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quarta-feira, 27 de abril de 2016

VISÕES

Lembro-me com a clareza de algo que acabou de acontecer. Era a primeira vez na minha vida que me colocava à frente de uma classe e lia algo. Tinha eu sete anos de idade, em processo de alfabetização e fui chamado para ler para a classe a história de um oftalmologista que, passando todos os dias pela praça pública, via um senhor cego a pedir esmolas. Um dia o convidou ao seu consultório e o examinou, decidiu operá-lo, a vista foi recuperada e o homem passou a ver.
Algum tempo depois o médico passou pela mesma praça e, para seu espanto, lá estava o homem a pedir esmolas, como se cego fosse. A história terminava com a máxima; o pior cego é o que não quer ver.
Alguns anos depois, na casa de um amigo de meu pai, fui chamado a um microscópio e convidado a olhar pelas lentes. Era uma outra visão: a visão ampliada de um ácaro. Fiquei estarrecido com a riqueza de detalhes que via e que nunca havia imaginado que o nada (porque nunca havia visto) pudesse ter tanta riqueza de detalhes. Fiquei com a máxima: nem tudo consigo ver com meus próprios olhos.
Meu tio Nicolau, que morava conosco, comprou um telescópio amador, mas potente o suficiente para ver o que não conseguia ver na superfície lunar, em Vênus e outros planetas. Toda a noite saíamos para fora de casa e nos deslumbrávamos com as visões que tínhamos. Fiquei com a máxima: há coisas tão distantes que só vejo os detalhes com a ajuda de lentes.
Muito mais tempo depois li a história de Manuelzão e Miguelim, nos contos de Guimarães Rosa. Emocionei-me quando o médico oftalmologista que visitava a fazenda onde vivia Miguelim, ao perceber sua miopia, trouxe-lhe óculos e o colocou na criança, que passou a ver muito mais e melhor do que até então via. Fiquei com a máxima: para ver melhor o mundo onde estou preciso de ajuda.
Quando fui fazer a pós em Educação, fui levado a ler alguns filósofos clássicos. Eles me abriram os olhos para ver que eles já tinham visto coisas que eu nunca imaginei e sonhei. Fiquei com a máxima: o que hoje vejo e acho que é novidade, alguém já pode ter visto alguns séculos antes mim.
Fui fazer teologia e passei a ler a Bíblia com outros óculos. Inicialmente com lentes mais conservadoras, à medida que fui ganhando confiança fui trocando as lentes e vendo no texto bíblico coisas que antes não via. Houve vezes que achei que estava olhando pelo microscópio, outras pelo telescópio, outras que um médico botou óculos novos em mim. Nesta caminhada percebi que a cada dia a fé tem a capacidade de mudar as lentes da minha visão.
Mais recentemente percebi que um tipo de cegueira que a refuto como a pior de todas. Há pessoas que não se enxergam. Fui alertado para este tipo de gente quando, via um programa de calouros e um candidato, desafinado e sem noção de ritmo, foi gongado e ele vituperou dizendo que o júri não entendia de música e que ele ia ser um grande cantor e voltaria para mostrar seu talento. Depois foi uma mulher que se vestia ridiculamente, que foi feito um treinamento na empresa para ver se percebia que era exagerada e ela disse que ninguém se vestia tão bem quanto ela.
Atualmente temos vários exemplos na política de gente que não se enxerga. E porque são cegos da pior espécie, fazem sofrer aos que são obrigados a conviver com eles.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 20 de abril de 2016

TEMER: SIM, HÁ O QUE TEMER!



