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terça-feira, 3 de maio de 2011

MAGIA

Sei que o tema não é novo nesta minha coluna, vez que já o abordei outras vezes, ao longo destes onze anos. Trata-se da expectativa generalizada que se cria no final de ano de que, à meia noite do dia 31 e zero hora do dia 1º. as coisas mudam e para melhor. Nada contra a renovação das esperanças, coisa salutar e necessária para vencer barreiras e obstáculos. O que me angustia e até me irrita e ver a quantidade de atitudes mágicas que se assomam, produzindo comportamentos os mais esdrúxulos. Uma comentarista de renome, filha de família de educadores e pastores, comentava hoje na rádio que ela se veste de branco na passagem de ano porque isto lhe dá sorte. A outra respondia que vestiria verde porque necessita de esperança. Isto me faz recordar a mãe de amigos que tive na adolescência que, em pleno baile de réveillon, mal dadas as badaladas da meia noite, saía ela com uma marmita de lentilha a nos obrigava a comer, porque isto nos daria prosperidade no ano entrante. Pelo tanto de lentilha que comi deste jeito, deveria estar milionário. Mas qual o quê. O gerente do banco anda querendo saber quanto ganho para escrever esta coluna, porque quer que eu aumente os pagamentos mensais da dívida que tenho com a instituição. Já estive na praia várias vezes na passagem de ano e não vi nada mais antiecológico que o que se faz nas areias durante o réveillon. Velas, taças quebradas, toneladas de flores lançadas ao mar, rojão de todo o tipo soltando fumaça até não se poder mais ver os fogos de artifício, gente bêbada. Tudo em nome de uma felicidade buscada na virada do ano. Outra coisa que me irrita é que todo o ano é a mesma coisa: uma sucessão infindável de restrospectivas. Na televisão, na rádio, nas revistas, nos jornais. Parece que o mundo para, que se congelam os acontecimentos e todo mundo fica olhando e revendo o que passou. Mais que isto, a Globo, em um arroubo de criatividade, há mais de duas décadas coloca o mesmo cantor cantando as mesmas músicas que ouço desde a adolescência. Parece videotape. Ainda tem os numerólogos, tarólogos, horoscopistas, astrólogos e tantos outros que a si mesmos se chamam de “videntes”, predizer o que será. Como ninguém tem como conferir e cobrar deles a veracidade ou chute de suas previsões, ano após ano eles desfilam o rosário de suas predições. No ano passado, elas diziam que o Brasil seria Hexacampeão em futebol. Só que ninguém conseguiu enxergar que nem os astros deram conta da teimosia e insensatez do Dunga. Creio, ensino e faço a avaliação dos meus atos a cada período e fim de ano é um deles. Creio, ensino e renovo minhas esperanças, mesmo nas passagens de ano. Mas daí achar que as coisas vão acontecer milagrosamente, é uma distância enorme. Quem quiser crer na magia, que o creia. Eu prefiro crer no suor, na transpiração, no comprometimento, e, também, na benção de Deus. Se isto é ser rabugento, a Ione tem razão.

INICIATIVA

Uma coisa que não tenho ouvido ou lido com frequência sobre o Natal é que ele se trata essencialmente de uma reconciliação. A inimizade que o pecado trouxe e que separou o ser humano de Deus veio abaixo em um processo que se iniciou com o Natal. Há que se salientar (e isto também não tenho visto suficientemente enfatizado) que a iniciativa para o Advento não teve nenhum concurso humano. Ele tomou a iniciativa. E o fez quando quis e da forma como quis. No que pese a espera do povo em que um Messias viria, ninguém podia prever, nem determinar cooperativamente a forma como tal se daria. Deus fez do jeito que quis. Isto mostra que Deus agiu em função da Sua graça. A Sua ação foi imotivada, não em resposta a isto ou aquilo que porventura alguém tenha feito, mas sim em função exclusiva da Sua vontade e amor. O seu atuar foi inovador, criativo e, ao mesmo tempo, denunciador. Em uma sociedade machista onde as mulheres nem eram contadas como gente, Deus escolhe alguém para ser mãe sem o concurso de um homem. Ainda que vá contra a interpretação majoritária, especialmente a católica, eu não acredito que Maria tenha sido escolhida por ser merecedora, por ser alguém que estava sendo recompensada por suas atitudes ou comportamento. Acredito que era uma jovem tão comum como tantas outras. A única diferença é que nela a graça se manifestou. Ela teve uma gravides não copular, não participativa do casal. Uma gravides que usou do vaso fraco (mulher, tal como era considerada na época) e desprezou o sexo forte, que se cria senhor e acontecedor das coisas. Não é para menos que José tenha querido fugir quando soube da gravidez inexplicada de sua esposa. A anunciação não se deu nos palácios, junto aos poderosos. Antes, a graça se manifestou no impensado: um grupo de pastores em uma noite, a quem anjos cantaram as novas: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra para as pessoas ...” Assim são as reconciliações e os processos de quebrar inimizades, trazer paz, viver em harmonia: alguém deve tomar a iniciativa! E deve fazê-lo mesmo quando as circunstâncias não favoreçam. Deve ser um ato de graça. Isto se aplica às relações pessoais, profissionais, de gerência e liderança, a quem trabalha com gente, a quem tem a função de pensar no ser humano como um ser em relação com outros. Que neste Natal a mensagem de reconciliação possa ser vivida neste dia e em todos os demais da vida e que a paz e harmonia sejam emanadas a partir das iniciativas em promover a paz a partir de onde você está e trabalha.

