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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A CONTRIBUIÇÃO DA TEOLOGIA DA PAZ

Em minha última coluna, na qual questionava a extensão e protagonismo da Reforma Protestante de dos Reformadores Lutero e Calvino, colocava a participação essencial da Reforma Radical, que produziu o movimento Anabatista. Salientava as inúmeras contribuições que a teologia anabatista fez para a igreja ao redor do mundo, algumas delas que são hoje verdades inquestionáveis (separação da Igreja e do Estado, a Igreja como associação espontânea e não por decisão autoritária, entre outras).
Adiciono outra contribuição anabatista, para mim, da mais alta importância: a teologia da paz. Há que se recordar que Lutero, ao ser excomungado e perseguido, refugiou-se e foi sustentado pelo rei Federico o Sábio, quem o levou para o Castelo de Warburg e ali o refugiou. Calvino escreveu suas Institutas de Religião Cristã e as dedicou ao rei Francisco I. Tanto um como o outro nunca se posicionaram contra a “guerra justa”, como se alguma o fosse justa.
Os anabatistas foram, como não poderiam deixar de ser dada sua radicalidade, veementes na condenação da guerra, não aceitando que nenhuma delas fosse justa, por mais razões que se apresentem. Dois motivos podem ser apontados para este posicionamento radical: a compreensão literal dos ensinamentos de Jesus com a obediência radical dos seus discípulos e a situação política vivida por eles. Deve-se recordar que, minoritários em um contexto amplamente contrário às suas teses, perseguidos e empobrecidos pelas constantes mudanças, fugas e expropriações, não poderiam, sob pena de suicídio coletivo, pregar o uso da violência como forma de se resolver conflitos.
É verdade que houve a Guerra dos Camponeses, liderada por Thomas Muntzer, que se declarava anabatista, mas que não era reconhecido como tal pelos líderes sobreviventes e hoje se tem consenso de que sua inspiração para a fomentar a guerra não eram os ideais anabatistas. Pelo contrário, muitos dos grupos perseguidos encontraram guarida em outros locai, foram amparados por reis mais condescendentes e uma razão para isto era o caráter laborioso e pacífico dos anabatistas.
Como decorrência deste seu postulado pacífico e pacifista, também se dedicaram ao estudo e à prática de processos de resolução de conflitos e mediação, sendo hoje reconhecidos como grandes autoridades no assunto. Projetos de pacificação social, de reconciliação entre vítimas e ofensores, de resolução de conflitos familiares, eclesiais, laborais e de vizinhança se multiplicam por todo o mundo sob o impulso das igrejas anabatistas.
No desenvolver e amadurecer destas ideias pacíficas e pacificadoras, aos anabatistas se valeram em grande escala da interpretação literal e contextualizada do sermão das Bem-aventuranças, também conhecido como Sermão do Monte. Vários estudiosos, teólogos e leigos trouxeram significativas contribuições para os textos das Bem-aventuranças, especialmente os relacionados ao andar a segunda milha, dar a outra face, ter fome e sede de justiça no sentido de ser justo e não permitir que a injustiça seja praticada, ser misericordioso e manso, etc. A tal ponto a contribuição atravessou fronteiras que hoje, um dos maiores expoentes da não violência e da aplicação radical das Bem-aventuranças é um sacerdote católico, John Dear, já nominado certa feita para o prêmio Nobel da Paz.
Lembremos que Jesus foi anunciado pelos anjos cantando “paz na terra” e que se apresentou depois da ressurreição dizendo “paz seja convosco”. Se recordarmos que na Bíblia a palavra paz” aparece 9.480 vezes na Bíblia, sendo 7.965 vezes no Antigo Testamento e 1.515 vezes no Novo Testamento. Diante disto, a insistência do tema no meio anabatista mostra uma faceta extremamente bíblica do movimento.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A REFORMA FOI SÓ ISTO?

