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terça-feira, 31 de maio de 2011

QUEM É QUEM NO PLANALTO?

No dia 2 de novembro do ano passado eu escrevi a coluna “Dilma ou Lula?”, na qual eu começava com a pergunta: “A eleição da Dilma para a presidência ... impõe a pergunta: o que elegemos? Uma mulher com identidade política própria ou uma versão Lula de saias?” Depois de algumas digressões, eu afirmava que: “... o governo da Dilma pode até ser presidido por uma mulher, mas ladeado de homens, que certamente terão papel preponderante e marcante no estabelecimento das políticas. Um deles vai coordenar o processo de transição (um que renunciou por causa de um escândalo) e o outro vai negociar com homens, donos dos partidos da coalizão ... e, ... com toda certeza, serão em sua grande maioria formado de homens.” Fui criticado e até chamado de machista, porque não acreditava na capacidade da mulher de governar. Os recentes fatos envolvendo o governo Dilma vieram comprovar o que afirmei no passado. Sabe-se hoje que o seu governo está(va) alicerçado na pessoa do ministro Palocci, ex-ministro flagrado com a mão na botija do extrato do Francenildo. Guindado à posição de todo-poderoso na versão Lula-de-saias, o ministro, mais uma vez se enrolou, agora com o extrato da sua própria conta. No desenrolar da crise que se seguiu, soube-se que ele enquadrou o PMDB, na pessoa do Vice-presidente da República, forçando a barra pela aprovação toda suspeita do Código Florestal, cujos interesses que estão por trás ainda não conhecemos bem. A coisa pegou fogo, houve a reação dos fisiológicos peemedebistas, sempre ciosos de seus cargos na administração federal, e a presidente teve que ceder e tirar uma foto com o Michel Temer, como forma simplista e ingênua de que tudo corre às mil maravilhas. Neste interim, quando o circo pegava fogo, ela teve que se valer do ex-presidente, quem foi a Brasília como bombeiro, para salvar a aliança que elegeu a sua eleita. Ela, por sua vez, sumiu. Uma providencial pneumonia a colocou de molho. Especulações falavam de um quadro grave de saúde, com antiga enfermidade retornando. Sabe-se que ela tem problemas de saúde que ameritam cuidados, mas nada que a impeça de governar. Contudo, o que se vê é a inapetência para o manejo das coisas políticas. Ela se associou a cobras criadas para se eleger e agora deixa o ofidiário a seu bel-prazer. A primeira picada venenosa não veio das cobras aliadas, mas das amigas. O Palocci, cria do PT, é um ser trágico: se enrolou e enrolou a outros na Prefeitura de Ribeirão, como ministro esqueceu seu passado trotskista e aderiu de alma lavada à economia de mercado, se envolveu com a casa suspeita, com o mensalão e com o extrato. Reeleito, se enrolou com a Consultoria milionária que prestou (ainda por ser esclarecida, uma vez que os sinais que estão surgindo sugerem tráfico de influência) e agora se enrola com seu gordo extrato bancário e com o silêncio suspeito a que se impõe. Um monte de homens brigando por espaço político e a presidente passeando no Uruguai e se “recuperando de uma pneumonia”. Não era isto que esperávamos do primeiro governo feminino do Brasil. Marcos Inhauser

