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quarta-feira, 25 de março de 2020

MAQUIAVELISMO VIRÓTICO


Não concordo com nada do que a seguir vou dizer. Trata-se de um exercício de realismo fantástico.
Está assentado por todas as fontes confiáveis que a Covid-19 ataca a todos indistintamente, sendo que, na população com mais de 60 anos e portadora de alguma comorbidade, ele é fatal com taxas superiores às outras idades.
Imagine que ministros da Economia de alguns países, sejam formados e orientados pelas ideias de Nicolau Maquiavel, aquele que, entre outras coisas disse que “os fins justificam os meios” e  o “mal se deve fazer de uma só vez e o bem deve vir a prestação” (citei as ideias e não as frases exatas). Imagine que estes ministros e o governo que eles participam têm sérios problemas com a Previdência, especialmente porque a idade da população está aumentando exponencialmente. Imagine que eles fazem cálculos, puxam daqui, esticam dali e não encontram onde arrumar oxigênio para manter esta população geriátrica viva ou mesmo como diminuir os custos sociais e médicos que tal parcela da população acarreta.
Estes ministros enviam aos Congresso dos seus países projetos de Reforma da Previdência e enfrentam forte resistência da população, da mídia, da parte afetada e, especialmente, dos funcionários públicos (do legislativo, executivo e judiciário) porque a pressão para que seus salários de marajá sejam reduzidos é muito forte. Os ministros já retardaram as aposentadorias, mexeram nos benefícios, precarizaram a saúde para ver se a geriatria desistia de ir a hospitais. A reforma sai capenga, mas sem mexer no grande problema: os velhos aumentam como juros de agiota e os marajás continuam carvalhos: “imexíveis”.
Aí vem o Corona!
Há clamor popular para que se tomem medidas, mas os mesmos que pedem providências têm dificuldades em aceitar o autoexílio. Os chefes-mor minimizam e dizem que é gripezinha. Alguns outros líderes de países fazem coro.
Conversas prá todo lado, simulações mil sobre a curva de infecção e a possibilidade de achatamento dela para que o sistema de saúde não se colapse, os primeiros casos de morte são idosos que estavam no Sistema Privado de Saúde, fala-se no pior, prepara-se a população para um genocídio etário, entenda-se geriátrico. Aventa-se a impossibilidade de ter isolamento nas periferias das grandes cidades, fala-se da Índia, Bangadlesh, Afeganistão, a falta de água e sabão em muitas residências, compara-se a Itália, com a China, Coreia, Alemanha, França, Reino Unido. Acentuam-se as cores na quantidade de velhos morrendo. É uma forma sub-reptícia de dizer: preparem-se, os velhos morrerão.
Neste turbilhão liberam-se a astronômicas quantidades de recursos para aumentar o número de leitos e UTIs que não se sabe se vão se tornar reais nas proporções prometidas. Especialistas criticam a decisão. Alguns altruístas destinam pequena parcela de suas polpudas reservas para que o sistema de saúde tenha mais uns segundos de sobrevida. O tempo corre e a curva das mortes se acentua. Montam-se esquemas alternativos. O povo é destinatário de um monte de Fake News e a internet colapsa pela quantidade de gente em casa usando streaming. Surgem profetas, pregadores, especialistas, residentes em algum canto infestado, todos trazendo sua verdade sobre a crise, reforçando a ideia que é esperar que vai passar. Tudo vai dar certo! Vejam a China!
Pouca conversa de vizinhança, nada de papo de boteco onde as coisas podem ter uma interpretação diferente da mídia dominante.
Os maquiavélicos, em seus gabinetes desinfetados e imunes à desgraça, esperam a Reforma da Previdência que a natureza está promovendo. No final da crise, muitos dos aposentados não mais terão que ser pagos porque morreram. Alivia-se a curva ascendente e agora descendente dos gastos previdenciários. O fim da geriatria vai se conquistando. Uma nova realidade Previdência se implantará, graças a Maquiavel e seus seguidores.
Quem sobrou vivo vai dar graças a Deus por ter escapado do vírus. E a massa ignara aplaudirá os esforços feitos pelas “otoridades”.
As cenas aqui descritas são pura ficção e não têm nenhuma semelhança com qualquer fato real. Quem assim interpretar está dá sinais de que é analfabeto.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de março de 2020

