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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

MEME: A PALAVRA HUMILHADA


Virou febre. Ao invés de escrever, de expressar sentimentos, de pensar, refletir e se posicionar, busca-se memes para passar adiante algo com o qual a pessoa concorda. Ele é uma unidade de informação que tem a habilidade de se multiplicar, através das ideias e informações que se propagam de indivíduo para indivíduo. Na internet, ele tem a capacidade de viralizar.
O termo foi cunhado por Richard Dawkins, em 1976, em seu livro “O Gene Egoísta” e a palavra vem do grego mimeme que tem o sentido de imitação, e podem ser ideias, músicas, sons, desenhos, modas, valores ou qualquer coisa que possa ser apreendida com facilidade. É uma forma simplificada de informação, que não exige muito do emissor e quase nada do receptor.
A narrativa bíblica coloca a comunicação como ato primeiro do ser humano. Assim que Adão viu a Eva disse: é carne da minha carne, osso dos meus ossos. O interessante é que, antes disto, de acordo com a segunda narrativa da criação, o homem havia sido solicitado a dar nomes aos animais e, ao final do processo, Deus afirma não haver entre eles quem estivesse à sua altura. Isto se deu porque houve monólogo e não diálogo. Era um “eu” que falava e não havia um “tu” para responder à altura. Com a criação da companheira, Eva, se criou o diálogo, elemento fundante das relações e construção da sociedade.
Quando o diálogo se esvazia e cede a outras formas de interação, paga-se alto preço social. É o diálogo que constrói a convivência, que estabelece bases para a convivência na diversidade, que incrementa o espírito da tolerância. O esvaziamento do diálogo é, em última análise, o empobrecimento do ser humano. Ele foi feito para se comunicar, para pensar, refletir, trabalhar conceitos, expressar sentimentos, negociar, buscar consenso, ver no outro a “carne da sua carne e o osso dos seus ossos”. Ao empobrecer o diálogo, empobrece-se o próximo e, por consequência, a si próprio.
Quando o diálogo cede espaço aos memes, quando a conversa se resume em uma imagem ou símbolo (ainda que eles façam parte da comunicação), a palavra é humilhada. Não se fala, se desenha. Não se expressa sentimentos, manda-se emojis.
O diálogo pressupõe o falar e o ouvir na mesma intensidade e qualidade. Quando alguém se comunica por memes e emojis, há emissão da comunicação, há recepção da mensagem pelo outro, mas a coisa para aí ou, na melhor das hipóteses, outro meme ou emoji é devolvido. É uma conversa de tartamudos!
O meme é a humilhação da palavra (tomo o termo emprestado do Jacques Ellul). Ela é jogada fora como elemento essencial da comunicação. Seu poder de articular ideias, de expressar sentimentos, de trocar conhecimento, de ensinar, de cativar, de seduzir é trocado pela forma mais básica de comunicação: desenhos. Esta era a forma primitiva de se comunicar via hieróglifos, ideogramas, gravuras. É o retorno à era das cavernas.
Isto talvez explique o nível de violência que as redes sociais têm revelado. Pessoas que não conseguem ouvir o diferente, que só sabem usar meia dúzia de palavras ofensivas, que não sabem ouvir, têm dificuldades em articular três ou mais frases encadeadas pela lógica. Não cultuaram o hábito de ler e, por isto, não sabem escrever. Não lerão esta coluna até o fim, mas vão me espinafrar com afirmações ridículas.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

