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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

MORTE À DIVERSÃO

Há uma coisa em comum nos recentes ataques terroristas: todos eles atentaram contra pessoas que estavam se divertindo. Explico-me.
O avião russo que foi derrubado por uma bomba colocada no seu interior, transportava pessoas russas que haviam passado alguns dias no balneário de Sharm el-Sheik, que é um dos mais bonitos do Oriente Médio e para onde milhares de pessoas vão para descansar e se divertir.
Nos ataques recentes na cidade de Paris, três homens-bomba tentaram entrar com explosivos no estádio. A finalidade era um massacre daqueles que haviam tirado algumas horas de suas vidas para se divertir vendo uma partida de futebol. A outra investida foi contra os que estavam vendo a apresentação de rock em uma casa de espetáculos e ali tinham ido para se divertir.
O mesmo se pode dizer dos que estavam nos vários restaurantes que foram alvo dos terroristas. Há que se acrescentar que alguns deles estavam em área conhecida como boêmia, uma forma peculiar de vida voltada para o prazer.
Há nisto uma consonância com todos os fundamentalismos religiosos de todas as eras. Se há algo que é comum a todos eles é a radical condenação de todos e quaisquer tipos de diversão. Há quem condene assistir a um jogo de futebol e quem condene jogar futebol. Há os que condenam a prática de qualquer esporte. Pregadores há que dizem (e talvez ainda digam) que a televisão é o satanás dentro de casa com os chifres no telhado. Há os que condenam os que assistem a um filme no cinema, a uma peça de teatro ou coisa assemelhada, afirmando tratar-se de promiscuidade. Quando vão à praia, só podem entrar na água de roupa e nunca de maiô ou biquíni, porque são roupas do demônio.
Uma das alegadas razões dos terroristas para atacar a casa de espetáculos Bataclan é que ele era um antro de idolatria e promiscuidade. E qual a justificativa para atacar uma pizzaria ou um restaurante étnico, como foi o Petit Cambodge? Seria o prazer de uma boa comida pecado? Seria o capricho do chef no preparo dos pratos um atentado à verdadeira religião? Um pizzaiolo é funcionário de satanás?
Obcecados pela sua mente anti-hedonista, cobrem as mulheres dos pés à cabeça e até os olhos, porque ver uma mulher bonita, com um belo corpo é prazeroso e isto é obra de satanás. A verdadeira religião é a negação completa e radical de qualquer coisa que traga prazer. Li isto certa vez em um pretenso livro de ética cristã: “se você quer saber se algo é santificado ou pecaminoso, tenha a seguinte máxima: tudo o que dá prazer é pecado!” Tomar um copo de água em dia de calor dá prazer. Escovar os dentes dá prazer. Tomar um banho quando o corpo está suado, dá prazer. Ouvir o canto de um pássaro, dá prazer. São, porventura, pecados?
Fundamentalismos, seja de que origem provenham, são um risco à vida, alegria e felicidade. Roubam o prazer de viver de quem os obedece e criam mecanismos para roubar a alegria da vida dos que não se alinham com suas barbaridades teológicas. Se há fundamentalistas que matam os “infiéis”, há também os que assassinam reputações de pessoas que eles consideram ser liberais e apóstatas.
Que Deus nos livre dos fundamentalistas do lado de lá e dos que estão em nosso meio.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A VIDA E A VERDADE

