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quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

ESPERANÇA SOLIDÁRIA

Se há uma coisa que todos temos na virada deste ano é a esperança. É verdade que toda regra tem sua exceção e a chacina em Campinas foi a ação de um desesperançado.
Depois de um ano cheio de sobressaltos e apertos, muita gente querida morrendo, nada mais lógico e natural que querer de que este novo ano nos dê a esperança de que será melhor. No entanto, a esperança é subversiva. Ela faz uma crítica ao presente e pensa o amanhã diferente. Ao questionar o presente, os que dele tiram seu proveito, especialmente pelas vias escusas da propina e corrupção, se sentem ameaçados. Usam dos meios que dispõem para preservar o status quo, seja promulgando leis que só atendem aos seus interesses ou prolatando sentenças monocromáticas que permitem a um preso sair da cadeia para tomar posse como prefeito ou vereador.
Se a sociedade permanece alienada e não reage a estas situações, por melhores e mais bem fundadas que sejam suas esperanças, elas se tornarão em desesperança a curto prazo. Para que a esperança prospere, temos que levar em conta que os atos de esperança não estão fundados na análise dos passos pretéritos, no que fiz ou fizemos ontem. O que move para a concretização é a visão do futuro, a qual gera a dinâmica de atuação no presente. É a u-topós que se busca, no melhor sentido do ainda-não-dado, a utopia.
Por paradoxal que possa parecer, são os que mais sentiram a desesperança os que têm maior força e vitalidade na construção da esperança. Ela não é construída pelos que estão acomodados com o presente, pelos abonados ou alienados. Só os que sentiram na carne a fome, a injustiça, a opressão, a malandragem, a extorsão, podem dar musculatura e ossos à esperança. Conservadores não têm esperança porque ela é o amanhã e eles só querem preservar o hoje. Conservadores estão contentes com o que têm, mas os desesperançados não querem continuar a viver nesta condição. Daí a semente da esperança e da u-topia.
A esperança nasce do discurso que contagia. Não pode ser solitária, mas coletiva e a transformação do solitário em coletivo se dá pela pregação do sonho. Só sonhamos o amanhã quando, ao trocar ideias sobre o presente e analisar em conjunto, em um processo de hermenêutica comunitária do presente, nos damos conta de que precisa ser mudado e o amanhã sonhado e construído. Esperança solitária é planta que nasce e morre com o primeiro sol. A esperança solidária é árvore que sobrevive às intempéries.
A esperança solidária é dinâmica na medida em que é processual, porque é construída na caminhada. Uma esperança rígida nos seus detalhes é suicida. Talvez este tenha sido o erro de Marx e muitos marxistas. O futuro tinha que ser só do jeito que sonharam.
Um dos problemas com os cristãos é que eles têm sua esperança engessada: sabem com detalhes como será o amanhã, se há tribulação antes, no meio ou depois, se vão viver no céu ou na Jerusalém celestial, se vão reconhecer amigos na eternidade, se vão cantar hinos ou morar em palacetes. A esperança de muitos é “sair-deste-mundo”, mas se esquecem que o mandato de Jesus é “ir-ao-mundo” para ser sal da terra e luz do mundo. Na oração do Pai Nosso nos ensinou a pedir “venha o Teu reino”, mas muitos oram “leva-me para o Teu Reino”.
Como cristãos vivemos entre-mundos: o paraíso perdido e a morada futura. Voltar ao passado é suicídio, porque impossível. Viver o presente é suicídio porque opressivo e injusto. Sonhar e construir o futuro, mudando hoje a mim e ao meu entorno é vida. Não haverá amanhã se todos os dias continuo igual.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

DETESTO FINAL DE ANO

Nunca acreditei na mágica que a passagem de 31 de dezembro para 01 de janeiro tivesse o condão de mudar as coisas. Também nunca acreditei que pular sete ondas, vestir-se de branco, tomar champanhe, abraçar amigos e desejar e receber os desejos de um feliz ano novo tivessem a capacidade de alterar os fatos e a trajetória da história. Se quantidade de ano próspero fizesse alguma coisa, teria a fortuna de um ex-presidente!
Posso parecer meio fatalista, mas eu me acho mais realista que fatalista.
Creio, no entanto, que a nossa vida e estrutura mental precisam de descansos em intervalos regulares, bem assim de recomeços, como para alimentar a possibilidade de se fazer as coisas de forma diferente para se ter a coisa diferente.
Mas o que mais me entendia nos finais de anos é a mesmice: programas de televisão abusam das retrospectivas, bem assim as rádios e revistas. Os jornais também não fogem à regra de recontar o que aconteceu. E lá vem o desfilar das mesmas coisas vistas durante o ano e agora revistas em tudo quanto é canto. Todo final de ano é o show do Roberto Carlos, cantando as mesmas músicas, as mesmas notícias da queima de fogos em todas as partes e gente saltando de alegria, embalados etilicamente.
Também me irrita a profusão de futurólogos, sejam eles que nome tenham. No que pese a quantidade de desatinos que já disseram e a ínfima margem de acerto que alguns tiveram (por pura sorte e nunca por premonição), estão os tarólogos, astrólogos, leitores de mapas astrais, de planilhas eletrônicas, dedados das bolsas,videntes, leitores dos búzios e quejandas. Cada qual fala o que quer, adequada à audiência. No planejamento das “vidências” sempre trazem a morte de um famoso ou a vitória disto ou daquilo, mas nunca o fazem de forma explícita, mas em linguagem hermética, monossilábica, possível de várias interpretações. É a revelação elada para que cada qual entenda como quiser e todos se sintam revelados. E se estabelece a competição entre os videntes para saber quem vai dizer a coisa mais espetaculosa. Babaquices que a mídia amplifica nos finais de ano.
Outra classe de videntes, estes com ares de profissionais da exatidão, são os economistas. Entra ano, sai ano e eles chutam mais que centroavante de time de fazenda. Como poucos vão se dar ao trabalho de, hoje, verificar o que disseram lá em 2015, se sentem no direito e dever de continuar chutando seus números e cálculos. Impressiona-me a precisão deles: a inflação será de 4,07, e não 4,08 como estão dizendo! O dólar, em dezembro de 2017 estará na casa dos R$ 3,48897! O crescimento do PIB será 0,002 superior ao que espera o Banco Central!
Incluo aqui os comentaristas de esportes, notadamente os de futebol. Antes mesmo de saber quem vai jogar em qual time, quais as condições desta ou daquela equipe, já afirmam categoricamente que o time X é forte candidato ao título. Quem é forte candidato ao título de embusteiro midiático são estes comentaristas-videntes.
Depois de um 2016 ciclotímico, que nos deu alegrais e depressões no mesmo dia, que prendeu gente que queríamos ver presas e deixou corrupto desobedecer ordem judicial sem nada acontecer, nada mais lógico que os políticos, notadamente o Temer, venham dizer que 2017 será melhor. Todos queremos que melhore. Mas melhorará se colocarmos a mão na massa, trabalharmos e apoiarmos quem anda dando um basta à corrupção. Não se precisa de videntes ou economistas para isto!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

