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quarta-feira, 29 de maio de 2013

É IXTRANHO!

Lembrei da frase do Zagalo, no seu peculiar jeito de falar, ao ouvir as lambanças ocorridas com a Caixa e o Bolsa Família: “é ixtranho, muito ixtranho.”
É estranho que um banco do porte da Caixa, que administra o Bolsa Família, que tem impacto sobre milhões de pessoas, decida fazer o depósito antecipado da parcela mensal. Que me perdoem os ingênuos, nunca vi banco favorecer a vida de ninguém, muito menos dar dinheiro antes da hora.
É estranho que o depósito tenha sido feito sem notificação aos interessados e sem que se prevesse a comoção que isto poderia causar.
É estranho que se diga que foi boato o fato de que beneficiários tenham acessado na sexta o seu extrato e tenham visto o depósito antecipado e não tenham acreditado em um “presente da Dilma”, pois certamente estavam acreditando que no dia determinado, uma nova parcela seria depositada. Lógica simplista de quem vive das migalhas do governo.
É estranho que uma ministra do governo tenha atribuído à oposição a onda de boatos, sem ter em mãos a mais mínima informação, sendo obrigada a desdizer o que disse, alegando que o que disse não queria dizer o que foi dito.
É estranho que o vice-presidente da Caixa tenha vindo a público dizer que havia determinado a antecipação das parcelas para fazer frente à onda de saques que houve, como forma de aliviar a tensão social que o fato gerou. Mais tarde veio com a história de que, quando determinou a antecipação, ele não tinha a informação de que ela já havia sido feita.
É estranho que o presidente da Caixa venha a público afirmar que não era do seu conhecimento a antecipação das parcelas e que, por isto, demorou uma semana para trazer explicações, uma vez que precisava levantar todas as informações necessárias para o esclarecimento.
É estranho que dois bilhões de reais (que é o total conhecido do Bolsa Família) seja antecipado, sem que o vice-presidente e o presidente da Caixa tomassem conhecimento do fato inusitado.
É estranho, muito estranho, que a razão para tal antecipação seja a atualização do sistema feita entre março e abril deste ano e que, de acordo com Hereda, a Caixa identificou 700 mil a 1 milhão de beneficiários portadores de mais de um Número de Identificação Social (NIS). Com a atualização, essas pessoas passaram a ter apenas o número mais antigo do NIS, o que poderia gerar confusão na hora do pagamento, segundo o presidente.
É estranho que ele não tenha explicado se a duplicidade do NIS implica e duplicidade de pagamentos. Se assim for, dizer que o Bolsa Família seria cortado não é boato. Por outro lado, como pode um banco que administra estas contas permitir que no mínimo 700 mil inscrições tenham sido feitas em duplicata?
É estranho que a presidente Dilma tenha dito que era “desumano e criminoso” o que estava acontecendo e que, agora, se sabe, foi gente do seu governo que aprontou a lambança.

É ixtranho, muito ixtranho.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de maio de 2013