terça-feira, 24 de maio de 2011

CUPIM NA PORTA

Logo que me mudei para a casa onde atualmente moro, fui alertado que havia um “pozinho” debaixo da porta do quarto. Alertado fui por várias vezes de que este pozinho insistia em aparecer todas as manhãs. Certo dia fui conferir e lá estava ele. No outro dia idem e assim por alguns dias seguidos em que verifiquei. Um dia, conversando com meu pai, quem trabalhou com madeira muitos anos, contei a ele, ao que me perguntou se era pó ou algo como que pequenas bolinhas, granulado. Um dia lembrei de examinar e comentei com ele e ele me disse que há uma diferença entre o pó deixado pelo cupim e pelo coró. Perguntei a diferença entre um e outro e, confesso, não vi muita diferença no estrago que fazem. Não dei mais atenção ao fato, e esperei para ver o que aconteceria. Passados alguns anos, na lateral da porta apareceu um enorme rombo, que deixou ver que a porta estava comida por dentro e que deveria trocá-la. Nestes dias em que estava vendo na televisão o noticiário sobre as denúncias contra funcionários da Sanasa, por uma destas questões que só Freud explica, lancei o olhar para o rombo na porta agora corroída pela praga. Quem acompanha mais atentamente o noticiário já deve ter percebido que a atual administração andou deixando sinais que evidenciavam problema futuro na estrutura. Quem me acompanha nesta coluna poderá se lembrar que, por várias vezes, andei falando do prefeito e sua gestão (Heliofote Santos, Heliossaurus Sanctis, Elogios e Desafios, Roda, Roda-viária, Transtornoviária, Haelius Aegypyt). Nestas colunas eu denunciava que algo estava caindo da porta da Prefeitura Municipal de Campinas. Eu imaginava que o esquema era grande e pesado, mesmo porque, como colunista, muitas vezes fui parado por pessoas ou amigos que me relatavam coisas horripilantes. Algumas até eram funcionárias da Prefeitura e me passavam dados concretos, mas que eu, por não ter as provas necessárias, não podia ser irresponsável e sair usando a coluna para acusar. Outras vezes recebi e-mails não identificados alertando para o pozinho que insistia em aparecer aqui e acolá. Confesso que as acusações que agora são feitas são maiores do que a minha capacidade de imaginação conseguiu abarcar. Aqui com meus botões, eu não estou surpreso, mas estarrecido com a gravidade das denúncias, o tamanho do suposto rombo, a quantidade de gente envolvida e o nível funcional deles. Quando a coisa começou e o Ministério Público chamou os denunciados a depor e começou o festival de licença médica, ausência, ficar em silêncio, não produzir provas contra si mesmo, etc., práticas conhecidas por todos nós em outros esquemas denunciados, tive que ampliar o horizonte da minha imaginação, mas mesmo assim não o fiz suficientemente. Se na porta do meu quarto o estrago foi produzido por cupim ou coró, não importa. A porta foi pro brejo. Se as denúncias tem motivação política ou não, não me importa: a coisa anda podre lá pelos lados da Sanasa e Prefeitura.

terça-feira, 17 de maio de 2011

VINTE VEZES

Esta semana estamos sendo bombardeados com a notícia de que o ex-ministro, depois deputado e agora novamente ministro, Antonio Palocci, teve a façanha de fazer crescer seu patrimônio em vinte vezes nos últimos quatro anos. Fosse ele um nerd do mundo da informática, um Mark Zuckemberg criando algo parecido ao Facebook, ou o Steve Jobs lançando a série de I-tudo, talvez pudéssemos aceitar a notícia sem grande alarde e assombro. Mas o caso em questão é emblemático por tratar-se de figura central do lulo-petismo e da “estabilidade” financeira que o petismo afirma ter trazido ao país. Ele esteve envolvido em casos ruidosos e rumorosos quando de sua passagem pela Prefeitura de Ribeirão Preto, nos contratos denunciados por um ex-assessor seu. A Construtora Leão teve que dar mil explicações e voltas diante das acusações. O próprio Palocci esteve depois envolvido em uma casa nada familiar, alugada para atender aos desejos carnais de gente relacionada ao petismo e a Palocci e, segundo denuncia do Francenildo, ao próprio. A coisa terminou no que todos sabemos, com o ministro envolvido na quebra do sigilo bancário do caseiro e a renúncia do indigitado. Agora, aparece esta capacidade de fazer milagres econômicos e financeiros. Uma consultoria de sua propriedade teve a façanha de ter em quatro anos alguns dos melhores pagadores deste tipo de trabalho que há no Brasil e quiçasmente fora dele. Na média foi um faturamento de 1,9 milhão por ano, ou seja, mais de 150 mil por mês limpinho na mão, ou melhor no caixa da empresa. Se o nobre deputado foi quem trabalhou, ele ganhou a média de R$ 6.000,00 dia, tendo trabalhado 25 dias mês. Acresça-se a isto os salário e benesses do cargo de deputado e a coisa está explicadinha. O problema é que para ele ter trabalhado 25 dias mês, ele não conseguiria ser também deputado. Mas imaginemos que ele fez a meia semana em Brasília como todos os outros fazem, ele ainda assim tinha três dias para trabalhar como consultor. Logo, se foi isto que ocorreu, ele ganhou uma média de R$ 12 mil/dia. Eta consultoria cara. E perceba que isto é o que ganhou só para comprar os imóveis. Parece que não teve despesas de funcionários porque o escritório da consultoria sempre esteve fechado. Mas se a consultoria foi dada ao grupo que mais lucrou (prefiro o termo mamou) no governo Lula, que foram os bancos, a coisa começa a se explicar, porque, ganhando o que ganham, sem nenhum órgão a limitar a fome bancária, talvez a consultoria tenha sido regiamente paga como agradecimento à liberdade de atuação que tem. De minha parte, se posso pedir algo, gostaria que o nobre deputado e consultor me desse a lista dos clientes, para ver se consigo dar uma mamada também. Nem tenho a pretensão de fazer meu patrimônio multiplicar vinte vezes, mesmo porque, vinte vezes quase nada é quase nada,

