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quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

GILMAR TOFFOLI NATALINOS

A tradição brasileira, tanto no legislativo como no judiciário, é que as decisões mais importantes são tomadas ou na calada da noite, ou nos estertores do ano legislativo ou judiciário. Assim foi a aprovação da “censura na internet”, votada no dia último 05 de outubro. O mesmo se deu com o pacote contra a corrupção que foi mutilado pelas muitas emendas e alterações.

A poucos dias outro fato pitoresco e grotesco: o Presidente da comissão, Caio Narcio (PSDB), anunciou votação e proclamou aprovação de projeto sobre cursos de saúde à distância! A desfaçatez está no fato de que não havia ninguém na hora da votação. Só ele!

Mas o que me choca é o sentimento natalino que se bate sobre alguns ministros do STF nos finais de ano. O mais afetado pelo espírito cristão é o Gilmar Mendes, a quem já dediquei uma coluna, pelo mesmo motivo, com o título Gilmar Noel Mendes. Nele escrevi: “no exercício do sagrado dom da misericórdia, o judiciário que ele representa e que por ele assinou, deu habeas corpus ao médico Abdelmassih (tantas vezes negado anteriormente), anulou a sentença do juiz De Sanctis condenando Daniel Dantas no caso da empresa Kroll, paralisou a ação da operação Satiagraha. Neste espírito natalino, a esposa do traficante Juan Carlos Abadía, a Jéssica Paola Morales, também recebeu a permissão para sair da prisão e ficar com a mãe que a visitaria”.

A coisa se repetiu neste final de ano. Ele e seu colega Toffoli, contagiado pelo dom da misericórdia e perdão do Gilmar, avalizou as decisões tomadas. Suspendeu o inquérito contra o governador Beto Richa, deu prisão domiciliar para a Adriana Ancelmo,  livrou da ação o senador Benedito de Lira e o deputado Arthur Lira, ambos do PP que teriam recebido R$ 2,6 milhões de propina entre 2010 e 2011; também inocentaram o deputado José Guimarães, do PT, denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro, acusado de ter recebido de R$ 97 mil em troca da liberação de empréstimo para a construtora Engevix. Novamente, o deputado Eduardo da Fonte, do PP, também foi salvo, sob a alegação de que a denúncia não era substancial.

Parece que, para a dupla, para ser considerada denúncia substancial, precisa haver recibo com firma reconhecida e duas testemunhas. Vídeo com quinhentos mil, áudio com provas, não são “substanciais”.
Para selar com chave de ouro o seu período natalino e de papai Noel, o Gilmar proíbe a “condução coercitiva”. Agora corrupto, ladrão, engravatado, dono de mandato, pode escolher a hora e local onde prestar depoimento. Nada de ser levado sob convite!
O Toffoli, expert em pedir vistas, tem usado do recurso como instrumento político protelatório. Causas já definidas com a maioria dos votos proferidos é paralisado pelo ministro cego que pede vistas. Tenho para comigo que um pedido de vista é uma afirmação de incompetência. O assunto está no tribunal há tempos e ele vem dizer que precisa de tempo para estudar a matéria. O que fez antes?
Se eu fosse o Eduardo Cunha, Geddel, Delcídio, Eduardo, Henrique Alves, Lula, Cabral, ou algum outro que recebeu alguns votos na vida e “tem ou teve foro privilegiado”, clamaria aos céus para que meu recurso ao STF caísse para o Gilmar julgar. Seria livramento garantido.

Este espírito natalino me envergonha, assim como boa parte da nação brasileira. Não precisamos destes Papai Noeis!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

