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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A REFORMA PROTESTANTE E A POLÍTICA

No dia 31 de outubro de 1517 o monge agostiniano, Martinho Lutero, afixou na porta da Catedral de Wittemberg 95 teses que queria discutir com a comunidade acadêmica e que versavam sobre a autoridade papal para perdoar pecados e vender indulgências. Este fato é tido como o ponto inicial do movimento da Reforma Protestante do século XVI.
Lutero foi seguido por Calvino, quem foi o Reformador de Genebra, onde estabeleceu uma nova forma de governo, formado pelo Consistório, um modelo mais representativo de participação popular no governo da cidade.
Em Zurich surgiu Zwínglio. Como ponto central da reforma estava o fato de que as Escrituras, e somente elas, são obrigatórias aos crentes e normatizam a vida de fé e prática. Zwínglio cria que a comunidade era a palavra final na interpretação das Escrituras, criando um conceito que mais tarde veio a se chamar “comunidade hermenêutica”. Com esta posição Zwínglio estava sentando as bases para o movimento da Reforma Radical, também conhecido por Anabatismo, onde, em suas raízes, não tinha um pregador-que-sabe-que-ensina-quem-não sabe, mas pela participação de todos, se constrói a interpretação.
Três dos seus seguidores estavam inconformados com a falta de coragem de Zwínglio em levar às últimas conseqüências as afirmações que sustentava. Acreditavam que o batismo, por ser um ato de fé, só pode ser feito por quem tenha consciência do ato. Zwínglio assim creu e ensinou, mas depois, por pressão do Conselho da cidade, recuou.
Os Radicais negavam a validade da prática do batismo infantil. Estes três discípulos do reformador Zwínglio, Blaurock, Grebel e Mantz, decidiram se rebatizar. O fato teve profundas implicações políticas, porque ao se rebatizarem, estavam negando o poder estatal de decidir a religião dos súditos, afirmando que a fé é uma questão de foro íntimo e que ninguém pode decidir por alguém qual a religião que irá seguir.
Como consequência, passaram a pregar a separação da igreja e do estado, fato revolucionário em uma época em que a Igreja Católica era um estado, em que Lutero e Calvino estavam vinculados ao estado seja para proteção ou para governo, e Zwínglio estava em caminho parecido ao dos demais reformadores.
Os anabatistas foram perseguidos por suas posições revolucionárias e fugiram de uma parte a outra da Europa, em busca de regiões onde os reis os tolerassem. Desenvolveram a ética do trabalho, sendo exímios lavradores, forma encontrada para evitar que fossem constantemente expulsos, por causa dos lucros que traziam.
O conceito de separação da Igreja e do Estado foi ganhando força e hoje é aceito na quase totalidade dos países do mundo ocidental. O modelo constitucional norte americano da completa separação está influenciado por anabatistas e não é coincidência que a declaração de independência tenha sido feita na Pennsylvania, terra então majoritariamente habitada por menonitas, quackers e irmandade.
Trago estas coisas históricas por duas razões: estamos comorando mais um aniversário da Reforma e mais do que nunca estes princípios de separação da igreja e estado precisam ser relembrados, em um momento em que setores da igreja evangélica brasileira se envolvem com a política, transformam púlpitos em palanques e têm projetos de criar um estado religioso de fundamentação cristã/evangélica, deputado evangélico está envolvido em corrupção, a bancada evangélica acha que dar uma Bíblia ao presidente é evangelizar, pastores vivem mendigando benesses do poder público para a reforma do templo ou a cessão de um terreno, etc.
Isto é negar um dos elementos basilares da Reforma: Igreja é Igreja, Estado é Estado. A Igreja pode e deve ter uma atitude profética para com o Estado, denunciando os pecados existentes e os cometidos por ele. Para fazer isto, não pode ter o rabo preso.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