Já escrevi duas colunas sobre a questão da verdade que está no quarto evangelho que é centrado na vida. Outros dois temas estão presentes: amor e verdade. O radical da palavra vida ocorre cinquenta e uma vezes no evangelho, o que nos mostra a qualidade da ocorrência da palavra.
Para os escritos joaninos a vida é a concepção central para a religião e a teologia, não somente pela intensidade da ideia, mas pelo uso de outros símbolos relacionados a ela: luz da vida, água da vida, pão da vida, vinho verdadeiro, o bom pastor, a porta, etc. A vida foi concebida pelo cristianismo como dom de Deus através de Jesus e passou a expressar-se por salvação, libertação, redenção, justificação e perdão. 
É mais que uma apresentação religiosa da ideia da vida concebida religiosamente, mas a tese de que Jesus era a vida, que era a luz dos homens, que se dá na doação dela como propósito da encarnação e conclui com a identificação da transmissão da vida como propósito do evangelho. Diferentes palavras são empregadas por João para se referir à vida.
A dimensão física da vida é expressa pela palavra psychê que denota o ser humano completo, que ocorre como objeto de entrega. De acordo com a teologia joanina, aquele que não tem a disposição de dar a própria vida não está apto para receber a vida definitiva. Somente através da entrega alguém pode alcançar a vida real. Essa entrega é um processo onde o amor é a base. Há em João um paradoxo entre vida e morte: a vida real é entrega e a morte é um meio de receber uma dimensão mais ampla da vida. Isto é particularmente verdadeiro na imagem do grão de trigo que deve morrer para produzir o fruto.
Outra palavra empregada nos escritos joaninos é zoê e as suas variações. Com ela se introduz a ideia da vida eterna, que é central na sua teologia. Ela nunca denota a vida física, mas a qualidade da vida definitiva, a vida eterna, onde a morte não está presente. Várias vezes elas são seguidas por aiônios ("vida definitiva", a "vida eterna"). Para João a vida eterna é consequência da fé em Cristo, dom de Deus. A vida eterna é o conhecimento do Deus verdadeiro e de Jesus a quem Ele enviou. A condição para receber a vida eterna é a adesão a Jesus na condição de Filho de Deus porque é o modelo daquele que deu sua vida para salvar. Receber a vida é reconhecer o amor de Deus expresso na morte de Jesus.
A vida eterna é o poder de ser ressurreto no último dia, a segurança de nunca perecer. A vida eterna é a vitória sobre a morte. Jesus pode dar vida porque Ele é vida e venceu a morte através da ressurreição e disse: "Eu vim para dar vida e dar vida em abundância". Mas, o que a vida abundante significa? No contexto Jesus estava falando acerca do bom pastor, aquele que dá sua vida pelas suas ovelhas. Em contraste a isto, os bandidos vêm para roubar, matar e destruir. A vida está colocada em oposição ao roubo, morte e destruição, sinais de violência e morte.
Logo, a verdade que liberta tem a ver com a vida plena e eterna.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

NÃO SOU FORMIGA

A formiga tem uma vida previsível, obediente e metódica. Nasce sob a égide de uma rainha que comanda o formigueiro, tem suas atribuições determinadas pela hierarquia da colônia, pois, no ninho, as tarefas são divididas entre as castas, sendo que a divisão maior é entre as fêmeas reprodutoras (rainhas) e as operárias. Estas fazem o trabalho pesado: constroem o ninho, coletam comida e água, limpam, alimentam machos, larvas e protegem o formigueiro. Em certas espécies, as formigas soldados diferem-se das operárias comuns por terem partes do corpo maiores, principalmente cabeça e mandíbulas. Há ainda as cortadeiras (coletoras de folhas).
A previsibilidade da vida na colônia se dá até nos trilhos a serem seguidos pelas formigas ao saírem da colônia e buscarem o alimento e voltarem ao ninho. As formigas não têm ideia, nem pensam, nem refletem, nem planejam, nem sonham o futuro. Não precisam decidir, nem optar por isto ou aquilo, não precisam votar e nem responder a questões difíceis. Tem abundância sem preocupações. Nascem, crescem e morrem. Não precisam estudar filosofia ou teologia!
Eu, como ser humano que sou, tenho minha vida regida pelas minhas ideias, decisões e opções, cada qual com seu custo e benefício. Penso, examino, reflito, discuto, decido, me arrependo, sonho, planejo, construo, arrebento, reconstruo. Minha vida é diferente daquela monotonia da vida no formigueiro.
Formiga não se assusta. Eu sim. Formiga não se maravilha. Eu fico maravilhado. Para as formigas pouco importa se é o PT ou a Dilma que está no governo. Elas não sentem a crise e nem tem problemas financeiros. Eu sim os tenho. Eu voto, elas não.
Graças a Deus não sou formiga, porque se o fosse ou se tivesse que levar uma vida sem sobressaltos e novidades entraria em fastídio imediatamente. Gosto dos desafios, das questões difíceis, da novidade, do sobressalto. Nunca seria contabilista ou funcionário de cartório.
Nesta caminhada de aventuras, as questões do que é verdade, do que é certo, do que é justo, sempre alimentam e fomentam ideias e conclusões. Nisto, me lembro do Locke que li há alguns anos: “Apesar de nossas palavras significarem nada mais que ideias, porém, tendo sido projetadas para significar coisas, a verdade que elas contém será apenas verbal quando representarem ideias na mente que não estão em conformidade com a realidade das coisas”. Minhas ideias serão simples ideias se não estiverem em harmonia com a realidade das coisas.
Por não ser formiga, a cada dia devo rever minhas ideias, meus planos, meus sonhos para que entrem em sintonia com a realidade das coisas. Mudar é sinal de maturidade. Formigas nascem e morrem sempre do mesmo jeito. Eu não sou formiga. Eu tenho que mudar, redefinir-me, repensar-me, reposicionar-me neste mundo. A mudança é o sinal de que houve reflexão, avaliação, análise, redefinição de convicções.
O sucesso de uma ideia não se mede pelo tempo que a mesma é válida, mas pelo nível de harmonia que tem entre o pensado e a realidade das coisas. Se a própria realidade é mutável, uma ideia imutável é sinal evidente de falta de sintonia.
Por isto detesto os conservadores. Eles estão mais para formigas que para seres humanos.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O ROTO FALANDO DO RASGADO