DO CRISTO NASCIDO AO PREGADO

Para quem não é fundamentalista não é difícil aceitar que os evangelhos não são diários da vida de Jesus, ao estilo de notícia de jornal, nem mesmo uma narrativa feita com o correr dos dias. Sabe-se hoje (com muita probabilidade de acerto) que nem mesmo circulou um relato escrito sobre a vida e milagres de Jesus enquanto o mesmo viveu. Aceita-se hoje que houve dois documentos que serviram de base para os evangelhos: a Logia Jesu e o Proto-Marcos, a primeira contendo as frases de Jesus e o segundo os milagres. Estes dois serviram de consulta e material para que Marcos escrevesse seu evangelho, que foi o primeiro a ser escrito. Baseado em Marcos, Logia e Proto-Marcos, Mateus e Lucas escreveram os seus relatos.
No entanto há uma coisa comum a todos os evangelhos e a toda a teologia neotestamentária: Jesus nasceu e viveu sem pompa, sem alarde, de forma humilde, filho de família pobre, que trabalhava arduamente para seu sustento, como era comum em um país dominado pelo império. No dizer de Jesus, ele não tinha onde reclinar sua cabeça. Viveu das ofertas dadas e guardadas sob a custódia de Judas, que se mostrou um ladrão. Para a última Ceia teve um local emprestado. Para sua sepultura, teve um túmulo cedido porque sua família não o tinha.
Comeu com pecadores e foi criticado por isto. Recebeu prostitutas e coletores de impostos, mas, ao que se saiba, nunca disseram que os apoiava ou deles recebia algo. Quem lhe prometeu prosperidade foi aquele que, na tentação, lhe disse: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4:9). Ele mesmo nunca prometeu riquezas, antes, pelo contrário, disse que “neste mundo teríamos aflições”. Não prometeu sucesso, mesmo porque o discipulado é custoso.
Nunca se soube que tenha recebido uma oferta de R$ 100.000,00 por uma oração feita, nem que tenha feito ou publicado algo para vender como forma de arrecadação para seu ministério. Quando foi preso, não teve um ataque histérico dizendo que era malandragem, molecagem, nem falou pelos cotovelos. Diante de Pilatos e de sua pergunta, se limitou a dizer; “tu o dizes”, ainda que a afirmação fosse verdadeira. “Como ovelha muda foi levado ao matadouro”, para usar as palavras do profeta Isaias.
Não era afeito às multidões, antes buscava o lugar ermo, solitário. É verdade que teve multidões para ouvi-lo, não porque fizesse campanhas, cruzadas, novenas ou semana da oração milagrosa. Não frequentou palácios, nem mesmo para orar pelos governantes. Esteve em um momento político e econômico delicado para a nação de Israel, mas, com exceção da frase “diga àquela raposa que eu expulso demônios” dirigida a Herodes, não foi sua pregação eivada de crítica ou de propostas salvadoras. Sua vida era uma mensagem porque vivida com o povo, atendendo suas necessidades e não voando em jatos particulares, frequentando sets de televisão ou debaixo de holofotes. Não foi amigo de poderosos, nem mesmo do sumo sacerdote ou outros religiosos. Antes denunciou a prática religiosa deles e dos fariseus, escribas e doutores da lei.
Não aceitou o título de Mestre, Rabi ou seja lá o que for. A si mesmo se chamou de Filho do homem, um título mais para pejorativo que para elogioso.
Nasceu na manjedoura e morreu na cruz. Viveu sem ter onde reclinar a cabeça. Foi acusado injustamente e não se defendeu histrionicamente.
Neste Advento, que esta humildade, singeleza, desprovimento, nos dê parâmetros para avaliar o que anda acontecendo no universo religioso brasileiro e para vivermos o seu ensinamento: “amarás ao Senhor teu Deus sobre todas as coisas e ao teu próximo como a ti mesmo”.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

PMDBrecht

Uma empresa é composta de uma diretoria e alguns departamentos, tais como comercial, financeiro e operacional. No caso de uma construtora, há ainda o de engenharia e um de execução das obras contratadas. Os nomes para estes departamentos podem variar e a quantidade pode aumentar, à medida que os negócios evoluem. No caso de uma construtora com obras em outros países, espera-se que haja um departamento dedicado às obras em solo nacional e outro que cuide das obras no exterior.
Nas recentes revelações sobre o funcionamento da Odebrecht, não só havia os que acima mencionei (os nomes podem variar), mas, sabe-se que havia um Departamento de Operações Estruturadas, nome pomposo para o departamento que cuidava de azeitar a máquina, pagando propina aos mais diferentes agentes públicos. Para nós que estamos de fora das investigações e nos inteiramos dos fatos à medida que são trazidos à tona pela mídia, já estávamos assustados e pasmos com a facilidade com que a empresa destinava milhões para este ou aquele político.
Com a revelação de que 77 executivos e ex-funcionários da empresa estavam firmando uma delação premiada, confesso que me assustei e me perguntei: como pode ter 77 altos funcionários na maracutaia? Era este o valor maior da empresa: negócios conseguidos via azeitadas milionárias?
No final da semana passada ficamos sabendo que a Odebrecht tinha outro Departamento: o de Operações Legislativas, onde políticos graduados, como se empregados assalariados da empresa fossem, atuavam na Câmara e no Senado para fabricar leis, isenções, empréstimos e quejandas, sempre atendendo aos interesses do empregador. Não se exagera ao dizer que a empresa “comprava” eleições de pessoas confiáveis que garantiam a contrapartida, como também governava o país a seu interesse. Agora, de forma mais clara, dá para entender a transfiguração da lei anticorrupção feita pela Câmara e a pressa do campeão mundial de investigações, o Renan em aprovar a lei de abuso de autoridade que, na verdade, é uma lei de tapa-boca.
Com estas revelações se consolida uma antiga convicção minha: a eleição via marqueteiro e exposição midiática é um atentado à democracia. Ela explica as eleições do Tiririca,  Russomano, Agnaldo Timóteo, Moacir Franco. Mas, mais do que isto, elege o Kassab, Paulinho da Força, Pimentel, Geddel, Eliseu Padilha, Moreira Franco, Jucá, Lobão, Collor, Cabral, Pezão, Paes, entre tantos outros. Por que os políticos são os maiores detentores de concessões de rádios e televisão neste país? Uma eleição na base do voto distrital misto muito contribuiria para acabar com esta distorção.
Por outro lado, isto nos leva a prestar, mais do que nunca, atenção no que fazem estes funcionários de empresas, alocados no legislativo, Tribunais de Contas e Judiciário. Fatos recentes corroboram o que acabo de dizer. Isenções para tráfego interestadual de mercadorias, redução de IPI, facilidades de acesso a créditos subsidiados, viagens internacionais da presidência para alavancar negócios, Fundo Partidário, CARF, são mofos onde prosperam as bactérias políticas e apaniguadas da podridão.
Por mais “saudável” e “transparente” que possa parecer uma emenda, decisão, sentença, Medida Provisória, é bastante provável que haja um interesse escuso no bojo delas.
Diante disto, não posso deixar de perguntar: o que estaria por trás de decisão de manter o executivo-mor da Odebrecht no Legislativo, Renan? Quanto custou o impeachment da Dilma para colocar na presidência o confiável Temer? Quanto custou a demora de sete anos para que se tornasse réu em uma das muitas investigações que sobre ele pesam? Quanto custa aos interessados, a demora em investigar e denunciar muitos dos acusados, como, por exemplo, Jucá, Padilha, André Moura, Serra, Alckmin, Wagner, Mercadante, etc.?
Só me vem à mente uma frase bíblica atribuída a Jesus: pode a árvore má produzir bons frutos? Pode o Temer e o PMDB fazer algo sem estar com o DNA que os têm caraterizado?
Marcos Inhauser


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

RECEPTADORES LEGALIZADOS?

O Código Penal, no seu Art. 180, define a receptação como “adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte”
Em outras palavras, se recebo, compro ou tenho vantagem com o produto de um crime, ainda que não praticado por mim, sou receptador e, por tanto, passível de condenação.
Agora, por que não são considerados receptadores os advogados que defendem os criminosos da Lava Jato, Carf, PCC, CV e outras organizações, que estão recebendo honorários milionários, pagos com dinheiro produto de crime? Não estão eles se beneficiando de algo que sabem é corrupção, roubo, peculato, etc? Por que o que se paga a eles é isento de punição?
Isto é ainda mais grave quando o parágrafo 6º do mesmo artigo, estabelece que: “tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro”. Se o que estes advogados regiamente pagãos recebem é fruto do que seus clientes roubaram dos governos federal, estaduais e municipais, da Petrobrás, do Metrô, do Comitê Olímpico, da Funasa, etc. por que não estão incursos nos parâmetros da retro mencionada lei?
Que me perdoem os doutos, mas qual a diferença entre o dono de um desmanche que pega um carro roubado, separa as peças e as vende e assim tira proveito de um crime e um que, ainda que não seja dono de um ferro velho, recebe um criminoso, dá-lhe uma maquiada conceitual no crime e ganha horrores com a plástica feita? Qual a diferença com os que fizeram as 78 cirurgias plásticas no colombiano Abadia, traficante de drogas, como forma de despistar a polícia? O dinheiro que ganharam era dinheiro de crime e usado para que escapasse da justiça.
Conheço o caso da esposa de um alto funcionário governamental de um determinado país. O marido, com as devidas anuências e cumplicidade da esposa, ganhou milhões de dólares. Como a chapa estava esquentando, ela contratou professora particular para a filha, empregadas para a casa, motoristas particulares e pagou salários altíssimos. O acordo era que, se acontecesse alguma coisa com ela, eles se encarregassem de pagar as contas da filha na escola e cuidassem dela.
Quando a coisa estourou, não só deram busca na casa da autoridade e o prenderam, bem assim sua esposa, como na casa de todos os amigos e funcionários e pegaram tudo que tivessem e que foi dado pelo casal.
A questão dos salários não veio à tona. Mas como a filha continuava a frequentar a mesma escola caríssima, a polícia foi investigar quem estava pagando e como estava pagando. Sobrou para eles também.
Aqui no Brasil, o Sérgio Machado não continua a morar na mesma casa, com todas as mordomias? O Lula está pagando uma penca de advogados com o dinheiro dos seus proventos? Como o Palloci está pagando os muitos que o defendem? Como estão sendo pagos os advogados do Vaccari? E os do Cerveró, Duque, Barusco, Pedro Correia e outros mais?
Que me expliquem os entendidos: é isto legal? É isto justo? É isto honesto? É isto receptação legalizada?
Na minha cabeça, confesso, há um nó. Não entendo e quero entender. Quem puder, me ajude com explicações plausíveis.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