REFORMA E OS RADICAIS

Transpiração e inspiração são irmãs gêmeas do processo criativo. Uma descoberta, para ter impacto, deve responder à algumas condicionantes históricas. Newton, Thomas Edison, Pascal e outros, fizeram descobertas que não eram totalmente novidade, mas tinham antecedentes nas pesquisas, descobertas e pensamentos anteriores.
No campo da Reforma religiosa do século XVI, Lutero também não pode ser apontado como alguém que teve todas as idéias que o motivaram a posicionar-se da forma como o fez, mas Wycliffe, os Valdenses, Albingenses, os Cátaros, John Huss, Savanarola são comumente citados como antecessores da Reforma.
Mais que isto, a “descoberta” de Lutero que a justificação do pecador se dá pela fé e esta é obra da graça de Deus, só foi possível porque teve acesso a pensamentos divergentes da teologia oficial e porque esta descoberta teve ambiente histórico, econômico e político para ser aceita larga e amplamente como resposta esperada pela população, tendo em vistas as opressões que sofriam do senhor feudal e da própria igreja através de suas autoridades. Não fossem dadas estas circunstâncias históricas, Lutero, Calvino, Zwínglio e outros talvez não teriam sido quem foram.
Estranha-me que, quando se fala em Reforma, os assim autodenominados reformados, ser esquecem de mencionar uma importante ala da Reforma, que fez com que ela avançasse para além dos limites que Lutero, Calvino e Zwínglio avançaram; a Reforma Radical promovida pelos Anabatistas. A separação da Igreja do Estado, a liberdade de culto e consciência, a opção livre e espontânea para a escolha da fé, foram feitos que os Anabatistas trouxeram. Estes postulados hoje são conditio sine qua non para a vida religiosa, mas há muitos que se esquecem que devem isto aos radicais.
Entender esta dimensão histórica e as condicionantes políticas e econômicas do contexto em que tal se deu, é fundamental. Talvez seja por isto que há quem, hoje em dia, não entendendo estas implicações, querem reproduzir a Reforma do século XVI em pleno século 21.
Tendo isto em mente se deve entender a expressão reformada que se tornou bandeira, ainda que na prática quase nada tem acontecido: Igreja Reformada sempre reformando.
Neste 31 de outubro a igreja reformada e protestante estará celebrando os 500 anos da Reforma, uma pergunta deve estar na mente: o que mudou na igreja reformada nestes anos? Não são as igrejas reformadas réplicas de práticas seculares e, portanto, defasadas no tempo e inócuas nas respostas aos cidadãos do século 21?
Aqui, me parece, reside uma das questões que as igrejas reformadas (e também a católica) devem analisar quando avaliam os problemas pelos quais estão passando, que se traduz na perda de membros e frequência, na falta de vitalidade e no pouco envolvimento de seus membros: está a igreja respondendo às questões das pessoas que vivem no mundo atual? Ou está a igreja repetindo respostas de centenas de anos, que se foram próprias naquele momento, hoje nada dizem?
Há os que pedem uma nova Reforma. Estariam eles dispostos a uma ruptura radical com o atual modelo? Não são muitos destes, pessoas que pedem reforma, mas a querem para reforçar o que já fazem há séculos?
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

