Tenho lá meus pruridos para ler certos textos bíblicos como
historiográficos, como descrição de fatos reais acontecidos no passado. Quando
se faz esta leitura mais literalista das narrativas, perde-se um universo de
possibilidades de interpretações e lições que as estórias nos trazem. Neste meu
espaço como colunista há quase 19 anos, por várias vezes já fiz esta colocação.
Quero
trazer à consideração a narrativa de Noé, sua arca, o momento em que viveu e as
providências que tomou. A narrativa diz que o SENHOR viu que a
maldade se havia multiplicado e que era continuamente mau todo desígnio do
coração humano. A pergunta que se impõe é se isto é algo que vale para o
passado ou é algo que vemos e encontramos ainda hoje?
A
julgar pelo que se está conhecendo pelas revelações feitas pelos delatores,
pelas descobertas da PF e MPF, estamos vivendo tempos iguais aos que Noé viveu,
tal o grau de promiscuidade e corrupção reinantes. A maldade tem se
multiplicado, mostrando os desígnios escabrosos daqueles que se apresentaram ao
público, pediram votos para defender os interesses da população. Sabe-se que o
modelo eleitoral via propaganda pela TV é viciado e corruptor. Não se
conseguirá mudar a representação política enquanto tal sistema existir, onde
verbas milionárias abastecem campanhas dos que tem mais chances de vencer.
A esta altura vem a
segunda afirmação da narrativa: Deus se arrependeu de ter feito o homem e isso
lhe pesou no coração. O texto apresenta um Deus humano, com sentimento humano.
Quem não se arrependeu de ter votado neste ou naquele? Quem nunca teve vontade
de aniquilar os que roubam o povo e aparecem engravatados com discursos de
ética e moralidade?
Isto foi o que Deus decidiu
fazer: “farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o
animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito”.
Decisão radical. Quisera eu ter o poder de determinar o extermínio da classe
política e dos que se locupletam com a coisa pública. Há que notar-se que a
corrupção que havia nos tempos de Noé tinha implicações e consequências
sistêmicas, A maldade do coração afetava toda a criação. A corrupção de
vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores e presidentes afeta
toda a criação. Quantos há que não tem médico, escola, merenda escolar com
comida estragada, remédios vitais para a manutenção da vida não sendo
comprados, museus abandonados, carne fraca e suas artimanhas para renovar
prazos de validade, leite contaminado com soda cáustica, etc. Até o tamanho do
Sonho de Valsa diminuiu e o preço aumentou.
Neste cipoal de
desgraças, houve um que achou graça diante de Deus. Noé: homem justo e íntegro
entre os seus contemporâneos e que andava com Deus. Quem é o Noé nestes tempos
de Brasil? Os deputados da bancada evangélica estão gastando mais tempo lendo
processos e código penal que a Bíblia. O “evangélico” Eduardo Cunha agora tem
tempo para ler a Bíblia, mas continua arrogante e petulante como sempre foi.
Estamos em tempos de
dilúvio. Foram quarente das de chuva e estamos neste período paradigmático. O
número 40 na Bíblia é símbolo de provação, e estamos neste tempo. Temos lama de
todos os lados. A coisa não parece arrefecer. Mas haverá o momento em que a
pomba solta voltará com um ramo no bico, avisando que há sinal de vida decente
lá fora.
Até lá, esperemos,
participemos, construamos nossas arcas e convidemos a ela os que são nossos,
tal como fez Noé que fez entrar seus três filhos e suas esposas. A salvação se
deu na dimensão familiar.
Marcos Inhauser