O noticiário político/policial brasileiro tem revelado pérolas, babaquices e uma forte dose de cinismo. O “homem de Deus” ungido que foi para ser autoridade sobre a nação na qualidade de presidente da Câmara, também foi saudado como homem de fé e mão de Deus para operar transformações neste momento delicado. O deputado Marco Feliciano se referiu ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha com uma pergunta a Deus: até quando vais proteger Saul, proteger o que rejeitastes? (fazendo uma alusão a presidenta Dilma). Marco Feliciano se referiu ainda ao deputado Cunha como amigo, “eu fiz campanha para você e te defendo onde eu vou, porque você é um grande homem de Deus”.
Este mesmo senhor que se antecipou indo à CPI onde negou que tivesse contas não declaradas no exterior, pego na mentira, acusa, vê conspiração, faz manobras, manipula e acoberta provas. O leitor de Bíblia e participante das orações no bloco dos deputados evangélicos, saudado pela igreja, a envergonha com suas mentiras e desfaçatez e a usa para lavar seu dinheiro emporcalhado.
O jornal o Globo publicou em seu editorial que o legislativo precisa atuar porque a situação de Cunha o inviabiliza para continuar à frente da Câmara.
A mesma verdade deve ser aplicada ao Renan Calheiros, porque, mesmo não tendo sido flagrado em uma mentira, tem contra si várias acusações de se beneficiar do dinheiro da Petrobrás e de ter contas pessoais pagas por um lobista, referentes ao seu envolvimento extraconjugal. A máxima também se aplica à presidente, quem, por obra e graça da sua competência econômica, fabricou as pedaladas fiscais e as replicou durante 2015.
Neste contexto se entende que as averiguações feitas pelo MP e PF nos limites mais próximos ao Lula (especificamente ao seu filho, prodígio na área de marketing esportivo), não deve ser visto e diagnosticado pelos indigitados como trama para acabar com o PT e com a herança (sic) que o chefe do clã deixou.
Há consenso nacional de que os denunciados devem ser investigados e, comprovadas as falcatruas, devem pagar pelos seus erros. Todos concordamos quando se trata de figurões.
Quando a coisa desce a escada, os mesmos que usam o editorial do Globo para disseminar a ideia de cassação do Cunha, não explicam, fingem não entender, se fazem de mudos, dão explicações cantiflinianas aos pedidos de explicações de dinheiro que lhes foi confiado. Foram ávidos ao receber e lentos (diria lesmáticos) para se explicar. Há quem, como certos deputados e ministros que, em sendo inquiridos e tendo que prestar contas dos seus atos, acham que a verborragia e a acusação dos requerentes os salvarão.
A ética reivindicada do andar superior, precisa ser vivida no âmbito pessoal. As mentiras do Cunha são tão mentiras quanto as que se conta à esposa, filhos, ovelhas ou bispos, as que coloca em relatórios ministeriais ou em contabilidades fraudadas. O certo, o verdadeiro não pode ser sinônimo de útil.