GOVERNADOS POR NÃO-ELEITOS


Tenho meus questionamentos com a forma de escolha dos presidentes nas democracias, especialmente quando a mídia e o marketing jogam papel preponderante. Os marqueteiros conseguem eleger postes e há inúmeros exemplos brasileiros e fora do país em que tal se deu. A eleição do Trump, até onde se sabe, tem grande chance de ter sido fruto de marketing político. Se antes era o tempo de televisão e as técnicas de filmagem e enquadramento que interferiam nas escolhas, com o advento das redes sociais, os memes entraram e jogaram pesado.
Neste sentido houve uma democratização da propaganda eleitoral. Se antes meia dúzia de Dudas Mendonças faziam o trabalho ao ponto de ser arriscado não utilizar seus serviços, hoje uma câmera razoável e um pequeno estúdio podem fazer estragos. As recentes eleições nos EUA e Brasil alçaram ao estrelato as fake news. O tempo de TV perdeu vigência para o tempo de celular (que o diga o Alckmin e seu tempo de TV que era maior que a soma de todos os outros e os pífios 4% de votos conseguidos).
Mas o que me intriga nos eleitos é que eles pouco ou nadam decidem sobre a vida da nação. Precisam escolher pessoas para ocupar cargos e fazer o que precisa ser feito. No modelo tomá-lá-dá-cá que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão, já vimos ministros saltando da cadeira de Economia para a da Saúde, gente que mal sabia do que se tratava, assumindo ministérios e fazendo suas inhacas. Haja visto o que aconteceu com o ministério do Trabalho. A Cristiane Brasil, nomeada e nunca empossada, entendia de conchavos e acertos espúrios.
No caso do recém-eleito presidente, vão surgindo figuras com autonomia e liberdade para altos voos e que não receberam nenhum voto. A Economia via ser comandada por alguém que nunca recebeu um voto, nem para síndico do prédio. Ele vai comandar a economia e outras áreas da nação e parece ter mais poder que o eleito. O mesmo se pode dizer do Sérgio Moro. Quando foi que ele se submeteu ao escrutínio popular para galgar ao posto que lhe foi oferecido? Muitos me dirão: mas ele foi escolhido por sua comprovada capacidade como juiz federal. O fato de ser um prolatador de sentenças o habilita, automaticamente, para assumir as mais variadas funções administrativas. O fato de ser um bom juiz garante que será um bom administrador?
Quando ouço o Roberto Castello Branco dizendo que vai privatizar parte da Petrobras, quem lhe deu este mandato e autonomia? Foi o Paulo Guedes. Quantos votos o Guedes teve? Quem elegeu o Levy como presidente do BNDES? Quantos votos ele teve para ter poder sobre o maior banco do Brasil? A ministra da Agricultura foi eleita como deputada e alçada ao ministério. Foi para isto que ela foi eleita?
Fica no ar uma pergunta: a democracia se faz através do voto, pela escolha popular? Ou a democracia se faz elegendo alguém que recebe uma carta em branco para colocar ao seu lado quem quiser, os quais, ser ter passado pelo escrutínio, recebem autonomia para fazer o que quiserem ou as forças que o pressionam desejarem.
Perguntado sobre algumas nomeações, o presidente disse que deu “carta branca” para que escolhesse quem ele achasse que seria competente. Pelo que vejo, o papel que resta ao presidente neste “presidencialismo de delegação” é o de “porta-voz”, coisa que tem feito quase que a diário via Instagram e outras redes sociais. E como falador do governo, já produziu o estrago dos Mais médicos, a ira do mundo árabe com a pretendida mudança da embaixada brasileira para Jerusalém. A continuar assim, nem porta-voz será, delegando a tarefa ao vice. Um desastre anunciado.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

SOLIDÃO NA MULTIDÃO

Talvez você viva isto ou conhece alguém que o experimente: morar em um condomínio e não conhecer o vizinho. No máximo há um cumprimento formal de “bom dia” ou “boa noite”.
Aristóteles, em sua obra Política fez a declaração que se tornou célebre e paradigmática: somo seres políticos. Ele fez tal afirmação a partir da constatação de que a cidade é uma comunidade, formada com vistas ao bem-comum, onde as ações dos habitantes visam um bem. Portanto, todos participam da vida da polis (cidade) e a atuação deles na comunidade é política. Logo, esta atuação se dá no contexto social e comunitário, nunca na atuação isolada e solitária. Viver em sociedade exige interação e integração com os demais.
Isto era verdade nas sociedades rurais, onde o sistema cooperativo era fundamental para que se alcançassem os objetivos do grupo: boas colheitas ou cuidado excelente do rebanho. Adicione-se a isto a diminuta rede de contatos que a vida rural permitia. Os encontros nas festas ou aos domingos nos eventos religiosos eram a única forma de expandir os contatos, o que era valorizado.
Com a gradativa transferência para o ambiente urbano, os contatos extrafamiliares foram se intensificando e, inversamente, a qualidade deles foi sendo comprometida. Cada vez se conhece mais gente com as quais se têm um relacionamento formal. Trabalha-se em empresas e corporações, em um ambiente competitivo, onde cada qual precisa mostrar suas habilidades e talentos e onde o colega pode ser uma ameaça ao desenvolvimento ou crescimento profissionais. São as “amizades profissionais”. Evidência disto é o surgimento dos networks, redes de relacionamentos profissionais onde, na medida do possível e conveniência, há algum tipo de ajuda comunitária.
Os meios de comunicação tiveram sua contribuição. A mesma notícia é vista por milhões, a mesma piada ouvida por toda a rede de relacionamentos, os mesmos programas são assistidos por expressiva maioria dos conhecidos. Esta massificação torna as conversas problemáticas porque é difícil trazer algo novo ou diferente. No mais das vezes, as conversas acrescentam algo para alguém que não teve a oportunidade de ver o que as mídias trouxeram. Com a recente customização da programação, onde cada qual pode ver o que lhe interessa na hora em que está disponível, sem a necessidade de estar à frente do televisor no horário predeterminado pela emissora, se produz a massificação pela audiência do que interessa.
Este processo de tornar-se um entre milhões gerou, no meu entender, alguns comportamentos típicos da geração solidão. O primeiro deles é a necessidade de postar selfies todos os dias, forma um tanto patológica de pedir que as pessoas olhem para a pessoa. Isto me faz lembrar da Elaine, quando criança, que pedia: “tio, olha prá mim!” A cada post uma ansiedade para saber quantos likes teve.
Outro comportamento é a onda das tatuagens. Acho que isto é uma forma de busca de identidade pelo diferencial que os desenhos ou símbolos afixados ao corpo pode dar. É uma forma de dizer: olha como sou diferente! Quanto mais tatuagem, mais garantia de chamar a atenção e ser notado.
As competências da vida em sociedade, do relacionamento, do olhar no olho, das leituras facial e corporal estão caindo em desuso. O que vale são os ícones, carinhas das mais variadas formas que até dicionário já exigem para saber o que querem dizer. Não mais se precisa ter palavras: basta uma coleção de carinhas (emojis)!
Salvo engano de alguém que se coloca pessimista, estamos regredindo para os tempos da caverna quando, por falta de vocabulário, se sentavam à volta da fogueira para contemplar as labaredas.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