NÃO UM ZÉ: O ZÉ


Eu o conheci há mais de 30 anos. Estávamos em um encontro e um dos preletores faltou. Foi quando ele disse que tinha um texto que poderia ser lido. Nunca me esqueço: O Primeiro De(s)maio, um trocadilho sobre as condições do trabalho e o dia primeiro de maio, dia do Trabalhador.
Depois disto nos encontramos incontáveis vezes, seja em reuniões, conferências, seminários ou tomando um chopp. Cada vez que eu o ouvia falar e compartilhar suas ideias minha admiração por ele crescia.
Por duas vezes eu tive a honra de apresenta-lo como conferencista. Falei o que pensava dele: uma cabeça brilhante, um poeta, um artista das palavras e dos conceitos, hábil no uso das metáforas, etc.
Certa feita eu o convidei para falar sobre a história do pensamento humano (não podia dizer que era história da filosofia porque o auditório religioso era extremamente conservador). No caminho para o salão encontramos uma senhora e eu o apresentei como Doutor José. Ela mal tinha se afastado ele me deu uma bronca: “Marcão, não quero mais que você me apresente do jeito que você faz. Quando você for me apresentar, diga que sou o Zé. Nada mais.” “Mas Zé...” tentei retrucar e ele foi enfático: “Só Zé. Nada mais. Entendido?”
Eu já tinha preparado o discurso de apresentação. Ia dizer que era autor do livro Corpoética, Cosquinhas no Umbigo da Filosofia, Papo de Boteco e outras coisas mais. Fiquei mudo. Fiz o que ele me pediu: “aqui está o Zé”.
O grupo cantou um hino que dizia: “é mui certo que a gente tropeça, por isso Senhor, eu preciso de ti./Bem sei que nas preces eu posso buscar-te / Jamais dessa bênção na vida eu descri, / Contudo, é possível que eu dela me aparte / Por isso Senhor eu preciso de ti.”
Ele começou dizendo: “este sou eu. Já tropecei, já me apartei. Peço a vocês para não acreditarem no que vou dizer, mas que examinem e só aceitem aquilo que entenderem ser certo.”
Começou com os pré-socráticos e veio desfilando até o existencialismo. Eu estava abismado porque o auditório, que eu tinha certeza teria resistências, estava participando, fazendo perguntas, etc.
No período da tarde veio o segundo preletor. Começou dizendo que queria fazer algumas observações sobre o que o Zé havia dito, porque podia dar lugar a interpretações heréticas. E começou a desfilar um rosário de certezas e jactância.
Uma hora de palestra do segundo orador, o presidente do grupo veio até mim e perguntou: “Não dá para fazer este cara calar e colocar o Zé no lugar dele?”
Perguntei ao Zé, depois, porque não queria que o apresentasse da forma como queria. Ele me disse duas coisas que me marcaram: “primeiro que você exagera. E quando você exagera as pessoas ficam esperando a fala de um gênio. E eu não o sou. Dizendo que sou o Zé, qualquer coisa que vier depois disto é lucro.”
Não vou dar o nome completo dele para não levar outra bronca. Mas quem quiser saber quem é, me escreva que eu conto. Isto o Zé não pode me proibir....... E o faço como gratidão pelo muito que com ele aprendi e tenho aprendido. 
Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de maio de 2013

PODER DIVINO?

Mal tinha enviado para a redação a coluna na semana passada, na qual fazia algumas reflexões sobre o poder, entre elas a de que “nada mais terrorista que o poder exercido em nome de Deus” e surge a notícia de que o “pastor” Marcos Pereira estava sendo preso por ter, supostamente, abusado sexualmente de fiéis da sua igreja. Segundo as notícias veiculadas, ele promovia cultos de exorcismo e dizia a algumas fiéis que o demônio só sairia delas se mantivessem relações com um homem santo, no caso, o próprio “pastor.”

O argumento, ao menos para mim, não é novo. Nos idos anos 80 ouvi de mais de uma testemunha, de uma profetisa na cidade de Jaú que revelava o tal “mandamento da carne”, onde fulano deveria transar com cicrana, porque esta era a vontade de Deus. A mesma coisa ouvi depois como prática em outros círculos “proféticos”, dando-me a sensação de ser algo usual em determinados círculos.
Já mencionei aqui há algum tempo (Desequilíbrio de Poder) que estudos feitos sobre os casos de violência sexual sempre mostram uma relação desigual de poder, onde os abusadores, no exercício de sua autoridade, impõe suas vontades sobre as partes mais fracas. Também afirmava que, no campo do religioso, esta desigualdade do poder se estabelece quando o religioso se apresenta como revestido de “autoridade espiritual”, o que facilita a investida sobre a presa de sua sanha sexual. Uma “cantada” de um religioso é mais efetiva que a de um cidadão normal. Há nisto a mística de estar se relacionando com o sagrado, com alguém mais próximo de Deus, uma elevação espiritual pelo sacrifício da entrega do corpo, de orgasmo mais pleno porque feito com a santidade. Há o caso (sem o mesmo destaque na mídia) de pastor que Deus revelou que as mulheres dos membros da Diretoria da Igreja deveriam ser acessíveis e acabou sendo flagrado no escritório pastoral com uma delas.
Neste contexto fica mais fácil entender como pais e familiares próximos são os maiores violadores das crianças e como a pedofilia ganhou níveis epidêmicos no seio da religião. Atendi certa feita uma pessoa que foi abusada pelo pai evangélico que usava o mandamento do “honra teu pai” e o texto “filhos, em tudo obedecei vossos pais, porque isto é justo” como forma de obrigar a família a ceder aos seus impulsos.
Há que lembrar-se que o agora acusado teve seus momentos de glória midiática quando apareceu no Fantástico, que lhe deu longos minutos de reportagem, apresentando-o como recuperador de viciados, negociador de rebeliões e salvador de pessoas condenadas à morte pelo tráfico. Talvez por causa disto, ele tenha conseguido as verbas públicas milionárias para seu “trabalho”.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O PODER

