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quarta-feira, 9 de maio de 2012

CHEIROSOS E LIMPINHOS


Com algumas exceções, todos somos cheirosos e limpinhos.
Isto nem sempre foi assim. Quando se visita o Palácio de Versailles, observa-se que não há banheiros! As fezes humanas eram atiradas pelas janelas do palácio. Na Idade Média não existia pasta de dente, escovas de dentes, perfumes, desodorantes, papel higiênico. As pessoas eram abanadas não por causa do calor, mas do odor que as pessoas exalavam, pois não tomavam banho, não escovavam os dentes, não usavam papel higiênico e não faziam higiene íntima. Os nobres eram os únicos que podiam ter quem os abanassem, espalhando o mau cheiro que o corpo e suas bocas exalavam.
Na Idade Média, a maioria dos casamentos ocorria no mês de junho (início do verão), pois o primeiro banho do ano era tomado em maio. Assim, em junho, o cheiro das pessoas ainda estava tolerável. Como alguns odores já começavam a exalar, as noivas carregavam para disfarçar buquês de flores junto ao corpo, dando assim origem ao costume de se casar em maio e carregar buquês.
Os banhos eram tomados numa única tina. O chefe da família era o primeiro. Depois, sem trocar a água, vinham os outros homens da casa, as mulheres e, por fim, as crianças. Quando chegava a vez delas, a água já estava tão suja que era possível perder o bebê lá dentro. É por isso que existe a expressão em inglês "don't throw the baby out with the bath water” (não jogue o bebê junto com a água do banho).
Os telhados não tinham forro e as madeiras que os sustentavam eram o lugar para animais se aquecerem. Quando chovia, começavam as goteiras e os animais pulavam para o chão. Assim surge a expressão "it's raining cats and dogs" (está chovendo gatos e cachorros).
Os que tinham dinheiro possuíam pratos de estanho. Certos alimentos oxidavam o material e muita gente morria envenenada. Os tomates, sendo ácidos, foram considerados venenosos. Os copos de estanho eram usados para beber cerveja ou uísque. Essa combinação, às vezes, deixava o indivíduo no chão (numa espécie de narcolepsia induzida pela bebida alcoólica e pelo óxido de estanho). Alguém que passasse pela rua poderia pensar que estava morto, recolhia o corpo e preparava o enterro. O corpo era velado por alguns dias e a família ficava esperando para ver se o morto acordava ou não. Surgiu assim o velório.
A Inglaterra nem sempre teve espaço para enterrar todos os mortos. Os caixões eram abertos, os ossos tirados e o túmulo era utilizado para outro defunto. Às vezes, ao abrir os caixões, percebiam que havia arranhões nas tampas, do lado de dentro, o que indicava que aquele morto tinha sido enterrado vivo. Surgiu a ideia de amarrar uma tira no pulso do defunto que passava por um buraco no caixão e ficava amarrada a um sino. Após o enterro, alguém ficava de plantão ao lado do túmulo durante uns dias. Se o indivíduo acordasse, o movimento de seu braço faria o sino tocar. Ele seria "saved by the bell", ou salvo pelo gongo, expressão essa por nós usada até os dias atuais.  (Condensado de um artigo anônimo que recebi há muito tempo).
Marcos Inhauser

