Quando da internação do meu pai no PS São José,
escrevi dois textos. Em uma destas vezes recebi um e-mail de um funcionário do PS,
que segue abaixo, com algumas edições:
“Provavelmente o senhor não se lembra de mim,
mas fiz Raio-X do senhor Milton quando ele estava internado no São Jose. Meu
nome é Wagner, sou técnico de Raio-X no PS há 11 anos. Muitas coisas já
presenciei naquele local, histórias tristes e alegres, de perda e dor, de superação
e humanidade.
Tenho orgulho do meu trabalho naquele local. Inúmeras
vezes, depois de um plantão exaustivo, saí de lá jurando que na primeira oportunidade
pediria transferência, mas até hoje, sempre que uma vaga em outro lugar aparece,
acabo dispensando e continuo no bom e insano PS São Jose. Não estamos
acostumados com elogios e reconhecimentos. Geralmente levamos apenas pedradas
como o senhor mesmo presenciou enquanto cuidava do seu pai. Quantos xingamentos,
quantas escarradas no rosto já levei naqueles plantões! Não estou falando no
sentido figurado, mas literal. Já fui pra casa levando o DNA de pacientes
nervosos, drogados, exaltados, que não se contentaram em ofender...rsrsrsrs. Não
tem jeito.
Aquele lugar realmente nos mostra que temos uma
missão a cumprir, que precisamos estar ali, mesmo que for para passar por essas
agruras.
Quando vemos uma criança chegando toda roxa sem
ar e depois saindo de lá sorrindo, bem de saúde, não tem dinheiro que
pague”.
Há aqui algumas coisas. A primeira é o senso de
dever para com o próximo que o Wagner tem (e muitos outros). Já escrevi aqui
sobre “Um Exército de Anjas” para falar de quem trabalha no Cândido Ferreira e “Mario
Gatti da Graça” para reconhecer o cuidado que meu pai ali teve quando foi
operado.
A segunda é que este pessoal trabalha sem
recursos e há os que colocam dinheiro e equipamentos pessoais para poder
atender à população.
A terceira é que os profissionais de saúde estão
expostos à violência. Ela tem duas fontes: os que chegam alterados pelo álcool ou
pela droga e os que, achando-se com algum direito superior aos demais, ofendem,
xingam e agridem. São comportamentos insanos, como relata o Wagner.
Quarto é que causa revolta ver profissionais
dedicados lutando com a falta de recursos e o dotô e quadrilha levando os
milhões que o Ministério Público está dizendo que levou. Vi gente virando
plantão para poder ganhar uns trocados a mais e porque não havia profissionais
suficientes. Outros, sem nada fazer além das tramoias, levam malas do nosso
dinheiro.
Quinto: o governo central, no ensejo de pagar os
juros para os agiotas internacionais, decidiu fazer cortes no orçamento. Não
cortaram verbas do Senado ou Congresso, nem das emendas parlamentares. Mas da
Saúde. E o ministro tem a cara de pau de vir a público dizendo que os cortes
não vão representar queda na qualidade do atendimento. São 5,5 bilhões a menos.
Pensando bem, acho que o Ministro não mentiu: é
impossível piorar o atendimento médico público. Se algo funciona é pelo denodo
de funcionários como o Wagner e outros que conheço.
Marcos Inhauser