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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

MORTE À DIVERSÃO

Há uma coisa em comum nos recentes ataques terroristas: todos eles atentaram contra pessoas que estavam se divertindo. Explico-me.
O avião russo que foi derrubado por uma bomba colocada no seu interior, transportava pessoas russas que haviam passado alguns dias no balneário de Sharm el-Sheik, que é um dos mais bonitos do Oriente Médio e para onde milhares de pessoas vão para descansar e se divertir.
Nos ataques recentes na cidade de Paris, três homens-bomba tentaram entrar com explosivos no estádio. A finalidade era um massacre daqueles que haviam tirado algumas horas de suas vidas para se divertir vendo uma partida de futebol. A outra investida foi contra os que estavam vendo a apresentação de rock em uma casa de espetáculos e ali tinham ido para se divertir.
O mesmo se pode dizer dos que estavam nos vários restaurantes que foram alvo dos terroristas. Há que se acrescentar que alguns deles estavam em área conhecida como boêmia, uma forma peculiar de vida voltada para o prazer.
Há nisto uma consonância com todos os fundamentalismos religiosos de todas as eras. Se há algo que é comum a todos eles é a radical condenação de todos e quaisquer tipos de diversão. Há quem condene assistir a um jogo de futebol e quem condene jogar futebol. Há os que condenam a prática de qualquer esporte. Pregadores há que dizem (e talvez ainda digam) que a televisão é o satanás dentro de casa com os chifres no telhado. Há os que condenam os que assistem a um filme no cinema, a uma peça de teatro ou coisa assemelhada, afirmando tratar-se de promiscuidade. Quando vão à praia, só podem entrar na água de roupa e nunca de maiô ou biquíni, porque são roupas do demônio.
Uma das alegadas razões dos terroristas para atacar a casa de espetáculos Bataclan é que ele era um antro de idolatria e promiscuidade. E qual a justificativa para atacar uma pizzaria ou um restaurante étnico, como foi o Petit Cambodge? Seria o prazer de uma boa comida pecado? Seria o capricho do chef no preparo dos pratos um atentado à verdadeira religião? Um pizzaiolo é funcionário de satanás?
Obcecados pela sua mente anti-hedonista, cobrem as mulheres dos pés à cabeça e até os olhos, porque ver uma mulher bonita, com um belo corpo é prazeroso e isto é obra de satanás. A verdadeira religião é a negação completa e radical de qualquer coisa que traga prazer. Li isto certa vez em um pretenso livro de ética cristã: “se você quer saber se algo é santificado ou pecaminoso, tenha a seguinte máxima: tudo o que dá prazer é pecado!” Tomar um copo de água em dia de calor dá prazer. Escovar os dentes dá prazer. Tomar um banho quando o corpo está suado, dá prazer. Ouvir o canto de um pássaro, dá prazer. São, porventura, pecados?
Fundamentalismos, seja de que origem provenham, são um risco à vida, alegria e felicidade. Roubam o prazer de viver de quem os obedece e criam mecanismos para roubar a alegria da vida dos que não se alinham com suas barbaridades teológicas. Se há fundamentalistas que matam os “infiéis”, há também os que assassinam reputações de pessoas que eles consideram ser liberais e apóstatas.
Que Deus nos livre dos fundamentalistas do lado de lá e dos que estão em nosso meio.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A VIDA E A VERDADE

Já escrevi duas colunas sobre a questão da verdade que está no quarto evangelho que é centrado na vida. Outros dois temas estão presentes: amor e verdade. O radical da palavra vida ocorre cinquenta e uma vezes no evangelho, o que nos mostra a qualidade da ocorrência da palavra.
Para os escritos joaninos a vida é a concepção central para a religião e a teologia, não somente pela intensidade da ideia, mas pelo uso de outros símbolos relacionados a ela: luz da vida, água da vida, pão da vida, vinho verdadeiro, o bom pastor, a porta, etc. A vida foi concebida pelo cristianismo como dom de Deus através de Jesus e passou a expressar-se por salvação, libertação, redenção, justificação e perdão. 
É mais que uma apresentação religiosa da ideia da vida concebida religiosamente, mas a tese de que Jesus era a vida, que era a luz dos homens, que se dá na doação dela como propósito da encarnação e conclui com a identificação da transmissão da vida como propósito do evangelho. Diferentes palavras são empregadas por João para se referir à vida.
A dimensão física da vida é expressa pela palavra psychê que denota o ser humano completo, que ocorre como objeto de entrega. De acordo com a teologia joanina, aquele que não tem a disposição de dar a própria vida não está apto para receber a vida definitiva. Somente através da entrega alguém pode alcançar a vida real. Essa entrega é um processo onde o amor é a base. Há em João um paradoxo entre vida e morte: a vida real é entrega e a morte é um meio de receber uma dimensão mais ampla da vida. Isto é particularmente verdadeiro na imagem do grão de trigo que deve morrer para produzir o fruto.
Outra palavra empregada nos escritos joaninos é zoê e as suas variações. Com ela se introduz a ideia da vida eterna, que é central na sua teologia. Ela nunca denota a vida física, mas a qualidade da vida definitiva, a vida eterna, onde a morte não está presente. Várias vezes elas são seguidas por aiônios ("vida definitiva", a "vida eterna"). Para João a vida eterna é consequência da fé em Cristo, dom de Deus. A vida eterna é o conhecimento do Deus verdadeiro e de Jesus a quem Ele enviou. A condição para receber a vida eterna é a adesão a Jesus na condição de Filho de Deus porque é o modelo daquele que deu sua vida para salvar. Receber a vida é reconhecer o amor de Deus expresso na morte de Jesus.
A vida eterna é o poder de ser ressurreto no último dia, a segurança de nunca perecer. A vida eterna é a vitória sobre a morte. Jesus pode dar vida porque Ele é vida e venceu a morte através da ressurreição e disse: "Eu vim para dar vida e dar vida em abundância". Mas, o que a vida abundante significa? No contexto Jesus estava falando acerca do bom pastor, aquele que dá sua vida pelas suas ovelhas. Em contraste a isto, os bandidos vêm para roubar, matar e destruir. A vida está colocada em oposição ao roubo, morte e destruição, sinais de violência e morte.
Logo, a verdade que liberta tem a ver com a vida plena e eterna.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