LEGALMENTE ...

Dia destes estive em um restaurante e serviram caldeirada. Uma cumbuca de barro com toda sorte de frutos do mar, fervendo. Olhei e fiquei pensando quantas vezes somos iguais: um monte de coisas fervendo dentro da gente, frutos de todas as espécies. Estou assim. Ontem completei sessenta e confesso que fiquei igual a uma caldeirada, fervendo vários sentimentos que se me afloraram. De gratidão por ter chegado até aqui, mesmo depois de ter passado por dois sustos que me levaram à experiência de proximidade da morte. Um choque com contraste que me deu uma parada cardíaca e uma cirurgia que complicou e que achei que não sairia dela. De gratidão por ter vivido intensamente cada momento da vida, desfrutando das bênçãos. Por ter tido tão variadas experiências e oportunidades que meus netos não vão dizer que repito histórias. Por ter estado no ministério, de várias formas e maneiras, em um compromisso com o outro. De ansiedade porque, para mim, a vida até os dezoito anos de idade parecia ser uma subida íngreme, demorada. Quando cheguei ao topo, era descida e a sensação que tenho que sou um caminhão carregado de experiências, morro a baixo, na banguela: cada vez com mais velocidade. Muitas vezes me sinto como um avião que está voando, mas que vou tomando consciência de que a gasolina está acabando e que mais cedo ou tarde, dependendo dos ventos e das condições meteorológicas, terei que aterrissar. De indignação: por força de lei e imposição cultural, de um dia para o outro passo a ser idoso, ainda que não me sinta assim. É verdade que não me sinto um jovem de dezoito anos, mas idoso... Que raios deu na cabeça dos legisladores e dos categorizadores sociais, de que, por ter sessenta, tenho que ser visto como idoso. Pertenço a uma geração em que idoso era sinônimo de rabugice, de ranhetice. Sou da geração que viveu a mudança do paradigma do ranheta para o da melhoridade (eufemismo?). Mas acho que o que mais me incomoda é que, por força de lei, agora estou em pé de igualdade com grávidas e deficientes. De um dia para o outro, eu que pegava filas nos bancos, posso ser atendido prioritariamente. Nada mudou em mim. Ainda tenho pernas e disposição para enfrentar as filas. Mas a lei parece que acha que da meia noite de um dia para o outro, me tornei inválido. Já rodei um bocado este mundo de meu Deus e não me lembro de haver visto esta jabuticaba de dar ao idoso os privilégios que aqui nos são dados. Não me lembro de estacionamento para idosos nos EUA, China ou Europa. Não me lembro de filas especiais e caixas dedicados a este segmento. Talvez porque ali se preza e se respeita o idoso. Aqui, nem com vaga demarcada respeitam. A partir de hoje sou legalmente idoso. Sob protestos, mas desfrutando da idade.