ANJO COM CÂNCER

Esta coluna eu a tenho na mente há alguns anos. Não vou colocar nome na pessoa por algumas razões: levaria uma baita bronca dela (quem detesta holofote), quem a conhece sabe que estou falando dela e quem não a conhece o que importa saber é que há anjos de carne e osso.
Por várias vezes e sempre pela mesma razão tive que adiar a publicação, porque, em vista da saúde dela, poderia parecer que o que escrevo é comiseração. Queria escrever o que vou dizer em um contexto de saúde. Não consegui e se o faço é porque quero dar a ela uma palavra de alento.
Eu a conheço há uns 46 anos. Ainda na pré-adolescência, foi daminha de honra do meu casamento. Desde então venho acompanhando sua vida e sempre a admirei por sua atitude positiva frente à vida e seus percalços. Acompanhei sua juventude, casamento, filhas e desenvolvimento profissional. Sempre admirei seu compromisso com a fé e a maneira como vive de maneira prática e significativa a vida cristã abençoando todos quantos a conhecem.
Há algumas coisas que nela me edificam e me fazem admirar. A sua disponibilidade constante em ajudar aos outros. Enumerar as vezes e os fatos em que ela esteve envolvida fazendo algo em benefício de alguém é trabalho sem fim. Seu coração alegre e generoso tem sido benção. Dizer do seu trabalho maravilhoso na igreja como pianista é falar o óbvio.
Filha de um pai abençoado e abençoador e de uma mãe que se entrega de alma ao ministério de oração, ela pegou o DNA dos dois: abençoadora com palavras, ajuda e orações. Leva a sério a recomendação bíblica de que a mão esquerda não deve saber o que a direita faz. Assim, o que dela sei foi por testemunho de outros e nunca porque ela tenha me contado.
No auge de sua vida descobriu-se com um câncer no seio. Encarou-o com serenidade, fez o que devia ser feito, levantou a cabeça e continuou sendo o mesmo anjo que sempre foi. Alguns anos mais tarde descobriu um câncer no fígado. A mesma determinação e enfrentamento. Daí veio o do pâncreas e depois, outra vez, o do fígado. Continua sendo o anjo que sempre foi.
Dia destes conversávamos e ela contava o quanto tem tido a oportunidade de ajudar pessoas que estão na mesma condição, quando das aplicações que deve fazer. Abatida pelo tratamento prolongado, tem mostrado uma fé abençoadora. Assim são os anjos!
Não entendo por que Deus faz estas coisas. Por que Ele bota de molho alguém que fez da sua vida uma benção para muitos? Por que ele deixa familiares, amigos e abençoados por ela no estresse de acompanhar a evolução do seu tratamento? Porque alguém cheio de vida precisa ficar de molho até recuperar as forças para continuar fazendo o que sabe fazer: abençoar? Por que Deus permite que anjos adoeçam e ainda mais de câncer?
Ela é a negação da teologia do mérito. Ela não merece o que está passando porque, se Deus é verdade que abençoa os retos e castiga os injustos, ela nunca deveria ficar doente.
Tô brigando com Deus por causa dela. Sei que vou perder a briga, mas sou honesto em dizer a Deus o que penso: Ele está errando com este anjo! Já passou da hora de curar este anjo!
Marcos Inhauser


quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

A ESSÊNCIA DA IGREJA

Estou dando um curso à distância para alunos que são hispanos nos Estados Unidos. O curso, por causa da modalidade, é experiência nova para mim que sempre dei cursos presenciais e podia “ler a classe” e acertar o caminhar do conteúdo com a linguagem corporal dos alunos. As aulas versam sobre a história da igreja, especialmente voltadas para os movimentos anabatistas e petistas.
Para que houvesse certo consenso no que os alunos entendem como sendo igreja, dada a diversidade de opiniões e conceitos, trabalhei dois elementos: a essência e a forma da igreja. Por essência se deve entender aquilo que, se retirado ou inexistente, deixa de ser igreja. É o mínimo necessário para que um agrupamento religioso possa ser considerado como tal.
Por forma se entende tudo o que “enfeita”, “adorna” a essência. Neste quesito está a cultura, o idioma, as músicas, a liturgia, os cânticos, as vestimentas, os horários e dias de reunião, a estrutura organizacional, os cargos e ofícios, as celebrações, etc. A essência não pode mudar. É a mesma em qualquer lugar, mas a forma deve mudar para que o grupo se adeque ao seu contexto e às pessoas que dele participam.
Ainda que possam parecer simples, estes dois elementos encontram dificuldade em ser definidos, especialmente no que à essência se refere. Em um dos testes, pedi que me listassem cinco elementos essenciais da igreja e tive tantas respostas quanto alunos. A variedade do que entendem como essência me causou espécie, e me fez refletir sobre o que se entendem como sendo igreja, o que eu entendo como essencial e o que, histórica e teologicamente devem ser considerados como elementos essenciais.
Um elemento foi comum a todos eles: a centralidade de Cristo, ou o cristocentrismo. Na avaliação das respostas dadas surpreendi-me em perceber que eu mesmo não saberia dar os elementos essenciais que fossem consenso com outros colegas. No refletir sobre o assunto, percebi que há um elemento que eu nunca havia incluído. É sabido e ensinado que Jesus deixou a lei magna, pela qual toda a lei de Deus é cumprida: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Esta tríplice dimensão do amor (Deus, próximo e mim mesmo) deve estar na essência da igreja. Ela deve promover o amor a Deus e isto, de uma forma ou outra, questionável ou não, todas se declaram como imbuídas desta missão.
O problema surge no exercício do amor ao próximo porque muitas segregam, discriminam condenam ao diferente ou ao que não pertence ao grupo ou dele diverge nos ensinamentos. Não é raro ver ou escutar de pessoas que foram condenadas ao inferno porque não pertencem a esta ou aquela denominação ou “seita cristã”, de igrejas que mandam ao inferno ao diferente por sua opção sexual, por ter roubado, ou assassinado. Por se verem como “santos e santificados”, entendem que pertencem a uma classe especial de seres humanos porque agraciados com a benção da justificação e, pela presença e ação do Espírito Santo, se comprometem com a santificação que os “tira do mundo”.
Mais ainda: não há um compromisso sério de promover o amor a si mesmo, com medo de estar promovendo o egoísmo. Antes, a pregação é culpabilizante, tripudiando a pessoa com a ideia de uma velha criatura, qual cadáver insepulto que está a atormentar o crente, levando-o à tentação e pecado. O ser humano convertido não é portador de virtudes, mas de erros e pecados potenciais. Assim, as igrejas se transformam em demolidoras de autoestima.

Marcos Inhauser