quarta-feira, 2 de maio de 2012

MOEDA DE TROCA


A recente cachoeira de vídeos e áudios que tem vindo a público, revelando o lado fétido e nada ético da vida pública e política de altas autoridades da república e da polícia, revela também algumas coisas que merecem ser consideradas.
Sabe-se hoje que o Procurador Geral da República já sabia dos descaminhos do Senador Demóstenes há três anos e nada fez para que o mesmo fosse devidamente enquadrado. Pergunta-se hoje o que o levou a ficar três anos engavetando o assunto. Seria ele Procurador ou, como foi o antecessor, Engavetador Geral da República?  Quais interesses ele defendia ou que temores tinha para que as coisas não fossem trazidas a público?
Outra pergunta que se faz é por que só agora a coisa veio a publico, na profusão de evidências, onde a cada dia nova revelação aparece, como se a cachoeira do esgoto fosse conta-gotas? Haveria alguma estranha relação entre os fatos hora revelados e o julgamento a ser feito pelo STJ sobre o mensalão? Haveria aqui alguma possível moeda de troca ou “presta atenção” à oposição? Seria algo do tipo: se vocês quiserem mexer fundo na lama do mensalão, nós temos uma cachoeira de fezes para jogar sobre vocês.
Causa-me estranheza que a CPI dos Corruptores, tantas vezes aventada e necessidade urgente nesta república de mal feitos, nunca tenha saído do papel e nem mesmo é aventada pelos políticos de plantão. Já se fez algo para punir um ou outro pego na corrupção, mas nada que tocasse no âmago da questão. Se há corruptos há corruptores. Que as construtoras são as grandes vilãs, todo mundo sabe e evidências já foram levantadas, todas devidamente arquivadas por sentenças judiciais, sob a legação de ilegalidade no levantamento das provas. Quem, em sã consciência, acredita que desta vez vão pegar os tubarões? Será que vão mexer fundo na coisa, pegando a construtora que mais contratos tem com o Governo Federal? Duvido e aposto que não. Providencialmente pegaram um lambari da construtora e o puseram em prisão, o Cavendish já saiu de cena, a Alckmin já disse que vai rever os contratos com a Delta, a própria Delta já abriu mão de algumas obras mais vistosas (Maracanã e Petrobrás). Assessores do Agnelo Queiroz já renunciaram para “ter tempo de preparar a defesa”, o Marconi Perilo nega de pés juntos que nada tem a ver com a coisa. Vai sobrar para quem?
O Demóstenes vai receber seu quinhão por ter batido forte no governo e agora recebe o troco. Os dois delegados da PF vão cair em desgraça, os deputados Lereia e o Protógenes vai receber seu quinhão de vingança, o Nercessian é figura insípida e não afeta o tabuleiro do jogo e vai sobrar até para o Tulio Maravilha.
Mas tubarão não vai cair nesta rede. É ano eleitoral e a moeda de troca vai rolar. Vai se fingir que se investiga, vai se fingir que se pune, cada partido vai receber seu quinhão das construtoras, laboratórios farmacêuticos e bancos e continuamos sendo o mesmo país que sempre fomos. E assim será financiada a campanha eleitoral. Quanto mais derem para os partidos, menos chances tem as construtoras, bancos, laboratórios de serem chamados a se explicar na CPI.
Marcos Inhauser

A DECEPÇÃO FOI ELEITO


Nada que me surpreendesse. O resultado da “eleição” na câmara Municipal de Campinas era, para mim, o conto de um final previsível. Eu já disse aqui que o Pedro Serafim não entrou na história de graça. Ele tinha e tem seus objetivos. Seu sonho desde criancinha era um dia ser prefeito de Campinas e conseguiu, ainda que pela via indireta, mesmo porque, se fosse pela urna eu tenho minhas dúvidas de que seria eleito.
Ele, na sua trajetória política, é uma decepção. Em 2010, quando da sua eleição para a presidência da Câmara já se alertava para o fato de que o ele era um dos parlamentares mais ausentes na Câmara. Quase não participava das comissões e nas sessões.  Chegava atrasado e costumava sair antes de terminar as reuniões.  Os vereadores foram questionados sobre os motivos que os levaram a votar nele e não responderam. Nos corredores muitos parlamentares admitiram que Serafim iria rever o valor dos salários dos vereadores.
Aqui está a segunda grande decepção: a forma como conduziu a discussão e aprovação do aumento salarial de 126%. À época eu escrevi: “A Câmara Municipal de Campinas, no melhor dos espíritos natalinos, decidiu dar-se um belo presente: aumento nos salários de 126%! ... Qual o índice usado para que eles aprovassem os 126%? E por que foi feito em uma aprovação às surdinas e de forma sorrateira?”. Na semana seguinte escrevi: “como acreditar no comandante em chefe da decisão que autoconcedeu-se o escandaloso aumento de 126%. O meu raciocínio é: a questão do aumento foi proposta, discutida, aceita e aprovada nos bastidores, bem assim a maneira sorrateira de aprovar. ... Causou-me espanto as afirmações do agora prefeito tampão, ... de que o aumento era para que houvesse independência do legislativo (... confissão de promiscuidade...). “
A terceira decepção é que, no mandato tampão queria governar juntamente com os vereadores, sugerindo o conluio do executivo com o legislativo, inconstitucional. Mais tarde disse que não conseguiu fazer grandes coisas no mandato tampão porque era temporário, ainda que tivesse todo o poder da caneta para fazer acontecer coisas. Se não soube se impor na autoridade de tampão, como acreditar que se imporá no mandato tampão-eleito? Temporário por temporário, os dois os são.
No dia da eleição, em entrevista, disse que daria um choque de gestão e que “controlaria a transparência das contas”. Ato falho? Para mim confissão de um estilo, porque já mostrou na Câmara como controla a informação quando do episódio do aumento salarial. O que a população espera e reclama é que a transparência das contas não seja controlada, mas feita de forma clara.
Não tenho dúvidas: Campinas continuará sem prefeito até dezembro. Até lá haverá muita campanha, muito acerto de bastidores e vereadores tentando limpar a barra que sujou nestes episódios todos. De minha parte não reelejo a nenhum deles!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Carta de Princípios da Criança Diabética