Passado o episódio da votação na Câmara dos Deputados e a perspectiva de que o Senado venha a aceitar a admissibilidade do julgamento, teremos, no máximo, 180 dias de um governo tampão, com o anódino Michel Temer.
A ascensão dele à presidência traz algumas certezas: ele nunca dirá nada revolucionário, impactante, que traga novidade ou algo para se pensar. Ele tem a capacidade de tempero de um chuchu. Nunca ouviremos dele o Discurso da Mandioca, nem afirmações da existência da “mulher sapiens”, nem se equivocará dizendo que há a “mosquita do zica”. Antes, pelo contrário, seus discursos serão chatos, cansativos e um convite para mudar o canal depois de dois minutos. Usar metáforas? Nunca!
Outra certeza é que ele terá mais ouvidos que a antecessora. A sua trajetória política, tal qual a que ele sucederá, foi construída não com votos, mas com relacionamentos. Dizem que aceitou ser vice na chapa do Lula porque sabia que não conseguiria se eleger deputado. A sua força está na presidência do partido mais dividido do espectro político-partidário. Sabe costurar divergências.
O que ainda não consegui entender ou imaginar é como o partido mais governista do período pós ditadura (sempre esteve na crista da onda em todos os governos), e que tem o condão de participar e fazer oposição simultânea ao governo de plantão, conseguirá ser uno para governar o país. Como administrar o lado fisiológico do partido (ávido por boquinhas e quejandas) em um governo que será super vigiado pela população e pelo PT, PCdoB e PSOL?
Mais que isto, estranha-me o fato de que o PMDB quer lavar as mãos de um governo que, segundo a acusação, cometeu crime de responsabilidade, quando teve, ao longo de todo o tempo, ministros e o vice-presidente andando na carruagem presidencial. Serão tão santos assim? Como ser santo em companhia de campeões de denúncia no STF?
Há que se considerar que o Palácio do Jaburu, desde que se tornou provável a admissibilidade no caso da Dilma, a romaria de políticos se instalou, todos ávidos por serem lembrados na hora das nomeações. Até um grupo de religiosos foi lá para orar pelo Temer. Se conheço algo destes “religiosos”, foram se tornar visíveis/candidatáveis para uma possível nomeação.
O governo PT, com seu presidencialismo de coligação se mostrou inviável. O que vejo até agora é a continuidade do modelo. No entanto, creio ser de bom alvitre esperar as águas correrem debaixo da ponte e analisar as primeiras nomeações para se ter uma ideia por onde o rio correrá. Com certeza Alfredo Nascimento, Geddel Vieira Lima, Romero Jucá e Henrique Eduardo Alves, Moreira Franco, todas figurinhas carimbadas, terão seus espaços amplos.
Não nutro esperanças. Não creio em mudanças quando se usam os mesmos modelos e métodos. Tenho para comigo que o câncer da política brasileira é o PMDB, pela sua postura ambivalente nos vários governos do qual participou, pela forma como boicotou a candidatura de Quércia e Ulysses Guimarães, pela forma como negociou o seu apoio nos momentos cruciais de governos e da nação. Quero ver o Temer ter o apoio massivo do PMDB! Se o fizer, ganha o prêmio Nobel da Paz! Ele terá que administrar a crise política, econômica, financeira, os caos na saúde e educação, e ainda agradar os parceiros de partido e os aliados de primeira e última horas.
Tudo isto em um clima de temporariedade, acirramento dos ânimos políticos, Lava Jato, julgamento no TSE dos gastos da sua campanha, com o compromisso de não ser candidato em 2018 e outras coisas que penso, mas a prudência me faz calar.
Temo o Temer!
Marcos Inhauser