Quem pede a saída do Cunha, Renan e Dilma, deve também sair se está mentindo ou enrolando para se manter em postos ou posições que lhe tragam vantagens e benefícios. É uma questão de coerência! Caso contrário será o roto acusando o rasgado, o mentiroso exigindo a verdade.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

CONHECEREIS A VERDADE

Minha coluna sobre a “Controvérsia sobre a verdade”, escrita há três semanas, me rendeu vários e-mails de crítica e pedidos de melhor posicionamento sobre o assunto. Minha impressão é que houve eleitores que confundiram a provocação à reflexão com uma posição teológica pessoal. Terminava minha coluna com este parágrafo: “Quem afirma que Jesus é a verdade e que ele, sendo a verdade, liberta, tem em si, no bojo desta afirmação, questionamentos sérios. Se a verdade é ele, conhecer a ele é ser liberto. Mas qual dos Jesus devemos conhecer? O descrito nos evangelhos sinóticos ou na teologia joanina? Ou o Jesus das pregações paulinas? Ou o Jesus da tradição eclesiástica? O Jesus da leitura teológica, instrumentalizada com aparato crítico e exegese nas línguas originais, ou o Jesus da leitura simplista? Qual deles é a verdade?”
Afirmar que Jesus é a verdade traz questionamentos. Ei-los: se Jesus é a verdade, ele é a verdade sobre qual assunto, evento, afirmação ou relação? Dizer que ele é a verdade no sentido de que é a verdade sobre tudo é negar a essência do ser verdade. Não existe uma verdade única que sirva para todos os assuntos. Toda verdade é relativa a um tema em particular e se Jesus é a verdade, devemos definir sobre qual assunto ele é a verdade. Há uma área específica sobre a qual ele é a verdade e isto não está definido pelos que afirmam dogmaticamente ser ele a verdade. Quando ele fala que é “o caminho, a verdade e a vida” estava afirmando a especificidade deste ser verdade: “ninguém vem ao Pai senão por mim”. No entanto, ao afirmar “conhecereis a verdade e ela vos libertará”, sobre qual tema estava se referindo?
Perceba-se que ele afirma “verdade” e não “verdades”. A singularidade é fundamental. Sobre qualquer assunto há uma verdade. Em tese, não pode haver mais de uma verdade sobre um mesmo assunto. Ocorre que, um mesmo assunto comporta mais de uma verdade, cada qual se referindo a um aspecto específico do assunto, a uma fatia do salame. Exemplifico: a afirmação de que “o Brasil vive uma crise” é uma verdade. “A crise brasileira é política”: também é verdade, mas não é toda a verdade, porque ela também é fiscal, moral, ética, social, etc. Assim, há uma verdade para cada área que se considere.
Se conhecer a verdade liberta, conhecer a Jesus liberta do quê? Muitos afirmarão que ele liberta do pecado, mas concordarão que quem o conhece, continua pecando. Outros dirão que ele liberta da escravidão do pecado, mas a vida diária mostra que ainda somos escravos do pecado, porque há áreas da vida nas quais pecamos e que, por mais esforço que se faça, não conseguimos deixar de pecar. Outros afirmam que ele é a verdade sobre Deus, uma coisa impossível visto ser Deus incognoscível na sua plenitude, sendo, portanto, impossível conhece-lo por uma única afirmação verdadeira. Nós o conhecemos parcialmente por uma somatória de verdades.

Para se ter melhor compreensão deste conceito de verdade que o evangelho de João traz, temos que nos aprofundar na teologia joanina e esquecer textos fora deste universo de pensamento. Buscar respaldo em teologias outras, mesmo que bíblicas (paulina, petrina, jesuânica, apolina, sinótica, etc.) é buscar nas afirmações da Dilma toda a verdade sobre Eduardo Cunha.
Marcos Inhauser 

