carta: “se espero o que vejo, isto já não é esperança”.

O que vejo, entendo e prognostico como inevitável me coloca na categoria do cético absoluto. Tenho fé em um Deus que, no que pese as nossas barbaridades, pode vir e intervir na nossa história. Como Gideão, estou em uma prova de fé. Não vejo saída, mas a fé me coloca uma nesga de esperança. Anêmica é verdade, mas é fé.

Marcos Inhauser


quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

E SE FOR MENTIRA?


E tem todos os ingredientes para ser.

Não há uma só prova material de que ele tenha existido. Desde o ponto de vista da história e dos comprovantes não há nada, absolutamente nada!

Não se sabe ao certo a data do seu nascimento, o local exato em que isto se deu, onde viveu na infância, se tinha irmãos ou primos, a linhagem da mãe e do pai, não há um só documento que fale dele e que tenha sido escrito nos tempos em que supostamente viveu, ele mesmo nunca escreveu nada e quando o fez foi na areia da praia, não se tem uma relíquia dele, não se sabe exatamente onde foi crucificado e onde o sepultaram. O que dizem ser provas são facilmente refutadas pelos meios científicos.

Tem tudo para ser uma estória.

Mas se é uma estória como explicar algumas coisas? Como uma estória tão fantástica e ingênua pôde durar tanto tempo? Como a estória de um filho gerado só da mulher, nascido em condições insalubres, em local incerto, pôde ser contada durante tanto tempo? Como uma estória de uma criança de pais desconhecidos, sem vínculos com os partidos políticos e religiosos da época, com atuação na periferia de Israel, pôde ser a estória mais contada e repetida na história da humanidade?

Como uma estória destas, a partir da insignificância dos pais e do nascimento, marcado pela ausência de maiores informações sobre sua infância e adolescência, tendo surgido publicamente só aos trinta anos de idade (e até nisto há controvérsias), com um fim tão trágico como foi a crucificação, pôde ser a mais significativa estória da humanidade, ao ponto de ser divisor da história entre o antes e o depois?

Como uma estória tão simples pôde inspirar tantos compositores que escreveram mais belas músicas da humanidade, haja visto o Aleluia de Haendel e tantos outros clássicos de natal? Qual outra história foi mais encenada em palcos ao redor de todo o mundo que a do natal? Qual outra estória mudou a vida de tanta gente como a do natal? Qual outra estória produziu mais “conversões” que a do nascimento, vida e morte dele? Qual outra estória tem mobilizado tanta gente para a solidariedade, a fraternidade e ao perdão que esta estória?

Que me perdoem os que discordam de mim e de milhões que assim acreditam: para mim não é estória e sim história!

Não preciso de provas materiais e históricas para crer na realidade do natal (sem nem mesmo saber exatamente a data e local). Não preciso ver um suposto pedaço do manto, da cruz ou lágrimas colhidas por uma tal Verônica. Não preciso de um manuscrito escrito por ele ou sobre ele, redigido nos dias em que ele viveu para acreditar que ele é real. Para mim não se trata de estória, mas de fato da fé que historiciza a sua presença em mim e através de mim.

Não preciso provar a historicidade dele. Preciso viver a realidade da vida dele em mim e nos que, como eu, acreditam nele. Não tenho a obrigação de “convencer” ninguém que ele real, porque ele se encarrega disto pelo exercício da sua graça. Isto é tão forte que Agostinho disse que a graça é irresistível! Quando ele quis mostrar sua realidade a Paulo, este até do cavalo caiu!

Só afirma que o natal é estória quem nunca “caiu do cavalo” pela graça de Deus. A queda faz com que a estória vire história!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A ARTE DO CINISMO


Tirei alguns dias (talvez semanas) para ler dois livros do Michel Foucault que são as últimas aulas que ele deu. Trata-se de “O governo de si e dos outros” e “A coragem da verdade” onde ela faz análise do conceito de verdade e do falar a verdade (parresia) no exercício da política na antiga Grécia, especialmente Atenas.

São leituras difíceis, seja pela complexidade do tema, pela exegese que faz dos textos citando em abundância o original grego ou pela quantidade de coisas que ele vê e extrai de onde eu, no meu quase analfabetismo, não vejo nada. Ao ler o que ele vê onde não vejo me dá um sentimento de imbecilidade.

