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quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O CULTO DE UM SÓ

Acabara de chegar do exterior para voltar a morar no Brasil. Buscando retomar contatos e tomar pé da situação das igrejas brasileiras, um domingo à noite, minha esposa e eu fomos a uma igreja reformada, histórica, tradicional, etc.
Lá chegando fomos recebidos por alguns líderes da igreja que já nos conheciam e nos assentamos. Para surpresa minha, o pastor entrou pelo corredor central em processional. Estranhei porque conheço a forma de ser desta igreja e da denominação. Os pastores entram pela porta lateral ao púlpito, sem alarde ou exibição. Ele, no entanto, entrou pela porta central, fez a processional e, fiquei pasmo, estava vestido com uma beca usada por mestres e doutores e usada em cerimônias acadêmicas. Ele mal tinha concluído o bacharel! Era uma túnica pesada, destoante com o calor que fazia. Era a prova de um exibicionismo descabido.
Começou o culto e o indivíduo, com a voz empostada, fez a oração inicial, leu os Salmos, fez comentários e convidou a igreja a cantar um cântico que ele havia composto. Pegou o violão a começou a tocar a “seu” hino. Havia piano e órgão, mas ele se bastava ao violão. Terminado o cântico, ele leu outro trecho das Escrituras com aquela voz empostada, antinatural e entoou o solo de um cântico que ele também havia composto. No momento dos pedidos de oração pediu que a igreja orasse pelo CD que estava gravando para que fosse uma benção na vida de quem o comprasse. Ninguém mais teve a oportunidade de pedir que orassem.
Contou alguma coisa sobre sua vida e iniciou a prédica, onde, se me lembro bem, duas ilustrações eram sobre experiências próprias. Pediu que cantassem outro cântico que ele havia composto, ao som do violão que ele tocava.
Terminou o culto dando a benção apostólica com uma música de sua autoria e saiu da forma como entrou.
Ao sair minha esposa perguntou: para que existe piano e órgão no templo se ele é quem faz tudo? Lembro-me de haver dito: “ele bate o escanteio e corre para a área para cabecear e celebra o gol sozinho como se fosse o único em campo.” Devo dizer que não durou muito naquela igreja e em nenhuma outra.
O mesmo acontece com a equipe de louvor. Terminada sua “apresentação”, deixam o templo, porque, para eles, o culto acabou. Eles são o culto!  Preste atenção nos “cultos” televisivos do neopentecostalismo: só o midiático aparece e faz tudo!
Episódios como este eu os presenciei em outras oportunidades em variadas igrejas no Brasil e no exterior.
A igreja é uma comunidade. A igreja é uma cooperativa de dons e habilidades. Todos na igreja devem participar, cada qual com seu dom e habilidade. Paulo colocou isto de forma magistral: “o corpo inteiro bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, efetua o seu crescimento para edificação ...” Se na igreja há alguém que tem um dom ou habilidade e não é usado, é uma anomalia. O culto de um só é uma excrescência, porque o “polifacético e polivalente” faz tudo. Ele entende de música, de decoração, de liturgia, de exposição bíblica, cita grego e hebraico, ensina, exorta, arrecada, administra, assina, entrega, devolve. Quando confrontado, se exime citando autores e uma lógica egoísta.
Ele não ajunta, espalha. Não pastoreia, se exibe. O púlpito vira palco. Manda instalar holofotes para que seja iluminado enquanto performa.
Graças a Deus, os narcisos não prevalecerão na congregação dos humildes!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

RESPOSTA ÀS ORAÇÕES?