quinta-feira, 14 de abril de 2016

LAVANDERIA RELIGIOSA


Lembro-me como se tivesse acontecido ontem, mas lá se vão mais de 20 anos. Quando disse, pela primeira vez, a um grupo de pastores, que as igrejas poderiam se transformar em lavanderias de dinheiro sujo, seja da corrupção ou do narcotráfico, houve surpresa e indignação.
Perguntado como isto poderia acontecer, eu respondi que era reunir alguns bandidos e formar uma associação religiosa, sem fins lucrativos. Essas pessoas fariam ofertas ou doações com seus dinheiros sujos. Como não se exige identificar a fonte dos recursos, nem a identidade dos doadores, esses próprios meliantes se colocariam como pastores ou líderes da comunidade, recebendo salários vultuosos, declarando-os à Receita e assim teriam recursos limpos. Poderiam também ter carros, casa, despesas pagas pela "igreja". Sei de casos em que o “bispo”, apóstolo, pastor ou missionário exige que a igreja lhe dê um carro top (BMW ou Mercedes), que a casa seja no melhor condomínio da cidade e que seja uma mansão, que as férias sejam pagas pela igreja e nos melhores endereços do Brasil ou fora dele, que se pague viagem anuais para toda a família para algum evento religioso internacional, com direito a uma esticada para passeios, etc.
Quando levantei a questão, houve muita discussão e vários deles não concordaram comigo, dois ou três ficaram na dúvida e talvez um ou dois disseram que isso podia acontecer.
Isto me veio à mente agora com os recentes fatos do uso de igrejas para lavagem de dinheiro. Na minha memória vem a "oração da propina", depois o caso do Eduardo Cunha e a "oferta" para a Assembleia de Deus, e agora o caso do ex-senador Gim Argello e a oferta feita a uma paróquia católica.
As histórias ainda não estão bem explicadas.  Não se sabe como o dinheiro foi passado adiante de volta ao ofertante ou se usaram o esquema para benefício de outros. 
Os fatos revelam que a lavanderia não escolhe denominação. Um procurador disse que não é privilégio desta ou daquela denominação ser usada como lavanderia e eu tenho prá comigo de que estes dois episódios se repetirão mais frequentemente. Novas ofertas, novas lavagens, novos esquemas de transferência de dinheiro sujo via lavagem religiosa.
Seja lá o que for que apareça no futuro, tenho para comigo que algumas coisas mudarão. 
Quando fui pastor em igrejas nos Estados Unidos, descobri que lá a grande parte das ofertas é feita via cheque nominal. O tesoureiro emite um recibo ao ofertante e este recibo pode ser usado para abater o imposto de renda. Muito pouco se oferta em espécie e quando a oferta em espécie ultrapassa um valor pré-determinado, o tesoureiro deve comunicar isto à Receita Federal para que seja monitorada a possível fonte de contribuição não identificada.
No Brasil o senador Paim, certa feita, apresentou projeto de lei para que as ofertas nas igrejas passassem a ter o ofertante identificado, via depósito bancário. Este seu projeto de lei foi extremamente combatido por lideranças religiosas e, até onde eu sei, não foi levado adiante. Será que a resistência a esta identificação dos ofertantes não era uma tentativa de impedir que fossem rastreados aqueles que ofertam nas igrejas, especialmente algumas "igrejas" (ou emprejas?) porque vivem de ofertas espúrias que não podem ser declaradas?
Se estamos em pleno momento de combate à corrupção, não podemos deixar de considerar a possibilidade de que, em algumas “igrejas” e até mesmo Igrejas há corrupção na forma de pagar os pastores e de destinar os recursos levantados em nome da fé e que no fim servem para beneficiar alguns bandidos.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 6 de abril de 2016

