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quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

ÓCULOS PARA CEGOS

Guimarães Rosa, no seu conto Manuelzão e Miguelim, traz uma história paradigmática. Nele, o doutor José Lourenço apareceu na fazenda onde Miguilim vivia que o saudou e passou a fixá-lo com insistência, apertando os olhos, porque “era curto de vista”. O visitante foi até à casa onde o menino morava, conversou com a mãe e passou a fazer uns testes, mostrando a certa distância os dedos da mão e pedindo que dissesse quantos havia a cada novo gesto. Ele não enxergava. Foi quando o doutor tirou seus óculos e os colocou em Miguilim que ficou pasmo: era tudo novidade. As coisas ganharam luz, vida, cores, o que não conseguia ver agora apareciam à sua frente. Ele que nunca tinha visto um grão de areia, agora podia vê-los.

Miguilim começou a descrever as coisas que viu, as belezas nunca vistas. Saiu correndo e contou para todos quantos achou à sua frente. Quando voltou à sua casa, o doutor já tinha ido embora e Miguilim ficou profundamente triste. A experiência de ver se acabara.

A mãe disse que o doutor foi lá para as bandas dos caçadores, que voltaria. Se Miguilim quisesse, ele podia levá-lo para a cidade e fazer óculos para ele, entrava na escola e aprendia um ofício. O coração do menino disparava. Despediu-se de todos, com lágrimas nos olhos. Foi para uma nova vida para uma nova visão.

Digo que esta história é paradigmática porque ela é a história de muita gente curta de visão. Os óculos são o estudo, a leitura de bons livros, a leitura de notícias várias, a abertura da mente, a compreensão de que as coisas não se resumem a uma única causa, que os problemas complexos não se resolvem com chá de camomila, que as mudanças culturais tomam duas ou três décadas para acontecer.

O radicalismo, o fundamentalismo, o racismo, o sexismo, o machismo tem raízes fortes. Não acabam por passe de mágica, mas pelo constante e contínuo vigilar e trocar as informações mentais que se tem e trabalhar para mudar o que é conhecimento arquétipo e socializado. Há a necessidade de trocar a visão curta de um Miguilim por outra propiciada pelas novas lentes, pelo estudo, por ver coisas que a visão míope nunca permitiu.

Enquanto escrevo estas coisas não me sai da cabeça as notícias que li e ouvi ontem e esta madrugada sobre a resistência do Trump em aceitar a derrota. Para um sujeito de visão míope, que cresceu e montou um conglomerado de hotéis e campos de golf e que são questionados quanto à solidez da sua estrutura, o maior exemplar de Narciso que já, perder é algo acachapante. Ele nunca mostrou ou deu a entender que leu algum livro, que estudou além do básico (nos EUA o College) ou que aceita conselhos ou opiniões divergentes.

Ele perdeu excelente oportunidade de ganhar óculos para ver as coisas com mais detalhes e precisão, de perder a visão míope. Plagiando o poeta pantaneiro Manoel de Barros (“tudo o que não invento é falso”), o lema trumpiano é: “tudo o que não afirmo é falso”.

Lembrei-me da primeira leitura em voz alta, na frente da classe, que fiz na escola, assim que fui alfabetizado. Era a de um cego que também teve um médico que o operou e passou a ver, mas que continuou agindo como se cego continuasse a ser. A máxima era: “o pior cego é o que não quer ver”.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

JUSTIÇA COM IGNORÂNCIA

 Texto Fábio Blanco:

“Ser justo é bom. No entanto, não existe justiça sem amor, como não existe justiça sem coerência. Amor e coerência são como que a balança que permite que a justiça seja aplicada com equilíbrio.

No entanto, as pessoas estão sofrendo uma demasiada pressão social por serem justas, sem que lhes seja exigido, da mesma maneira, que tenham amor e coerência.

É uma pressão por estar do “lado certo” da sociedade, o que significa participar de julgamentos coletivos, de justiçamentos sociais, de determinar que certas atitudes, grupos, crenças e convicções, apenas por não se encaixarem nas novas concepções desta nova geração, são condenáveis.

Assim, estar do lado certo tornou-se o objetivo e a necessidade de muita gente, pois colocar-se fora dele é como viver um ostracismo em meio à multidão. Pior, é como ser marcado por uma letra escarlate.