Somo seres quer buscamos incessantemente o poder. Em todas nossas relações estabelecemos “nosso território” e buscamos ampliá-lo com negociações e artimanhas. A busca pelo poder é inerente ao ser humano e o altruísmo, quando acontece, pode ser que seja um investimento no longo prazo.
Há certas circunstâncias em que cedemos certo espaço de poder. Há povos que, vivendo em liberdade, quiseram ver a ordem estabelecida e esta superou e a liberdade e poder de exercê-la foi parcialmente suplantado.
Ninguém consegue viver sem um espaço de poder. A autonomia é necessária para que haja a individualidade. A ausência total do poder pessoal é a completa despersonalização. No entanto, como seres humanos, somos a somatória das obediências que prestamos a quem não podíamos e não podemos desobedecer. No fundo, sobrevivemos porque cedemos algo do nosso poder para figuras ditatoriais patriarcais, matriarcais, avunculares, professores, chefes, etiqueta, moda, etc.
Neste contexto deve-se ver a política. O império político tem o objetivo de manter a massa no limite mínimo da satisfação e abafar o clamor dos pobres e sofridos. Deputados, senadores, vereadores, governadores e quejandas não são deserdados. São eleitos porque têm cacife, tem poder anterior para lá chegar. E quando lá chegam buscam ampliar o seu espaço de poder.
A política existe para congelar o status quo. Daí porque, as Câmaras Municipais mais concedem honrarias que legislam mudanças. E quando elas ocorrem são cosméticas. Um governo sem atribulações, azeitado, sem greves, sem reclamações é o que todo governo quer. Ele busca manter e aumentar seu poder, usando de todos os artifícios disponíveis, não importa se éticos. E para legitimar esta sua ânsia, usa do processo educativo e da propaganda oficial para persuadir os dominados a aceitar a dominação, via consenso ideológico. É um processo de acomodação e domesticação das classes, especialmente as emergentes. Talvez com isto se possa entender porque no Brasil não se permite a “educação em casa” (home schooling). Seria ter gente pensando fora do consenso ideológico.
Nada mais terrorista que o poder exercido em nome de Deus. O fanatismo religioso, na história da humanidade, é o responsável pela maioria das mortes violentas. Se o poder do monarca vem de Deus, nada nem ninguém irá suplantá-lo ou diminui-lo. O “poder divino” cria messias, iluminados, fazedores de milagres e ladrões do povo via ofertas religiosas e dízimos. Cobra vidas como é o caso dos fanáticos muçulmanos. Quem tem olhar crítico sobre estes “poderosos divinos” é tachado, até mesmo pelos domesticados, de herege.
No âmbito da sociedade são tachados de revolucionários, antissociais, guerrilheiros, esquerdistas. Usam dos meios de comunicação (que está nas mão dos poderosos) para vender esta ideia aos dominados que, consensualmente, aceitarão a versão oficial e a outra como subversão.
Marcos Inhauser