MINHA EXPERIÊNCIA COM O CORONA


Viajei dos Estados Unidos para o Brasil no dia 01 de março, chegando ao Brasil no dia 02 pela manhã. Tinha estado na Califórnia (clima ameno) e Dayton – OH e Richmond – IN (climas bastante severos, com nevadas e temperaturas abaixo de zero).
Ao chegar fui visitar minha mãe no hospital, pois a mesma, com 90 anos de idade, havia sofrido uma queda e quebrado o fêmur. Na terça, dia 03 voltei a visitá-la na parte da manhã, mas, depois do almoço comecei a ter tosse, coriza, febre de 39 e muitas dores pelo corpo. Liguei para o SAMU pedindo orientação sobre como ser atendido e eles, depois várias pessoas que não quiseram dar instruções (isto eu ouvia pelo telefone, ao fundo), uma delas veio e me disse que deveria ir ao Pronto Socorro. Achei um tanto estranha a orientação, pois, se estava infectado para um local de concentração de pessoas.
Fiz segundo a orientação recebida e me dirigi, acompanhado de minha esposa, para o pronto socorro de um hospital de Campinas. Ela se dirigiu ao balcão, falou da suspeita e imediatamente me levaram para uma sala isolada. Até aí, tudo bem. A minha surpresa e estarrecimento começou quando médico plantonista, sem nenhuma proteção que o caso exige, entrou na sala, pediu que eu abrisse a minha boca, disse que estava com secreção de pus, mas que não era corona porque não havia caso “autóctone”. Argumentei que estava chegando dos Estados Unidos e que não se tratava de um caso autóctone brasileiro. Ele reafirmou que não havia “casos autóctones nos Estados Unidos” e que, definitivamente eu não estava com o corona vírus. Ele me deixou ali mais um tempo, minha esposa depois for ver o que que estava acontecendo e ele disse que eu não estava com dengue e que deveria tomar dipirona para a febre. Voltei para casa e, por conta própria, decidi entrar em isolamento.
Na sexta-feira o quadro se gravou e voltei a outro Pronto Socorro. Fui atendido com a presteza e cuidados que o quadro ameritava. O médico, todo paramentado com vestes apropriadas me examinou, fez uma série de perguntas e colheram material para o teste. Disse que iria me deixar em isolamento porque eu apresentava ciclos respiratórios curtos. Argumentei que tinha condições de ficar em isolamento em minha casa e que me comprometi a voltar caso o quadro se modificasse. Nisto estou desde o dia 6 de março.
Tal como orientado, nos primeiros dias, recebi chamadas telefônicas de controle, buscando informações sobre meu quadro. Comecei a perguntar sobre o resultado do teste e nada de me darem resposta conclusiva. Houve um dia em que eu disse que estava em isolamento e assim permaneceria por consciência da gravidade e que minha permanência não dependia do controle deles. Que eu estava fazendo a minha parte e que estava esperando que eles fizessem a parte deles: o resultado do teste. Nunca mais me ligaram!
Acionei alguns contatos e um deles, que tem acesso aos resultados do Fiocruz, me informou que meu resultado só sairá no dia 06 de abril! Fiquei indignado. Voltei ao hospital, mesmo porque a tosse persiste em ficar, e novo teste foi feito, cujo resultado demora quatro dia úteis! Não sabia que o corona trabalha só nos dias de semana.
Aqui estou de molho há 14 dias, sem perspectiva de alta e sem saber se o que tenho é o corona. Descobri que a mídia do governo é muito melhor que a prática, que, mesmo com um plano de saúde, estou nesta pendência e espera. O que será dos que precisam e precisarão nos momentos de pico da pandemia? Não quero nem pensar!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de março de 2020