Isso gera nas pessoas um anseio por parecerem boas, por parecerem corretas. Antes de qualquer coisa, elas querem ter certeza que estão sendo vistas como defensoras da causa certa. Querem ter a consciência limpa, levantando as bandeiras que disseram para elas que são as mais justas.

O problema é que a maior parte dessas bandeiras são hipócritas. São, na verdade, julgamentos prévios que, longe de fazer justiça, criam ainda mais preconceitos. O resultado não poderia ser outro: enquanto os justiceiros sociais defendem liberdades, agem como censuradores, enquanto falam em igualdade, promovem a segregação, enquanto gritam por tolerância, são os primeiros a não respeitar a opinião alheia. No fim das contas, se há algo que caracteriza todos esses movimentos é a incoerência.

No entanto, convenhamos, ninguém quer ser considerado incoerente. Mesmo esses justiceiros sociais possuem, como todo ser humano, uma necessidade intrínseca de serem vistos como pessoas que fazem aquilo que falam e agem de acordo com o que pregam.

Isso significa que se elas são incoerentes não é porque querem, mas porque não percebem. E se elas não percebem é porque lhes falta habilidade cognitiva para tanto. Resumindo: a incoerência das causas modernas é, antes de tudo, um efeito do baixíssimo nível intelectual geral.

Fica evidente que muito dos erros cometidos hoje em dia, sob os pretextos de moralidade, bondade e justiça, são efeitos de falhas de pensamento, da inabilidade de construir raciocínios corretamente e da incapacidade de perceber esses erros. Claro que tudo isso está aliado a uma falta de sensibilidade para perceber as injustiças que cometem e até uma certa hipocrisia.

Porém, parece-me que menos do que perversidade, é a burrice que está por trás de quase todos esses movimentos. Sem esquecer, é claro, que a ignorância, como se diz, “é vizinha da maldade.”

Completo: para quem há quase vinte anos escreve uma coluna semanal em um jornal com expressão, sente-se na pele estas injustiças de quem, lendo não entende o que se escreveu ou quem lê e acha que eu disse o que eu não disse. E quando reagem aos que escrevi, fico pasmo porque me parece que estão voltando às eras primitivas da escrita: o uso da scripto continua, quando não havia ponto final, nem vírgula, nem exclamação.

A ignorância das verdades absolutas tem sido mato a grassar o ambiente ecológico das relações humanas, separando uns e outros.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 29 de abril de 2020

DOIS DISCURSOS SOBRE A IGNORÂNCIA

Semana passada, o Brasil e o mundo tiveram a possibilidade de ouvir dois discursos por ocasião da posse do novo ministro da Saúde. Foram dois discursos sobre a ignorância.

O discurso do presidente é o da ignorância de alguém que ignora a ciência, os dados estatísticos, a vivência de outras nações, as decisões acertadas e erradas, as lições que delas se podem tirar. É o discurso da ignorância de alguém que, tão somente baseado no seu instinto e premonição pelo achismo, faz afirmações sem base alguma em dados científicos e estatísticos. Nem mesmo as muitas conclusões de estudos sérios sobre a cloroquina, que não trazem resultados definitivos, é levada em conta. Ele as ignora.

O discurso do novo ministro da Saúde também foi o da ignorância. Ele disse que precisava conhecer melhor o SUS, que precisava de mais dados para tomar decisões, que as possíveis flexibilizações seriam feitas a partir de dados que ele não tinha. Ele afirma sua ignorância sobre detalhes da Covid-19.

Há uma diferença substancial entre os dois discursos: o primeiro é o da ignorância porque, deliberadamente, não quer conhecer ou considerar os dados. Não estuda a fundo o assunto e sai fazendo afirmações tresloucadas. Só empata com o ditador da Bielorrússia que diz que a vodca e sauna evitam o contágio. Bolsonaro tem se isolado e isto lhe garantiu o título de “o pior líder mundial a comandar uma reação contra a pandemia do novo coronavírus”. Seu posicionamento tem sido motivo de chacota internacional, a crer no que amigos que moram fora do Brasil me afirmam.

O discurso do Teich é o discurso da ignorância. Ele conhece muito e sabe que há muito mais por conhecer. É o discurso de quem, conhecendo a ciência médica com especialidade em um ramo complexo, a oncologia, sabe que o Corona está dando um baile na comunidade científica internacional. Ele, tal como seu antecessor, afirma que “basta a cada dia a sua surpresa”. Cada dia é um novo dia com novos conhecimentos e mistérios. Até agora não sabem ao certo se a falta de oxigênio é por problema nos pulmões ou na corrente sanguínea que é afetada pelo vírus.