terça-feira, 10 de maio de 2011

GUZMAN E LADEN

De 87 a 93, por força do meu trabalho com Direitos Humanos na América Latina, acompanhei de perto (mais perto do que gostaria) os problemas políticos no Peru com o governo autocrático do Fujimori, a derrocada da economia com o Fujishock, as investidas dos grupos guerrilheiros Sendero Luminoso e Tupac Amaru. Entre os que trabalhávamos nesta área havia certo consenso de que o Sendero era irracional, não se sabia ao certo o que queria, apostava no caos (seguindo o modelo maoísta de quanto pior melhor). Eles praticavam ataques terroristas e assassinavam qualquer pessoa que ousasse discordar de seus métodos. Há relatos de igrejas inteiras sendo atacadas e os presentes mortos, pelo simples fato de que denunciavam a violência. A figura do chefe, Abimael Guzmán (professor de Filosofia da Universidade Nacional de San Cristóbal de Huamanga) , considerado fundador e que adotou o codinome Presidente Gonzalo, assumiu certa aura mística, vez que o governo, exército e paramilitares não conseguiam capturá-lo. Viveu assim dos anos 60 aos 90, décadas que reforçaram o imaginário popular quanto à sua astúcia e inteligência. Em 12 de outubro de 1992 (data da celebração dos 500 anos de “descobrimento” da América) Guzmán é apresentado como prisioneiro e aparece várias vezes no tribunal, vestido de roupa listradas típica dos prisioneiros e cabeça baixa. Humilhado publicamente, sua mística veio abaixo e com ela o Sendero Luminoso quase desapareceu. Ele continua preso em uma prisão, juntamente com Montesinos, o corrupto mór do governo Fujimori, que teve que fugir do Peru para não ser preso. Laden também fugiu e ninguém o pegava até que o Obama vem a público dizer que havia sido morto em sua casa por um comando especial da Marinha e que seu corpo havia sido jogado ao mar (para evitar uma peregrinação). O problema é que os EUA ainda não aprenderam que um mártir vira herói. Assim foi com o Allende, Getúlio, Sandino, Farabundo Marti, Manoel Rodrigues e tantos outros. Matar é dar cordas à heroicização e isto está acontecendo. Os fatos narrados na primeira hora tiveram que ser recontados pela Casa Branca, porque Bin Laden não estava armado como se havia dito, nem usou a esposa como escudo. Acabo de escutar de que os filhos vão processar o Obama pela morte do pai e pelo insulto de atirá-lo ao mar, um desrespeito segundo a tradição islâmica. O Obama pode ter vindo a público dizer que justiça foi feita, pode ter o respaldo da opinião pública, mas criou um herói. E este herói ainda vai dar muita dor de cabeça ao Obama e aos EUA. É o preço que vão pagar pelo erro cometido. Se tivessem feito o que o Peru fez, não teriam hoje um cadáver a assustar uma nação. E olha que não acredito em assombração. Mas faço uma concessão ao Bin Laden.....