Flávio Rico, colunista especializado em coisas da TV, noticiou na semana passada que a redução dos espaços das igrejas na TV aberta do Brasil é algo importante. Como exemplos ele informa que “Universal, que por mais de uma década vinha ocupando quatro horas diárias na programação da TV Gazeta, hoje só está com três.” “A Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago, ... no decorrer dos tempos, diminuiu de forma bem drástica os seus espaços”. “E a Plenitude, que antes tinha mais da metade da grade da Rede Brasil, ficou só com duas”. 
Não foge à regra o caso da Band com o televisivo R. R. Soares, que deverá deixar o horário nobre que ocupa na grade da emissora.
O colunista salienta que as mudanças estão acontecendo e que, no caso da Internacional da Graça de Deus, do R. R. Soares, só deverá acontecer no ano que vem, por razões contratuais. O colunista não dá razões para este enxugamento, mas, alguma coisa se sabe por outras vias.
Há um esgotamento do modelo, seja porque todos fazem a mesma coisa com alguma maquiagem diferente, seja porque a mensagem, em sua essência é sempre a mesma. Eles socializam o sucesso (a Igreja ou o “apóstolo/ bispo” é quem fez o milagre) e privatizam a derrota, alegando falta de fé do ouvinte ou fiel.
Outro elemento é a conscientização popular de que estes pregadores midiáticos são inacessíveis. Não são pastores das ovelhas que têm seus dramas diários. São apresentados como exemplo de sucesso e de prosperidade, mas nunca estão disponíveis para ouvir e aconselhar.
Também há a conscientização de que o que estes midiáticos mais fazem é pedir dinheiro e o fazem com insistência, ousadia e constrangimento. Parece que há uma meta diária a ser batida e enquanto não chegam lá, precisam extorquir o quanto podem.
Há que se mencionar também que os exemplos de sucesso são apresentados na TV e, considerada a audiência, são mínimos. Vi certa feita um “testemunho” de conquista de alguém que eu conhecia bem e que dizia que estava com três carros na garagem, tinha quatro linhas telefônicas e uma casa de quase mil metros quadrados. O que ele não disse e eu sabia, era que os carros eram financiados e ele não pagava as prestações, que três das linhas estavam cortadas e a casa estava em execução para ter fraude na venda. Este cara morreu alguns anos depois deixando de “herança para os filhos” uma dívida milionária.
Há muita empulhação, manipulação e engano nestes midiáticos. Porque o Malafaia não vem contar sobre a falência da sua editora, ele que andou vendendo a Bíblia com suas anotações e o livro “Lições De Vencedor”?

Quero ver como sobreviverão porque é da essência do neopentecostalismo a necessidade de exposição midiática diária. Sem ela a arrecadação cai. E é o que está acontecendo. Eles estão enfrentando problemas para pagar suas contas com as redes de TV. Cada vez menos as pessoas estão dispostas a sair de casa e ir a um templo para ouvir lá o que podem ouvir em casa. E se não vão ao templo não ofertam. E não ofertando, as contas ficam a descoberto.
De minha parte, sem querer ser pré-vidente ou profeta adivinhatório, canto esta bola há tempos. Não é questão de premonição, mas de análise dos fatos e conclusão lógica. Um dia esta casa cai.
E isto será resposta a muitas orações por causa do mal que esta gente tem feito para o evangelho! Hoje, dizer que se é pastor, é motivo de chacota, graças ao empenho arrecadatório destes midiáticos!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

TEOLOGIA ZIRCÔNIO!