REFORMA COMO RETORNO

Os Reformadores tiveram a visão direcionada ao passado. Estavam interessados ​​em descobrir no Novo Testamento as origens do cristianismo, influenciados pelo Humanismo Renascentista que acreditava que a verdade estava nas origens.
Como resultado, os reformadores estavam interessados ​​no estudo do grego e do hebraico, deixando de lado o latim que era a língua oficial da Igreja Católica.
Ao procurar as línguas originais para a verdade do Novo Testamento, eles deixaram de lado a tradução oficial e normativa da Vulgata, tradução feita pelo monge Jerônimo, e que foi criticado por muitos por não ser fiel aos originais.
Este retorno ao passado implicou um grande risco para a Igreja Católica, porque o cristianismo, nas suas origens, não validava a estrutura, a pompa e muito do que a Igreja tinha e fazia.
O perigo era real. Além dos Reformadores clássicos (Lutero, Calvino e Zwinglio), houve a Reforma Radical promovida pelos anabatistas, que levou as reivindicações da Reforma às últimas consequências.
Para entender isto há que se lembrar que a teologia não é feita apenas pelo confronto do calvinismo versus o arianismo, do misticismo versus racionalismo, do liberalismo versus neo-ortodoxia. Ela não é uma discussão para dentro de si mesma, mas diálogo com o contexto, o que envolve o histórico, o cultural, o filosófico, o econômico, o social, o político, etc. Ela é uma resposta às questões em que o mundo vive. A teologia reformada é um pensamento, reflexão, meditação, escrita em diálogo teológico com o mundo que abandonou o paradigma cristão.
O século XVI teve grandes luminares, como Cortes, Carlos V, Pizarro, Copérnico, Lutero, Da Vinci, Maquiavel, Erasmus, Bacon, Galileu, Loyola, Knox, Calvino, Cervantes e tantos outros. Muitas mudanças e transformações que eles promoveram causaram impactos nas mentes dos europeus e uma delas foi o cristianismo do Renascimento. Havia uma contração econômica, as monarquias inglesas e francesas estavam em processo de deterioração, o sistema feudal tornava-se obsoleto e o uso do papel permitia que a memória fosse mantida indefinidamente.
Foi um período de crescimento populacional, da revolução impressa, do aumento do capitalismo, da reforma e contrarreforma, dos estados nacionais, etc. Vários modelos de desenvolvimento e economia foram desenvolvidos
Na política, os reis ganharam o poder com alianças e casamentos arranjados politicamente.
Além disto, não se pode falar de uma só Europa no século XVI. Havia várias. Quase toda a população da Europa Central, Sul e Ocidental vivia em comunidades rurais. A Europa Central e Oriental foi mais opressiva e feudal do que o resto do continente. Na Europa Central e Oriental, as condições eram críticas para a maioria da população camponesa, porque as leis davam direitos para retirar os bens dos camponeses. Na Inglaterra, a população rural aumentou seu grau de liberdade, o que deu origem ao proletariado rural.
Muitos tumultos e revoltas foram a marca do século.
O pensamento dogmático da Idade Média, do tomismo e seus universais, cedeu a um renascimento em literatura, direito, matemática e outras ciências.
A ruptura da perspectiva religiosa e a diversificação do conhecimento geraram incertezas e mudanças.
Houve uma troca entre crenças autênticas, preconceitos e avaliações com interesses pessoais ou grupais. Em termos religiosos, a tolerância e a liberdade de crença seguiram caminhos diferentes.
Não há dúvida de que, em 31 de outubro de 1517, abriu um debate hermenêutico, soteriológico, eclesiológico e ético. A interpretação correta da Bíblia, a suficiência das Escrituras, a graça, a relação da Igreja com o Estado e o estilo de vida do clero eram fundamentais.
Uma nova ordem se estabelecia e a liberdade ganhava espaço na religião, na sociedade e no pensamento.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

DEPOIS DE QUINHENTOS ANOS

É significativo que as duas maiores transformações da sociedade ocidental tenham suas origens em acontecimentos religiosos cristãos: o nascimento de Cristo e a reforma religiosa do séc. XVI que neste 31 de outubro completa quinhentos anos.
Uma visão simplista deste segundo evento o considera como sendo de conotação espiritual, um agir do Espírito para a retomada dos valores do cristianismo dos quais a igreja havia se desviado, algo que aconteceu porque o monge Lutero recebeu uma iluminação especial.
Isto é verdade, mas não toda a verdade. A Reforma não teria sido o que foi se tivesse se limitado aos pensadores (sacerdotes e filósofos) e à nobreza. Ela teve impacto porque teve apoio popular.
Este apoio se deu mais por razões políticas que por convicções religiosas. A sociedade europeia do séc. XVI era feudal (baseada na iníqua equação de direitos da nobreza e deveres da plebe), onde os pobres tinham chances quase nulas de reverter sua situação pela obtenção de salários mais justos, pagamento de menos impostos ou acesso à propriedade.
Lutero, ao atacar o poder papal de decretar indulgências (perdão de pecados que eram vendidos para financiar a pompa papal e a construção da catedral de São Pedro), atacou também o poder de excomunhão, que era o instrumento político usado pelo Vaticano para submeter a população e a nobreza, mantendo assim o estado feudal que tanto lhe interessava. Desde cedo o povo percebeu que as teses de Lutero eram revolucionárias porque podiam reverter o quadro social, político e econômico em que viviam.
A análise mais atenta da Reforma mostra que este engajamento popular permitiu que se reformasse não só a religião vigente, mas a sociedade. Assim, a Reforma só foi um evento significativo porque mexeu também com as estruturas sociais.
As propostas de reforma social partiram não de formulações filosóficas ou econômicas, mas do compromisso em obedecer ao princípio reformado de “Sola Scriptura”.
Ao fazerem mudanças na ordem política e econômica, o fizeram a partir da visão teológica sobre a injustiça e o pecado. Calvino, em Genebra, criou a assistência semi-estatal para os inválidos, doentes e velhos, promoveu a luta contra a imoralidade, fiscalizou os preços, regulamentou o trabalho, estabeleceu feriados e a guarda do domingo, promoveu a educação (André Bielér. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. S. P.: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 102).
O mesmo se pode dizer dos reformadores radicais, os anabatistas. A partir da convicção de que as questões de fé são de foro íntimo e que ninguém pode decidir o que o outro deve crer, defenderam o batismo de adultos como forma de se respeitar o princípio e negaram o poder estatal de decidir qual a religião que os súditos deveriam ter. Como consequência disto, nascem os conceitos de liberdade de consciência e a separação da Igreja e do Estado. Na sua vertente mais radical, Tomas Muntzer promove a guerra dos camponeses para que estes tivessem acesso à terra.
Vivemos uma situação social de excludência da maioria, atirada à pobreza por mecanismos econômicos injustos, onde verbas sociais são cortadas para financiar bancos falidos, o perdão dos pecados é vendido juntamente com as bênçãos da prosperidade.
Mais do que nunca é necessário que a igreja olhe para sua história que ensina o erro de se vender a benção (seja perdão de pecados, cura, libertação ou prosperidade), de crer em revelações extra-bíblicas trazidas pelos iluminados de plantão autointitulados de profetas e profetisas, deve combater com o compromisso da “Sola Scriptura”, da “Sola Gratia”, “Sola Fide”, “Soli Deo glori” e “Solus Christus”.