terça-feira, 3 de maio de 2011

INTERNET BÊBADA

Tenho a conexão banda larga pela Net, o tal do Vírtua. Confesso que se Vírtua é algo relacionado à virtude, não vejo virtude alguma no serviço prestado. Falo isto do alto da experiência de mais de cinco anos brigando com a conexão e com a empresa. Já tive o Speedy, e de velocidade nada. Estava mais para tartaruga que para algo veloz. Tenho também do modem da Vivo, que vira e mexe está morto: não funciona nem a pau. Já conversei com gente que tem a GVT, sistema de rádio e todos reclamam a mesma coisa: serviço inconstante, com quedas constantes de conexão, instabilidade na velocidade, propaganda enganosa ao oferecer serviços de tantos megabites e entregam algo que gira em torno de 10% do prometido e comprado. Acrescente-se a isto o serviço de péssima qualidade que prestam nos mal estruturados serviços de call center, com atendentes que mais se parecem a secretárias eletrônica, pois falam sempre a mesma coisa. De conexão entendem tanto quanto eu de física quântica. O que fazem é ler um manual de procedimentos básicos. Na terceira vez que se liga, já se sabe de memória o que vão falar. Se, porventura, decidem fazer uma visita técnica e sobem ao telhado para conferir os cabos e conexões, haja telhas para serem substituídas, porque não tem o menor cuidado e arrebentam o que veem pela frente. Tive que mandar refazer parte do telhado por causa destas “visitas técnicas”. Já cansei de ligar para a Net, para a ouvidoria da Net, para a Anatel. Nestas caminhadas percebi que um finge que vai tomar providências, o outro finge que anotou a reclamação, o outro finge que tomou providências e no final você deve fingir que tem a conexão estável e de qualidade. A minha conexão deve ter tomado uns goles e anda de porre. Vive cambaleando e caindo. Cansei de reclamar porque constatei por fatos e experiências que não resolvem nada. Quando falo isto para outros usuários, todos reclamam da mesma coisa: a conexão brasileira à internet é uma droga. Já cheguei a ficar dias sem net e telefone, no que pese que é meu instrumento de trabalho. E quando reclamei dos dias sem net, que no total foram (somadas todas as interrupções no mês) mais de sete dias, eles me ofereceram um desconto de R$ 12,00 na fatura seguinte! A ANATEL deveria se chamar Agência Nacional de Amparo às Telefonicas, porque estão para defender os interesses das operadoras e não da população. Acho que no Paquistão é a mesma coisa, porque o Bin Laden não tinha nem telefone, nem internet na casa onde vivia. Deve ser porque percebeu que é terrorista a internet, ao menos a brasileira: é uma bomba que explode em toda casa. Quero ver o dia em que vão dar um Engov para a internet brasileira.

