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quarta-feira, 20 de março de 2019

INVISIBILIDADE URBANA


Todas as tentativas de narrar a pré-história da humanidade mostram pequenos grupos preambulando em busca de caça e alimento. Os grupos, não mais de cem pessoas, quando muito, se fragmentavam quando cresciam, em função da estratégia da busca de sobrevivência, uma vez que, para se ter alimentos e caça para um grande número de pessoas, era mais problemático.
A convivência em um grupo reduzido de pessoas tem a vantagem de se ter relações afetivas fortes, laços de solidariedade e uma rede de proteção e apoio do tamanho do grupo. A pessoa é reconhecida nas suas qualidades e potencialidades. Ela existe socialmente falando!
Por outro lado, os pequenos grupos, pela dificuldade ou até inexistência de relações externas, tendem a se normatizar nos padrões aceitos pelo grupo, a buscar a homogeneização comportamental e de cosmovisão. Nestas sociedades a convivência com o diferente é mínima ou nula. Não há o treino para a vida com a novidade ou o diferente. É uma situação de conforto.
Quando a humanidade começou a se sedentarizar, vivendo mais tempo em um mesmo lugar, quando começou a dominar as técnicas da agricultura e pastoreio, quando o desenvolvimento comunitário começou a experimentar avanços, os grupos puderam crescer e assim fizeram. Agora se tinha mais gente vivendo juntas nos assentamentos onde se lavrava a terra e se cuidava dos rebanhos. O aumento dos grupos introduziu a necessidade da convivência com o diferente (ainda que em pequeno número).
A transposição do modelo rural/pastoril para o urbano trouxe implicações enormes. Cada pessoa teve que aprender a lidar com um número maior de pessoas e desconhecidos, com uma variedade maior de diferentes, com hábitos e comportamentos estranhos. À medida que o grupo aumentava, diminuía a capacidade de estabelecer relações afetivas significativas, menor era o reconhecimento social para a existência, uma vez que, em função da quantidade, o anonimato se instalava. Surgem os “walking deads”: seres que vivem sem vida social, invisíveis para a grande sociedade, não reconhecidos, não vistos, não ouvidos.
A forma de chamar a atenção, de gritar “olhem para mim”, “me escutem”, de chamar a atenção dos transeuntes, é usar penteados espalhafatosos, roupas “descoladas”, enormes brincos, piercings, tatuagens até na testa. Quanto mais invisível a pessoa se sente, mais ela chama a atenção.
Esta análise me vem ao pensar nos recentes episódios de massacre: Suzano e Christchurch, além dos casos de feminicídio resultantes da inconformidade com o fim da relação. Note-se que os atiradores dos massacres queriam “se tornar heróis, reconhecidos”, queriam dizer “eu existo” ainda que para isto, paradoxalmente, lhes custasse a vida! As Deep e Dark Web eram espaços onde encontravam pessoas dispostas a ouvi-los e lhes dar ajuda. A solidariedade para a fama questionável. Os invisíveis sociais ganharam as páginas dos jornais e as telas de televisão. Conseguiram ser vistos e estudados pela sociedade.
Os feminicidas, ao verem uma relação ruir, pela incapacidade de estabelecer novos relacionamentos porque sabem ser invisíveis sociais, matam quem os rejeita. A frustração de não ser ninguém os leva a matar quem, por um tempo, deu-lhes esperança e reconhecimento. Matam quem se interessava por eles, paradoxo dos paradoxos.
Faltam orelhas e olhos na sociedade. Todos de cabeça baixa olhando a tela e, ao redor, milhares pedindo: “olha prá mim!”.
Marcos Inhauser