Por pura pachorra, li um monte de artigos sobre a reforma, escritos nestes dias. A profusão deles se deve ao fato de que se está comemorando os 500 anos do movimento consolidado com Martinho Lutero e depois seguido por outros reformadores. No entanto, ao ler os artigos, uma questão me perturbava e uma certa indignação tomava conta de mim.
Tive a impressão de que estudei em outras fontes das que os escritores se basearam suas afirmações. A quase totalidade dos artigos não citava os pré-reformadores, gente que, em várias partes e locais, foi construindo um novo pensar que se consolidou na atitude de Lutero. Não havia uma só palavra sobre os Albigenses ou Cátaros, Valdenses, João Wycliffe, os Lolardos, João Huss, Savonarola
Muitos dos autores dos artigos que li louvava a coragem e lucidez do bispo alemão, falavam de Calvino, o reformador de Genebra e pouco ou nada falavam do terceiro reformador, o de Zurich, Zwínglio. Nada, absolutamente nada sobre a Reforma Radical, também conhecida como movimento anabatista. O anabatismo surgiu com a Reforma do século XVI, com a pregação da liberdade de consciência, a negação da guerra definindo-a como pecado, a negação do uso da violência, a dessacramentalização dos sacramentos, o batismo como ato de fé consciente, o sacerdócio universal de todos os crentes (diferindo da visão luterana), a prática da hermenêutica comunitária. Estas posições eram diferentes e críticas a LuteroCalvino e Zwínglio que mantiveram o baptismo infantil, a vinculação da igreja ao Estado e os sacramentos .
Georg BlaurockConrad Grebel e Félix Manz ansiavam por uma reforma mais radical e estabeleceram suas convicções no dia 21 de janeiro de 1525, fazendo-se rebatizar em local próximo a Zurique, na Suíça. Perseguidos pelos reformadores, Igreja Católica e reis, o movimento se espalhou pelo sul da Alemanha, Vale do Reno e Países-Baixos.
Percebe-se que a igreja moderna muito deve aos anabatistas. Foi com eles que nasceu a convicção de que a Igreja não pode se vincular ao Estado, a noção de Estado Laico tão cara ao movimento protestante, sem que lhe seja dado o devido crédito. A eles se deve a negação da guerra como forma de se promover a justiça e a paz, a eles se deve o conhecimento sobre as práticas de negociação e mediação em conflitos.
É verdade que nem tudo nos Anabatistas é louvável. Houve a figura de Thomas Muentzer que pegou em armas e liderou a guerra dos camponeses, houve quem, no arroubo de sua crença impediu a realização de batismos infantis. Mas também há coisas nada louváveis em Calvino, Lutero e Zwínglio e seus seguidores. No campo teológico, se se quer ser honesto, o anabatismo nunca produziu um sistema teológico próprio, mas se dedicou à eclesiologia, tomando conceitos emprestados de outros pensadores. Isto se explica pelas ferozes perseguições que sofreram, forçando-os a se mudar constantemente, sem contar a infinidade de líderes mortos.

Com isto, afirmo que a Reforma Protestante começou muito antes de Lutero, e foi muito além de 1516, pois teve frutos duradouros, mesmo com que perseguição e quase dizimação do movimento anabatista. Aos escritores dos artigos sobre os 500 anos da Reforma Protestante, sugiro que releiam os livros de história e se informem sobre o Anabatismo. Aos que promovem o culto da Reforma, sugiro que pensem que os Anabatistas também são reformados, no que pese as críticas de Calvino, Lutero e Zwínglio, todas fruto da reação às críticas que receberam.
Marcos Inhauser