BANCOS E BANCOS

Na minha recente viagem à República Dominicana por algumas vezes tive que ir a uma agência bancária, acompanhando a pessoa que me hospedava. Confesso que fiquei surpreso e não pude deixar de considerar as diferenças entre o que vi e o que sofro. A agência, de padrão médio no seu tamanho, tinha 14 caixas, com operadores em todos eles. Não havia ninguém na fila, quatro dos operadores estavam atendendo clientes e os outros 10 estavam esperando clientes. Em uma das vezes fiquei mais de duas horas esperando a solução de um problema de transferência internacional de dinheiro e não vi, em nenhum momento, formar-se fila para o atendimento. Logo que chegamos à agência, meu amigo, um estadounidense, me informou que eu deveria tomar um café na agência, porque era o melhor que ele já havia tomado. Achei que era uma cafeteria interna que cobrava pelo café servido. Qual nada. Era café servido gratuitamente aos clientes. O estacionamento amplo era gratuito. Não havia a maldita porta giratória, mentira de detecção de metais existente na grande maioria das agências, que se trava segundo a vontade de um mal treinado segurança. Na verdade as portas giratórias detectam negros e mulheres, quase sem exceção parados e depenados de seus pertences antes que possam entrar. Um amigo, não dominicano e não cliente do banco, precisava trocar um cheque em dólares para ter algo para gastar em moeda nacional. O banco girou o cheque sob a garantia do gringo que era cliente. E pagaram a cotização corrente, sem taxas ou outras cobranças subreptícias. A transferência internacional de recursos para que a Conferência se realizasse se deu em menos de uma hora. Ontem tive que ir a três agências bancárias brasileiras, de três bancos diferentes, dois estatais e um privado. Em todos eles só haviam três ou quatro caixas. Em um deles os três existentes estavam com operadores, mas que, quando perceberam que a fila diminuiu, passaram a fazer outras coisas e não atenderam mais, como se houvesse um número mínimo de clientes que devem ficar na fila, não importa o motivo. Nos outros dois, no que pese haver quatro caixas, em um não havia operador em um deles e no outro faltavam dois. A razão alegada quando perguntei, era que estavam em horário de almoço, no que pese ser este um dos horários de maior quantidade de clientes. Demorei em um deles 35 minutos para ser atendido. No outro, não havia dinheiro no caixa eletrônico dentro da própria agência!!! Na minha frente havia um correntista tentando sacar um cheque próprio que era de outra agência e não lhe permitiram. Um título vencido só podia ser pago no banco emissor do bloqueto, no que pese a existência do código de barras, uma câmara de compensação de títulos e as instruções sobre multas e juros. Não havia café, o banheiro, se existe, só um iluminado é quem sabe onde fica, o estacionamento é pago. E quando recebo o extrato, percebo que fui tungado em taxas e tarifas que só um iniciado em siglas e mutretas consegue entender. Há bancos e bancos. No Brasil eles colocam bancos para a gente esperar sentado. E nós bancamos os maiores lucros da banca internacional.

CIDADES DE PAZ

Estou aqui na República Dominicana para a Conferência de Igrejas Históricas da Paz, que reúne as três famílias denominacionais de igreja que historicamente tem trabalhado pela paz: a Irmandade, os Quáqueros e os Menonitas. Gente vinda de 19 países se reuniu aqui naquilo que foi o berço da mal denominada colonização da América, quando em 1492, os espanhóis aqui chegaram e daqui se esparramaram pelo Continente, levando a cruz e a evangelização, e com ela a violência e a exploração. Nesta terra das Américas muito se fez que atentou contra a paz, nos níveis individuais, familiares, sociais, religiosos. Ouro foi levado aos montes para a Europa e populações inteiras de indígenas foram dizimadas, como o que ocorreu em Cuba e República Dominicana, e outros poucos sobraram em outros países. Nesta América se teve a primeira nação livre e negra, o Haiti, formada por escravos que haviam sido trazidos para as plantações de cana. Chama atenção o fato de, no que pese o fato de ser a mais antiga nação livre da América e quase totalmente negra, é até o hoje a mais pobre desta América. Não posso deixar de mencionar que sempre achei que esta situação se deve à discriminação racial que se fez e faz em relação a esta nação. Uma coisa me chamou a atenção: o nível de violência nas cidades latino americanas, os mais altos do mundo. Em parte isto de deve ao tráfico, em parte à corrupção, em parte a uma cultura de violência em que fomos criados e que se perpetua nos meios de comunicação. Mas não poderia deixar de mencionar e ressaltar que também isto se deve à omissão das igrejas que tem pregado um evangelho alienante e alienado, insistindo na salvação das almas e na prosperidade mágica, mas deixando de lado o cerne de que o evangelho é boa nova de paz. João Driver, teólogo latino americano que tem se notabilizado por sua contribuição sobre a teologia da paz, afirmou aqui nesta Conferência: “se o que pregamos não é o evangelho da paz, não pregamos evangelho algum”. E esta paz não é só a paz com Deus, mas a paz que se estende ao próximo e estabelece novas relações, elimina barreiras, quebra inimizades, perdoa ofensas e dívidas. Queremos que nossas cidades tenham paz e para tê-la precisamos pregar a paz que o evangelho traz, perdoar e restabelecer relações. Não é uma questão de prosperidade: é uma questão de acabar com a inimizade.