terça-feira, 3 de maio de 2011

O PODER DO ELOGIO

Uma das necessidades intrínsecas do ser humano é a da realização. Todos precisamos fazer algo para dizer que fomos nós que o fizemos. Em certa medida, somos avaliados pelo que fazemos, mais do que pelo que somos ou temos. A crise da meia-idade no homem fica mais acentuada se, ao olhar para trás, ele não fez nada do que possa orgulhar-se. Esta necessidade é irmã gêmea de outra, a do reconhecimento. Precisamos ser reconhecidos como pessoas atuantes e realizadoras. Se alguém faz algo sem que ninguém note o que ele está fazendo, deixará de fazê-lo depois de um tempo, salvo se for um louco totalmente desligado da realidade. O trabalhado invisível parece um mito. Todos, sem exceção (pelo menos na minha ótica) precisamos de alguém que saiba do que fazemos. Isto leva a uma regra do trabalho: toda pessoa que faz qualquer coisa sem ter que reportar a alguém, ou deixará de fazê-lo ou nunca o fará com excelência. Todos sonhamos em fazer algo que nos perpetue na memória dos outros. Com facilidade incrível dizemos que isto ou aquilo é um “marco histórico”, “algo que vai entrar para a história”, porque necessitamos crer que nossos atos serão lembrados ad eternum. Estas considerações preliminares servem para introduzir minhas reflexões sobre o episódio de Realengo e outros similares ao redor do mundo. Há um corte de similitude nos personagens destes eventos trágicos, assim como de bandidos que se tornaram famosos: foram pessoas não notadas, não reconhecidas, não valorizadas pelos colegas e família. Vítimas de chacota, nunca foram reconhecidas por seus méritos, por suas qualidades ou pelo que faziam. O desejo de “entrar para a história”, de fazer algo que fizesse com que seus nomes fossem conhecidos, suas fotos e nomes publicados, ainda que nas páginas policiais, a necessidade de serem famosos, pode ser uma das motivações para que se decidam pelo caminho enviesado do crime. A entrevista dada pelo menino australiano que jogou o colega ao chão depois de ser agredido mostra um jovem que não era reconhecido nem pelo pai, que afirma que se assustou ao saber que por três anos seu filho estava sendo vítima de chacotas, brincadeiras humilhantes e desprezo. Um pai que não notava a presença e a vida do filho. Nem o pai o reconhecia. O mesmo é válido para o outro apresentado como o agressor, que não vive com a mãe e tem um pai manipulador. Vivemos tempos de extrema competitividade, de vidas centradas em si mesmas e perdemos a cultura do elogio, do reconhecimento do outro como ator e causador de coisas boas. Somos rápidos em criticar, tardios em elogiar. E digo isto especialmente em relação aos pais no processo de educação dos filhos. Se elogiamos, não o fazemos com a mesma carga emocional da crítica, da censura. Reconhecer que o outro existe e é autor e causador de coisas boas é uma das formas de se evitar tragédias, seja ela que magnitude tenha.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

GRATAS SURPRESAS

Comecei a escrever no Correio Popular em abril de 2001. Lá se vão nove anos. Confesso que, das coisas que hoje faço, esta é a que mais prazer me dá, no que pese e-mails irados, críticas mil, pastores me chamando de anticristo campineiro, prefeito e vereadores me detestando. No entanto, vez em quando, me surpreendo. Certa feita, ao descontar um cheque em um banco, a pessoa que estava no caixa me disse: “quero que você saiba que leio suas colunas e que gosto do seu jeito de escrever”. Não preciso dizer que sai dali com a alma lavada. Em outra ocasião, ao entrar no consultório de um médico novo para mim, ele me recebeu efusivamente dizendo se sentir honrado com o fato de poder me atender, pois já me conhecia pelos meus escritos. Certa feita em um táxi tocou meu celular, atendi, tive que passar alguns dados pessoais. Terminada a ligação o motorista me perguntou; “você é o Inhauser que escreve no Correio Popular?” Respondi afirmativamente, ao que emendou: “minha mãe vai ficar com inveja porque ela é fã das suas colunas e faz coleção de todas elas. Ela recorta e arquiva tudo que você escreve.” Sei da Ditinha que também recorta as colunas e as tem arquivado. Nesta semana uma pessoa amiga me ligou dizendo que havia acabado de conhecer um fã meu. Perguntei se era um ou uma fã. Ela disse que era o Valdeci. Perguntei por que ele seria meu fã, ao que me respondeu que ele tem o que eu não tenho: “a coleção dos recortes da coluna no jornal, sem falta de nenhuma”. Não eu não tenho mesmo o recorte das colunas e o arquivo delas. Temo que não tenha todas as colunas no arquivo do meu computador, porque ele já pifou algumas vezes. Mas tenho o prazer orgulhoso de saber que há umas poucas pessoas que gostam do que faço. Andei apertando a mente aqui para encontrar quem mais gosta do que escrevo e confesso que não encontrei. Há os que me dizem por delicadeza que gostam e neles não creio. De uma coisa sei: eu gosto de escrever. E o redator chefe do jornal não detesta, ao ponto de me aturar todos estes anos sem nunca ter mexido nos meus textos, nem nas vírgulas. Aos fiéis leitores o meu obrigado. Aos que me criticam e me escrevem, obrigado com mais ênfase porque me mostram coisas que às vezes eu não vejo. Aos que lêem e não entendem o que escrevi, minha paciência. E aos que ficam bravos com o que escrevo porque lhes diz respeito, meu compromisso de continuar sendo chato. Marcos Inhauser