Há alguns anos presto serviço voluntário junto à ONG Pró-Diabéticos. Fundada em 2005, pela Sra. Claudia Filatro, mãe de uma criança com diabetes tipo1, a ONG Pró-Crianças e Jovens Diabéticos, sediada em Campinas/SP, e com filial em Guarujá/SP, conta com cerca de 30 voluntários, nasceu com a missão de prover amor, orientação e meios aos pacientes portadores de diabetes tipo 1, com prioridade para crianças e adolescentes de baixa renda, e seus familiares.
O Diabetes mellitus (DM) é um dos principais problemas de saúde pública mundial, tendo afetado no ano de 2011 cerca de 366 milhões de pessoas e com uma estimativa de 552 milhões de indivíduos afetados no ano de 2030 se medidas de prevenção não forem adotadas.
O Diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é o distúrbio metabólico mais frequente na infância e na adolescência e caracteriza-se pela deficiência absoluta da secreção de insulina, resultante da destruição autoimune das células beta do pâncreas.
Recentemente a ONG trabalhou dura e arduamente na elaboração da “Carta de Princípios dos Direitos da Criança e do Adolescente com diabetes tipo 1”. Esta é mais uma iniciativa inédita da ONG, cujo papel é defender os direitos, interesses e necessidades das crianças e adolescentes de baixa renda com diabetes tipo 1. A Carta visa garantir os direitos básicos dessa população e para isto precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.  A forma de se conseguir isto é através de Abaixo Assinado eletrônico com 50.000 assinaturas on line.
Com esta carta busca-se o direito de receber cuidados especiais de um Cuidador capacitado em diabetes tipo 1 que ajudará o paciente a receberem os cuidados especiais; que ajudará a criança a gerenciar em nível domiciliar o tratamento medicamentoso do paciente, assim como do plano alimentar de prescrito pelo médico ou de nutricionista; controlará as crises agudas e complicações, manterá registros glicêmicos, estímulo e/ou acompanhamento do paciente nas atividades físicas, visando sempre concentrar esforços no tratamento preventivo.
A ONG lança agora a campanha para as assinaturas sejam colhidas e que podem ser firmadas por pessoas físicas, jurídicas, associações de portadores de diabetes, e demais entidades de defesa dos direitos da criança.
A forma de aderir à campanha e deixar sua assinatura é acessando o site:: http://www.peticoesonline.com/peticao/carta-de-principios-dos-direitos-da-crianca-e-do-adolescente-com-diabetes-tipo-1/456.
Colhidas as assinaturas necessárias, o próximo passo será a entrega da Carta com as devidas assinaturas eletrônicas à Ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário Nunes, ao Ministro da Saúde Alexandre Padilha, Coordenador Nacional de Saúde da Criança e do Adolescente do Ministério da Saúde e ao CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), a fim de que sejam implementadas as ações necessárias que assegurem a efetivação dos direitos dessa população.
Marcos Inhauser

