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quarta-feira, 11 de março de 2020

A DURA BENÇÃO


Foi em julho de 1991 quando assisti ao primeiro curso com vistas ao meu mestrado. Tratava do processo de envelhecimento e o fazia em duas dimensões: o crescente envelhecimento da nação estadunidense (de resto, verdade para todas as demais) e o processo de envelhecimento individual, com os cuidados, custos e atenção que se deve dar a ele. Lembro-me, com bastante clareza, de muita coisa que foi passada, seja pele dificuldade inicial com a língua, seja porque apresentou alguns dados que nunca havia pensado.
Um deles, que me marcou muito, foi o processo visto como um retorno à infância. Nascemos precisando que nos carreguem, que nos deem comida na boca, dependentes, carentes afetivamente, vamos ganhando corpo, forças e, a cada dia, vamos nos libertando da dependência ao ponto de, em certo momento, podermos andar sozinhos. E assim caminhamos até o dia em que a idade nos tira parte das forças das pernas, nos torna mais dependentes, a cada dia temos uma nova necessidade de ajuda, precisamos que alguém volte a colocar a comida na nossa boca e voltamos a usar fraldas.
Cuidar de um bebê é cuidar da esperança: amanhã ele vai estar maior, mais seguro, mais forte e logo, logo, vai andar sozinho. Cuidar do ancião é o cuidado sem esperança: a cada dia uma coisa nova a definhar e tirar energias. É o cuidado da graça que cuida sem esperar retorno.
Na época em que estudei isto, fiquei impactado, mas uma coisa é saber a outra é viver. Nos últimos sete anos tive minha mãe morando comigo. Ela veio com 83 anos, estava bem, andava, fazia tudo, comia de tudo. À medida que foi envelhecendo com a gente, percebemos que passou a dormir mais tempo, a ter menos energia para certas coisas, resmungava quando tinha que tomar banho, ficou mais agressiva nas respostas, confundia datas, não se recordava com precisão certas coisas fundamentais da sua vida. Fomos acompanhando este processo dia-após-dia e nos certificando que a velhice é um processo de infantilização.
No curso que mencionei, por se tratar de um Seminário, deu-se muita atenção ao conceito da benção que se tem ao cuidar dos pais. Sempre acreditei nisto e vivi isto nos dias em que tivemos minha mãe conosco. Foram momentos alegres e difíceis, houve momentos prazerosos e outros em que deu vontade de mandar para uma clínica. Sempre pensei que ela seria tratada por estranhos. Aqui, por mais difícil que fosse, era um filho e uma nora cuidando dela.
Sabíamos que ela orava todos os dias por nós e todos os dias, antes de ir deitar ela vinha orar comigo. Era sempre a mesma oração que ela havia aprendido na infância e que, em certa parte, ela dava uma ênfase peculiar: “... e pela noite gostoooooosa que Tu vais nos dar”. Quando precisávamos sair à noite para uma visita ou compras ela ficava sentada na sala esperando a nossa volta, não importando o horário que voltávamos. Havia nela um cuidado e a ideia mágica de ficar nos esperando nos guardaria. Mas não era mágica: ela ficava orando pela nossa volta. Quando chegávamos, invariavelmente, ela nos recebia com um “bem vindos” espontâneo e acolhedor. Vou sentir falta disto e da oração repetida ao dormir.
Seu sonho era chegar aos 90 anos, idade que ninguém da sua extensa família havia chegado. Ela chegou, celebrou seus 90 anos em grande estilo reunindo os parentes e se recolheu para os paramos celestiais. Deixou e exemplo de uma mulher forte, dedicada, fiel ao Senhor e mãe admirada pelos filhos, noras e netos. Foi trabalhoso, mas valeu pela benção de tê-lo conosco até os últimos momentos.
Marcos Inhauser