Um casal apareceu em casa porque soube que minha filha entendia de pedras preciosas. Eles haviam ganho de um andarilho uma pedra lapidada que brilhava muito. O casal era evangélico, passava por momentos difíceis e acreditaram no milagre da provisão.
Levaram a pedra para algumas pessoas tão leigas quanto eles para que a examinassem e quase todos disseram que havia grande possibilidade de ser um diamante. Olharam os preços de um diamante parecido e a cifra chegava à casa do milhão. Eles nos mostraram a pedra e, confesso, ficamos surpresos com a beleza dela. Chamei minha filha que morava na China e trabalha com pedras preciosas. Ela pediu fotos em vários ângulos, pediu para ver se havia impureza interior, se havia mancha de uma cor que eu não sabia identificar, mas minha esposa e o casal conseguiram ver. Ao final, minha filha pediu para eu soltar a pedra em cima do vidro da mesa. Deveria levantá-la a uns 30 centímetros e soltar.
Assim procedi. Ela me pediu para falar no reservado e foi quando ela sentenciou: “Pelo barulho na batida com o vidro isto é zircônio”. “Você tem certeza?” “O som do diamante é outro”. Argumentei que o som era via WhatsApp e do outro lado do mundo. “É zircônio!” concluiu ela.
No outro dia, minha esposa e o casal foram ver o seu Jozo, um japonês amigo nosso e de nossa filha e que é um dos maiores gemologistas do Brasil. Ele viu a pedra de longe e disse: “não é diamante e, para provar o que digo, vou mostrar alguns testes para vocês acreditarem”. Ele assim fez e provou que era zircônio de péssima qualidade.
Esta história me veio à mente ao ver gente cristã se empolgando com a ondas de “babaquices pseudoteológicas”. Estão achando que encontraram o diamante da teologia e da vida espiritual, que agora têm ao seu alcance a pedra fundamental do entendimento bíblico, que agora sabem a chave hermenêutica para todos os problemas espirituais e sofrimentos humanos, que descobriram o Santo Graal da vida cristã, que têm a pedra teologal. Abraçam as novidades como se diamante fossem. São alertados por quem tem alguma noção da coisa, que trabalha com teologia e eles simplesmente dão de ombros. Acham que a palavra do gemologista da teologia não é válida. Não acreditam que um perito pode identificar pelo barulho que faz. Quem nunca mexeu com gemas teológicas, se julga mais entendido que os gemologistas reconhecidos e respeitados.
A leitura literal e fundamentalista da Bíblia é mais verdadeira que a feita por linguistas especializadas em grego koiné e hebraico bíblico, ambas línguas mortas. Suas “descobertas”, mesmo que não tenham comprovação arqueológica ou sejam refutadas por quem entende das coisas da arqueologia, ainda assim é verdade absoluta. Acabam crendo no demônio da caspa, esquizofrenia, psicopatia, depressão, bipolaridade. Exorcizam obesidade e pobreza!
Mais tarde, quando a decepção vem porque descobrem que fizeram um anel solitário com uma pedra de péssima qualidade, um zircônio de quinta categoria, acusam Deus e o mundo de serem desonestos. Eles se revoltam e, via de regra, deixam a fé e a comunidade de lado. Para não pagar o mico de terem sido surdos às advertências dos gemologistas teológicos, fogem deles como o diabo da cruz. Preferem o zircônio das novidades à credibilidade dos teólogos!
Mas, como dizia um ex-aluno meu, citando Nietsche (duvido que o aforisma seja dele, mas mesmo assim muito válido): “todo palhaço tem sua plateia!” E zircônio vira diamante!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

MANIQUEÍSMO INTERPRETATIVO


Maniqueu, nasceu no terceiro século antes de Cristo no território do Império Sassânida (hoje Iraque) e é conhecido como fundador do maniqueísmo, filosofia religiosa dualística que divide o mundo entre Bom (Deus) e Mau (Diabo). Para ele, a matéria é má, e o espírito é bom. Passou, com o tempo, a se referir a toda postura fundada em dois princípios opostos: Bem e Mal. Para o maniqueísmo não existe meio termo: ou é do bem ou é do mal.
Nestes tempos estranhos de redes sociais e de gente que se “educou” respondendo questões de múltipla escolha, onde deveria escolher a alternativa certa entre duas ou mais, o maniqueísmo se alastrou qual praga da tiririca. Por ser uma geração que não foi treinada na dúvida, nem no questionamento, em que umas poucas premissas foram apresentadas como verdade absolutas, há o condão de achar que o que ele “sabe” é definitivo, absoluto e inquestionável.
Caracterizam-se por uma profundidade de conhecimento que se assemelha a um pires, leram os livros obrigatórios do ensino básico e o mais filosófico deles foi Capitu. Das notícias só leem os títulos, não leem artigos opinativos e adoram o Datena em suas platitudes. Por não serem treinados na leitura, mal entendem o que leem e acham que o autor disse o que não disse, afirmam o contrário do que está escrito e se julgam o Bem lutando contra o Mal. Desnecessário dizer que sempre representam o Bem! Merecem o neologismo de “leitor(anta)”.
Para quem, como eu, que escrevo há quase vinte anos esta coluna semanal, a cada pouco recebo manifestações via e-mail ou nas redes sociais deste tipo de leitor que diz o que eu não disse, que me julga pelas vírgulas, que vê em mim um cruzado contra a religião cristã, especialmente a evangélica. Certa feita recebi de um pastor uma crítica feroz e me aconselhando a usar este espaço para “pregar o evangelho” e não para apontar as mazelas de algumas igrejas. Respondi a ele perguntando se ele me oferecia o espaço no boletim da sua igreja para eu escrever. Estou esperando a resposta até hoje.
Uma das coisas mais comuns é o maniqueísmo diagnóstico: se ataco algum aspecto do capitalismo, sou comunista. Se ataco algo do marxismo, sou capitalista, se critico uma posição dos evangélicos sou católico etc. Quando da invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos, ao criticar as ações e a mortandade provocada, recebi manifestações dizendo que eu era a favor dos talibãs!
Mais recentemente, em algumas vezes em que critiquei os destemperos verbais do atual presidente, fui acusado de ser comunista, petista, esquerdista. Quando critiquei o PT no governo, fui acusado de ser conservador, retrógrado, capitalista. Quando fiz algum reparo à Lava Jato, fui condenado por ser a favor da corrupção! Um deles me escreveu dizendo que eu sou “inguinorante” e que minha “inguinorança” me descredenciava a ser colunista.
Estamos na época em que qualquer alfabetizado se sente no dever e poder de dizer ao mundo o que pensa, mesmo que sua postagem seja a revelação do quão imbecil é. Neste contexto se inserem os haters, gente especializada em difamar, denegrir e fazer bullying virtual. Machucam pessoas pela aparência que têm, por serem gordas ou magras, cabelo curto ou comprido, e aí por diante. Não é para menos que vários destes famosos fecharam suas contas nas redes sociais.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