ESTADO ESQUIZOFRÊNICO

Não é de hoje que falo, escrevo e protesto contra o Estado brasileiro nos seus diversos níveis. Há nele um aperfeiçoamento célere quando se trata de arrecadação. A Receita Federal, o INSS, o ICMS e o ISSQN passaram por profundas transformações no sentido de coibir as sonegações. Não sei se existe outro país no mundo onde a declaração anual do imposto de renda seja totalmente online, como é a brasileira neste ano. Lembrar que há não muito tempo ainda se fazia em papel. As emissões de nota fiscal eletrônica são outro avanço no sentido de melhor arrecadar impostos. O cruzamento em tempo real de dados é outro elemento deste avanço tecnológico. Nenhum outro país teve tantos radares instalados em tão pouco tempo, vigiando os condutores e punindo ao menor deslize. Dez por cento de excesso de velocidade em sessenta quilômetros por hora, e dá-lhe multa. Mas, quando se trata de devolver ao cidadão o serviço que o Estado por lei e Constituição é obrigado a dar, aí são outros quinhentos. Nem vou falar de segurança, saúde e educação, para não cair nos clichês. Falo de serviços cobrados e mínimos, como um alvará de funcionamento, uma certidão negativa de multa, um parcelamento de débito, aprovação de uma planta, reconsideração de cálculo de IPTU, lançamentos equivocados, etc. Quem nunca se irritou com a demora em ser atendido num posto da Receita Federal, INSS, Prefeitura ou outro órgão qualquer? Quem nunca se intrigou com os movimentos modorrentos de funcionários públicos, que se arrastam para fazer aquilo para que são pagos? O aperfeiçoamento da máquina veio na ponta da arrecadação. A se considerar os inúmeros casos de escândalo e propinas e licitações dirigidas, parece que houve incremente tecnológico na ponta da evasão via corrupção, vide o caso ainda não julgado do mensalão. Mais recentemente, o caso da Sanasa em Campinas, com um propinoduto instalado é outro exemplo. As evasivas dos envolvidos não comparecendo ou ficando em silêncio é a evidência desta “tecnologia” aplicada aos tribunais. A Receita, o ICMS, o ISSQN e os radares foram aperfeiçoados e a informática mal chega capengamente ao judiciário, que, em tese, beneficiaria o cidadão. Ocorre que mais de 50% dos recursos são feitos pelos diversos órgãos da administração pública e não interessa a eles que este processos sejam julgados. Vendo isto eu me lembro do Valdir, um caboclo que me disse uma vez: “a porta do chiqueiro é bonita, mas lá dentro é muita lama prá um chiqueiro tão pequeno”.

A GRAÇA DA ILUMINAÇÃO

Para mim não é coincidência que o relato bíblico inicie com a descrição de um caos (tohu vabohu, no hebraico). Voltei a pensar nisto nos dias que se sucederam ao tsunami no Japão e a profusão de imagens do caos em que a terra se transformou. Nada no lugar, tudo amontoado, arrebentado, quebrado, inutilizado. Para mim, aquelas cenas foram as que mais me ilustraram o que o tohu vabohu significa. O texto do Gênesis afirma que a terra estava sem forma e vazia (tohu vabohu). O caos predominava. A assolação era inimaginável. Diante dos destroços deixados pelo tsunami, a gente fica perdido sem saber por onde começar e como fazer a limpeza de tamanho estrago. Assim era o início. Diante desta situação vem Deus e, sem que ninguém pedisse, sem que alguém tivesse sentido a necessidade, orado, clamado, exigido dEle uma providência, Ele toma a iniciativa de colocar ordem na bagunça. E o faz de maneira surpreendente porque não é a forma como faríamos. Ele fala e ordena as coisas, no duplo sentido que o verbo tem: dá ordens e coloca ordem. Só que havia um caos agravado pela escuridão. A primeira providência divina foi iluminar a bagunça. Nisto há uma dualidade de efeitos: tem-se mais clareza sobre a natureza do caos e agrava-se a sensação do caos. Um dos problemas que enfrentamos na vida é que o caos é uma experiência humana bastante comum. De tempos em tempos ficamos atolados em meio ao tohu vabohu que a nossa vida se transforma ou é envolvida. E quando estamos neste caos, parece que estamos em uma escuridão feito breu. Nada faz sentido, tudo é tão obscuro, falta clareza, cada coisa que se faz, pensa ou decide é como se fosse trombando com coisas que a gente não vê, não tem consciência. A outra questão é que, ao lançar luz sobre o caos, passamos a ver com clareza o tamanho do estrago, da crise. Ao lançar luz, a coisa fica mais feia do que imaginávamos. Na escuridão imaginamos, sob a luz conscientizamo-nos e este processo é dolorido. Por incrível que pareça, há quem prefira ficar na escuridão a ver a realidade do estrago e da catástrofe em que está metido. Tomar pé da situação é esclarecedor, mas, ao mesmo tempo, aterrador. Mas há aqui uma lição: não se ordena o tohu vabohu sem iluminar os fatos. Outro dado é que o processo de colocar ordem na bagunça não é mágico, algo que ocorre em um segundo. É um processo que toma sete etapas, muito ao contrário de alguns pregadores de poder que prometem consertar a bagunça de uma vida com uma oração. Parece que eles são mais rápidos e poderosos que Deus.