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

COBRANÇA E TERRORISMO

Toda vez que se repassa a alguém algum valor para que ele faça algo, ou se delega poder para fazer algo ou se investe alguém de alguma autoridade com um determinado cargo, esta pessoa deve prestar contas do que faz com o valor repassado, com o poder conferido ou com a posição atribuída, mesmo que tenha sido feita por eleição.
Eu não tenho o direito de pedir relatórios financeiros ao meu vizinho se não lhe passei qualquer recurso. Agora, caso eu tenha feito a ele uma doação, em função da sua necessidade financeira, para que reformasse o telhado da casa e, passado um mês do repasse, não vejo nenhum trabalho no telhado, tenho todo o direito de pedir a ele explicações sobre o fato e até de exigir que devolva o que lhe foi passado.
Este raciocínio se aplica à esfera federal, estadual, municipal, institucional e individual. Ao pagar impostos eu o faço na esperança da contrapartida dos serviços próprios do estado. Se estes serviços não são prestados ou se se tem evidências de uso indevido dos valores repassados, o cidadão tem o direito e o dever de exigir explicações e relatórios sobre tais repasses. Aí está a Lei da Transparência a exigir dos governantes relatórios claros e disponibilizados na internet.
É verdade que no âmbito federal, estadual e municipal há alguns requisitos para que isto se dê. Exemplo disto é o Tribunal de Contas da União, do Estado ou do Município, que devem fazer a análise se tais recursos estão ou foram devidamente aplicados. Posso provocar para que se manifestem e expliquem, mas devo obedecer certos ritos.
No caso de eu repassar uma verba para uma instituição de interesse público, tenho o direito e o dever de acompanhar a aplicação de tais recursos e cobrar a responsabilidade na pessoa de quem, estatutariamente, é a responsável.
Assim está acontecendo com o caso das “pedaladas fiscais”, do dinheiro em contas secretas do Cunha, da lisura nas campanhas políticas, é o que aconteceu com a ONG Refúgio de Amparo e Promoção Urbana, de Uberlândia e com o capelão Osvaldo Palópito, que é acusado de desviar dinheiro da igreja e de uma ONG. Isto se deu também com o Instituto Atlân­­­tico. Os sócios tiveram os bens indisponibilizados por decisão da Justiça, em ação em que a prefeitura de Londrina pede a devolução de R$ 6 milhões.
Nestes casos e em outros assemelhados, pedir relatório, chamar à responsabilidade quem tem este dever, não é terror psicológico, nem ato de terrorismo, mas ação condizente com os direitos e deveres da cidadania.
O que chama a atenção nos casos citados é que, no Plano Federal se acusa o TCU de fazer julgamento político e se denigre o presidente do Tribunal; o Cunha denigre o Procurador Geral da República; o capelão denigre o contador, o vizinho diz o pedreiro pediu dinheiro adiantado e sumiu e o que sobrou não dá para fazer nada. É a conhecida tática de acusar quem pede explicações, como se isto que produzisse algum efeito. Ainda que o ministro Nardes possa ter algum rabo preso em outras operações, isto não valida o erro de quem é chamado à responsabilidade por ele. Ele, por sua vez, deve explicações naquilo que é instado a esclarecer e se não o fizer, arcará com as consequências.
Por isto, não me venham dizer que pedir investigação na CBF, BNDES, Petrobrás, Câmara, Senado, Congresso, TSE, STJ, STF e chamar para depor quem deve explicações é ato terrorista, golpe ou terceiro turno. É, sim, exercício da cidadania plena.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A CONTROVÉRSIA SOBRE A VERDADE

