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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

A ESSÊNCIA DA IGREJA

Estou dando um curso à distância para alunos que são hispanos nos Estados Unidos. O curso, por causa da modalidade, é experiência nova para mim que sempre dei cursos presenciais e podia “ler a classe” e acertar o caminhar do conteúdo com a linguagem corporal dos alunos. As aulas versam sobre a história da igreja, especialmente voltadas para os movimentos anabatistas e petistas.
Para que houvesse certo consenso no que os alunos entendem como sendo igreja, dada a diversidade de opiniões e conceitos, trabalhei dois elementos: a essência e a forma da igreja. Por essência se deve entender aquilo que, se retirado ou inexistente, deixa de ser igreja. É o mínimo necessário para que um agrupamento religioso possa ser considerado como tal.
Por forma se entende tudo o que “enfeita”, “adorna” a essência. Neste quesito está a cultura, o idioma, as músicas, a liturgia, os cânticos, as vestimentas, os horários e dias de reunião, a estrutura organizacional, os cargos e ofícios, as celebrações, etc. A essência não pode mudar. É a mesma em qualquer lugar, mas a forma deve mudar para que o grupo se adeque ao seu contexto e às pessoas que dele participam.
Ainda que possam parecer simples, estes dois elementos encontram dificuldade em ser definidos, especialmente no que à essência se refere. Em um dos testes, pedi que me listassem cinco elementos essenciais da igreja e tive tantas respostas quanto alunos. A variedade do que entendem como essência me causou espécie, e me fez refletir sobre o que se entendem como sendo igreja, o que eu entendo como essencial e o que, histórica e teologicamente devem ser considerados como elementos essenciais.
Um elemento foi comum a todos eles: a centralidade de Cristo, ou o cristocentrismo. Na avaliação das respostas dadas surpreendi-me em perceber que eu mesmo não saberia dar os elementos essenciais que fossem consenso com outros colegas. No refletir sobre o assunto, percebi que há um elemento que eu nunca havia incluído. É sabido e ensinado que Jesus deixou a lei magna, pela qual toda a lei de Deus é cumprida: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Esta tríplice dimensão do amor (Deus, próximo e mim mesmo) deve estar na essência da igreja. Ela deve promover o amor a Deus e isto, de uma forma ou outra, questionável ou não, todas se declaram como imbuídas desta missão.
O problema surge no exercício do amor ao próximo porque muitas segregam, discriminam condenam ao diferente ou ao que não pertence ao grupo ou dele diverge nos ensinamentos. Não é raro ver ou escutar de pessoas que foram condenadas ao inferno porque não pertencem a esta ou aquela denominação ou “seita cristã”, de igrejas que mandam ao inferno ao diferente por sua opção sexual, por ter roubado, ou assassinado. Por se verem como “santos e santificados”, entendem que pertencem a uma classe especial de seres humanos porque agraciados com a benção da justificação e, pela presença e ação do Espírito Santo, se comprometem com a santificação que os “tira do mundo”.
Mais ainda: não há um compromisso sério de promover o amor a si mesmo, com medo de estar promovendo o egoísmo. Antes, a pregação é culpabilizante, tripudiando a pessoa com a ideia de uma velha criatura, qual cadáver insepulto que está a atormentar o crente, levando-o à tentação e pecado. O ser humano convertido não é portador de virtudes, mas de erros e pecados potenciais. Assim, as igrejas se transformam em demolidoras de autoestima.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de abril de 2015

“AS PROSTITUTAS VOS PRECEDERÃO”

Confesso que sempre tive problemas com a frase proferida por Jesus, registrada em Mateus 21:31 “Jesus disse-lhes: Em verdade vos digo: os publicanos e as meretrizes vos precedem no Reino de Deus!” A minha incompreensão durou até o dia que me contaram a seguinte história, vivida indiretamente por quem a contou.
Houve uma chamada de emergência no Serviço de Água e Esgoto, dando conta de um vazamento de esgoto que transbordava e estava rolando abaixo na via pública. O problema estava na Zona de Meretrício da cidade. O encarregado escalou uma equipe para ir ao local e o motorista que deveria leva-los. O motorista escalado era membro de uma igreja “pentencostal”, que vivia pregando a todo o mundo no trabalho e cheio das certezas morais. Quando soube que deveria ir à Zona do Meretrício, enfureceu-se, dizendo que não iria para o inferno, que aquele lugar era de perdição e que ele se recusava a ir. O chefe o enquadrou e determinou que fosse.
Na viagem de 20 minutos foi resmungando, murmurando e reafirmando sua santidade. Os demais estavam fazendo brincadeiras sobre o fato e com ele. Lá chegando, desceram as ferramentas e iniciaram o trabalho, sob os olhares curiosos das meninas e da tia que tinha a casa em frente à qual aconteceu o rompimento. O motorista continuava a resmungar e murmurar, ao ponto dos colegas pedirem que ele fosse embora e que, quando terminassem o trabalho, o chamariam para vir pegá-los. Ele preferiu ficar, pregando sua “santidade”.
Uns quinze minutos depois de iniciado o trabalho, já suados com o esforço da picareta, uma das meninas trouxe uma jarra de suco gelado e um copo para cada um dos trabalhadores, inclusive o motorista, que recusou a bebida para não se contaminar.
Trabalharam a manhã toda. Almoçaram a marmita que levaram, mais o suco que novamente lhes ofereceram. O motorista “santo” continuava a praguejar.
Lá pelo meio da tarde terminaram o trabalho. Para surpresa deles, a senhora dona da casa convidou-os para entrar, se lavar e um lanche que ela e as meninas haviam preparado estava sobre a mesa. Ao entrarem, viram um banquete, todas meninas com lenço na cabeça e avental por questão de higiene.
Aqueles homens que haviam trabalhado no esgoto, entrado nele, se lambuzado com ele, estavam agora sendo recepcionados por quem se preocupou com a higiene no preparo da comida. O “santo” não entrou porque não queria se contaminar.
Quem amou o próximo? O motorista “crente, santo e pentencostal” ou as meninas e a dona da casa delas?
Confesso que me emocionei quando ouvi a história por parte de quem trabalha no serviço de águia e esgoto e me emociono agora ao escrever sobre ela. Houve graça da parte delas e justiça empedernida e arrogante por parte do motorista.
Com uma história como essa entendo porque Jesus disse que elas precederão os “fariseus, santos, incontaminados e arrogantes”.