terça-feira, 3 de abril de 2012

A REFEIÇÃO RELIGIOSA


Não é nenhuma coincidência que a celebração cúltica máxima nos tempos do Antigo Testamente seja uma refeição e, de igual forma, no Novo Testamento. Todo o calendário litúrgico da religião judaica estava e ainda está voltada para a celebração anual da Páscoa. A esta celebração Jesus subiu a Jerusalém, assim como muitos faziam em Israel para, no templo, participar da festa que conferia identidade e integridade nacionais.
Todo judeu devia, ao menos uma vez em sua vida, participar desta festa na cidade santa.
A centralidade e importância desta refeição comunitária se devem ao fato de ter sido ela instituída quando o povo ainda estava no Egito, em escravidão por mais de quatro séculos, e que, depois de nove pragas, são orientados a matar um cordeiro, vestir-se para viagem, sandália aos pés, porque iniciariam a peregrinação para a liberdade, conhecida como Êxodo. O sentido de comunhão estava evidente no fato de que todos da família, inclusive as crianças, deviam participar. Se o cordeiro fosse muito para uma família, vizinhos deviam ser convidados para que juntos dele comessem e assim desfrutassem da experiência do convívio celebrativo da libertação.
A celebração tinha ainda o caráter rememorativo e educativo, pois, quando os filhos perguntassem por que celebravam a Páscoa, os pais deviam contar a história da escravidão no Egito e como o povo foi libertado. Além de educar, também tinha o objetivo de evitar que os judeus fizessem com outros povos o que o Egito havia feito com eles.
Já no Novo Testamento a centralidade da Eucaristia não é menor, nem diferente o seu objetivo. Cabe ressaltar que Jesus não deixou para Sua igreja a Bíblia, nem o templo, nem um manual de doutrina, nem rituais definidos e demarcados. A única coisa que Ele deixou foi a Eucaristia ou Santa Ceia. Ressalte-se ainda que, no Seu ministério e muito mais depois da Sua ressurreição, ele ceou com seus amigos, inimigos e apóstolos.
Ele instituiu a Ceia como forma de comunhão e celebração rememorativa, tal como se devia fazer na Páscoa. “Fazei isto em memória de mim” e “porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes deste cálice, anunciais a Sua morte até que ele venha”. Memória do Seu sacrifício e morte libertadora, assim como na Páscoa a morte do cordeiro era libertadora.
Há entre católicos e protestantes divergências quanto ao significado da Eucaristia. Mesmo entre os protestantes não há consenso, havendo os que a consideram sacramento e os que a veem como memorial.
Pessoalmente, seguindo a tradição anabatista, creio que a Eucaristia é compreendida pela lavagem dos pés, pela refeição comunal e pela celebração recordatória do comer do pão e beber do cálice e que, a participação nesta celebração é meio de graça (aqui deixo de ser anabatista e sou calvinista). A Páscoa não é um fim de semana prolongado para que se possa ir à praia ou viajar. É a celebração da intervenção divina na história, sempre para nosso benefício e salvação.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Igrejas Históricas da Paz

Volto, depois de dez anos, à República Dominicana, país que já visitei mais de vinte vezes, em função de trabalho de educação teológica que aqui realizei, sendo diretor de um seminário. À primeira impressão, parece que muita coisa mudou, pois novas avenidas, viadutos e túneis se abriram para escoar o tráfego e os cortes de luz parecem menos freqüentes e mais curtos.

No entanto, quando entro pelo país adentro, especialmente indo em direção ao Haiti, percebo que as coisas continuam iguais ao que era e, talvez, em alguns lugares, ainda mais complicado. No domingo estive em um Batei (vila de haitianos ilegais que vem à República Dominicana para trabalhar nos canaviais) e conclui, falando com as pessoas, que as coisas continuam iguais e talvez piores. Hoje vou a outro Batei onde os moradores viviam do trabalho do corte da cana e que já não tem o que fazer porque a usina fechou. Sem trabalho e na condição de ilegais, não podem sair da vila onde vivem, com medo de serem capturados pelas autoridades.

Neste contexto, as Igrejas Históricas da Paz (Irmandade, Menonitas e Quáqueros) se reuniram para convocar uma Conferência que busque ações concretas para reduzir a violência, no marco da Década para Redução da Violência. A tarefa é hercúlea, as formas de violência são múltiplas, mas algo se deve fazer, ainda que seja plantar grãos de mostarda.

Historicamente estas três igrejas tem se dedicado a elaborar uma teologia da paz e a buscar formas concretas de implementá-la. Representantes destas igrejas foram responsáveis por várias ações mundiais de denúncia da guerra, qualquer que seja, como pecado. Muitas ações foram desenvolvidas para os objetores de consciência (jovens que se negam a servir ao exército por razões de consciência), formas alternativas de serviço durante a guerra (criou-se um hospital em San Juan, Porto Rico para atender aos feridos de guerra e os que lá serviam não seriam chamado às armas). Também há forte mobilização entre os membros das Igrejas Históricas de Paz pelo desarmamento das nações e pessoal. Membros destas Igrejas tem se notabilizado por serem estudiosos das técnicas de resolução de conflitos e mediação, tendo, inclusive cursos universitários voltados ao tema e vários trabalhando para a ONU e na mediação de conflitos internacionais.

A Conferência que agora se convoca tem por objetivo reunir estas experiências pela paz na América Latina, coordenar ações e disseminar a teologia da paz entre outras igrejas e movimentos, de tal forma que a paz deixe de ser sonho e se torne realidade nas ações diárias das pessoas.