A GRAÇA NO RETROVISOR

Aprendi muito cedo no meu ministério que a vontade de Deus não se conhece a priori, mas olhando para trás. Se a vida cristã fosse o exercício de decisões tomadas sob a égide da certeza absoluta de que está sendo feita a vontade de Deus, não se necessitaria de fé.
Para viver esta vida de certeza da vontade de Deus nas decisões da vida há os que apelam para orações, noventas, trezenas, quarentenas, jejuns, busca de profetas ou profetisas, lançam sortes ao melhor estilo do Urim e Tumim. Tudo para saber a vontade de Deus antes de decidir.
É no retrovisor da vida que percebemos que Deus nos guiou e conduziu pelos melhores caminhos da vida. É famosa a história do caminhante na praia que tinha ao seu lado o Senhor e, em determinados momentos da vida, as pegadas das duas pessoas na areia se transformavam em uma. A pessoa percebeu que se tratava dos momentos de dificuldade e perguntou ao Senhor: “foram estes os momentos em que o Senhor se afastou de mim?” “Não”, respondeu. “Estes foram os momentos em que te carreguei no colo.”
Há 43 anos e meio vi uma mulher pela primeira vez na minha vida. Antes de saber quem era, tive a certeza interior de que ela seria minha esposa. Nunca disse isto a ninguém até há bem pouco tempo. Era uma certeza cheia de dúvidas até o dia em que nos casamos. Estamos casados há 42 anos e meio. Ela completa 65 anos amanhã. Quase dois terços da sua e da minha vida vivemos um ao lado do outro.
Li certa feita um livro de pesquisa sobre casamentos que fracassam e o autor, depois de pesquisar milhares de casais, chegou à conclusão de uma fórmula mágica: 8/1! Todo casamento que tem mais de um período de tensão entre oito períodos de conforto e prazer, está fadado ao fracasso. Ninguém aguenta viver ao lado de outro que provoca mais de um oitavo de tensão.
Olhando pelo retrovisor da minha vida vejo a graça de Deus na esposa que me deu, pelos muitos momentos de felicidade, que superaram em muito a equação 8/1. Com absoluta certeza digo que tive muitos momentos de felicidade no meu casamento e ainda os tenho.
Com absoluta certeza, quando olho pelo retrovisor, também vejo a graça de Deus nos carregando no colo nos momentos em que fui estresse, desconforto, motivo de raiva. Também vejo a graça de Deus nos momentos em que me senti irritado, furibundo, nervoso.
Vejo a graça de Deus nos momentos em que juntos enfrentamos os leões da vida, quando mudamos de país e ela ficava 2/3 do tempo sozinha com os filhos e o marido viajando pelo mundo, trabalhando em áreas de perigo, com Direitos Humanos. Vejo a graça supridora de Deus nos dando quando não tínhamos, a graça preveniente nos dando antes de precisarmos, a graça transformadora nos amoldando um ao outro e nos fazendo cada vez mais iguais para vivermos com o próximo bem próximo, ao ponto de não podermos imaginar viver sem o outro.
Minha Turca: parabéns pelos seus 65 anos de benção na minha vida e de muita gente que você abençoou com seu ministério, sua alegria, seu poder de coesão, de perdão. Quero você sempre ao meu lado porque te amo e nunca, mas nunca mesmo, duvidei da certeza que tive no dia em que te vi: Deus me deu você.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 30 de março de 2016

TEOLOGIA EM TEMPOS DE WHATSAPP

Venho assustado com o nível dos comentários feitos às colunas e participações em redes sociais. Falei aqui de um amigo que comentou o filme “Perdido em Marte”, fazendo um paralelo com a parábola do Bom Samaritano. Recebeu duras e vulgares críticas e a ameaça ser detonado em tudo quanto viesse a escrever.
Recebi hoje mais uma pérola destas. Um amigo participava de um grupo do Whatsapp, e o fazia e pela vertente cristã e “evangélica”. Com consciência cidadã, quando recebeu uma mensagem sobre a gripe H1N1 e os cuidados que se pode e deve para não propagá-la, recebeu a seguinte mensagem de um participante do grupo: “Amigos eu acredito que devemos nos prevenir sim, mas cabe aos pastores a luz da Palavra repreender essa peste do ar e ensinar suas ovelhas.  No Salmo 91 está escrito: Praga nenhuma chegará a tua tenda, o Senhor dará ordem aos seus anjos para nos guardar em todoooos os momentos de nossas vidas.  Não podemos esquecer que estamos debaixo da autoridade, governo celestial.  Como disse Jesus, estamos neste mundo mas não fazemos parte dele. Toma posse do Salmo 121.  Tenham todos um dia abençoado.” (sem edição no texto enviado). Ele ainda emendou “O senhor dará ordem aos teus anjos para nos guardar em todos os nossos caminhos, hoje na oração da madrugada eu orei sob essa palavra.”
O meu amigo retrucou: “É verdade. Devemos repreender H1N1, chicungunia, dengue, malária,  câncer, enfarto,  AVC... e virarmos um exército de super homens e super mulheres. E aproveitar e excluir o apóstolo Paulo, que não se submeteu a esta autoridade do governo celestial, passando a vida toda com um espinho na carne e seu discípulo Timóteo, que acho que nem conhecia a Bíblia,  pois tinha um problema de estômago, que seu mentor,  o Paulo, orientou curar com vinho. Convido ainda os amados irmãos a jogarem fora suas carteirinhas do convênio médico e cartões do SUS. Afinal, praga alguma chegará às nossas tendas! Que tal suspender, pela fé, todas as vacinas para crianças filhas de crentes? Afinal, a mesma fé que nos livra do H1N1 nos livra da difteria, tétano, coqueluche, meningite e outras infecções causadas pelo Haemophilus influenzae tipo b, Hepatite B e outras pragas.” Porque já tive problemas com gente que não entendeu se tratar de ironia, aviso: a colocação do meu amigo foi irônica!
Quando recebi estas pérolas e a resposta, lembrei de um desafio que fiz aos milagreiros: “Convoco-vos, ó milagreiros religiosos deste meu Brasil, especialmente os da linhagem evangélica, a unir-vos em uma “Cruzada Nacional de Erradicação da Praga” ou na “Cruzada Nacional de Expulsão do Demônio do Aedes Aegyti”. Convoco-vos pastores, pastoras, profetas, profetisas, bispos, bispas (sic), apóstolos, apóstolas (sic), missionários, missionárias, apocalipsistas e outras classes de agraciados por Deus com o poder da realização de coisas sobrenaturais. ... E para que a glória seja ainda maior, sugiro aos midiáticos Edir Macedo, Silas Malafaia, R.R Soares, Valdemiro Santiago e outros tantos assíduos frequentadores das telas televisivas para que vos apresenteis em rede nacional de televisão, orando com a imposição de vossas mãos sobre um tanque de água com uma multidão de larvas, e peçais em oração, súplica ou clamor (não me importa o nome que venhais a dar), a morte de todas as larvas ali presentes e que esta bênção seja aplicada a todos os demais criadouros espalhados pelo Brasil e, por que não, ao redor do mundo. Desafio-vos ainda a orar pedindo a morte instantânea de todos os mosquitos endemoninhados! Se não for pedir muito, desafio-vos também a orar pela cura de todas as crianças nascidas com microcefalia!”
Há horas que me dá vergonha de ser pastor e também fico santamente irado com este tipo de besteirol religioso.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de março de 2016