Marcos Inhauser

quinta-feira, 12 de abril de 2012

MEU TEMPLO É A COZINHA


Meu altar é o fogão.
Minha ceia é o arroz e feijão, salada e mistura.
A mesa é a celebração da comunhão.
Os vapores das panelas são o incenso das minhas orações.
O cheiro é a antecipação do paraíso.
A reunião é a adoração.
O barulho dos comensais é o canto de louvor.
Não falo em metáforas, mas na concretude dos fatos de entender que cada refeição é uma Eucaristia. Cada vez que entro na cozinha eu o faço com reverência. Gosto de cozinhar e entendo que fazê-lo é um ato de amor ao próximo. Cozinho não para mim, mas para os meus familiares, os meus amigos. Esmero-me.
Cortar uma cebola ou um tomate é um ato de celebrar ao Criador ao ver as texturas, a disposição das sementes, o cheiro, o gosto. Colher a salsa e a cebolinha é um ato de usufruir do criado e o prazer do sabor na comida. Mesmo folhas minúsculas, moídas, picadas, esmagadas, trazem tempero e a delícia da criação ao prato preparado. Temperar uma carne, um peixe, um frango é um ato de adoração ao Criador que nos deu a comida e a sabedoria em prepará-las.  Que mundo mais sem graça seria se tudo viesse pronto, como fast food divino. Ele deixou a nós a liberdade para temperar, acrescentar sabores, mudar formas, variar arranjos.
A cozinha requer uma estola sacerdotal. O avental é a estola do sacerdote cozinheiro. E cozinheiro que se preze tem seus instrumentos próprios: tem suas facas, sua chaira, sua pedra de afiar, a colher de mexer. Não é qualquer faca, nem qualquer colher. Há hora certa de entrar em cena. Dependendo do que se vai cortar ou mexer, lá vai o instrumento certo. Há uma liturgia no ato de cozinhar.
Cada vez que preparo uma comida posso dizer com toda propriedade e sem nenhuma blasfêmia que “isto é meu corpo dado por vós”, “isto é meu sangue dado por vós”. Quem nunca saiu de uma cozinha exausto e moído de canseira? Quem nunca cortou o dedo preparando a comida? Mais que isto, posso dizer que é meu corpo e meu sangue porque o alimento ali apresentado teve horas de trabalho, de vida consumida para trazê-lo e coloca-lo à mesa. E cada vez que apresento o alimento na mesa da comunhão, propicio o milagre da ressurreição: corpos famintos, esmaecidos pela canseira, tem seu vigor renovado, sua vida ressuscitada.
Sentar-se à mesa tem um quê de sacramental. As inimizades não resistem a uma comida fraternal, a unidade é fortalecida pelo fato de compartilhar da comida. A solidariedade é enriquecida por ter que desfrutar da comida pensando que o outro também deve comer. Há o milagre da multiplicação: quantas vezes você serviu uma janta ou almoço e achou que a comida era pouca? E quantas vezes, apesar disto, sobrou um pouco no fundo da panela?
Cada vez que juntos comemos, esperamos a oportunidade de um novo comer, uma nova reunião, uma nova Eucaristia. Cada almoço e jantar deve ser uma Eucaristia celebrada na intimidade do lar, no convívio dos queridos e no convite dos que queremos nos reconciliar.