FERVENDO
As relações entre os poderes da República não andam nada harmônicas e estão ferevendo. Soube-se, dias antes do início do julgamento do mensalão, que o ex-presidente da República tentou chantagear um dos integrantes do STF. Mais tarde, soube-se também do périplo do ministro Fux em suas visitas a autoridades, no objetivo de conseguir a sua indicação para o Supremo e que o fizeram na esperança de que seu voto fosse favorável aos mensaleiros. Não sendo, foi xingado e execrado pelos filiados ao partido governante. Os votos do Toffoli não convenceram ninguém da imparcialidade que um juiz deve ter.
O Planalto andou tendo algumas derrotas no Congresso e a sua base de articulação, qual centroavante irregular, tem errado o gol na hora agá. Em outras, jogo com o rolo compressor e arranca vitórias que evidenciam interesses nada republicanos. Nos últimos dias vimos esta máquina de votação passar o rodo e levar ao plenário a limitação (ou a criação de obstáculos mil) para a criação de novos partidos, naquilo que se pode definir como animus legendi, quando uma lei é feita com o objetivo de alcançar alguém específico, no caso a Marina da Silva e sua Rede de Sustentabilidade. Também limita as articulações do Eduardo Campos, provável candidato do PSB à presidência.
O PSDB bateu às portas do STF e conseguiu liminar para suspender a tramitação do projeto, por entender ser inconstitucional. O Gilmar Mendes (que deve ganhar por liminares e habeas corpus que expede), concedeu e a grita no legislativo foi grande: o judiciário está se metendo nas atribuições do legislativo. Veio a desforra: o legislativo propôs que algumas questões votadas pelo STF, mesmo pelo seu pleno, sejam referendadas pelo Congresso. Em outras palavras, o STF estaria sub judice do legislativo. A grita foi geral pois, inclusive assim acho também, isto cheira a golpe.
Agora vêm os impolutos Calheiros e Alves com a conversa iniciada pelo Maia quando presidente da Câmara, de que o que se quer é delimitar com precisão as atribuições de cada poder, para que as relações sejam mais harmônicas e a coisa pública ande com mais celeridade. Isto me cheira raposa se candidatando a xerife do galinheiro. A continuar assim, vão propor a extinção da Procuradoria Geral da República, dos Tribunais de Contas e a Controladoria Geral da União porque andam “criando problemas”para a aplicação das verbas parlamentares.
Aliado a isto está a proposta da votação em listas feita pelo partido e não mais em candidatos. Só vamos poder votar no bloco! Não me assustaria que um iluminado viesse com a proposta de acabar com as eleições em função dos altos níveis de popularidade do Lula e Dilma, o que evidencia a aceitação popular e a efetividade de seus governos.
Seria a realização do sonho do companheiro Zé Dirceu e seus aspones.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 24 de abril de 2013

CONSERVADORISMO

Uma das características das igrejas é a confessionalidade, determinada pelo conjunto de doutrinas que a denominação ou religião estabelece como sendo a verdade. Esta doutrina teórica é ensinada através de Catecismos que são ensinados e que os aprendizes devem memorizar, repetir e recordar. Ora, ao fazer isto, a igreja conserva o mesmo, as mesmas verdades que foram pronunciadas há séculos por algum iluminado, seja Agostinho, Aquino, Lutero, Calvino, Zwinglio, Wesley ou qualquer outro.
A preeminência desta Confissão é tão grande que o Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil, no Capítulo II, quando trata das faltas, no Art.4º, Parágrafo Único – “Nenhum tribunal eclesiástico poderá considerar como falta, ou admitir como matéria de acusação aquilo que não possa ser provado como tal pela Escritura, segundo a interpretação dos Símbolos da Igreja”. Percebe-se assim que só é falta (pecado) aquilo que é previsto nos Símbolos da Igreja (Confissão de Fé, Catecismos Maior e Menor).
A memória, a recordação preservam o passado e este é imutável. Não se muda o que já aconteceu. Ao fazer esta retro-oculatra, as igrejas perdem o sentido de uma resposta ao presente, preferindo a saudade de tempos idos. A recordação tem algo de opressora: ela não permite a novidade, a descoberta, a criatividade. Ela congela o pensamento e nega o diferente. Ao assim proceder, entroniza o passado como verdade absoluta e demoniza o presente e os sonhos de futuro melhor como demoníacos.
Não é para menos que os profetas tenham sido mortos, torturados, serrados ao meio. No dizer do escritor de Hebreus: “Todos esses morreram cheios de fé. Não receberam as coisas que Deus tinha prometido, mas as viram de longe e ficaram contentes por causa delas, declararam que eram estrangeiros e refugiados, de passagem por este mundo. E aqueles que dizem isso mostram bem claro que estão procurando uma ... Não ficaram pensando em voltar para a terra de onde tinham saído. Se quisessem, teriam a oportunidade de voltar. Mas, pelo contrário, estavam procurando uma pátria melhor, a pátria celestial. E Deus não se envergonha de ser chamado de o Deus deles, porque ele mesmo preparou uma cidade para eles.” (Hb 13:12-16).
Para a religiosidade ortodoxa, ciosa das verdades que sustenta há séculos, os pregadores de alternativas, os promotores de perguntas, os questionadores devem ser liquidados, taxados de hereges, queimados no fogo da Inquisição.
Nada mais fácil que taxar alguém que pensa de herege, apóstata. Não há lugar para os profetas! A função do ministério profético é manter juntos o espírito crítico e a ação. É na dialética entre crítica e ação que nos tornamos fiéis a Deus. Optar por um ou outro é cair nas armadilhas do progressismo e do conservadorismo.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 17 de abril de 2013