A DURA BENÇÃO


Foi em julho de 1991 quando assisti ao primeiro curso com vistas ao meu mestrado. Tratava do processo de envelhecimento e o fazia em duas dimensões: o crescente envelhecimento da nação estadunidense (de resto, verdade para todas as demais) e o processo de envelhecimento individual, com os cuidados, custos e atenção que se deve dar a ele. Lembro-me, com bastante clareza, de muita coisa que foi passada, seja pele dificuldade inicial com a língua, seja porque apresentou alguns dados que nunca havia pensado.
Um deles, que me marcou muito, foi o processo visto como um retorno à infância. Nascemos precisando que nos carreguem, que nos deem comida na boca, dependentes, carentes afetivamente, vamos ganhando corpo, forças e, a cada dia, vamos nos libertando da dependência ao ponto de, em certo momento, podermos andar sozinhos. E assim caminhamos até o dia em que a idade nos tira parte das forças das pernas, nos torna mais dependentes, a cada dia temos uma nova necessidade de ajuda, precisamos que alguém volte a colocar a comida na nossa boca e voltamos a usar fraldas.
Cuidar de um bebê é cuidar da esperança: amanhã ele vai estar maior, mais seguro, mais forte e logo, logo, vai andar sozinho. Cuidar do ancião é o cuidado sem esperança: a cada dia uma coisa nova a definhar e tirar energias. É o cuidado da graça que cuida sem esperar retorno.
Na época em que estudei isto, fiquei impactado, mas uma coisa é saber a outra é viver. Nos últimos sete anos tive minha mãe morando comigo. Ela veio com 83 anos, estava bem, andava, fazia tudo, comia de tudo. À medida que foi envelhecendo com a gente, percebemos que passou a dormir mais tempo, a ter menos energia para certas coisas, resmungava quando tinha que tomar banho, ficou mais agressiva nas respostas, confundia datas, não se recordava com precisão certas coisas fundamentais da sua vida. Fomos acompanhando este processo dia-após-dia e nos certificando que a velhice é um processo de infantilização.
No curso que mencionei, por se tratar de um Seminário, deu-se muita atenção ao conceito da benção que se tem ao cuidar dos pais. Sempre acreditei nisto e vivi isto nos dias em que tivemos minha mãe conosco. Foram momentos alegres e difíceis, houve momentos prazerosos e outros em que deu vontade de mandar para uma clínica. Sempre pensei que ela seria tratada por estranhos. Aqui, por mais difícil que fosse, era um filho e uma nora cuidando dela.
Sabíamos que ela orava todos os dias por nós e todos os dias, antes de ir deitar ela vinha orar comigo. Era sempre a mesma oração que ela havia aprendido na infância e que, em certa parte, ela dava uma ênfase peculiar: “... e pela noite gostoooooosa que Tu vais nos dar”. Quando precisávamos sair à noite para uma visita ou compras ela ficava sentada na sala esperando a nossa volta, não importando o horário que voltávamos. Havia nela um cuidado e a ideia mágica de ficar nos esperando nos guardaria. Mas não era mágica: ela ficava orando pela nossa volta. Quando chegávamos, invariavelmente, ela nos recebia com um “bem vindos” espontâneo e acolhedor. Vou sentir falta disto e da oração repetida ao dormir.
Seu sonho era chegar aos 90 anos, idade que ninguém da sua extensa família havia chegado. Ela chegou, celebrou seus 90 anos em grande estilo reunindo os parentes e se recolheu para os paramos celestiais. Deixou e exemplo de uma mulher forte, dedicada, fiel ao Senhor e mãe admirada pelos filhos, noras e netos. Foi trabalhoso, mas valeu pela benção de tê-lo conosco até os últimos momentos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 4 de março de 2020

CADÊ OS PROFETAS?