Mas, acho que, nesta minha experiência, foi a tristeza e a dor o que mais me afetaram ao confrontar o exercício da verdade na vida pública com o exercício do cinismo e da mentira que presenciamos nas lides congressuais do Brasil.

Causou-me espécie recordar e reforçar algo que já tinha vago conhecimento de como Sócrates e os socráticos pregavam o despojamento como forma de se conhecer a verdade. Também ao ser relembrado da postura dos cínicos (os antigos e primitivos) em seu total desprendimento de qualquer título, reconhecimento social ou bens.

A certa altura ele afirma que a verdade tem quatro dimensões: a verdade minha que tenho coragem de falar para mim mesmo, porque há gente que não tem coragem, de confessar a si mesmo certas coisas que faz ou pensa. A segunda dimensão é a verdade minha que tenho coragem de contar a alguém, amigo, confidente ou terapeuta. Mais antigamente este papel de “escutador das nossas verdades” era do sacerdote e da amante. A terceira dimensão é a verdade que tenho coragem de dizer em público. A quarta é a verdade que ouço vindo dos outros e que dizem respeito a mim.

Ao ver a cara-de-pau do Cunha, Renan, Lula, Jader, Edinho, Mercadante, Dilma, e tantos outros, enredados até o pescoço com as investigações, lembro-me destas quatro facetas da verdade. Fico a pensar se eles têm a coragem de se olhar no espelho e dizer a sí mesmos o que fizeram. Duvido que contaram a seus amigos, confidentes ou advogados todas as peripécias cometidas. Duas coisas eu tenho certeza: não estão dizendo a verdade em público e nem estão aceitando a verdade que as ruas estão a gritar. Ouvir o Cunha dizer que não tem interferido em nada no processo de protelação em que se envolveu a Comissão de Ética da Câmara é vergonhoso. Vergonhoso é vê-lo apoiado por parlamentares que se intitulam como evangélicos, que o apoiam, como é o caso do campineiro, pastor da Assembleia de Deus, Paulo Freire, do Marco Feliciano e outros.

Se política na antiga Atenas tinha a parresia como alvo e prática, na brasileira é a mentira, a enganação, a fraude, a jactância (vide a gravação do Delcídio), a carteirada, a bravata. Prova cabal disto é a judicialização do processo parlamentar, uma vez que ninguém mais acredita em ninguém e se pede a arbitragem externa para que o diálogo próprio do parlamento seja realizado. Quando isto se dá, não é a negociação, mas a imposição da interpretação judicial, onde um grupo perde e outro ganha. Quando isto acontece o povo, que deveria ser o beneficiário maior do processo, acaba pagando alto custo, como são as demissões, a falta de investimento, a inflação, os pesados impostos e a possibilidade de ressurreição de um morto que devia ter sido cremado para nunca mais voltar: a CPMF.

O cinismo tem um preço é o povo é quem tem pagado.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

PÁTRIA EDUCADORA


Já mencionei aqui, mais de uma vez, a minha admiração por dois irmãos nicaraguenses, poetas e cantores, os Mejía Godoy. Dia destes estava ouvindo pela enésima vez suas músicas. Deparei-me, outra vez, com a de Terencio Acahualinca, onde ele conta a estória desta pessoa que, sendo perguntado por um burocrata sobre sua formação educacional, se saiu com este verso, aqui livremente traduzido:

Não sou leigo, nem estudado em alguma ciência,

Mas já estou pós graduado pela experiência.

Um curso de alta miséria me fez doutor.

Sou graduado em pobreza,

Mestre em desnutrição.

Que me perdoem todos os amigos

Que estão na rançosa burocracia

Com seus diplomas conseguidos em Bretanha ou gringolândia,

Ninguém pode ostentar este recorde

E esta é a pura verdade

Porque assim canta Terencio com tremenda realidade:

Não sou leigo, nem estudado em alguma ciência,

Mas já estou pós graduado pela experiência.

Um curso de alta miséria me fez doutor.

Sou graduado em pobreza,

Mestre em desnutrição.