Marcos Inhauser

FALASTRÕES

Não sei se em algum outro momento da história humana se teve tantos falastrões em postos-chave da política. Nos dias que correm, há quase uma dezena deles, enchendo os noticiários com suas diátribes.
Exemplo maior deles é o Donald Trump. Quando abre a boca, impropriedades saem com fluência, veemência e insensatez. Fala o que quer, quando quer, onde quer. Haja vista que transformou a reunião da ONU em palco de ataques e ameaças.  Ele atira para todos os lados e acaba de comprar briga com os jogadores do futebol americano e do basquete. Não mediu as palavras e ouviu o que não deveria ter ouvido, como presidente que é.
Suas ameaças à Coreia do Norte foram interpretadas pelas autoridades do país (e com razão, digo eu), como declaração de guerra. Parlapatão, precisa de gente atuando como bombeiro para apagar os incêndios que provoca. A cada pouco vem a porta-voz dizer que o que ele disse não é o que disse. Neste mar de impropriedades diárias, muitos dos seus colaboradores já se foram, porque não queriam servir de acólitos no show do boquirroto.
Na América do Sul, como a seguir-lhe os passos, está Nicolas Maduro. Sua retórica bombástica ataca e acusa os Estados Unidos como a causa de todos os seus erros e desatinos. Sua fala, segundo ele, inspirada em Hugo Cháves que o visita como pássaro ou borboleta, além de parecer espada (comprida e chata, bem ao estilo do seu mentor, Fidel Castro), em nada deve às impropriedades do Trump.
Mais calmo nos últimos tempos, há o Evo Morales da Bolívia. Andou falando aos quatro cantos, disse o que quis e, ainda não entendi direito a razão, está em período de “silêncio obsequioso”.
No cenário brasileiro há alguns exemplares. Cito o Bolsonaro, tão falastrão quanto os anteriores, com a agravante de que defende torturador, a ditadura e fez apologia ao estupro. Um boquirroto que insufla a violência contra marginais e de sexualidade alternativa.
Outro exemplo é o Cristiano Zanin, advogado do Lula. Quando comenta o que aconteceu, tenho a impressão de que ele acredita que sua tergiversação dos fatos criará uma nova realidade. Ainda que não promova a violência física, tem o condão que tentar colocar todos contra o sistema judiciário brasileiro, único culpado pelos crimes atribuídos ao seu cliente.
Não posso deixar de citar neste rol o Silas Malafaia, histriônico, narcísico e oportunista, fala o que lhe dá holofotes.
O Gilmar Mendes é boquirroto-mór. Fala sobre tudo, dá palpite sobre qualquer assunto, desde cesariana até motor à explosão. Já disse que me parece que ele tem orgasmos quando ouve sua voz. Seus votos no STF são peças cansativas e de uma lógica toda peculiar, tanto que, quase sempre, são vencidos pela maioria. Quando tem um habeas corpus para julgar monocromaticamente, libera o médico Abdelmassih, o banqueiro Cacciola, os amigos da máfia do transporte do Rio, mas nega quando se trata de Joesley e Wesley (que, a bem da verdade, devem mesmo continuar presos). Ele se considera insuspeito para julgar até uma ação em que ele próprio é réu. É o caso, único na história da humanidade, da imparcialidade absoluta.

O silêncio deles seria uma benção divina!
Marcos Inhauser