CAPITAL RELACIONAL


Há certo modismo em falar sobre o futuro das profissões, apontando para as que mais não existirão em pouco tempo. Entre elas são citadas todas as que fazem trabalho repetitivo: cartórarios, advogados, bancários, operadores de máquinas, etc.
Nesta esteira há estudos que apontam as habilidades profissionais que serão valorizadas: controle emocional, capacidade relacional e habilidade comunicacional. Privilegiar-se-á a capacidade de trabalhar em equipe multidisciplinar, com características inclusivas, onde o diálogo entre as diferenças e a busca do consenso será o objetivo.
A tomar-se estes dois elementos como norteadores (desaparecimento de profissões e ênfase em habilidades antes não tanto valorizadas), preocupa-me o futuro de muita gente, especialmente das gerações dos caras-pintadas, globalizados e colaborativos (tomo por empréstimo terminologia do Volney Faustini). Para eles, o tipo de relacionamento preferencial é o das redes sociais, onde o contato face-a-face é trocado pelo virtual, o diálogo é substituído pela discussão, o consenso pelo acirramento das posições pessoais. É um tempo em que as pessoas se medem pelos likes que recebe, onde o chamar a atenção, gerar comentários e ter seguidores é mais importante que ser ético. Um mundo onde o vocabulário é exíguo, as frases são clichês, a profundidade dos conceitos tem a profundidade de uma capa asfáltica feita por construtora da lava-jato.
A informação é feita pelos titulares das notícias e não pela leitura do conteúdo. O jornalismo sério é trocado pelas “notícias do Face, Instagram e Twiter”, a verdade é o que pensa e acredita. Os jornalismos opinativo e investigativo, as matérias de fundo, com substância e conceituais são desvalorizadas e ridicularizadas. Os conceitos cabem nos memes com frases feitas e de conteúdo questionável. Só leem o que cabe nos 140 caracteres do Twiter. Mais que isto dá nó nos neurônios! Quando veem alguém lendo um livro de 300 páginas, assustados, perguntam se vai ler tudo! Para prender a atenção deles por mais de 10 minutos o orador tem que usar palavras de baixo calão.
Porque não leem, não desenvolvem o vocabulário, não conhecem conceitos, não sabem se expressar, a fala deles é um interminável repetir de “tipo assim”, “veja bem”, “na verdade”, “mano”, ”realmente”, e quejandas. Não é para menos que, no recente exame do Enem, a redação tenha sido o bicho-papão. Ela exige mais que 140 caracteres!
Palavras menos comuns como consonância, sincronia, distonia, entropia, beneplácito são grego para eles (cito exemplos de coisas que já experienciei). Porque o vocabulário é curto, não conseguem acompanhar o raciocínio mais elaborado. Na terceira frase mais elaborada já se perderam e não há GPS para achar o caminho da rota a ser seguida. Eles não têm cabine pressurizada: se levantar o voo, têm dor de cabeça e falta de ar. A função da comunicação oral passou a ser digital: é melhor escrever que falar! Ao escrever não demonstram conhecimento de pontuação e escrevem à maneira antiga: scripto continua.
Para estas gerações, quem concorda é amigo. Quem discorda, ainda que seja de uma vírgula, é inimigo. Cria-se a atmosfera de beligerância. Equipe é o grupo de trabalho de gente que concorda com o que pensa. Qualquer dissonância é disruptiva e a equipe vai para o brejo. Mais vale o que pensa e crê que o que se pode fazer em conjunto. A equipe passa a ser “eu mais eu”. Isto redunda no muito falar e no pouco produzir. Talvez isto explique a alta rotatividade destas gerações em seus trabalhos, com níveis de permanência média de dois anos.
Parece que quem quiser se dá bem no futuro terá que se desconectar das redes e se conectar nas bibliotecas; terá que consultar dicionários mais que Instagram; terá que aumentar o vocabulário e praticar o diálogo; terá que perceber e concluir que há gente que pensa diferente e que é tão ou mais capacitada; terá que trocar o virtual pelo real; terá que aumentar o seu capital relacional. Mais vale 10 amigos reais que milhares virtuais!
Marcos Inhauser