Há uma frase proferida por Jesus que já ouvi várias explicações e nenhuma delas me convenceu plenamente: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. O problema é bastante complicado. Primeiro precisamos entender o que é verdade e isto já deu muito pano para manga, muitas páginas de livro e muitos seminários filosóficos, sem que se tenha chegado a um denominador comum.
No trato da questão da verdade há os céticos que afirmam que nada é verdadeiro ou falso, que tudo é igualmente verdadeiro e falso e que nunca se pode chegar ao conhecimento da verdade. Do outro lado do espectro estão os que pensam que, sim, se pode conhecer a verdade. Entre eles, entendo eu, está Freud, que entendia que nada é absolutamente irrelevante (tal como afirmam os céticos e os niilistas). Para ele, precisamos crer em verdades porque, caso contrário, se ela é irrelevante, deveríamos construir pontes com papelão ao invés de fazê-lo com concreto e pedras. Ele define aos que consideram a verdade como irrelevante como “anarquistas intelectuais”. Há coisas que creio como verdadeiros e construo minha vida sobre estas verdades.
Acrescente-se a posição dos relativistas: a verdade é relativa e o que é verdade para uma pessoa pode ser mentira para outra. Eles não acreditam no caráter objetivo da verdade, nem em sua natureza absoluta e imutável, uma vez que dependente do posicionamento subjetivo.
Deve-se ainda acrescentar os pragmáticos: a verdade é o que funciona. Alguns também a chamam de funcionalismo. A verdade só o é quando o que se afirma tem uma função prática e funcional.
Diante disto há ainda duas questões: o que é a verdade e o que é verdadeiro sobre uma situação especifica. Todos conhecemos a distinção entre a verdade por antagonismo com a mentira. Todos já mentimos e sabemos quando mentimos, porque faltamos com a verdade. Logo sabemos o que é a verdade. Então, a mentira é a falta de correspondência entre o que afirmo e o que faço ou creio. Por dedução lógica, se há esta correspondência, afirmo a verdade. Mas este falar honesto não me dá a credencial da verdade, porque posso falar o que penso e dizer a coisa de forma totalmente correspondente com o que faço e ainda assim não dizer a verdade. Para que a enunciação seja verdadeira, precisa haver uma correspondência entre o dizer, as palavras, o discurso e o pensamento e quem ouve, em sintonia com o que é dito, aceita o que lhe foi comunicado como sendo verdadeiro.
Ainda assim poder-se-á questionar que esta verdade é verdade para os dois ou mais pessoas envolvidas no processo. Pode-se concordar sobre a versão ou interpretação de um fato e ainda assim estar errado na interpretação.
Quem afirma que Jesus é a verdade e que ele, sendo a verdade, liberta tem em si, no bojo desta afirmação, questionamentos sérios. Se a verdade é ele, conhecer a ele é ser liberto. Mas qual dos Jesus devemos conhecer? O descrito nos evangelhos sinóticos ou na teologia joanina? Ou o Jesus das pregações paulinas? Ou o Jesus da tradição eclesiástica? O Jesus da leitura teológica, instrumentalizada com aparato crítico e exegese nas línguas originais, ou o Jesus da leitura simplista? Qual deles é a verdade?

Qual a verdade que liberta? A dos teólogos ou a da prática ingênua do que se crê como verdade?
Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

TOLERÂNCIA NÃO É CONCORDÂNCIA

Ser intolerante é discordar e desaprovar. Não há como ser intolerante sem se posicionar contra o pensamento alheio, contra a diferença. A recíproca (tolerância = concordância) não é verdadeira.
Se sou intolerante eu tenho opinião formada sobre algo e não aceito que alguém possa ter opinião diferente. Isto se aplica à superioridade racial, religiosa, comportamental, sexual, etc. Por ser intolerante, quero que todos pensem igual a mim e só me alio aos iguais.
Por outro lado, se aceito que pode haver quem pense, aja, decida, seja diferente de mim, isto não implica, necessariamente, que concordo com a posição que o outro tem. Posso discordar respeitosamente, sem impor meu ponto de vista ao outro.
Olhando no retrovisor da minha vida, dou graças a Deus porque Ele me deu a chance de conviver com a diferença. Durante nove anos tivemos a Vera morando e trabalhando conosco. Ela era surda e muda. Tivemos o seu Pedro morando mais de um ano em nossa casa e ele era portador de hanseníase. Tivemos uma mulher indígena que trabalhou em nossa casa no Equador e ela tinha seus costumes bem diferentes dos nossos. Temos a Daisy morando conosco há quinze anos e ela é esquizofrênica.
Eu entendia e entendo a deficiência deles e nunca precisei ser tolerante com eles. Aprendi a lidar com as deficiências de cada um, da mesma forma como aprendi a lidar com as características de meus três filhos e da minha esposa e, com eles, também tive que “ser tolerante”.
Quando me relaciono com negros não preciso ser tolerante. Entendo, aceito e vivo a igualdade. A cor da pele não me obriga a ser tolerante. Eu aceito.
Há outras coisas que respeito, cultivo a tolerância, mas que não concordo. Entendo as diferenças religiosas, mas isto não significa que concordo com as doutrinas espíritas, budistas, islamitas ou judaicas. Respeito o direito de crerem diferentemente de mim, posso conversar, trabalhar junto, mas isto não quer dizer que concordo com o que creem ou pregam. Em muitos casos sou co-beligerante, mas não aliado.
Entendo a opção/orientação sexual, respeito, mas isto não quer dizer que concordo com o homossexualismo. Posso ter amigos e até pessoas que frequentam minha casa ou a igreja que se assumem homossexuais. Não tenho o direito de expulsá-los, de ofendê-los, de menosprezá-los, mas não posso por isto ser acusado de ser pró homossexual. Na minha vida já tive muitos homossexuais que vieram à igreja. Meu estudo de caso para o Doutorado foi com uma comunidade gay a qual pesquisei por quatro anos e fui expulso por eles quando eu disse que estava ali para estudar um caso e não para concordar.
Por outro lado, não concordar com algo não significa ser intolerante. Torna-se intolerância quando ofendo, agrido, busco constranger a ser igual a mim, imponho meus posicionamentos, uso de algum desequilíbrio de poder para forçar o outro a pensar como eu.
O fato de criticar coisas, governo, partido, igrejas, gurus evangélicos, estrelas do mundo gospel, políticos não é intolerância. É discordância. É usar da minha liberdade de pensamento e expressão. Ao expressá-la posso conseguir quem concorde comigo e quem discorde educadamente e isto é tolerância.