Não é de hoje que me preocupo com a dimensão profética da igreja. Não me refiro às profetadas, tão comum em centros de adivinhações e chutes prognósticos, nem aos “porta-vozes de Deus” que manipulam a vida de incautos, mas à dimensão veterotestamentária: pessoas vocacionadas para diagnosticar o presente, denunciar os pecados individuais, sejam eles cometidos por pessoas simples como pelos reis, e o pecado nacional (tão esquecido pelos púlpitos e dos animadores de auditório religioso). Falo do pro+phemi, do pro+phetai, dos Isaías, Jeremias, Amós, Habacuques modernos.
Lembro-me de ter conversado com o presidente de uma igreja protestante de Cuba em 1989, que me falava das maravilhas do ser igreja naquela nação, da liberdade que tinham em pregar e evangelizar dentro das quatro paredes, da dimensão querigmática, diacônica, didática que estavam exercendo. Quando lhe perguntei sobre a dimensão profética, senti que ele se encolheu mais que maracujá maduro. E respondeu que tudo tem seu tempo.
O mesmo aconteceu com um renomado pastor guatemalteco, diretor de seminário e aclamado como teólogo, que em uma reunião de seminários em Campinas, dizia ser a Guatemala o país latino americano mais evangélico e evangelizado em todo o continente. Na hora das perguntas eu lhe perguntei como explicava o fato de ser (falo de 1990) o país mais violento politicamente da América. Ele me disse que não estava ali para falar de política. Mas este homem, quando pastor de uma igreja que fica atrás do Palácio Nacional, permitiu que tropas do Exército se colocassem na torre da Igreja para vigiar e atirar nos manifestantes. E ele sabia que eu sabia disto, porque estive na sua igreja e constatei isto.
Olho para a igreja brasileira e fico a procurar profetas no sentido bíblico e não os encontro. Conheci o Federico Pagura, argentino, metodista, um p(r)o(f)eta, mistura de profeta e poeta. Conheci o Dom Pedro Casaldáliga, outro p(r)o(f)eta. Li sobre o Helder Câmara e o respeitei e o respeito. E entre os evangélicos? Quem foi ou é profeta? Quem está levantando de forma profética e poética sua voz para denunciar os escândalos, os desmandos, a locupletação da coisa pública, as hienas do erário, o dono do Maranhão, os boquirrotos?
Que igreja é esta, muito mais conhecida pelos “louvores”, solicitação de ofertas e dízimos, pelos escândalos de seus “líderes”, pela falta de ética em seus vereadores, deputados e senadores? Que igreja é esta que seus líderes gostam mais de holofotes, de palcos, multidões,  carrões, televisão, rádio que ter cara e coragem para denunciar os políticos? Quem é profeta nesta igreja brasileira? Quem está dando sua cara? Onde estão os Jeremias, Amós, Habacuques, Isaías, Miquéias?
Não temos profetas porque a igreja evangélica brasileira não prega sobre o pobre e o empobrecido, sofre as viúvas e órfãos, sobre a injustiça no campo e na cidade. A igreja brasileira produziu gramáticos como bem cita Eber Ferreira da Silva em sua tese (Eduardo Carlos Pereira, Othoniel Motta, Erasmo Braga, Francisco Augusto Pereira Junior, entre outros). Mas profetas? ... Nunca!
Esta é uma igreja manca porque sua teologia está centrada em uma só perna. Enferma, deficiente, anormal, porque prega um evangelho pela metade, só prega o que interessa ao grande público e não confronta os empoderados. Falta-lhe coragem para o ministério que não dá holofotes, que mais leva às cavernas que aos palcos. Uma igreja que tem mais cantores e milagreiros que pastores e profetas. Uma igreja que tem mais animadores de auditório que doutrinadores, que tem mais excitação que adoração, mais embusteiros que mensageiros.
Marcos Inhauser