Não é de hoje que pensadores, os mais variados, afirmam que a falta de conhecimento produz certezas absurdas. Quanto menos a pessoa sabe, mais ela acha que está certa. A maior evidência de uma pessoa burra é a somatória de certezas que ela tem. Quem tem conhecimento, que estuda, sabe que há muito mais por conhecer e que, mesmo o que sabe, está sujeito a revisões.

O pré-socrático Empédocles formulou uma teoria para a visão que se revelou maravilhosa para a sua época: vemos as coisas porque os olhos emitem fachos de luz que iluminam o objeto e assim os vemos. Foi preciso Aristóteles fazer uma pergunta certeira: se assim é, por que não enxergamos no escuro? Todo saber pode ser reformulado. Cabe relembrar outro filósofo grego: “desejar violentamente uma coisa é tornar-se cego para as demais” (frag 72).

A sabedoria está em saber o que se sabe, mas sempre estar aberto a novos saberes. A palavra chave da sabedoria é “talvez”, “está é uma possibilidade”, “hoje eu penso que as coisas são assim” e outras afirmações com mesmo sentido conceitual.

Dois discursos: um foi o da estultície; o outro tem sinais de sabedoria.

Marcos Inhauser

terça-feira, 21 de agosto de 2012

IGNORÂNCIA ARROGANTE

Ao pensar no título desta coluna estava me perguntando se não é ele um pleonasmo, isto porque, na minha experiência, quase sempre o ignorante é presunçoso e acha que o que sabe é a mais pura verdade.
Tive mais uma experiência destas esta semana. Uma senhora queria saber como era a Igreja da Irmandade, porque ela nunca tinha ouvido falar desta denominação. Ela introduziu o assu
nto da seguinte maneira:
- O senhor é pastor de qual Igreja?
- Igreja da Irmandade?
- Nunca ouvi falar. Ela é uma igreja normal? Ela é uma igreja “pentencostal”?
- Ela é uma igreja cristã.
- Mas ela é “pentencostal”?
- Não, ela não é pentecostal (falei acentuando para ver se ela percebia que pronunciava errado).
- Então ela não é uma igreja verdadeira porque não é “pentencostal” (ela insistia em dizer errado). A igreja verdadeira tem que ser “pentencostal”. Se não for verdadeira e “pentencostal” não é igreja, é do demônio.
- O que a senhora entende ser pentecostal? Qual a característica de uma igreja pentecostal?
- Uma igreja “pentencostal” é uma igreja avivada, que bate palmas quando canta, que ora com fervor, com fé, que cura, que profetiza, uma igreja que não é geladeira.
- Isto para a senhora é ser pentecostal? E se eu disser que em um terreiro de umbanda eles cantam, batem palmas quando cantam, fazem orações em voz alta, curam e dizem o que vai acontecer com a pessoa, isto significa que são pentecostais?
- De jeito nenhum!
- Então as características do ser pentecostal não podem ser as que a senhora me mencionou. Há alguma outra que a senhora queira adicionar? Eu esperava que ela fosse falar do batismo do Espírito Santo como segunda benção. Que nada!
- Uma igreja “pentencostal” tem que ter o Espírito Santo.
- Como a senhora sabe que a sua igreja tem o Espírito Santo e que a minha não o tem, mas que é do demônio?
Ela parou, pensou, viu que havia se enroscado e esbravejou:
- O senhor está me enrolando! O senhor tá querendo fazer eu me desviar da fé. Pare de me perguntar e acredite no que estou dizendo porque o que estou dizendo tá na Bíblia do jeitinho que tô falando pro senhor. E se o senhor não aceitar o que tô dizendo, que é o que está na Bíblia, o senhor vai queimar no fogo do inferno!

Não é primeira vez que sou excomungado por fazer perguntas que as pessoas não sabem responder. O que mais me intriga é que quando faço perguntas que a pessoa não tem respostas, o culpado sou eu. Eles me chamam de herege, de apóstata, mas nunca dizem: sou ignorante.
Assim, para muitos, sou herege, não porque o seja, mas porque eles não sabem dar respostas às minhas perguntas. Mais: se uma pergunta pode derrubar a fé de alguém, que fé mais mequetrefe é esta.
Marcos Inhauser