A agressão, a ofensa, a mentira são formas de intolerância!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

CULTO CIDADÃO

O culto é a prática que reúne e dá direção para tudo o que fazemos como cristãos. É a realização prática e visível da fé, de tal forma que não se pode separar o culto da experiência completa da vida cristã. Tenho lá minhas dificuldades quando se adjetiva os cultos e se segmenta a experiência com rótulos como: Culto da Família, Culto da Benção, Culto de Evangelização, Culto da Prosperidade, etc. O culto é completo e nunca pode ser segmentado.
O culto cristão é e deve sempre ser a expressão holística da vida, de tal forma que o culto é a apresentação de nossos atos diários de amor ao próximo e exemplo para os demais, incentivando-os a também terem vidas de adoração. Ainda que se possa entender o culto como adoração, onde se confere a Deus o valor que Ele tem por Sua natureza, precisamos estar cientes de que não somos nós que nos aproximamos dEle no culto, mas é Ele quem se aproxima de nós e nos fala pela Sua Palavra.
Sendo assim, não é culto o que não transforma o adorador. Ele entra em um culto e cultua, com a disposição de ouvir e mudar em sua vida com o que lhe é revelado neste momento por Deus, através da Sua palavra. No culto ele recebe as instruções de como viver no meio de um mundo profano.
O culto em si não tem o poder e a eficácia. Ele será eficaz na vida dos que, reconhecendo sua condição pecadora, reconhecem a santidade de Deus e se dispõem a mudar seus atos e vidas para que sejam vividas de forma harmônica com os ensinamentos da Palavra.
É neste sentido que o apóstolo Paulo pede que se preste culto agradável a Deus que é o culto racional, onde a pessoa se entrega a Ele em sacrifício vivo. Quando isto acontece, o culto se transforma em algo da mais alta importância e relevância na vida do ser humano.
A experiência cúltica é o encontro com o numinoso. O profeta Habacuque coloca este encontro em termos de silêncio: “... o Senhor está em seu santo templo; diante dele fique em silêncio toda a terra" (Hb 2:20); “Toda criatura esteja em silêncio diante do Senhor: ei-lo que surge de sua santa morada” (Zc 2:13). Creio que foi Karl Barth quem disse que o louvor verdadeiro se faz com o silêncio humano. Gritaria e barulheira não fazem parte do culto.
Assim entendido, não cabe no culto lugar para a magia, entendida como meio de manipular a divindade a fazer o que se quer, pelo uso de ritos, oferendas ou ofertas (em dinheiro). O culto não se presta a dar ordens a Deus, mas sim, para se receber dEle as orientações para a vida. O culto não muda a vontade de Deus, mas transforma a mente do adorador.
Quando esta transformação acontece, o adorador terá visão mais ampla e própria da realidade que o cerca, da polis onde vive e será movido a atuar no seu contexto de forma a vivenciar o que no culto lhe foi revelado. Assim, a fé se transforma em atos cívicos, a sua ação tem um componente político, uma vez que será pautada por valores outros que os dominantes na sociedade. O adorador viverá a contracultura da fé e sua vivência será sal na terra e luz no mundo. O culto se torna cidadão!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

CRISTÃOS POLÍTICOS OU POLUÍTICOS?