NÃO SOU FORMIGA

A formiga tem uma vida previsível, obediente e metódica. Nasce sob a égide de uma rainha que comanda o formigueiro, tem suas atribuições determinadas pela hierarquia da colônia, pois, no ninho, as tarefas são divididas entre as castas, sendo que a divisão maior é entre as fêmeas reprodutoras (rainhas) e as operárias. Estas fazem o trabalho pesado: constroem o ninho, coletam comida e água, limpam, alimentam machos, larvas e protegem o formigueiro. Em certas espécies, as formigas soldados diferem-se das operárias comuns por terem partes do corpo maiores, principalmente cabeça e mandíbulas. Há ainda as cortadeiras (coletoras de folhas).
A previsibilidade da vida na colônia se dá até nos trilhos a serem seguidos pelas formigas ao saírem da colônia e buscarem o alimento e voltarem ao ninho. As formigas não têm ideia, nem pensam, nem refletem, nem planejam, nem sonham o futuro. Não precisam decidir, nem optar por isto ou aquilo, não precisam votar e nem responder a questões difíceis. Tem abundância sem preocupações. Nascem, crescem e morrem. Não precisam estudar filosofia ou teologia!
Eu, como ser humano que sou, tenho minha vida regida pelas minhas ideias, decisões e opções, cada qual com seu custo e benefício. Penso, examino, reflito, discuto, decido, me arrependo, sonho, planejo, construo, arrebento, reconstruo. Minha vida é diferente daquela monotonia da vida no formigueiro.
Formiga não se assusta. Eu sim. Formiga não se maravilha. Eu fico maravilhado. Para as formigas pouco importa se é o PT ou a Dilma que está no governo. Elas não sentem a crise e nem tem problemas financeiros. Eu sim os tenho. Eu voto, elas não.
Graças a Deus não sou formiga, porque se o fosse ou se tivesse que levar uma vida sem sobressaltos e novidades entraria em fastídio imediatamente. Gosto dos desafios, das questões difíceis, da novidade, do sobressalto. Nunca seria contabilista ou funcionário de cartório.
Nesta caminhada de aventuras, as questões do que é verdade, do que é certo, do que é justo, sempre alimentam e fomentam ideias e conclusões. Nisto, me lembro do Locke que li há alguns anos: “Apesar de nossas palavras significarem nada mais que ideias, porém, tendo sido projetadas para significar coisas, a verdade que elas contém será apenas verbal quando representarem ideias na mente que não estão em conformidade com a realidade das coisas”. Minhas ideias serão simples ideias se não estiverem em harmonia com a realidade das coisas.
Por não ser formiga, a cada dia devo rever minhas ideias, meus planos, meus sonhos para que entrem em sintonia com a realidade das coisas. Mudar é sinal de maturidade. Formigas nascem e morrem sempre do mesmo jeito. Eu não sou formiga. Eu tenho que mudar, redefinir-me, repensar-me, reposicionar-me neste mundo. A mudança é o sinal de que houve reflexão, avaliação, análise, redefinição de convicções.
O sucesso de uma ideia não se mede pelo tempo que a mesma é válida, mas pelo nível de harmonia que tem entre o pensado e a realidade das coisas. Se a própria realidade é mutável, uma ideia imutável é sinal evidente de falta de sintonia.
Por isto detesto os conservadores. Eles estão mais para formigas que para seres humanos.

Marcos Inhauser