CIRURGIA RADICAL NA POLÍTICA



Há não muito tempo assisti a um depoimento do ex-senador Saturnino Braga, onde ele tecia comentários sobre o exercício da política. A certa altura ele afirmava que “a política é a mais sublime das profissões porque ela tem por objetivo o bem comum”.
Maravilha! Se eu perguntar a um advogado ele dirá o mesmo que um juiz: a nossa função é sublime porque buscamos fazer justiça. Se perguntar a um médico, ele dirá que, porque diminui o sofrimento e salva vidas, ele tem uma profissão sublime. Se eu perguntar a um sacerdote ele dirá que sua profissão é sublime porque coloca o ser humano em contato com o divino. E por aí vai.
Não diminuo a excelência do fazer política. Acho mesmo que, quando duas ou mais pessoas estão juntas, certo nível de política se estabelece entre elas e sem a política, os relacionamentos seriam um caos.
Há, assim, uma micropolítica (que rege os relacionamentos individuais e grupais) e há uma macropolítica, que rege uma nação. Ela pressupõe a existência de políticas públicas que regulamentam e direcionam os vários aspectos da vida social no seu sentido mais amplo.
No âmbito da democracia, o político se dá em um processo de construção coletiva, onde pessoas que receberam a delegação via eleição, tem os poderes para elaborar e implementar políticas públicas, para legislar e estabelecer os parâmetros coercitivos para as condutas desviantes. O modelo inicial deste tipo de democracia se deu em Atenas, onde cidadãos atenienses podiam se levantar, sem que para tanto fossem eleitos, e fazer os seus discursos políticos. Na contribuição multifacética das várias participações se construía um modus operandi democrático. Assim, a democracia não tem a pretensão de agradar a todos, mas a de fazer o que promove o bem comum.
Há muitos estudos para mostrar este exercício da democracia na antiga Grécia, especialmente em Atenas. As duas últimas conferências de Michel Foucault foram dedicadas a isto e mais especificamente ao falar a verdade no discurso político (parresia), onde ele mostra que a democracia exige a verdade, mas que, interesses pessoais e até dos deuses, interferem no fazer política.
Estamos vivendo momentos em que a democracia foi aviltada, achincalhada, conspurcada e “suicidada”.  O que menos se vê é a parresia, este falar a verdade em público. Sem querer entrar em fatos de todos conhecidos, tivemos nestes últimos tempos um assassinato da hermenêutica jurídica ou laica, um atropelo da decência, um festival de palavrões, negociatas mil, bravatas infantis, desprezo e menosprezo às instâncias democráticas, surdez à voz das ruas, judicialização do óbvio, recursos exóticos, etc.
Tenho para comigo que o fazer política no Brasil está tão tomado pelo câncer do interesse pessoal e do tirar vantagem que só uma cirurgia radical extirpará o que se alastrou por todos os tecidos do corpo nacional. Não será na dança das cadeiras que se conseguirá extirpar o mal. Não se acaba com um câncer tirando um tumor daqui e colocando-o em outra parte do corpo. A cirurgia tem que ser radical.
Só uma revolução via urnas, acabando com a reeleição de quem quer que seja, e escolhendo gente decente. Não se terá a limpeza votando em quem é folclórico, tem visibilidade midiática, foi jogador ou BBB. A política séria se faz com gente séria, capacitada e serena.
Que o exemplo do Trump não seja copiado por estas bandas.
Marcos Inhauser