PROVA CABAL


A lentidão da justiça brasileira tem nesta semana sua prova mais cabal: vinte anos para que os indiciados no massacre do Carandiru sejam julgados! No que pese a comoção nacional e internacional com o caso, o processo andou a passos de tartaruga.
Já se falou e se falará sobre a quantidade de pessoas envolvidas, seja como acusados ou como testemunhas, tentando com isto justificar a demora no julgamento.
Não há como colocar de lado o sentimento de impunidade que grassa na população. Tamanha crueldade e barbárie ficam para as calendas. A percepção popular é que não vai dar em nada, mesmo porque, o comandante do massacre já morreu e os demais implicados de alto escalão (governador e outros), têm poder de fogo (entenda-se bons advogados).
Os testemunhos prestados até agora neste julgamento são estarrecedores. O ex-detento Marco Antônio de Moura, afirmou que atiravam em direção à cadeia de dentro de um helicóptero: "Tinha um helicóptero com uma metralhadora atirando ...  tinha presos que estavam no telhado, tentando fugir. Todos foram atingidos por essas balas e morreram".
Ele ainda testemunhou que “na minha cela, entraram uns 30. Fechamos a porta. Um policial chegou, colocou o cano da metralhadora pela janela que fica na porta e atirou. Uns dez foram atingidos, oito morreram ... No momento em que os presos eram levados para o pátio, os presos ouviam os policiais gritando: ´Deus cria, a Rota mata´ ... Tive um amigo que estava com um furo no pé, pisou no sangue e pegou HIV. Morreu por causa da doença há uns cinco anos".
Outro ex-presidiário, Antônio Carlos Dias, disse em seu testemunho acreditar que o número de mortos no massacre foi o dobro dos 111 divulgados oficialmente.
Há ainda quem coloque o massacre como o ponto de partida da criação da facção criminosa PCC. Promotoria e defesa concordam que o massacre ocorrido em 1992 e o surgimento da facção em 93 estão relacionados. A advogada de defesa dos policiais, Ieda Ribeiro de Souza, atribui o surgimento da facção às reações críticas à atuação policial no episódio. Para ela “deram carta branca aos bandidos quando restringiram a PM de entrar nos presídios. Por isso, estamos na situação que estamos hoje". O PCC reivindicava o fim da linha dura e dos maus-tratos contra os presos. 
O que me intriga é que o julgamento não tenha comovido a população para acompanhar e exigir lisura e justiça. Talvez isto se explique pelo fato de que apenas 10% das pessoas acreditam que eles serão condenados e presos.
Os dados são de pesquisa realizada entre 4 e 5 de abril, com 1.072 entrevistados com mais de 16 anos. Estou entre os descrentes, até prova em contrário.
Marcos Inhauser