POR QUE, VOVÔ?

Dia destes sai com meu neto para ir ao mercadinho e andamos pela rua até lá. Ao caminhar, passamos por um local onde pessoas se sentam debaixo de uma árvore para almoçar. No local havia papel, marmitex e garrafa pet jogados ao léu. Ele ficou indignado e me perguntou: “por que as pessoas sujam o planeta? Será que eles não sabem que isto faz mal para eles e para os outros? Custa muito colocar as coisas no lixo?” Mal tinha acabado de me perguntar estas coisas, ele pegou a garrafa pet na mão. Eu perguntei o que iria fazer com ela, ao que me respondeu: ”encontrar um lixo para jogar”. Devo alertar que se trata de uma criança de cinco anos. O fato me fez refletir e concluir algumas coisas. A primeira delas é que há escolas que estão seriamente empenhadas em ensinar seus alunos a considerar a questão do lixo, da poluição e da ecologia. Graças a Deus ele participa de uma destas escolas. A segunda é que estes temas não passavam nem ao longe das temáticas que foram abordadas no meu tempo de escola, em nenhum dos graus que cursei, nem mesmo no mais recente, quando do doutorado. A terceira é que, graças a Deus, há uma nova mentalidade que vem surgindo e ganhando corpo nas novas gerações. Meu neto não é caso isolado. Em muitas oportunidades vi reportagens sobre escolas que estão trabalhando seriamente a temática, crianças que estão crescendo com consciência ecológica, pais conscientes que estão passando isto aos filhos. A quarta é que há na nova geração uma crítica ao comportamento de adultos que não tem tal consciência. Ele logo perguntou, em tom acusatório, sobre a irresponsabilidade dos que ali fazem seu tempo de descanso diário. Se até a algum tempo os valores que os pais deviam deixar aos seus filhos e netos era a honradez, honestidade e trabalho, hoje, além destas há o cuidado ecológico. As novas gerações, em um tempo não muito no futuro, vão olhar o estrago que estamos fazendo e vão nos acusar de ter destruído o planeta, inviabilizando a vida saudável dele e deles. Confesso que me arrepia pensar no mundo em que meus netos vão viver quando adultos. Dois estão morando em Beijing, uma das cidades mais poluídas do mundo. É verdade que o governo está tentando fazer algo para reverter o quadro (eu já escrevi sobre isto aqui nesta coluna). Os outros dois estão vivendo em Valinhos, menos poluído. Mas o que será do mundo deles daqui a 20 anos? Se nossos filhos e netos nos acusarem de irresponsabilidade, a carapuça estará na medida exata da nossa cabeça, porque muito pouco estamos fazendo para minorar o dano.

terça-feira, 1 de março de 2011

POR QUE, VOVÔ?

Dia destes sai com meu neto para ir ao mercadinho e andamos pela rua até lá. Ao caminhar, passamos por um local onde pessoas se sentam debaixo de uma árvore para almoçar. No local havia papel, marmitex e garrafa pet jogados ao léu. Ele ficou indignado e me perguntou: “por que as pessoas sujam o planeta? Será que eles não sabem que isto faz mal para eles e para os outros? Custa muito colocar as coisas no lixo?” Mal tinha acabado de me perguntar estas coisas, ele pegou a garrafa pet na mão. Eu perguntei o que iria fazer com ela, ao que me respondeu: ”encontrar um lixo para jogar”. Devo alertar que se trata de uma criança de cinco anos. O fato me fez refletir e concluir algumas coisas. A primeira delas é que há escolas que estão seriamente empenhadas em ensinar seus alunos a considerar a questão do lixo, da poluição e da ecologia. Graças a Deus ele participa de uma destas escolas. A segunda é que estes temas não passavam nem ao longe das temáticas que foram abordadas no meu tempo de escola, em nenhum dos graus que cursei, nem mesmo no mais recente, quando do doutorado. A terceira é que, graças a Deus, há uma nova mentalidade que vem surgindo e ganhando corpo nas novas gerações. Meu neto não é caso isolado. Em muitas oportunidades vi reportagens sobre escolas que estão trabalhando seriamente a temática, crianças que estão crescendo com consciência ecológica, pais conscientes que estão passando isto aos filhos. A quarta é que há na nova geração uma crítica ao comportamento de adultos que não tem tal consciência. Ele logo perguntou, em tom acusatório, sobre a irresponsabilidade dos que ali fazem seu tempo de descanso diário. Se até a algum tempo os valores que os pais deviam deixar aos seus filhos e netos era a honradez, honestidade e trabalho, hoje, além destas há o cuidado ecológico. As novas gerações, em um tempo não muito no futuro, vão olhar o estrago que estamos fazendo e vão nos acusar de ter destruído o planeta, inviabilizando a vida saudável dele e deles. Confesso que me arrepia pensar no mundo em que meus netos vão viver quando adultos. Dois estão morando em Beijing, uma das cidades mais poluídas do mundo. É verdade que o governo está tentando fazer algo para reverter o quadro (eu já escrevi sobre isto aqui nesta coluna). Os outros dois estão vivendo em Valinhos, menos poluído. Mas o que será do mundo deles daqui a 20 anos? Se nossos filhos e netos nos acusarem de irresponsabilidade, a carapuça estará na medida exata da nossa cabeça, porque muito pouco estamos fazendo para minorar o dano. Marcos Inhauser