ELA FOI RENUNCIADA



Os institutos de pesquisa têm uma fórmula para saber que cada televisor ligado corresponde a X outros televisores ligados. Em Porto Alegre, um ponto no Ibope equivale a 14.375 domicílios. Em São Paulo, esse número cresce para 58.235 lares (dados de abril de 2015). Algo parecido vale para os jornais: cada exemplar vendido corresponde a um certo número de leitores e cada carta enviada ao jornal representa outro tanto.
Trago isto para dizer que os números divulgados para a manifestação do último domingo, ainda que variem segundo a fonte, mostram que foi a maior manifestação política já havida no Brasil. Não importa se foram mais ou menos de 4 milhões, ou se os números questionáveis do DataFolha são tomados como sérios. O que importa é que muita gente saiu às ruas no domingo.
Mas há outro tanto de gente (que é ainda maior que o daqueles que foram para as ruas), que não saíram, mas colocaram suas bandeiras, que ficaram nas janelas a dar apoio aos que para as ruas foram. Conheço vários deles que, por segurança, por não ter com quem deixar os filhos, por razões logísticas de chegar ao local, preferiram manifestar-se pelas redes sociais.
Sendo assim, os números divulgados devem ser multiplicados várias vezes, para se ter uma ideia mais aproximada do fenômeno ocorrido. Se está certa a pesquisa feita no sábado dia 12, que afirmava que 9% dos brasileiros pretendiam sair às ruas, significa que teríamos algo em torno de 20 mi de pessoas nas ruas e isto não se deu. Mas também se pode dizer que os que foram representavam uma parcela muito maior da população.
Se se considera que a democracia é o governo do povo para o povo e que os governantes são os que receberam a maioria dos votos válidos, ter uma manifestação deste porte para retirar da pessoa eleita o apoio de uma parcela da população é algo que não pode ser desmerecido. É verdade que ela foi eleita, mas os que a elegeram e os que não a elegeram, vieram à rua para dizer: retiro meu apoio.
Eles estavam renunciando ao governo que tem. Não querem mais quem foi eleito no governo porque acreditam que perdeu a legitimidade e a capacidade de trazer as mudanças necessárias. Eles a renunciaram porque perceberam que a crise que aí está tem um culpado: a incompetência do atual governo em gerenciar.
Antes desta manifestação, ela já tinha sido renunciada por setores do empresariado, do comércio, do setor de serviços, pelos políticos da oposição. Mais que sito ela tinha sido renunciada por parcela significativa dos políticos que lhe davam apoio. Pior ainda: ela tinha sido renunciada por vários políticos de seu próprio partido.
O governo legítimo não só deve vencer nas urnas, mas deve ter o apoio popular. O Maduro, a Cristina Kirchner, o Evo Morales, foram eleitos, mas perderam legitimidade pela falta de apoio popular. Se 70% ou mais rejeitam o governo, que credibilidade há para que possa continuar a governar? É golpe? Se o é, é um golpe dado pela maioria da população em um sistema democrático que diz: não queremos mais!
Ela foi renunciada ao menos por uma parcela significativa da população. Foi um plebiscito não-formal, de quem, cansado, saiu à rua de disse: ou renuncie ou sofra o impeachment!