FAÇO O QUE QUERO?


Quantas vezes você já fez promessas de que faria regime, exercícios físicos, estudaria todo dia, leria 10 livros por anos? Quantas destas decisões foram cumpridas? Quantas coisas que você “sabe” que deve fazer ou mudar e nunca fez ou mudou?
O saber muda? Esta é uma pergunta que fui instigado a fazer para mim mesmo e tenho feito a algumas pessoas e percebo que, comigo e com outras pessoas, o fato de saber não garante, necessariamente, a mudança nos meus hábitos. Quantos viciados, alcoólatras, diabéticos que “sabem” que drogar-se, beber ou comer doces prejudica a saúde e a vida deles e que continuam nas mesmas práticas?
Quantas mães perderam horas aconselhando seus filhos, ensinando coisas e que veem seu trabalho frustrado porque seus filhos, a despeito de tudo o que ela disse, se envolveram com as coisas para as quais foram alertados? O questionamento não é novo, nem sou eu só que o faço. Já o apóstolo Paulo o fazia (e muito provavelmente outros antes deles, que não conheço): “Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico ... o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está.” (Romanos 7: 15-17).
O dilema é: se sei o que devo fazer e decido fazê-lo, por que nem sempre a decisão consciente que tomo se transforma em ação correspondente? A explicação mais plausível que se tem até o momento é que existem variáveis outras, inconscientes ou conscientes, que interferem no processo volitivo e o sabota, inoculando a ação e fazendo-a abortar.
No processo de entender estes “mecanismos subterrâneos” há a psicanálise, a interpretação de sonhos, a terapia da linha do tempo, a regressão, a hipnose, a terapia cognitiva, behavioral, a abordagem sistêmica, a das constelações familiares e assim por diante por diante. Cada uma delas tem seu valor e apresentam seus resultados, mas, ao fim e ao cabo, sempre fica algo escondido.
Diante disto, a máxima de Sócrates “conhece-te a ti mesmo”, tem sua razão de ser e é pertinente a todos nós. Se ela ainda é valida e a busca por conhecer-se deve ser uma missão individual e solidária, porque conhecer-se implica em ouvir o que outros têm a dizer sobre mim e perscrutar o que posso conhecer olhando para dentro de mim. Ocorre que, como humanos, sempre nos vemos melhores do que somos e do que os outros nos veem.
Há que considerar-se a capacidade humana de auto-engano. Acreditamos nas mentiras que contamos para nós mesmos. E, talvez, a mais terrível delas é enganar-se achando que nos conhecemos profundamente e cada entranha do consciente e inconsciente. A frase “eu me conheço” é uma mentira que acredito porque ela é produzida por mim e para mim mesmo. Acho que é aqui se aplica a máxima sapiencial: “Aquele que vive isolado busca seu próprio desejo; insurge-se contra a verdadeira sabedoria. O tolo não tem prazer no entendimento, mas tão somente em revelar a sua opinião.” (Provérbios 18:1-2).
O conhecer-se se dá no ambiente relacional. Outra vez o sábio: “... na multidão de conselheiros há sabedoria.” (Provérbios 11:14).
Em outras palavras, somos um enigma para nós mesmos!
Marcos Inhauser