NÃO DOEI UM CENTAVO

NÃO DOEI UM CENTAVO
Fico admirado com a capacidade dos políticos brasileiros de criarem normas para serem burladas ou para burlar as que não fizeram. Exemplos disto são conhecidos, tais como auxílios moradia, gastos com gasolina e correio, assessores, empréstimos para assessores que são formas disfarçadas de reter parte dos salários, doações “legais” de propinas, etc.
Diante deste quadro não é de se estranhar que as novas regras para financiamento das campanhas políticas tenham sido alvo desta criatividade burladora dos políticos. Os dados publicados mostram que mais de 34% das alegadas contribuições reportadas estão sub-judice, uma vez que há mortos que contribuíram, quem doou mais do que podia, beneficiários do Bolsa Família e gente que nem sabe que doou.
Ë verdade que a legislação estabelece regras para as doações. Segundo elas “somente pessoas físicas podem fazer doações; toda doação deve ser feita através de recibo assinado pelo doador, com um valor limitado a 10% dos rendimentos brutos do ano anterior do doador; as doações só poderão ser realizadas através de cheques cruzados e nominais, transferências eletrônicas de depósitos, depósitos identificados em espécie, ou através do sistema disponível no site do candidato, partido ou coligação na internet, com a possibilidade do uso do cartão de crédito (o sistema deverá obrigatoriamente, identificar o doador e emitir o recibo para cada doação)”. Mas se até morto doou, significa que encontraram brechas na forma de “fazer aparecer dinheiro na conta do candidato”.
Desde que estas notícias começaram a aparecer, fiquei preocupado e explico por quê. As identificadas doações irregulares são as que foram feitas por mortos, beneficiários do Bolsa Família e gente que deu mais de 10% da sua declarada renda no ano anterior. Estes dados são de domínio da Justiça Eleitoral e da Receita Federal. Se algum destes candidatos usou meu CPF para fazer alguma “doação fajuta” e ela ficou nos limites dos 10%, quando eu for fazer a minha declaração em abril de 2017, por não saber disto, não vou declarar que doei. É aí onde a coisa se complica.
Se tivesse feito a doação, teria como provar que fiz, por causa do recibo que teria em mãos. Como não doei e nem que sei que “doei”, como provar algo que não fiz? Se eles declaram que doei e eu digo que não, como sair-se desta?
Lembro que o CPF é algo de “quase-domínio-público”. Onde você vai e compra algo, pedem CPF. Os cheques trazem o CPF, assim como o RG e a CNH. Tem gente vendendo listas de nomes e dados pessoais, hackeados de sites e banco de dados. Os aposentados sabem como isto é verdade porque são infernizados com telemarketing oferecendo empréstimo consignado. Eles têm os dados completos de quem se aposenta e quanto é o benefício que recebem. Quem me garante que meus dados não foram usados para estas doações criminosas? E se o foram, como vou saber?
Provar a não-doação terá a dor de um parto. A Receita Federal irá me notificar, me autuar, determinará uma multa e como faço para provar a não-existência da doação? Eles têm documentos, eu não!
Não quero problemas para minha cabeça. Por prevenção, faço esta declaração pública, sob pena da lei, de que não doei um centavo sequer a qualquer partido político ou candidato. Se algo aparecer com meu nome e CPF é fajuta e o declarante deve ser incriminado por falsidade ideológica!
Tenho dito!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

PAZ VERDADEIRA

A paz segura não se consegue pelo processo de dissuasão mútua. Quando ambos estão sem mais argumentos um para com o outro, não significa que a paz está reinando. O máximo que se pode dizer é que está se prevenindo a guerra por tempo limitado. Este processo até pode servir a um propósito, mas nunca será solução permanente. O mesmo se pode dizer do cessar-fogo temporário ou a trégua. Interrompem, por um tempo, o ciclo de violência, mas não estabelecem a paz!
A paz permanente é a vontade de Deus para toda a sua criação. Com isto estou afirmando que a paz tem dimensões ecológicas também. É a paz entre os seres humanos e a paz destes com a criação. Não há paz verdadeira enquanto os seres humanos se agridem e matam, nem enquanto eles agridem a criação, a maltratam e a matam. Não há paz enquanto houver gente passando fome, gente sofrendo enfermidades para as quais se conhece a medicina, crianças morrendo de diarreia, animais sendo extintos, rios sendo poluídos, etc. Não há paz enquanto houver racismo, sexismo, intolerância religiosa.
A paz na sociedade e entres seus grupos se realiza quando o estado de justiça é reciprocamente reconhecido. Não há, no entanto, uma medida absoluta e eterna que diga o que é justo para sempre. A justiça é uma justiça contextual e processual. Por isto, a lei do amor deve ser mais abrangente que a prática da justiça porque “a letra da lei mata, mas o amor edifica”. A justiça que não contemple as variedades culturais não é justiça, porque intolerante.
Para o cristão, a paz não é uma opção: é uma imposição do evangelho e da práxis cristã. Cristão não comprometido radicalmente com a paz deve ser questionado no seu cristianismo. Amar ao próximo é conditio sine qua non para a justiça e a para a paz. São tão essenciais na vida cristã que a ausência deles é a negação de Jesus Cristo. No entanto, estas práticas não são naturais no ser humano, mas algo que é fruto do Espírito na vida daqueles que experimentaram o amor renovador e transformador de Jesus Cristo.
O cristão autêntico não empurra para debaixo do tapete as questões espinhosas que afetam a vida plena da paz, antes, tal como os profetas veterotestamentários, os traz à luz e os denuncia para que haja mudanças. Percebe-se com isto que a paz não é uma condição estática, tal como a pensavam os gregos, nem a ausência de guerras, como queriam os romanos. Para estes, a vitória sobre o inimigo era o estabelecimento da paz. Este mesmo conceito, em certa medida, está presente nos textos históricos do Antigo Testamento.  Os estóicos entendiam a paz como uma disposição mental e espiritual, de harmonia interior, com certa resignação diante dos fatos que atentavam contra a paz. Vencer era estabelecer a paz. Por isto mesmo, uma paz unilateral e deficitária. A verdadeira paz é uma busca constante e incessante de um estado pleno de harmonia.
Este é o sonho do profeta Isaías: “Irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do SENHOR e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a palavra do SENHOR, de Jerusalém. Ele julgará entre os povos e corrigirá muitas nações; estas converterão as suas espadas em relhas de arados e suas lanças, em podadeiras; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra. (2:3,4)
Que me perdoem os militares, mas eles vão perder o emprego no Reino de Paz.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A PAZ E AS DIFERENÇAS