O PODER DO ELOGIO

Uma das necessidades intrínsecas do ser humano é a da realização. Todos precisamos fazer algo para dizer que fomos nós que o fizemos. Em certa medida, somos avaliados pelo que fazemos, mais do que pelo que somos ou temos. A crise da meia-idade no homem fica mais acentuada se, ao olhar para trás, ele não fez nada do que possa orgulhar-se. Esta necessidade é irmã gêmea de outra, a do reconhecimento. Precisamos ser reconhecidos como pessoas atuantes e realizadoras. Se alguém faz algo sem que ninguém note o que ele está fazendo, deixará de fazê-lo depois de um tempo, salvo se for um louco totalmente desligado da realidade. O trabalhado invisível parece um mito. Todos, sem exceção (pelo menos na minha ótica) precisamos de alguém que saiba do que fazemos. Isto leva a uma regra do trabalho: toda pessoa que faz qualquer coisa sem ter que reportar a alguém, ou deixará de fazê-lo ou nunca o fará com excelência. Todos sonhamos em fazer algo que nos perpetue na memória dos outros. Com facilidade incrível dizemos que isto ou aquilo é um “marco histórico”, “algo que vai entrar para a história”, porque necessitamos crer que nossos atos serão lembrados ad eternum. Estas considerações preliminares servem para introduzir minhas reflexões sobre o episódio de Realengo e outros similares ao redor do mundo. Há um corte de similitude nos personagens destes eventos trágicos, assim como de bandidos que se tornaram famosos: foram pessoas não notadas, não reconhecidas, não valorizadas pelos colegas e família. Vítimas de chacota, nunca foram reconhecidas por seus méritos, por suas qualidades ou pelo que faziam. O desejo de “entrar para a história”, de fazer algo que fizesse com que seus nomes fossem conhecidos, suas fotos e nomes publicados, ainda que nas páginas policiais, a necessidade de serem famosos, pode ser uma das motivações para que se decidam pelo caminho enviesado do crime. A entrevista dada pelo menino australiano que jogou o colega ao chão depois de ser agredido mostra um jovem que não era reconhecido nem pelo pai, que afirma que se assustou ao saber que por três anos seu filho estava sendo vítima de chacotas, brincadeiras humilhantes e desprezo. Um pai que não notava a presença e a vida do filho. Nem o pai o reconhecia. O mesmo é válido para o outro apresentado como o agressor, que não vive com a mãe e tem um pai manipulador. Vivemos tempos de extrema competitividade, de vidas centradas em si mesmas e perdemos a cultura do elogio, do reconhecimento do outro como ator e causador de coisas boas. Somos rápidos em criticar, tardios em elogiar. E digo isto especialmente em relação aos pais no processo de educação dos filhos. Se elogiamos, não o fazemos com a mesma carga emocional da crítica, da censura. Reconhecer que o outro existe e é autor e causador de coisas boas é uma das formas de se evitar tragédias, seja ela que magnitude tenha.