MEGAIGREJAS

Megaigrejas são fenômeno novo. As grandes congregações estavam ausentes da história da Igreja Cristã. Em qualquer período histórico não havia mais do que uma dúzia destas congregações em todo o mundo, mas nenhuma delas se enquadra no que hoje são as megaigrejas. Elas são mais do que igrejas com frequência enorme. São congregações com padrão distinto de organização nas relações, nos ministérios e na associação. A rápida proliferação desta forma de vida congregacional ocorreu nas últimas décadas. Quase todas as megaigrejas foram criadas depois de 1955.
O crescimento explosivo experimentado por essas congregações não existiu antes da década dos oitenta. Dados coletados em 1992 nos Estados Unidos revelam algo em torno de 350 de tais congregações.
A característica mais evidente das megaigrejas é o número de pessoas presentes em uma semana. O atendimento tamanho deve girar em torno de 2.000 pessoas para que elas passem a ser consideradas como tais.
O tamanho de algumas megaigrejas pode ser enganoso. Uma contagem de milhares de frequentadores raramente é exata. Estimar a participação com base no número de pessoas pela quantidade de assentos disponíveis é algo que carece de precisão. Muitos denunciam um atendimento inflacionado, sob a alegação de que ninguém frequenta mais de uma vez por semana a igreja. Assim, na maioria dos casos, o que se tem são estimativas, mesmo porque, uma das características destas igrejas é não ter um rol de membros.
O grande número de frequentadores cria várias dinâmicas. Se se atinge a massa crítica de 2000, a força numérica se torna em poderoso fator de atração. Um líder destas igrejas disse que “quando se atinge certo tamanho, a igreja se torna autogeradora: atrai as pessoas por seu tamanho. As pessoas sabem que vão estar na TV e que o lugar é grande. Há uma sensação de que alguma coisa está acontecendo e tamanho gera mais crescimento”.
A grande igreja cria um movimento de atração de outros. Um fluxo de carros de domingo em uma rua tranquila desperta o interesse. Grandes edifícios e amplos estacionamentos marcam presença no entorno.
Muitas vezes não é apenas o tamanho que caracteriza a megaigreja. A maioria experimenta crescimento rápido ao longo de um período de tempo muito curto. É "sucesso instantâneo" que muitas vezes define uma megaigreja na ecologia religiosa. Este aumento explosivo define esta congregação para além de outras opções espirituais da comunidade. Elas são igrejas dependentes da figura de um líder, muitas vezes autocrático. Ele é a cara visível da igreja e é conhecida como a “igreja do fulano”.
Considerados estes fatores, algumas perguntas se impõem: são as megaigrejas verdadeiras igrejas? Se a essência da igreja cristã é a comunhão, que comunhão há entre duas, três, quatro mil pessoas? Elas são congregações ou auditórios? O que prevalece é o estilo de vida simples ou o espalhafato tecnológico? A adoração genuína ou o show dos “modernos levitas?”
Marcos Inhauser

quarta-feira, 3 de abril de 2013

PETULÂNCIA RELIGIOSA


O deputado federal e pastor evangélico Marco Feliciano fez algumas declarações durante um culto em Passos – MG, na sexta-feira da Paixão, em função da pressão que vem sofrendo por ser o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara: "Essa manifestação toda se dá porque, pela primeira vez na história desse Brasil, um pastor cheio de espírito santo conquistou o espaço que até ontem era dominado por Satanás".
Há algumas coisas que quero ressaltar na reportagem feita pela Folha de São Paulo sobre as declarações. Uso o texto escrito por Alexandre Gonçalves, pastor da Igreja da Irmandade: “Nas entrelinhas da reportagem surge um detalhe curioso: o jornalista Daniel Carvalho ... escreveu "espírito santo" com letras minúsculas e "Satanás" em maiúsculo. Não sei se proposital,  ..." ou intenção deliberada ... do jornalista, mas para mim providencial. ... eis que o pastor se declara um homem "cheio de espírito santo", e portanto, cheio de "poder", de "verdade", e ... de legitimidade divina para tomar suas decisões. Ele quer nos fazer crer que há uma "batalha espiritual" no Congresso ... , e ... que ele é a resposta de Deus para essa batalha (pela primeira vez na história desse Brasil!). Ele segue a lógica de que é necessária uma força maior, ... divina ... para vencer o mal instalado no mundo.
Nessa dicotomia estabelecida entre o BEM ... e o MAL (Satanás, por meio dos ativistas dos direitos dos homossexuais, encabeçado pelo Dep. Jean Wyllys) não sobram espaços para refletir sobre os absurdos proferidos de todos os lados, sendo um dos mais graves, ... anunciar-se como o "primeiro pastor cheio de espírito santo na história desse Brasil a conquistar o espaço que até ontem era dominado por Satanás". Nessa luta de verdades absolutas só há espaço para o triunfalismo da teologia dos "homens muito usados por Deus".
Talvez o jornalista tenha mesmo razão em escrever "de espírito santo" com letras minúsculas. Feliciano está cheio daquilo que compreende como espírito de santidade, de pureza e superioridade, que dá carta branca a ele para fazer o que desejar, afinal, está sob a legitimidade divina. Saudades dos profetas: "Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades como um vento nos arrebatam”. (Isaías 64,6).
Talvez o jornalista tenha acertado também em escrever "Satanás" em maiúsculo, por perceber ser ele o único protagonista, de fato, disso tudo.
A petulância está em arvorar-se em “pastor cheio do Espírito Santo”. É tão petulante como quem afirma ser gênio, sábio ou iluminado. Nem Jesus fez esta afirmação sobre si. O que ele tem é o espírito do messianismo: escolhido por Deus para salvar a família brasileira!
Livrai-nos Deus dos falsos Messias!
Marcos Inhauser