quinta-feira, 12 de abril de 2012

MEU TEMPLO É A COZINHA


Meu altar é o fogão.
Minha ceia é o arroz e feijão, salada e mistura.
A mesa é a celebração da comunhão.
Os vapores das panelas são o incenso das minhas orações.
O cheiro é a antecipação do paraíso.
A reunião é a adoração.
O barulho dos comensais é o canto de louvor.
Não falo em metáforas, mas na concretude dos fatos de entender que cada refeição é uma Eucaristia. Cada vez que entro na cozinha eu o faço com reverência. Gosto de cozinhar e entendo que fazê-lo é um ato de amor ao próximo. Cozinho não para mim, mas para os meus familiares, os meus amigos. Esmero-me.
Cortar uma cebola ou um tomate é um ato de celebrar ao Criador ao ver as texturas, a disposição das sementes, o cheiro, o gosto. Colher a salsa e a cebolinha é um ato de usufruir do criado e o prazer do sabor na comida. Mesmo folhas minúsculas, moídas, picadas, esmagadas, trazem tempero e a delícia da criação ao prato preparado. Temperar uma carne, um peixe, um frango é um ato de adoração ao Criador que nos deu a comida e a sabedoria em prepará-las.  Que mundo mais sem graça seria se tudo viesse pronto, como fast food divino. Ele deixou a nós a liberdade para temperar, acrescentar sabores, mudar formas, variar arranjos.
A cozinha requer uma estola sacerdotal. O avental é a estola do sacerdote cozinheiro. E cozinheiro que se preze tem seus instrumentos próprios: tem suas facas, sua chaira, sua pedra de afiar, a colher de mexer. Não é qualquer faca, nem qualquer colher. Há hora certa de entrar em cena. Dependendo do que se vai cortar ou mexer, lá vai o instrumento certo. Há uma liturgia no ato de cozinhar.
Cada vez que preparo uma comida posso dizer com toda propriedade e sem nenhuma blasfêmia que “isto é meu corpo dado por vós”, “isto é meu sangue dado por vós”. Quem nunca saiu de uma cozinha exausto e moído de canseira? Quem nunca cortou o dedo preparando a comida? Mais que isto, posso dizer que é meu corpo e meu sangue porque o alimento ali apresentado teve horas de trabalho, de vida consumida para trazê-lo e coloca-lo à mesa. E cada vez que apresento o alimento na mesa da comunhão, propicio o milagre da ressurreição: corpos famintos, esmaecidos pela canseira, tem seu vigor renovado, sua vida ressuscitada.
Sentar-se à mesa tem um quê de sacramental. As inimizades não resistem a uma comida fraternal, a unidade é fortalecida pelo fato de compartilhar da comida. A solidariedade é enriquecida por ter que desfrutar da comida pensando que o outro também deve comer. Há o milagre da multiplicação: quantas vezes você serviu uma janta ou almoço e achou que a comida era pouca? E quantas vezes, apesar disto, sobrou um pouco no fundo da panela?
Cada vez que juntos comemos, esperamos a oportunidade de um novo comer, uma nova reunião, uma nova Eucaristia. Cada almoço e jantar deve ser uma Eucaristia celebrada na intimidade do lar, no convívio dos queridos e no convite dos que queremos nos reconciliar.

Marcos Inhauser

terça-feira, 3 de abril de 2012

A REFEIÇÃO RELIGIOSA


Não é nenhuma coincidência que a celebração cúltica máxima nos tempos do Antigo Testamente seja uma refeição e, de igual forma, no Novo Testamento. Todo o calendário litúrgico da religião judaica estava e ainda está voltada para a celebração anual da Páscoa. A esta celebração Jesus subiu a Jerusalém, assim como muitos faziam em Israel para, no templo, participar da festa que conferia identidade e integridade nacionais.
Todo judeu devia, ao menos uma vez em sua vida, participar desta festa na cidade santa.
A centralidade e importância desta refeição comunitária se devem ao fato de ter sido ela instituída quando o povo ainda estava no Egito, em escravidão por mais de quatro séculos, e que, depois de nove pragas, são orientados a matar um cordeiro, vestir-se para viagem, sandália aos pés, porque iniciariam a peregrinação para a liberdade, conhecida como Êxodo. O sentido de comunhão estava evidente no fato de que todos da família, inclusive as crianças, deviam participar. Se o cordeiro fosse muito para uma família, vizinhos deviam ser convidados para que juntos dele comessem e assim desfrutassem da experiência do convívio celebrativo da libertação.
A celebração tinha ainda o caráter rememorativo e educativo, pois, quando os filhos perguntassem por que celebravam a Páscoa, os pais deviam contar a história da escravidão no Egito e como o povo foi libertado. Além de educar, também tinha o objetivo de evitar que os judeus fizessem com outros povos o que o Egito havia feito com eles.
Já no Novo Testamento a centralidade da Eucaristia não é menor, nem diferente o seu objetivo. Cabe ressaltar que Jesus não deixou para Sua igreja a Bíblia, nem o templo, nem um manual de doutrina, nem rituais definidos e demarcados. A única coisa que Ele deixou foi a Eucaristia ou Santa Ceia. Ressalte-se ainda que, no Seu ministério e muito mais depois da Sua ressurreição, ele ceou com seus amigos, inimigos e apóstolos.
Ele instituiu a Ceia como forma de comunhão e celebração rememorativa, tal como se devia fazer na Páscoa. “Fazei isto em memória de mim” e “porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes deste cálice, anunciais a Sua morte até que ele venha”. Memória do Seu sacrifício e morte libertadora, assim como na Páscoa a morte do cordeiro era libertadora.
Há entre católicos e protestantes divergências quanto ao significado da Eucaristia. Mesmo entre os protestantes não há consenso, havendo os que a consideram sacramento e os que a veem como memorial.
Pessoalmente, seguindo a tradição anabatista, creio que a Eucaristia é compreendida pela lavagem dos pés, pela refeição comunal e pela celebração recordatória do comer do pão e beber do cálice e que, a participação nesta celebração é meio de graça (aqui deixo de ser anabatista e sou calvinista). A Páscoa não é um fim de semana prolongado para que se possa ir à praia ou viajar. É a celebração da intervenção divina na história, sempre para nosso benefício e salvação.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 28 de março de 2012