O profeta Zacarias disse certa feita que “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta. Destruirei os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e o arco de guerra será destruído. Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar e desde o Eufrates até às extremidades da terra.” (9:9,10)
A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, montado em um jumento, deve ser vista como a diferença de sua visão. Ele não veio montado em cavalo, animal usado pelos soldados guerreiros. Veio no jumento, porque sua mensagem não era a do arco e espada, mas a da paz, da verdade e do amor. Veio não da forma esperada, mas quebrando paradigmas.
Para se entender o conceito cristão de paz é preciso quebrar os paradigmas que nos levam a pensar que a paz reina quando não há guerra, não há conflito. No entanto, esta é uma visão reducionista da paz cristã. Tomando por base a concepção antiga do shalom, a paz cristã tem a ver com saúde, harmonia, ausência de violência em todos os seus níveis (físico, emocional e psicológico), com moradia segura, alimentação necessária, com descanso regular, com reconciliação e outras coisas mais.
Sem a reconciliação não há paz. Sem o perdão não há paz. Sem a tolerância não há paz. Em uma sociedade onde reina a intolerância, onde torcedores de uma equipe agridem a matam os de outra equipe, onde o diferente é pisoteado, o homossexual é execrado pública e privativamente, onde o negro é desprezado por ter uma cor diferente, onde o gordo é visto como glutão ou sem autocontrole, a paz é um imperativo iniludível e uma prática impostergável.
Mas o evangelho da paz não é o anúncio de uma vida fácil e cômoda. A fidelidade a Deus e a Seu Filho, que implicam em práticas de paz, implicam em perseverança. As dificuldades não nos devem assombrar, antes fortalecer, uma vez que fomos alertados: “neste mundo tereis aflição, tende bom ânimo, eu venci o mundo”. Não devemos esperar melhores tempos que os profetas e Jesus tiveram. Todos eles, na sua proclamação e prática da paz, padeceram e não poucos morreram por ela.
Isto é paradoxal. Ao proclamarmos e praticarmos a paz seremos alvos da violência dos que ganham com a exploração do próximo, dos que são corruptos, ladrões. Evitar a perseguição por meios desonestos é desonestidade igual à praticada por quem persegue. Há um preço a se pagar pela paz.
Saliente-se que Jesus iniciou seu ministério pregando o arrependimento e a chegada do Reino de Deus, um reino de paz. Isto se daria não pela reforma das instituições políticas e econômicas existentes, mas pela vivência de uma nova comunidade, alicerçada em um novo paradigma: amor ao próximo como a si mesmo. Se se ama o outro na mesma intensidade com que se amo a si mesmo, não há lugar para depreciar, mesmo que seja ou pense diferente. A diferença não será motivo para separação e exclusão, mas para conhecimento, enriquecimento com o conhecimento e vivência da diferença: isto é paz.
Aceitar o outro na sua condição, com suas ideias e comportamento é amor. Discriminar, acusar, vilipendiar porque é diferente é ser prepotente, arrogante e assassino do outro. Nesta atitude não se promove a paz.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A CONTRIBUIÇÃO DA TEOLOGIA DA PAZ

Em minha última coluna, na qual questionava a extensão e protagonismo da Reforma Protestante de dos Reformadores Lutero e Calvino, colocava a participação essencial da Reforma Radical, que produziu o movimento Anabatista. Salientava as inúmeras contribuições que a teologia anabatista fez para a igreja ao redor do mundo, algumas delas que são hoje verdades inquestionáveis (separação da Igreja e do Estado, a Igreja como associação espontânea e não por decisão autoritária, entre outras).
Adiciono outra contribuição anabatista, para mim, da mais alta importância: a teologia da paz. Há que se recordar que Lutero, ao ser excomungado e perseguido, refugiou-se e foi sustentado pelo rei Federico o Sábio, quem o levou para o Castelo de Warburg e ali o refugiou. Calvino escreveu suas Institutas de Religião Cristã e as dedicou ao rei Francisco I. Tanto um como o outro nunca se posicionaram contra a “guerra justa”, como se alguma o fosse justa.
Os anabatistas foram, como não poderiam deixar de ser dada sua radicalidade, veementes na condenação da guerra, não aceitando que nenhuma delas fosse justa, por mais razões que se apresentem. Dois motivos podem ser apontados para este posicionamento radical: a compreensão literal dos ensinamentos de Jesus com a obediência radical dos seus discípulos e a situação política vivida por eles. Deve-se recordar que, minoritários em um contexto amplamente contrário às suas teses, perseguidos e empobrecidos pelas constantes mudanças, fugas e expropriações, não poderiam, sob pena de suicídio coletivo, pregar o uso da violência como forma de se resolver conflitos.
É verdade que houve a Guerra dos Camponeses, liderada por Thomas Muntzer, que se declarava anabatista, mas que não era reconhecido como tal pelos líderes sobreviventes e hoje se tem consenso de que sua inspiração para a fomentar a guerra não eram os ideais anabatistas. Pelo contrário, muitos dos grupos perseguidos encontraram guarida em outros locai, foram amparados por reis mais condescendentes e uma razão para isto era o caráter laborioso e pacífico dos anabatistas.
Como decorrência deste seu postulado pacífico e pacifista, também se dedicaram ao estudo e à prática de processos de resolução de conflitos e mediação, sendo hoje reconhecidos como grandes autoridades no assunto. Projetos de pacificação social, de reconciliação entre vítimas e ofensores, de resolução de conflitos familiares, eclesiais, laborais e de vizinhança se multiplicam por todo o mundo sob o impulso das igrejas anabatistas.
No desenvolver e amadurecer destas ideias pacíficas e pacificadoras, aos anabatistas se valeram em grande escala da interpretação literal e contextualizada do sermão das Bem-aventuranças, também conhecido como Sermão do Monte. Vários estudiosos, teólogos e leigos trouxeram significativas contribuições para os textos das Bem-aventuranças, especialmente os relacionados ao andar a segunda milha, dar a outra face, ter fome e sede de justiça no sentido de ser justo e não permitir que a injustiça seja praticada, ser misericordioso e manso, etc. A tal ponto a contribuição atravessou fronteiras que hoje, um dos maiores expoentes da não violência e da aplicação radical das Bem-aventuranças é um sacerdote católico, John Dear, já nominado certa feita para o prêmio Nobel da Paz.
Lembremos que Jesus foi anunciado pelos anjos cantando “paz na terra” e que se apresentou depois da ressurreição dizendo “paz seja convosco”. Se recordarmos que na Bíblia a palavra paz” aparece 9.480 vezes na Bíblia, sendo 7.965 vezes no Antigo Testamento e 1.515 vezes no Novo Testamento. Diante disto, a insistência do tema no meio anabatista mostra uma faceta extremamente bíblica do movimento.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A REFORMA FOI SÓ ISTO?

Por pura pachorra, li um monte de artigos sobre a reforma, escritos nestes dias. A profusão deles se deve ao fato de que se está comemorando os 500 anos do movimento consolidado com Martinho Lutero e depois seguido por outros reformadores. No entanto, ao ler os artigos, uma questão me perturbava e uma certa indignação tomava conta de mim.
Tive a impressão de que estudei em outras fontes das que os escritores se basearam suas afirmações. A quase totalidade dos artigos não citava os pré-reformadores, gente que, em várias partes e locais, foi construindo um novo pensar que se consolidou na atitude de Lutero. Não havia uma só palavra sobre os Albigenses ou Cátaros, Valdenses, João Wycliffe, os Lolardos, João Huss, Savonarola
Muitos dos autores dos artigos que li louvava a coragem e lucidez do bispo alemão, falavam de Calvino, o reformador de Genebra e pouco ou nada falavam do terceiro reformador, o de Zurich, Zwínglio. Nada, absolutamente nada sobre a Reforma Radical, também conhecida como movimento anabatista. O anabatismo surgiu com a Reforma do século XVI, com a pregação da liberdade de consciência, a negação da guerra definindo-a como pecado, a negação do uso da violência, a dessacramentalização dos sacramentos, o batismo como ato de fé consciente, o sacerdócio universal de todos os crentes (diferindo da visão luterana), a prática da hermenêutica comunitária. Estas posições eram diferentes e críticas a LuteroCalvino e Zwínglio que mantiveram o baptismo infantil, a vinculação da igreja ao Estado e os sacramentos .
Georg BlaurockConrad Grebel e Félix Manz ansiavam por uma reforma mais radical e estabeleceram suas convicções no dia 21 de janeiro de 1525, fazendo-se rebatizar em local próximo a Zurique, na Suíça. Perseguidos pelos reformadores, Igreja Católica e reis, o movimento se espalhou pelo sul da Alemanha, Vale do Reno e Países-Baixos.
Percebe-se que a igreja moderna muito deve aos anabatistas. Foi com eles que nasceu a convicção de que a Igreja não pode se vincular ao Estado, a noção de Estado Laico tão cara ao movimento protestante, sem que lhe seja dado o devido crédito. A eles se deve a negação da guerra como forma de se promover a justiça e a paz, a eles se deve o conhecimento sobre as práticas de negociação e mediação em conflitos.
É verdade que nem tudo nos Anabatistas é louvável. Houve a figura de Thomas Muentzer que pegou em armas e liderou a guerra dos camponeses, houve quem, no arroubo de sua crença impediu a realização de batismos infantis. Mas também há coisas nada louváveis em Calvino, Lutero e Zwínglio e seus seguidores. No campo teológico, se se quer ser honesto, o anabatismo nunca produziu um sistema teológico próprio, mas se dedicou à eclesiologia, tomando conceitos emprestados de outros pensadores. Isto se explica pelas ferozes perseguições que sofreram, forçando-os a se mudar constantemente, sem contar a infinidade de líderes mortos.