terça-feira, 26 de março de 2013

OS MEUS DOIS NEURÔNIOS ESTÃO FERVENDO


Um dos dois neurônios que tenho está fervendo. O outro está em estado de convalescência. Eles nunca funcionaram bem, mas, desde a semana passada, entraram em curto-circuito. Por todos os meios e exercícios tentei reanimá-los, mas estão em pane.
A coisa começou na semana passada quando li que o Conselho Federal de Medicina decidiu propor que o aborto seja legal até o terceiro mês de gestação. Segundo o presidente do CFM, Roberto Luiz d'Avilla, “é inaceitável que mulheres morram em abortos realizados sob condições inseguras”. Ele também criticou “a desigualdade de meios à disposição de mulheres ricas e pobres que desejam interromper a gravidez. A realidade dos fatos mostra as mulheres fazendo aborto com uma grande iniquidade. As ricas em condições seguras e as pobres, totalmente inseguras. E elas [as pobres] é que estão enriquecendo as estatísticas de mortalidade e de morbidade. Ou seja, as complicações, perdendo útero, perdendo partes do intestino, morrendo. Isso que não é possível. Essa desigualdade é inaceitável do ponto de vista médico".
O que me deixa intrigado é a lógica utilizada. Na argumentação se diz que os abortos ilegais produzem muitas mortes (terceira causa de morte em gestantes) e internações na rede pública, em função dos procedimentos inadequados. O que sobra para o Estado são as “pobres”, porque as ricas têm como arcar com os custos. Qual a garantia que a legalização dará às pobres condições seguras de praticar o aborto? Ou a consequência disto é prover clínicas de aborto do SUS?
Por outro lado, a salvaguarda da vida da mãe é determinada pela morte certa de um inocente. O possível risco de vida da mãe determina a morte certa do feto. Mais: em um momento em que se têm inúmeros métodos de controle da natalidade (até camisinha grátis o governo tem dado), engravidar pode ser visto como irresponsabilidade ou descuido. Esta atitude vitima quem não teve nada a ver com a história: o feto, a criança. A sentença da morte certa, feita de forma correta e legalizada!
A segunda pancada no meu teco veio da proposta encaminhada pelos redatores do novo Código Penal Brasileiro. Outra vez a lógica me deu nó neural: criminaliza-se o racismo, a homofobia, mas se legaliza a morte via aborto. É crime afirmar ser contra a homossexualidade, mas será avalizada, talvez até com dinheiro público via SUS, quem quiser interromper uma vida embrionária.
Ainda que seja pastor, não me valho de argumentos teológicos ou religiosos para expor minha indignação. Poderia fazê-lo e o farei em outra oportunidade. Quero, sim, explicitar a lógica de dois pesos e duas medidas. É crime racismo, mas é legal o aborto. É crime a homofobia, mas é legal a interrupção da gravidez. Denegrir alguém é mais crime que matar alguém!
Só espero que não venham com mais coisas e acabem inviabilizando o neurônio que sobrou. É verdade que ele levou um belo tranco com as eleições dos presidentes do Senado e Câmara. Mas os meus neurônios estão com a saúde frágil. E o SUS não tem tratamento para eles.
Marcos Inhauser