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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

NA RESSACA DO NATAL


Acaba mais uma celebração de Natal. Os mais puristas dirão que lá se vão mais de dois mil anos de celebrações. Outros, mais atentos e analíticos, questionarão, considerando que não há indícios de celebração do Natal nos primórdios da Igreja e que mesmo a data do nascimento nunca se conseguiu precisar e o que se celebra é uma convenção.
Há quem coloque o início das celebrações no século IV, a partir da figura de Nicola, nascido em Pátara – Ásia Menor, figura reverenciada por diferentes tradições cristãs. Com idas e vindas na história de Nicolau, que acabou virando santo e bispo de Myra, a tradição de São Nicolau, que envolvia o distribuir presentes na noite de natal, se expandiu pela Europa no século XII. Quinhentos anos depois, os holandeses levaram esta tradição aos Estados Unidos, e também se difundiu por toda a América Latina.
Inicialmente Papai Noel distribuía os presentes montado em um cavalo. Mais tarde o escritor Clement Moore  colocou o São Nicolau em um trenó puxado por renas. Mas foi a Coca-Cola quem, em 1931, fez uma campanha natalina, onde o personagem ganhou roupa vermelha, barba e enorme barriga.
Muito se escreveu criticando esta celebração do Natal onde o Papai Noel tem maior importância que o nascido, onde os presentes falam mais alto que a mensagem do nascimento de Jesus, a comilança toma espaço da fraternidade.
Há, no entanto, algumas coisas que devem ser consideradas depois que a festa acaba. Não há na cultura brasileira e, quiçá, na cultura ocidental, outro evento social que produza mais encontros familiares e de conhecidos, que promova mais tempo à mesa, mais confraternização, mais generosidade, mais perdão que o Natal. Que outro momento se tem tanta gente saindo de suas casas para visitar pais e parentes, para ter um tempo em família? Que outro evento provoca mais tempo à volta de uma mesa para uma refeição comunal? Talvez alguns citem o Thanksgiving estadunidense, mas ele tem um demérito: parte da tarde todos se sentam à frente da televisão para ver o Super Bowl. No Brasil e América Latina nem futebol tem. A televisão é de uma pobreza indescritível e o melhor é ficar conversando que ver o que passam.
Que outro evento produz mais giro no mercado, mais movimentação nas lojas, mais generosidade nos presentes, mais empregos, mais desejos de felicidade mesmo expressos a desconhecidos? Que outro evento produz mais gente engajada em solidariedade distribuindo presentes e comida aos mais necessitados, cânticos corais com apresentações nos mais variados espaços? Que outro evento inspirou tantos compositores a compor músicas, algumas que são obras primas da humanidade, como, por exemplo, o Aleluia de Haendel?
É verdade que houve quem bebeu e se excedeu no Natal. É verdade que tem gente de ressaca hoje. É verdade que tem gente que vai levar alguns meses para pagar os presentes que comprou e outros a comida que colocou sobre a mesa. Mesmo assim, nunca vi alguém reclamar da celebração do Natal. Há algo de mágico nele e sua comemoração. Tenho para comigo que o mágico é a mesa. O comer juntos é a prática mais antiga da humanidade. Já li o Yuval Harari, o Reza Aslam, o Domenico de Masi em suas incursões sobre a história da humanidade. Não vi neles uma ênfase no comer juntos como elemento formador da comunidade, ainda que isto seja tão antigo como o ser humano. Comer juntos é compartilhar, é dar do que se tem, é beneficiar o outro com o alimento. Isto também se faz no Natal e assim se retoma a prática mais antiga da humanidade!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

ESPERANÇA SOLIDÁRIA

Se há uma coisa que todos temos na virada deste ano é a esperança. É verdade que toda regra tem sua exceção e a chacina em Campinas foi a ação de um desesperançado.
Depois de um ano cheio de sobressaltos e apertos, muita gente querida morrendo, nada mais lógico e natural que querer de que este novo ano nos dê a esperança de que será melhor. No entanto, a esperança é subversiva. Ela faz uma crítica ao presente e pensa o amanhã diferente. Ao questionar o presente, os que dele tiram seu proveito, especialmente pelas vias escusas da propina e corrupção, se sentem ameaçados. Usam dos meios que dispõem para preservar o status quo, seja promulgando leis que só atendem aos seus interesses ou prolatando sentenças monocromáticas que permitem a um preso sair da cadeia para tomar posse como prefeito ou vereador.
Se a sociedade permanece alienada e não reage a estas situações, por melhores e mais bem fundadas que sejam suas esperanças, elas se tornarão em desesperança a curto prazo. Para que a esperança prospere, temos que levar em conta que os atos de esperança não estão fundados na análise dos passos pretéritos, no que fiz ou fizemos ontem. O que move para a concretização é a visão do futuro, a qual gera a dinâmica de atuação no presente. É a u-topós que se busca, no melhor sentido do ainda-não-dado, a utopia.
Por paradoxal que possa parecer, são os que mais sentiram a desesperança os que têm maior força e vitalidade na construção da esperança. Ela não é construída pelos que estão acomodados com o presente, pelos abonados ou alienados. Só os que sentiram na carne a fome, a injustiça, a opressão, a malandragem, a extorsão, podem dar musculatura e ossos à esperança. Conservadores não têm esperança porque ela é o amanhã e eles só querem preservar o hoje. Conservadores estão contentes com o que têm, mas os desesperançados não querem continuar a viver nesta condição. Daí a semente da esperança e da u-topia.
A esperança nasce do discurso que contagia. Não pode ser solitária, mas coletiva e a transformação do solitário em coletivo se dá pela pregação do sonho. Só sonhamos o amanhã quando, ao trocar ideias sobre o presente e analisar em conjunto, em um processo de hermenêutica comunitária do presente, nos damos conta de que precisa ser mudado e o amanhã sonhado e construído. Esperança solitária é planta que nasce e morre com o primeiro sol. A esperança solidária é árvore que sobrevive às intempéries.
A esperança solidária é dinâmica na medida em que é processual, porque é construída na caminhada. Uma esperança rígida nos seus detalhes é suicida. Talvez este tenha sido o erro de Marx e muitos marxistas. O futuro tinha que ser só do jeito que sonharam.
Um dos problemas com os cristãos é que eles têm sua esperança engessada: sabem com detalhes como será o amanhã, se há tribulação antes, no meio ou depois, se vão viver no céu ou na Jerusalém celestial, se vão reconhecer amigos na eternidade, se vão cantar hinos ou morar em palacetes. A esperança de muitos é “sair-deste-mundo”, mas se esquecem que o mandato de Jesus é “ir-ao-mundo” para ser sal da terra e luz do mundo. Na oração do Pai Nosso nos ensinou a pedir “venha o Teu reino”, mas muitos oram “leva-me para o Teu Reino”.
Como cristãos vivemos entre-mundos: o paraíso perdido e a morada futura. Voltar ao passado é suicídio, porque impossível. Viver o presente é suicídio porque opressivo e injusto. Sonhar e construir o futuro, mudando hoje a mim e ao meu entorno é vida. Não haverá amanhã se todos os dias continuo igual.

Marcos Inhauser