Com isto, afirmo que a Reforma Protestante começou muito antes de Lutero, e foi muito além de 1516, pois teve frutos duradouros, mesmo com que perseguição e quase dizimação do movimento anabatista. Aos escritores dos artigos sobre os 500 anos da Reforma Protestante, sugiro que releiam os livros de história e se informem sobre o Anabatismo. Aos que promovem o culto da Reforma, sugiro que pensem que os Anabatistas também são reformados, no que pese as críticas de Calvino, Lutero e Zwínglio, todas fruto da reação às críticas que receberam.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A HERESIA DO PERGUNTAR

O modelo vigente nas igrejas por séculos é o da cátedra, onde há uma confissão de fé, aceita pela denominação como expressão final e definitiva das crenças e ensinamentos exarados nas Escrituras, ensinados domingo após domingo pelo catedrático (pregador). O pregador, no uso da palavra não interrompida e nunca questionada no momento em que é proferida, deve ser a repetição para consolidação dos ensinamentos confessionais.
O problema com este tipo de religiosidade é que o líder não pode pensar, não pode fazer teologia, porque a sua já está feita e consolidada na Confissão de Fé de sua denominação. Se ousa dizer algo fora do que preceitua o receituário doutrinal, será inquirido, processado eclesiasticamente poderá ser disciplinado por um período de suspensão ou afastamento definitivo. Eu passei por isto, juntamente com alguns outros colegas.
Ousamos pensar e criticar algo e fomos acusados por uma mente fundamentalista, quem, treinado na letra da lei, só via obediência e jamais podia aceitar o questionamento. Para estas confessionalidades, a pergunta inquisitiva e exploratória de novas possibilidades é pecado. Perguntar arguindo o estabelecido é pecado sem perdão. É atentar contra a sacralidade de um Manual Doutrinário que, não importa quando foi estabelecido, nem as circunstâncias históricas em que tal se deu, aceitam que as formulações ali contidas têm a aura da infalibilidade. Um amigo foi fazer um curso de teologia contemporânea dado por uma pessoa recém-chegada com o título de ThD (Doctor in Theology). Ele começou na patrística, foi até Calvino e terminou seu curso. Meu amigo o questionou sobre os teólogos contemporâneos e ele disse que, depois de Calvino, não houveram mais teólogos.
Falar o novo, pensar o diferente, perguntar sobre o estabelecido é garantia de ser rotulado como herege. Herege não é um título que alguém se dê a si mesmo. Encontrar-se-ão milhares dos que se afirmam ortodoxos, conservadores, fieis à Palavra, fundamentalistas. Mas alguém que, sem estar sendo irônico, se caracterize como herege, é algo raro, incomum mesmo. Herege é sempre o outro. Dizer que o outro é herege é um ato de exercício de um pretenso poder de julgar quem é quem e quem está certo ou errado. Neste processo muitos foram sacrificados pelos donos do poder eclesiástico, tanto nas inquisições, como nos tribunais eclesiásticos das igrejas não-católicas.
Se perguntar criticamente sobre a fé e a confissão é ser herege, devo admitir que o sou. Por estar em uma denominação, talvez a única no mundo, que se afirma como não-credal (não temos um credo) e não-confessional (não temos uma confissão de fé), não há lugar para ser herege no seio dela. Nela não há quem tenha a autoridade de dizer: “você está errado”. O máximo que podemos é discordar, dizendo: “eu não penso como você”. Posso até dar as razões pelas quais creio diferente, mas sem acusar ou discutir opiniões.
No seio desta denominação, por isto, se pratica a hermenêutica comunitária, onde todos podem e devem participar da interpretação do texto estudado naquele momento. É no exercício de todos os dons presentes na comunidade que se dá a interpretação consensual. Nela o perguntar é virtude, o discordar é maturidade, o afirmar o que se pensa é essencial.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

FÉ? O QUE É ISTO?

Há enorme quantidade de gente que, perguntada sobre o que é a fé, não hesitariam em responder com a afirmação constante no livro dos Hebreus: “a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem” (Hb 11:1). No entanto, a definição acima traz dificuldades intrínsecas, uma vez que só se aplica às coisas que se esperam e às que se não veem. Interpretada a definição literalmente, não há fé nas coisas passadas e nem nas que se veem.
Se ela só se aplica ao que se espera, como ter fé no Jesus histórico que veio e que é fato do passado? Como crer nos relatos bíblicos da libertação do povo de Deus do Egito, nas pragas, na passagem do Mar Vermelho e outras narrativas do passado? Se são passado, já não são alvo de espera e se não o são, não são objeto da fé.
Como fica a narrativa de Tomé que precisou ver para crer? “Se eu não vir o sinal dos cravos nas suas mãos, e não meter o dedo no lugar dos cravos, e não meter a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei” (Jo 20:27).
Se olharmos para o Antigo Testamento e para as narrativas de fé que ali se encontram, vamos perceber que não há nele um manual de crenças, ou um compêndio de teologia conceitual. Antes, pelo contrário, vamos encontrar uma coletânea de narrativas de fé de que Deus estava agindo na história a favor do seu povo. Parece mais uma página de um diário de fé nos atos de Deus. Criam no Deus da história que faz dela o seu palco revelacional. Deixar de ver nas minúcias dos atos históricos concretos o agir de Deus é cegar-se à revelação.
Pasma-me que os púlpitos e os cânticos em moda nos templos pouco ou nada façam desta leitura do agir de Deus na história hoje. Parece que as prédicas ensinam um Deus que morreu no passado, ou em um Deus catatônico que deixou de agir e está paralisado. Ficou mudo no dia em que, sábios teólogos concluíram quais os livros que fazem parte do cânon e depois disto proibiram Deus de continuar falando e se revelando.
Olham para o passado para encontrar histórias bonitas de como Deus agiu, mas são cegos para o presente e para os atos de Deus na história brasileira, latino americana e mundial do ano de 2016. O Deus mudo e catatônico das modernas pregações se limita a curar enfermos, expulsar demônios e dar prosperidade aos bispos de igrejas gananciosas.
Deus encolheu. Foi exuberante no passado, mas perdeu seu brilho e vigência no século da tecnologia. Como discípulos devemos viver das glórias do passado, ir aos templos que são museus a contar histórias antigas, preservar a memória de um povo, e acreditar que um dia a glória será restabelecida na mesma Jerusalém de antanho. Ele fazia milagres e hoje ... bem .... hoje ... é diferente.
Mais que pregadores, deveriam ser “leitores da história”. Como disse o Karl Barth, um bom pregador é o que tem a Bíblia em uma mão e o jornal na outra. Um iluminando o outro. O jornal trazendo luzes para a leitura bíblica e a Bíblia iluminando o entendimento dos acontecimentos atuais.
Um Deus fora da história é marionete nas mãos de pregadores analfabetos e inescrupulosos.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

SOMOS?