Fosse Terencio Acahualinca brasileiro, pouca ou nenhuma mudança precisaria fazer na letra para adequá-la à sua realidade. Muito ao contrário talvez pudesse acrescentar algo como

Fiz um elementar básico,

Secundário meia boca

Sonhei com a riqueza,

Adotei a esperteza,

 tomei o caminho mais curto:

Virei político!

Graduei-me em ética pelo noticiário

Mestrado em mentira vendo declarações de senadores e deputados,

Doutorado em cinismo acompanhando CPIs.

Aluno de Calheiros, Cunha, Sarney, Delcídio e do PT

Fiz especializações no PMDB, PSDB e antigo Pefelê.

Nas artimanhas do submundo sou touro,

mas ando morrendo de medo do Moro.

Acertei a mão e ganhei uma bolada,

Mas, pelo visto, lá se vai ela com a delação premiada.

Queria entrar para história como notícia,

mas acabei nas páginas da polícia.

A cela me deu rugas

E no medo do que pudesse contar, me ofereceram fugas.

Bendito gravador:

lá se foi um senador!

Por causa do cartel:

Está se implodindo o bordel!



Marcos Inhauser


quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A VERDADE ANTI-ESCRAVIDÃO

Já gastei algumas linhas trabalhando a expressão jesuânica do quarto evangelho de que “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Na última vez, disse que a expressão precisa ser analisada e entendida no seu contexto (o próprio evangelho), onde o tema da vida plena é central. Assim a libertação de que se fala é a libertação para a vida plena.
Quero trabalhar outro aspecto, agora pela via negativa: a mentira escraviza, manipula, trata o outro como incapaz de conhecer e suportar a verdade. Seja qual for o motivo para a sua existência, há da parte do mentiroso motivações manipuladora e escamoteadora. Por causa disto, tanto o mentiroso como o que é vítima dela são escravizados. O primeiro pela própria mentira que deve manter a qualquer custo, o último porque não tem acesso à verdade que liberta, mas se vê enredado nas tramas da manipulação de quem mente.
Tenho pensado nisto diante da avalanche de mentiras contadas e descobertas com a operação Lava Jato.
Ainda que a mentira possa ter dado um certo alívio a quem a contou no início e até certo prazer, o custo de mantê-la e, por fim, vê-la desmascarada, é cruel. Lembro-me de uma frase do Barusco na CPI (um dos poucos que falou neste festival de “reservo-me no direito de permanecer calado”) quando disse mais ou menos isto: num determinado perdi a tranquilidade e o sono por não saber como explicar a montanha de dinheiro que tinha”. A confissão foi alívio porque libertadora.
O imbróglio de mentiras do Cunha e as suas “explicações”, são novas mentiras para sustentar as anteriores. É um escravo das mentiras contadas. A mesma coisa se pode dizer do Delcídio e sua súbita demonstração de espírito solidário com o Cerveró. A versão contada no seu depoimento é tão esfarrapada que acabou se enredando ainda mais no cipoal da escravidão da mentira.
Com isto, quero esclarecer o seguinte paradigma: a mentira escraviza, a verdade liberta. Acrescento: toda verdade é libertadora, ainda que ela tenha seu custo e dor inicial.
Nestes dias, em uma viagem de ônibus, sentou-se ao meu lado uma jovem mãe com sua filha de ano e meio. Depois de mais de uma hora de conversa, ela me contou que, quando tinha 11 anos de idade, surpreendeu sua mãe com um homem na cama. Aquilo para ela foi terrível. Porque sabia que seu pai também não era santo, nunca falou para a mãe o que tinha visto, mas isto a matava por dentro. Há dois anos teve uma conversa com a mãe e contou o ocorrido. No dizer dela: “senti que um peso saiu de mim. Nasceu um riso nos meus lábios, voltei a viver. Eu vivia uma farsa com minha mãe simulando que tudo estava bem e não era verdade. Quando contei a ela o que eu sabia, a relação nossa melhorou e muito”. Uma verdade que a libertou!
Na sucessão de verdades que estão vindo à tona, há um processo de libertação. Creio que estamos sendo libertos de corruptos contumazes, de políticos desonestos, de governantes inescrupulosos, de gurus enfatuados, de marqueteiros manipuladores, de ex-presidentes que mentiram e continuam mentindo.
A verdade nos está libertando!!!
Marcos Inhauser