A DILMA OU A LULA

A eleição da Dilma para a presidência, por suas características e apadrinhamento, impõe a pergunta: o que elegemos? Uma mulher com identidade política própria ou uma versão Lula de saias? Ao prestar-se atenção às falas do Lula durante o período da campanha, a dúvida permanece e se exacerba, vez que usou frases como: “vou viajar o Brasil e o que eu perceber que não está certo, vou pegar o telefone e dizer prá Dilma – você precisa acertar isto”; “vou colar a faixa presidencial no meu corpo”; “não vou entregar a faixa presidencial à sucessora”. Com estas e outras que poderiam ser aqui elencadas, fica a certeza de que ele terá um longo e doloroso processo de esvaziamento da figura que incorporou como poucos: a de ser o presidente. Ele gostou da coisa e não vai largar assim tão fácil. O discurso da Dilma logo após a eleição é emblemático e enigmático: emblemático porque procurou se apresentar-se como mulher que conduzirá a nação, mas ao mesmo tempo é conhecida e reconhecida como gerentona, uma característica bastante masculina. Disse que vai dar continuidade à obra iniciada pelo Lula, se emocionou ao agradecer a ele o tempo de trabalho conjunto, exaltou-o ao ponto de o colocar como sábio, e que vai bater à sua porta muitas vezes. Ela assim revela um regime de codependência. O noticiário, por sua vez, vem dizendo que o Lula já está interferindo na escolha de ministros, sugerindo a permanência do Mantega e Meirelles, e talvez o Haddad. Ela, por sua vez, diz que só comunicará o seu ministério depois de conversar com o presidente, o que significa que ele vai interferir, ou no mínimo participar, do processo de escolha. Tantos sinais ambíguos geram incertezas e inseguranças, além da tremenda incógnita. Elegemos a Dilma ou a Lula? Só o tempo dirá. Mas um sinal para mim ficou evidente: no seu discurso logo após a eleição ela falava ladeada por homens. A única mulher que ali estava era uma ilustre desconhecida (ao menos para mim). Isto me indica que o governo da Dilma pode até ser presidido por uma mulher, mas ladeado de homens, que certamente terão papel preponderante e marcante no estabelecimento das políticas. Um deles vai coordenar o processo de transição (um que renunciou por causa de um escândalo) e o outro vai negociar com homens, donos dos partidos da coalizão, os nomes para compor os primeiro e segundo escalões e que, com toda certeza serão em sua grande maioria formado de homens. Assim, a primeira presidente do Brasil, vai ser mais enfeite feminino em um governo masculino. Marcos Inhauser