Na narrativa bíblica se conta que Moisés teve o seguinte diálogo com Deus: “Moisés perguntou: Quando eu chegar diante dos israelitas e lhes disser: O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês, e eles me perguntarem: ‘Qual é o nome dele? ’ Que lhes direi? Disse Deus a Moisés: Eu Sou o que Sou. É isto que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a vocês" (Êxodo 3:13,14). A expressão Eu-sou-o-que-sou só pode ser dita por Deus sobre si mesmo. Ninguém mais pode afirmá-la.
Digo isto porque, nós, humanos, não somos um “eu-puro”, um “eu-sou-eu-mesmo”. Somos, sim, a somatória das obediências que prestamos a quem nos deu ordens e formou a nossa forma de ser. Sou a somatória das ordens recebidas e para as quais não tive poder de desobedecer.
Cada um de nós tem algo de si mesmo, mas tem também um monte de coisas que os pais, a família e a sociedade impuseram sobre nós. Ninguém pode dizer “eu-sou-eu mesmo”, “eu-sou-só-eu”. Como já disse Ortega y Gasset, somos nós mesmos e o contexto em fomos criados, as influências que recebemos.
Ainda que haja no português e, mais especificamente no Brasil, a expressão “e-sou-mais-eu”, ela não se refere ao grau de autonomia do eu, mas ao grau de autoconfiança e autoestima que a pessoa tem.
Se somos esta mistura de autonomia e heteronomia (a lei própria e a lei dos outros sobre nós), ninguém pode se arvorar em ser completamente independente das pressões, injunções, constrangimentos e obediências prestadas, ainda que de forma inconsciente ou até mesmo consciente, as circunstâncias não permitem desobedecer.
Assim, o comportamento individual não é só um ato de volição autônomo, mas, antes, um ato de obediência ou rebeldia. A obediência se dá quando o nível de poder não permite outra coisa a fazer senão o que lhe pedem, ensinaram ou a sociedade exige. O nível de desobediência se dá no exercício consciente da desobediência pela avaliação de que se tem poder para enfrentar as consequências. Diante disto, há mais “eu” nas rebeldias que nas obediências.
Isto posto, digo que o conservador é um “ser-sem-opinião-própria” porque repete ad nausean o que lhe ensinaram e não tem a mais mínima possibilidade, em função das coisas que lhe ensinaram e do poder sobre ele exercido, de romper o círculo ideológico que o mantem preso. E quando se trata de um “conservador-religioso” a coisa fica ainda mais complicada porque o poder de quem ensinou as coisas que repete qual papagaio vieram com a aura da infalibilidade, da Vox Dei, e afirmar algo diferente é pecado e passível de condenação eterna. Pensar, refletir e se posicionar autonomamente é desvio da fé, é ser herege, apóstata.
Fica assim proibido o fazer perguntas ao texto sagrado, seja ele Bíblia, Alcorão, Bhagavad gita ou algo assemelhado. Os dissidentes (os que pensam e tem posições autônomas) são infiéis e merecem a morte. Isto explica a guerra entre xiitas e sunitas, entre reformados e pentecostais e neopentecostais. Todos são donos da verdade. E se são donos da verdade, quem não repete e não obedece o que ensinam, merece morte e castigo eterno.
Fica fácil entender porque tantos são mandados ao inferno pelos fundamentalistas, conservadores e assemelhados. Na constelação dos eu não-pensam-mas-repetem, a graça de Deus é heresia, o perdão é abominação e o amor ao inimigo é coisa de louco varrido.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

PERPETUAÇÃO POLÍTICA

Nenhum poder político é natural e inerente. Sempre é concessão via votos, eleições ou, em casos extremos e recrimináveis, via violência do golpe ou pelas “vias constitucionais” (vide exemplo da Venezuela e Bolívia). Nenhum poder político é eterno. Mesmo os mais poderosos imperadores e reis sucumbiram pela morte, deposição ou queda. O exercício do poder democrático é o exercício do diálogo, ao contrário do poder autocrático que é o monólogo de “um-que-tudo-sabe”. Na democracia se busca a maturidade cidadã (ao menos é o que se espera), na autocracia se produz o paternalismo.
Por outro lado, já dizia Maquiavel, que não há posse mais duradoura que a ruína. Quem se torna senhor de uma nação livre e não a destrói, será destruído por ela. O desejo de liberdade não se esquece nunca e ele será o motor para destronar os reis que arruínam a vida do seu povo.
O exercício do poder político se dá sobre um determinado povo e espaço geográfico. Não há controle remoto nesta matéria. Quando os poderosos deixam de cooperar para o bem do seu povo, mesmo que antes o tenham feito, este mesmo povo, anteriormente beneficiado, se levantará contra para recuperar o que lhe foi tirado ou para ampliar o que tem. Quando o povo tem os benefícios e estes se mantêm iguais por um longo período, a insatisfação cresce e o poder político está ameaçado. Eis, assim, o paradoxo: se não dá o que o povo espera, é derrubado. Se dá e se mantém no mesmo nível, o povo se insurge querendo mais.
Como todo poderoso tem o desejo de se tornar eterno no poder e que seu reinado se perpetue na lembrança do povo, precisa ele ser hábil nas concessões e na administração das insatisfações. Ser eterno, eis a questão.
Para que este projeto se realize, precisam conquistar o poder, prometendo ao povo, aos mais necessitados, aquilo que anseiam porque vital para eles: saúde, educação e segurança. Daí porque os discursos de campanha se repetem a cada nova rodada.
Na história recente do Brasil viu-se projetos que esperavam vinte ou mais anos de poder. Se inicialmente produziram alguns benefícios para o povo, enveredam-se por caminhos os mais desastrados possíveis. Assim foi o Sarney com o Plano Cruzado que redundou na hiperinflação (ainda que, dizem as más línguas, ele se eternizou no poder); assim foi com o Collor e sua “caça aos marajás”, que redundou na sua própria caçada e de seu tesoureiro. O FHC com sua ambição produziu o advento da reeleição e, depois de terminar seu mandato, muitos dos seus tinham vergonha de colocá-lo ao lado nas aparições públicas. Assim foi com o PT: do “Fome Zero” para o Mensalão e Petrolão.
Muito se fala que o povo não sabe votar. Isto é verdade em parte. Muitos dos corruptos, dos malandros, dos propineiros não conseguiram se eleger ou se reeleger. Ficaram pelo caminho. Partidos há que encolheram, perdendo votos, prefeituras e representação nas Câmaras Municipais. O PMDB encolheu 12,5% e o PT bateu os 60,9%. Como toda regra tem sua exceção, o PP, todo enrolado com a Lava Jato, manteve-se praticamente igual: -0,1%.
Houve significativa renovação nos quadros políticos, o que dá certa esperança de que gente nova terá novos hábitos e nova forma de fazer política. E assim deve ser, haja visto a alta taxa de abstenção, votos nulos e em branco. Somados, pode-se entender como uma nota Zero para a classe política.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

MUDANÇAS À VISTA?

Atribui-se a Churchill a frase de que a democracia é um péssimo sistema de governo, mas ainda é o melhor que conhecemos. Tenho que concordar com ele, especialmente quando se considera que a democracia é feita por eleições baseadas no poder aquisitivo dos candidatos, o que permite maior exposição e chance de ser lembrado na hora do voto.
Com as mudanças havidas na legislação brasileira impedindo a doação de empresas, estabelecendo teto de gastos segundo as cidades, fazendo o cruzamento dos dados de arrecadação com o CPF dos doadores, algo mudou na forma eleitoral brasileira. No entanto, ainda não são mudanças radicais, haja visto que o ex-prefeito de Campinas, que tem seus direitos políticos cassados, apresenta-se como candidato e consegue manter a candidatura sabe lá Deus como.
Neste novo modelo de arrecadação via contribuição de pessoas físicas, já se sabe que muitas maracutaias foram feitas e que mais ou menos 30% das contribuições são questionáveis: mortos doando, gente com bolsa família doando, funcionários de prefeituras doando o salário integral, um candidato do Paraná que deu para a sua campanha mais do que todo o seu patrimônio declarado.
Acredito que mais maracutaias aparecerão. Explico-me com este exemplo. Na minha declaração de Imposto de Renda do ano que vem não declaro nenhuma contribuição partidária ou para algum candidato. Se algum candidato, inescrupulosa e sorrateiramente, usou meu CPF para declarar alguma contribuição, a Receita virá por cima de mim. Como provar que não dei? Se fosse para provar que dei, teria um recibo. Como não tenho como provar a inexistência, corro o risco de ser tributado pelo que não doei.
Com estas que já apareceram e outras que aparecerão, com candidatos semi ficha suja (estão condenados em primeira instância), com verdadeiros 171 se apresentando como éticos e probos e com poder de fogo na mídia, com vereadores carregados de assessores pagos com dinheiro público, prefeitos com centenas de cargos comissionados a garantir votos próprios, dos familiares e na cabala, fica difícil haver uma mudança radical no cenário político municipal.
Há que considerar-se ainda que os deputados estaduais e federais se envolvem de cabeça nesta eleição, porque dependem dos vereadores e prefeitos para conseguir votos nas suas respectivas eleições.
É verdade que o terremoto que se abateu sobre a classe política, especialmente sobre o PT, PP e parte do PMDB, fez com que houvesse um rearranjo de forças, especialmente nas eleições dos prefeitos das capitais. Estas mudanças implicarão em um novo arranjo político na macro política, ainda que não se deve desprezar a capacidade dos profissionais do voto de se articularem para sempre estar por cima. São surfistas do poder: sempre pegando a onda.
Tenho esperanças, mas prefiro ser realista. Haverá mudança, mas não no tamanho que a população espera e nem na medida que se precisa ter. Mas, antes algo que nada!!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