SESSENTOU

Não leio os capítulos iniciais do livro do Gênesis no seu sentido literal e muito menos historiográfico. Vejo-o como literatura sapiencial, cheio de máximas de vida e instruções de sabedoria. Assim, há nele alguns dados interessantíssimos. No segundo relato da criação, diferentemente do primeiro, o homem foi criado só e somente depois de tudo o mais ter sido criado, Deus percebe que não é bom ele estar sozinho e decide criar a mulher. Isto me faz pensar na ação da graça de Deus: um agir imotivado, não provocado por qualquer circunstância a não ser sua própria vontade. Adão não tinha consciência de que estava só, que seria interessante ter companhia, que poderia ser uma mulher. Deus criou a mulher antes mesmo que Adão tivesse pedido, imaginado, pedido. E ele se surpreendeu com a ação da graça de Deus. Assim sou eu. Na juventude, meio apressadinho, andei pedindo a Deus uma companheira, uma esposa. Atirei para alguns lados, sem resultado. Um dia a graça de Deus se manifestou na minha vida e ele me deu a Eva da minha vida. E o que Deus me deu foi muito, mas muito melhor do que eu poderia ter imaginado, pensado, pedido. A Eva da minha vida, por causa da graça de Deus, vem colhendo anos na vida junto comigo. Se Deus me tivesse dado uma esposa que não envelhecesse, eu hoje, sessentão, estaria com uma jovenzinha sem muita experiência ao meu lado e eu, provavelmente me cansaria dela, porque seria a mesma nestes trinta e oito anos em que estamos juntos. A graça de Deus me deu uma Eva que vem amadurecendo pari passu comigo. E a cada dia eu tenho uma nova Eva ao meu lado, surpreendendo-me e fazendo-me companhia. Ela completa seus sessenta anos amanhã. Eu os completei em dezembro. Juntos passamos quase dois terços de nossas vidas nos fazendo companhia. E, sem nenhuma presunção, foram trinta e oito anos vivendo no paraíso, mais por mérito da minha Eva que meus. Tivemos filhos e não experimentamos o problema de vê-los brigando, tal como Caim e Abel. Antes, eles ajudaram a transformar a nossa casa em paraíso e se ajudam mutuamente. Nossos netos são como pérolas a adornar este paraíso. E, diferentemente da Eva original, a minha não me deu o fruto proibido para comer e pecar, antes, sempre, foi fiel para alertar-me a mim e aos nossos filhos e netos, a benção da fidelidade a Deus. A minha Eva é a manifestação diária da graça de Deus na minha vida. Agradeço a Deus e a ela a experiência diária da graça, coisa que só mais recentemente vim a entender.

TOMOU A VIDA A SÉRIO

Há uma letra de música nicaraguense que diz que “cometió el atroz delito de tomar la vida en serio”, referindo-se aos que, durante a revolução nicaraguense, haviam dado a vida em favor de outros, para que pudessem ter esperança de melhores dias. Outra vai dizer que o alento da vida é a esperança e creio que os que a infundem nos outros, promovem a vida de muitos. Estas coisas me vieram à mente agora à tarde quando, preso no trânsito por causa da chuva, ouvia notícia da morte do ex-vice-presidente José Alencar, ouvi pessoas falando sobre ele e da convivência que com ele tiveram. Alencar levou a vida a sério, sem cometer delito. Não o conheci pessoalmente. Ouvi muitas das coisas que disse, li sobre sua história de vida e aprendi a admirar nele, entre outras coisas, duas que o transformaram para mim em exemplo. A primeira foi seu exemplo de “fé realista”. Em um contexto religioso brasileiro onde pululam manifestações extremadas, promessas absurdas de cura, crença nos impossíveis, ele a cada vez que se manifestava afirmava e reafirmava sua crença na soberania de Deus. A sua afirmação de que Deus não precisaria de um câncer para tirar sua vida se Ele assim quisesse proceder, e que, se Ele quisesse, viveria mesmo com o câncer, mostram uma pessoa consciente dos limites humanos e divino. Ademais, mostra uma pessoa que entende a religião não como exercício de obrigar Deus a fazer o quero (tão em voga nos modelos pentecostais e neopentecostais), mas como o exercício do reconhecimento da soberania de Deus, no que pese as circunstâncias adversas. A segunda coisa foi sua humildade. Já vi e conheci muitos que se fizeram na vida e, quase sem exceções, eles se caracterizam como arrogantes, nariz empinado, petulantes, porque se creem melhores que a média porque conseguiram sair de uma situação de infortúnio para a de fortuna. Nada mais intragável que o novo rico. José Alencar padeceu sob a crise de 29, viu seu pai perder o pequeno negócio que tinha, sai para trabalhar, venceu, construiu um império, mas nunca deixou de ser o José Alencar simples, humilde, que se lembrava a todo instante dos menos favorecidos. Ao estar sendo tratado em um hospital de referência pelo fato de ser vice-presidente da República, sentia-se como que culpado por estar recebendo tratamento que a maioria não tinha. Ele levou a vida a sério, tanto que lutou por ela até à última gota, o último suspiro. Acima de tudo, infundiu esperança em muitos.