Marcos Inhauser

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

ZILDA ARNS

Fui criado em uma igreja protestante, com forte presença familiar e de corte conservador e puritano. Nela, o ser protestante era um diferencial a ser ostentado com orgulhos das minorias, pois a presença católica era enorme. Na escola, quando havia aula de religião, era o único da classe a sair para não receber instrução católica. Aprendi que ser católico era ser idólatra. Mais tarde, quando fui ao primeiro seminário onde estudei, fundamentalista, outras características foram incorporadas para que eu execrasse a Igreja Católica e os católicos. Depois de uns dez anos no pastorado com esta visão maniqueísta (protestante igual a salvação, católico igual a perdição), tive meus primeiros contatos com o movimento ecumênico e comecei a perceber que os que antes eu demonizava não eram tão ruins quanto eu pensava e cria. Aprendi a admirar e respeitar a muitos sacerdotes e leigos católicos e aprendi muita coisa da vida cristã com eles. Foi nesta caminhada que percebi que mais importante que a afirmação doutrinária correta está a vida cristã de amor, que amar ao próximo e mais e melhor que as melhores afirmações. Aprendi que amar ao próximo não se faz falando ou abraçando, mas doando-se a quem precisa. Nesta caminhada aprendi a respeitar profundamente o trabalho da Dra. Zilda Arns. Nunca a conheci pessoalmente, nunca li algo que tivesse escrito, mas ouvi e vi muita gente que tinha sido alcançado pelas suas bênçãos, como a multimistura. Vi crianças que renasceram porque receberam a atenção e o amor de dedicadas voluntárias da Pastoral da Criança. Quando depois de vários anos fora do país voltei e decidimos trabalhar por um Natal Sem Fome, criamos uma Comissão Ecumênica que levantou algumas dezenas de toneladas em alimento e decidimos doar isto à Pastoral da Criança. Nós os pastores que fazíamos parte e que tomamos esta decisão, fomos duramente criticados: vocês estão pegando doações das igrejas “evangélicas” para fazer o trabalho e a promoção católicos. Nunca tive dúvida daquele ato, porque nunca duvidei da motivação cristã da Zilda Arns e dos que com ela trabalhavam. Ela, mais que qualquer outro cristão que tenha conhecido, soube amar ao próximo “de fato e de verdade”, sendo a benção da salvação para muitos. Ela, mas que ninguém que eu tenha conhecido, soube levar o Cristo Salvador a quem estava morrendo ou em desespero ao ver a desnutrição do filho. Vai-se Zilda, que se eternizou na vida dos que foram abençoados e certamente ressuscitará nas ações de quem a toma por exemplo. Milagre da vida e da ressurreição feitos concretos Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

MARIA AVELAR

Minha esposa diz que ela assim se chamava, ainda que eu creia que era Alvear. Ela era membro da primeira igreja que pastoreei, a da Vila Espanhola. Magra, doente, Maria Avelar era uma destas raras pessoas que é impossível estar junto sem se sentir ao lado de uma pessoa especial. Não sei quantas enfermidades ela tinha, mas era bem doente. Muitas vezes fui à sua casa e a vi debruçada sobre a máquina de costura, meio desfalecida. Por causa das enfermidades decidi que todos os domingos iria levá-la de carro para a igreja e trazê-la de volta à sua casa. No que pese sua condição de saúde, ela “costurava para fora”, não porque fosse necessário, mas “para ajudar os outros com uns trocados”. Ela tinha uma genuína alegria em ajudar quem precisasse. Além disto, tinha sabedoria e discernimento na alocação destes parcos recursos e eles sempre chegavam em momento mais que oportuno, do que eu e minha família somos testemunhas. Um dia ela me contou uma história impressionante e o fez na ingenuidade e simplicidade que lhe eram características. Vivia ela no estado de Goiás, em uma cidadezinha “destas que só tem uma rua e a cidade mais perece uma lingüiça. Eu morava em uma ponta da cidade e a igreja era na outra, de modo que eu tinha que atravessar a cidade todos os domingos para ir à igreja.” Maria Avelar tinha uma vizinha que ela muitas vezes convidou para ir junto à Igreja. Certo dia “ao convidar a vizinha, ela me disse: eu vou se você me prometer uma coisa. Que coisa?, perguntei. Prometa e eu te digo. Eu aceitei o desafio. Ela então me disse que iria à igreja no domingo comigo se eu fosse com ela tendo um pé calçado com salto alto e o outro descalço. Eu disse: tá bom, eu faço isto por você”. No domingo à tarde lá estava Maria na frente da casa da vizinha, tal como ela lhe havia pedido. A cidade o sabia do que ia acontecer e todos estavam para ver a mulher atravessando a cidade mancando, em um espetáculo ridículo. “Pastor, eu pensei: tô levando uma pessoa para conhecer o amor de Deus. Nada pode ser ridículo. Levantei a cabeça e, como se nada estivesse errado, fui andando e cumprimentando as pessoas que vieram para ver-me. E lá fomos nós atravessando a cidade. Não deu tempo de chegar à igreja, a vizinha estava chorando. Ela me abraçou e disse: se este Deus me ama a ponto de te dar amor para você fazer isto por mim, eu quero saber mais do amor deste Deus”. Até hoje me emociono quando relembro esta história. Nunca mais ouvi falar da Maria Avelar. E lá se vão mais de trinta anos. Ela nunca foi à rádio ou à televisão se exibir por este ato. Cristão como ela é o que a sociedade precisa. A mão direita não soube o que fez a esquerda e conto isto hoje para que seu exemplo seia imitado. Marcos Inhauser