MUDARAM A MOSCA, MAS …

Sai uma, o Eduardo Cunha, mas o monte permaneceu. E a mosca que o substituiu tem o mesmo DNA da mosca antecessora.
A certeza veio da maracutaias celebrada na segunda-feira próxima passada, com as bênçãos do Rodrigo Maia e do Renan, para a aprovação, por baixo dos panos, de um projeto de lei prá lá de safado: anistiar deputados que fizeram caixa dois nas campanhas. Por ser beneficioso, a sua aplicação pode ser retroativa. E todos os desmandos das campanhas seriam colocados neste item.
O argumento do “caixa dois” foi o que se usou para diminuir a culpabilidade e a pena dos envolvidos no mensalão. Se o dinheiro usado é lícito e de boa origem, por que o esconder com subterfúgios contábeis? A quem interessa esconder os recebimentos e pagamentos? Quantos ficaram ricos com as “sobras de campainha”?
A prevalecer esta maracutaia, as doações com propina feitas aos partidos e candidatos, serão “caixa dois” e anistiadas por lei feita de encomenda e para benefício dos próprios legisladores. É o criminoso se inocentando por sentença auto-proclamada.
E quem estava neste rolo? A julgar pelas notícias que vieram à luz, parece que quase todos os partidos, representando os impolutos deputados e senadores que se valeram e ainda se valem dos descaminhos para se reeleger. Com estas artimanhas e patranhas, percebe-se e sabe-se hoje porque é tão difícil renovar a Câmara e o Senado. Além do salário, tem as verbas mil, e um monte de aspones para sair a campo e trabalhar a candidatura do chefe, forma de garantir a continuidade no emprego. Concorrer com eles, sem as verbas, a visibilidade na televisão pública, sem a capacidade de legislar em causa própria, renovar é tarefa tão hercúlea quanto carregar o mundo nas costas.
Espetáculo de igual fedentina se deu e se concretizou no fatiamento da votação do impeachment. A artimanha engendrada nos bastidores e negociada com o presidente do STF (a julgar pelo que se descobriu e noticiou). Ele foi chamado de ato vergonhoso por um ministro do próprio STF e de algo estranho por outro.
Quando a Justiça Eleitoral, que já a chamei de ELENTOral, começa a dar sinais de que está se modernizando e usando dos meios eletrônicos para flagrar em tempo real as maracutaias de candidatos à eleição e reeleição; quando, antes mesmo do pleito, já se flagrou defunto doando para candidato; beneficiário de bolsa família contribuindo regiamente para as campanhas de candidatos e nem conhecem; quando um deles deu para sua campanha mais que todo o capital que diz ter; quando vídeos mostram “pastores” em meios cultos, pedindo votos e orações para os candidatos por eles indicados; quando religiosos 171 se apresentam como ovelhas beatificadas, mas manchadas por processos de apropriação indébita e ações de despejo; quando a população tem participado denunciando a propaganda eleitoral irregular, a manobra dos deputados nesta segunda é deplorável, vergonhosa e digna de mafiosos.
A nota de destaque positiva é que, diante do clamor popular, ou diante do medo do clamor popular, a votação foi retirada de pauta. Uma vitória temporária, porque, com certeza, aparecerá como emenda jabuticaba em alguma medida provisória, tal como já ocorreu inúmeras vezes.
Cabe a nós população vigiar e orar, porque os ladrões nos assaltam a toda hora. Se antes se dizia que não se sabe a hora em que ele vem, agora se sabe que a cada sessão da Câmara ou do Senado ou de ambas no Congresso.

Marcos Inhauser

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

NÃO SOUBE PARAR

Em viagem, passei o dia de sábado em quarto de hotel, com chuva e vendo o desenrolar das coisas no Senado. Ouvi cada pergunta e cada resposta. No domingo li o que eu pude sobre o processo de impeachment, ouvi programas específicos com especialistas e análises. Nesta segunda, assim que voltei ao hotel, tive a pachorra de ouvir na íntegra o discurso da Dilma, assim como peguei algumas das respostas que a Dilma deu às perguntas de senadores.
Há neste processo algumas coisas que quero salientar e comentar nesta coluna. A primeira é que, passados vários meses insistindo no mesmo discurso de golpe, os aliados da presidente não conseguiram reverter um só voto. Isto ficou claro na votação para a admissibilidade do processo e na votação na comissão. A proporção foi a mesma.
A segunda é que, no que pese todo o esforço feito, pouca ou nenhuma explicação plausível foi dada para os fatos apontados e denunciados. A tese do golpe foi repisada mil vezes, sem que nenhuma novidade fosse adicionada. Como diria o Einstein (ao menos é a ele que se atribui a frase): nada mais idiota do que esperar resultados diferentes fazendo sempre as mesmas coisas. Foi o que ela e seus aliados fizeram.
A terceira é que a tropa de choque no Senado foi histérica e histriônica. As atitudes, os comportamentos e as atuações das senadoras Gleisi e Graziotini, e do senador Lindenberg foram causadoras de uma atitude de defensiva e recusa de qualquer possibilidade de se dialogar.
A quarta é que não se esperava que a presidente fosse pessoalmente ao Senado se defender. Ela o fez. E o seu discurso lido foi um posicionamento claro, coisa não comum nas falas da presidente. Se ela tivesse parado e ficado nele, teria conseguido desmontar muita coisa. Ela, no entanto, cedeu à tentação de responder às perguntas. Aí a coisa se complicou.
Eu me explico. Se ela tem alguns neurônios na cabeça e se tem ouvidos para conselhos, deveria ter feito o discurso e se retirado. Ela sabe e todos sabem que a votação está definida. Ela sabe e todos sabem que não vai se reverter o resultado previsto do processo. Se ela sabia que não mudaria os votos e o resultado, porque insistir em responder perguntas? Será que havia nela e no grupo a veleidade de que poderiam mudar as coisas? Se ela tivesse denunciado que estava ali em um julgamento que já havia se definido há tempos, por que ela não acentuou a característica de jogo marcado do julgamento?
Teria marcado posição, teria feito um discurso para a história e deixaria a sala se recusando a participar de uma coisa pró-forma. Teria sido mais contundente se recusasse a responder aos questionamentos. Do bom discurso inicial ela passou a um péssimo desempenho ao responder as perguntas, assumindo o tom arrogante, professoral e a insistência nas expressões “eu acho”, “estou convencida”. Nada de mea culpa para uma recessão de magnitude nunca antes vista, para a insistência em manter o eterno ministro das desgraças econômicas, o responsável pela “contabilidade criativa” (Mantega, que não está sendo julgado pelas lambanças que fez). Nenhuma menção a Lula, ao PT, aos apoiadores enrolados com a justiça (Lindenberg, Gleisi, Wagner, Mercadante, Lula, Humberto Costa, e outros mais).

Ela não soube parar. Falou mais do que devia e a sobriedade e sabedoria ensejavam. Foi verborrágica de uma tese só: repetitiva e irritante.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

QUANTO CUSTA UMA MEDALHA?