Há alguns cristãos que se envolvem com a política e confundem as luzes que vêm das Escrituras e da igreja como sendo as do programa de um partido político e acabam transformando sua militância como igual à sua vida cristã. Eles se esquecem que Deus não está em competição com a natureza, mas que Deus e somente Deus pode ser Jesus Cristo, perfeitamente humano e divino, não se confundindo com as coisas criadas como se estas fossem extensões do Seu ser, concepção ao gosto dos panteístas. Nenhum governo, programa de governo, partido ou programa partidário pode ser tão divino ao ponto de ser tomado como sendo manifestações do Reino de Deus. Este foi o grande problema dos adeptos da teologia do Destino Manifesto, que confundiram o American Way of Life como sendo o próprio Reino de Deus.
Os que se envolvem com a política partidária precisam se lembrar constantemente que Deus não fez e age no mundo via manipulação, violência, chantagem ou injustiça, tal como muitos dos mitos e deuses pagãos fazem. Porque Deus criou as coisas do nada (creatio ex nihilo), a criação foi um ato da mais pura generosidade e graça. Se os religiosos-políticos não entenderem isto (a generosidade e graça divinas na criação), eles se sentirão compelidos e autorizados a praticarem atos injustos, iníquos e corruptos.
É o amor e a qualidade dele, exercido por Deus na criação e na manutenção das coisas criadas, que define e determina a maneira como devemos viver em comunidade e que deve ser a vida em comunhão. A liberdade separada do amor só pode se tornar em licenciosidade, forma deturpada de amor e mera busca da felicidade. Assim procedendo, os programas terceirizam o amor, mas ao mesmo o privatizam como sendo atos de governo (vide Bolsa Família e outros programas sociais). Adicionam a este cardápio a departamentalização da comunhão: nós e eles, governo e oposição, eleitos e golpistas.
A igreja de Jesus Cristo e seus fieis não devem buscar o poder político como projeto eclesiástico. A igreja que se identifica com um partido ou o utiliza para ter mecanismos de pressão pela eleição de deputados via manipulação dos fieis para votar nos pastores e bispos da Igreja, deixou de ser igreja e passou a ser ente político. Deixou de servir para servir-se do poder.
Cristãos que se envolvem com a política devem ter consciência de que devem ser exemplo de integridade, serviço e amor ao próximo. Não podem estar associados ao serviço retributivo ao próximo, esperando recompensa em votos de possíveis favorecidos ou fazendo advocacia de porta de cadeia, nem podem ser forjadores de documentos falsos, mesmo que lhe emprestem certa legalidade, ainda que fajuta. Devem ser exemplo de trabalho em comunhão e nunca se enquadrar no que Pedro escreveu: “como dominadores sobre os que vos foram confiados” (1 Pedro 5:2,3). Devem dar o exemplo do serviço e nunca chantagear o rebanho com a “retirada da proteção espiritual que o pastor oferece”.
Como pode ser um cristão político, exercendo cargo no executivo ou legislativo se não deu exemplo no trato das questões de obediência aos princípios da Palavra (como não mentir, não roubar, não prestar falso juramento, não ameaçar, não chantagear, não se colocar como absoluto)? Terá ele mais ética no trato da coisa pública do que teve na relação com o próximo e com Deus? Como esperar que obedeça à Constituição se não obedeceu ao Estatuto e Regimento Interno de sua comunidade? Que usa da Igreja para lavar dinheiro de propina? Que recebe salário sem trabalhar? Que usa o nome da Igreja para legitimar seu trabalho solitário de angariar votos?
Há gente que se diz especialista em leis, não para cumpri-las, mas para burlá-las, para manipular juízes. Nisto está a diferença que um dia um estrangeiro me mostrou: “na Europa, quando se promulga uma lei, o povo busca como cumpri-la; no Brasil, diante da nova lei, busca-se como burlá-la”.

Marcos Inhauser