DOIS A MAIS OU A MENOS

Nestes dias de campanha eleitoral e profusão de pesquisas, o brasileiro viu incorporar-se ao vocabulário a expressão “margem de erro de dois pontos porcentuais para mais ou para menos”. Na esteira deste jargão pseudocientífico há duas linhas gerais de comportamento. A primeira delas quer nos passar a idéia da cientificidade das pesquisas, a exatidão dos cálculos e da capacidade previsora de tais dados. Baseados em dados coletados ao longo de anos de pesquisa, tabulados e calculados segundo algoritmos próprios, cada instituto busca a maior exatidão possível, medida pelo diferencial entre os dados levantados e os oriundos das urnas. Tal exatidão às vezes aparece (considerados os pontos da margem de erro) e outras foge à realidade. Isto, no caso mais recente e evidente, foi a eleição do senador Aloysio Nunes, que estava em terceiro lugar nas pesquisas e veio a ser o mais votado. De outro lado, há os que veem as pesquisas como meio de manipulação da opinião pública com o objetivo de levar a massa a votar no candidato que mais chances tem de ganhar, uma vez que há em muitos o desejo de “não perder o voto”, como se eleição fosse uma loteria ou campeonato. Para estes há que se considerar que tais pesquisas são contratadas a peso de ouro, cujos contratantes são, via de regra, pessoas ou grupos interessados nos resultados das eleições. Neste contexto, causa profunda estranheza a recente pesquisa divulgada nesta terça, dando conta que a candidata tem margem de 12 pontos em relação ao concorrente. Tal número destoa de pesquisas feitas por outros institutos e de maneira alarmante, uma vez que, em prazo de dias, a candidata consegue uma margem positiva de 6 a 8 pontos sobre o adversário. A ser verdade, o que teria acontecido de tão significativo que justificasse tal salto? Nada que se tenha notícia. Na guerra pelo voto, está valendo qualquer coisa. Desde panfleto assinado por bispo católico condenando o aborto e quem tem uma posição minimamente favorável, a pastores Malafala e Wellington Bezerra pedindo votos (de graça que não foi), a demonização das privatizações, alegada incompetência por ter fechado um negócio de 1,99, etc. Por que não usar também métodos “científicos” para confundir a opinião pública? Que mal há em uma pesquisa com margem de erro fora do padrão? Se mais tarde for comprovada a intenção em apresentar dados não comprovados nas pesquisas, isto não tirará a vitória e diplomação do/a eleita. E assim ficamos, nós os que votamos, como massa de manobra de políticos e marqueteiros inescrupulosos. Marcos Inhauser

GOVERNO DILCEU

Reveladora e pouco divulgada a fala do Zé Dirceu a sindicalistas na Bahia, quando explicou qual é o propósito do PT em um governo da Dilma. O evento ocorreu no dia 13 de setembro de 2010. Reproduzo alguns trechos. “A eleição da Dilma é mais importante do que a ... do Lula, porque é a eleição do projeto político, ... a Dilma nos representa. A Dilma não era uma liderança que tinha uma grande expressão popular, eleitoral, uma raiz histórica no país, como o Lula ... ela é a expressão do projeto político, da liderança do Lula e do nosso acúmulo desses 30 anos. ... Se ... queremos aprofundar as mudanças , temos que cuidar do partido e ... cuidar dos movimentos sociais, da organização popular ... da consciência política, da educação política e ... das instituições, fazer (a) reforma política e temos que nos transformar em maioria. Nós temos uma maioria para eleger o presidente até porque fazemos uma aliança ampla... (com 0 ) PC do B, PDT, PSB, PMDB, PT, PRB e PR. ... o Lula é maior que o PT. Eles é que não têm ninguém maior que o partido deles. Ainda bem que nós temos o Lula, que é duas vezes maior que o PT. Mas nós temos que transformar o PT num partido ... O PT tem que se renovar, tem que abrir o PT para a juventude. ... Quem pode ter poder? Primeiro o poder econômico, as forças armadas. As forças armadas estão hoje profissionalizadas, o poder econômico se aliou com qual poder? Com a mídia. E qual é o poder que pode se contrapor ao poder econômico e ao poder da mídia no Brasil? É o poder político, que tem problemas graves de fisiologias, de corrupção, tem desqualificação ... “ O que ele não falou claramente neste discurso é que este PT levou e aparelhou o Estado com petistas e sindicalistas. Ele disse que o PT levou sindicalistas para o governo, mas não disse quantos. Estudo feito pela FGV e publicado pelo GLOBO em junho do ano passado identificou que dos ocupantes de DAS 5 e 6 e de cargos de Natureza Especial (NE), 25,9% desses profissionais eram filiados a partidos políticos, sendo que 80% deles declararam ser do PT. No primeiro mandato de Lula, os filiados eram 24,8%. A pesquisa mostra também que há um grande contingente de profissionais com filiação sindical - 45% no primeiro mandato e 42,8% no segundo. Se o governo Lula foi do Lula e o da Dilma vai ser do PT, e se o Estado já está lotado de petistas e sindicalistas, o governo Dilma mais Dirceu, o Dilceu, vai aperfeiçoar a obra de transformar o estado num apêndice partidário. Marcos Inhauser