Havia me proposto a não falar das Olimpíadas porque, diante da profusão de notícias, comentários e críticas, eu seria repetitivo. Mas, cedo à tentação. Li no site da UOL que cada medalha que o Brasil ganhou custou R$ 194 milhões. O levantamento considera os investimentos diretos feitos por estatais, isenção, loteria, Forças Armadas e Ministério dos Esportes no período compreendido entre Londres e Rio de Janeiro.
Será este o único investimento? Estive em Seul alguns anos depois da Olimpíada e visitei algumas das construções feitas para as Olimpíadas de 88, assim como visitei as instalações de Beijing. Uma das coisas que ouvi nas duas cidades de moradores delas é que os complexos olímpicos se tornaram elefantes brancos.
Penso também no que custa uma medalha em termos de sacrifício pessoal. Inúmeros foram os que salientaram o tempo que estiveram afastados de suas famílias, da privação de muitas coisas, para que pudessem chegar onde chegaram. Michael Phelps, Usain Bolt, as duplas Diego e Nory, Jader e Flavinha, Alison e Bruno e muitos outros falaram, alguns com lágrimas, o quanto se esforçaram e sofreram (literalmente) para conseguir algo.
Virou bordão (ao menos na Globo) que a dor é o uniforme do atleta olímpico. As marcas de ventosa no ombro do Phelps, os muitos esparadrapos para enganar músculos doloridos, as baixas por contusões, os acidentes (Annemiek van Vleuten, ciclista que capotou na curva; Samir Ait Said que quebrou a perna ao saltar, e outros) provam que não falavam irrealidades. De um total de 11.544 atletas que participaram, quase 10% deles tiveram lesões. Os relatórios médicos das 92 delegações nacionais, revela que a metade dos 1.055 atletas que se machucaram durante a Olimpíada tiveram problemas nas pernas ou nos pés e outros 100 sofreram com contusões na cabeça. O boxe, o futebol, handebol, o hóquei, o tae-kwon-do e o levantamento de peso foram os que mais lesionaram atletas.
Para os que “chegaram lá”, será que vale a pena, se se considera a quantidade de dores sofridas e que, na quase totalidade dos casos, os acompanhará pelo resto da vida? O prazer de mostrar uma medalha compensa o sofrimento atual e futuro?
Fico a pensar que um dos charmes das Olimpíadas é a quebra de recordes. No entanto, um dia eles acabarão. O ser humano chegará ao seu limite. Depois, o que se terá, será a manutenção do que já se conseguiu? Será que alguém, algum dia, pelo uso tão somente de suas forças e músculos, conseguirá baixar o que já se conseguiu nos 100 metros rasos, ou nos 200 metros. Será que o recorde mundial do Cielo poderá ser superado? Quando o for, sobrará qual motivação para os atletas? Se não há mais chance de quebrar recordes, para que servirão as Olimpíadas?
É verdade que os esportes promovem o congraçamento dos povos e que as Olimpíadas se constituem em evento ímpar para isto. No entanto, deve-se pensar que isto se faz em clima de competitividade, de subliminar mensagem de superioridade desta ou daquela nação. Não fosse isto, por que a Rússia teria investido tanto em dopar seus atletas? Por que o “quadro de medalhas” é tão cobiçado e divulgado? O que dizer da música, da poesia, da literatura? Seria o caso de se ter eventos mundiais para estes segmentos?
Marcos Inhauser

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

NEYMAL E NEYMARTA

Sou leigo em futebol, mas sei quando um jogador está abaixo da média ou jogando mal. Não preciso de comentaristas esportivos para dar meu diagnóstico, ainda que os ouça e leia para me certificar da avaliação que faço. Assisti aos dois jogos da seleção olímpica e fiquei irritado. Ainda mais com as explicações dadas: “jogamos bem, só faltou a bola entrar”. Há tempo venho atravessado com o Neymar. Ele me faz lembrar algo que ouvi no Peru sobre o Alan Garcia: “ele é pomada, só serve para uso externo”. Ele me dá a impressão de que só joga no Barcelona e aí me pergunto: será que joga porque tem bom meio de campo para lhe dar bolas açucaradas e companheiros como Messi e Suarez para azeitar as coisas? Porque, até hoje, e até onde minhas lembranças alcançam, ele não teve nenhuma atuação destacada e brilhante jogando pela seleção? A camisa amarela pesa? Mais que isto: porque, de forma irresponsável, se envolveu em encrencas que o tiraram dos jogos da seleção. Não gostava do Dunga? Ou a seleção não faz parte dos seus planos? O seu descontrole ao final da última partida, na condição de capitão da seleção, é porque estava emocionalmente comprometido ou algo pensado e executado para cair fora dos jogos e do certame, tal como ocorreu na Copa América? Ainda não entendo como uma pessoa que teve uma vértebra fraturada com uma joelhada nas costas, pôde, poucos dias depois, estar à beira do campo pulando e torcendo pelos companheiros. Ele se livrou por sorte do 7 x 1 ou já sabia algo de antemão? Como não censurar quem deixou a seleção por expulsão e no mesmo dia estava em balada com os amigos? Como um craque como ele, jogando pela seleção, erra tantos passes, perde tantas bolas e não dá um chute certeiro quando bate falta? Que tenha um dia de baixa, se entende. Mas ter 180 minutos e não fazer nada é suspeito. Como dar a ele a condição de capitão se já mostrou que é esquentado e, de forma irresponsável, arruma confusão. Pode um capitão, no que pese a força de um contrato, sair sem dar uma palavra à imprensa, nem ao término da partida, nem depois do jogo? Quando a torcida comparou Neymar à Marta não estava ironizando. Ela percebe a diferença de postura, atitude e comportamento entre ambos. Do lado da Marta sobra humildade, empenho, compromisso e qualidade. Os muitos memes, as muitas piadas e a repetição do coro pedindo a Marta na seleção masculina quando do jogo contra o Iraque, mostra que o Neymar está Neymal. Ela já foi escolhida cinco vezes como a melhor do mundo e com todos os méritos. Ele nunca o foi e se continuar assim nunca será. O que a torcida espera é que o Neymar deixe de ser o incensado, badalado e alçado à condição de maior estrela do futebol brasileiro. Deixe de ser Neymal e passe a ser um Neymarta: aprenda com ela a jogar em equipe, ser sério, comprometido, humilde e menos baladeiro. Marcos Inhauser

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

NUMEROLATRIA

Chama-me a atenção como as igrejas e os membros delas estão obcecados pelos números. É só perguntar a alguém qual a igreja que frequenta e, invariavelmente, dará o nome da igreja e em seguida emendará alguns números: “temos um templo para 8.000 membros”, “nossa igreja tem 17 pastores”, “recebemos 154 pessoas por batismo no domingo passado”, “a arrecadação da nossa igreja tem uma média de R$ 250.000 por mês”, “temos 345 grupos familiares”, “tivemos um culto abençoado e 87 pessoas foram à frente se decidindo por Jesus”, “nossa igreja sustenta 12 casais de missionários nos campos”, “estamos construindo um templo para 10.000 mil pessoas”, “fazemos a oração dos doze apóstolos”, “impetramos a benção dos 318 servos poderosos”, etc.
Cada qual quer impressionar com a grandiosidade dos números apresentados, como se a pujança e o vigor de uma comunidade estivessem nos números que apresenta. Eles avalizam a prática ministerial, teológica, programática e doutrinária da igreja. É um tipo de “os números validam a prática”. Quanto maiores forem eles, mais acertada estará a comunidade no seu entendimento da vida religiosa.
Ao anunciar um convidado especial, fazem 1questão de dizer que o mesmo é pastor de uma igreja de tantos mil membros em algum local desconhecido, de preferência no exterior. Dá mais autoridade ao convidado e a quem o convidou. Há pouco tempo fui buscar um amigo que participava de uma convenção dos numerólatras. Com voz triunfante anunciavam que há menos de 10 anos tinham começado com 55 pessoas reunidas e que naquele momento estavam com 2.300 pessoas na atual convenção. E desafiavam a todos para que, no próximo ano, chegassem a 5.000.
A busca dos números superlativos para uma comunidade se transformou em uma idolatria. Eles são a certeza da benção, da garantia do acerto da prática ministerial. Eles validam qualquer prática, desde que os templos estejam cheios. Grupos pequenos são sinônimo de fracasso.
Certa feita, convidado a pregar em uma igreja que nunca tinha visitado, tive o pastor da Igreja afirmando que a certeza de que Deus estava no meio deles era que havia gente até do lado de fora do templo. Não aguentei. Mudei o sermão: “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei”. Afirmei que só podia garantir a presença de Deus, segundo as Escrituras, quando dois ou três estivessem reunidos em Seu nome. Mais que isto era temerário. Não preciso dizer que nunca mais me convidaram para pregar naquela igreja.
Arrecadação, frequência, membresia, programas, festas, cultos especiais são o alvo maior porque se pode contar e propagandear as façanhas. Comunhão, serviço ao próximo, ajuda ao necessitado, visitas aos enfermos, apoio ao que sofreu perdas significativas, não dão Ibope. Muitos frequentam esta ou aquela igreja porque não precisam se envolver. Vão, assistem, e saem. Outros frequentam esta ou aquela igreja e fazem questão de colocar um adesivo no carro, porque aquela igreja tem grife, tem números!
Seria a ênfase nos números uma necessidade para que uma comunidade se caracterize como igreja? É o número dos que frequentam que validam a existência? É o tamanho do templo a garantia de que se está em um local sagrado? São os 45 minutos de louvor que fazem um culto ser uma benção? É o número de músicos à frente o que abençoa?

Se na antiguidade se condenava o deus mamon e o da fertilidade, hoje se deve combater o deus da grandiosidade e dos números.
Marcos Inhauser