DOENÇAS: CASUALIDADE OU CASTIGO DIVINO?


O Rev. Kopeska, amigo e irmão por afeição, escreve coisas que gosto: Aqui vai mais uma (com edições para caber aqui).
Epícuro, filósofo grego, tentou entender Deus a partir do sofrimento humano: Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente: portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, que é a única coisa compatível com Deus, donde provém então existência dos males? Por que razão é que não os impede? A filosofia epicurista ... reflete ... o egocentrismo infantil e utópico do ser humano em querer passar pela vida sem ... ônus, perda ou pesar. Algo impossível para ... (humanos). Não somente Epícuro e os amigos de Jó interpretaram a doença a partir da existência ou justiça de Deus. Há um livro (“Teorias Sobre as Doenças”) que traz a pesquisa feita em 139 culturas, das quais 135 interpretam as enfermidades como castigo divino. Trata-se da mistificação das doenças, as quais nossos antepassados a julgavam como fenômeno "sobrenatural", ... além da compreensão do mundo, superada, depois, pela teoria de que a doença é decorrente das alterações ambientais ... que o homem vive. ... saúde e doença são estados de um mesmo processo, ... Uma avó ligou para a neta. O bisneto atendeu e ela perguntou por que ele estava em casa e não no colégio. Ele respondeu: "Vó, estou descansando no Senhor". Ele estava doente, mas por causa da convicção religiosa, não podia admitir a doença, pois significava pecado na vida. Enfermidades não são castigos divinos, reflexo da falta de fé, sinais de pecados ou indicativos de negligência na comunhão com Deus. São fatos inerentes da nossa humanidade ... Os que confiamos na soberania de Deus ... cremos que as enfermidades podem ser instrumentos de Deus para a sedimentação emocional e espiritual. Assim é o carvalho, usado por geólogos e botânicos como medidor de catástrofes naturais. Quando querem saber o índice de temporais e tempestades ocorridas numa determinada floresta, eles observam o carvalho, que é a árvore que mais absorve as consequências de temporais. Quanto mais tempestades ele enfrenta, mais forte fica. Suas raízes se aprofundam e o caule se robustece, sendo quase impossível arrancar ou derrubar. Não é necessário fazer análises para saber. Basta olhar. Para absorver as tempestades, o carvalho assume aparência disforme, como se tivesse feito muita força, pode ter aparência triste. A tempestade para o carvalho é desafio e não ameaça. Assim somos nós. Devemos tirar proveito das situações contrárias à nossa vida e ficar mais fortes. Com a aparência abatida, mas fortes! Raízes profundas! O apóstolo Paulo escrevendo aos cristãos, na antessala do martírio em Roma, anima-os: ... nos gloriemos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança.
Marcos Inhauser e Marcos Kopeska

quarta-feira, 21 de março de 2012

ABENSUADO


Não errei na grafia, não!
O que quero afirmar é que a benção vem acompanhada de suor, a inspiração tem muito de transpiração, o sucesso de dedicação. Não há atalhos para as coisas e os atalhos que nos são oferecidos são fraudes.
Milhões jogam todas as semanas na loteria, uns poucos acertam e os que levam a bolada, via de regra, passam a viver um inferno. Ou perdem o que ganharam ou precisam administrar os “amigos”. Chove na minha caixa postal e-mails me prometendo ganhar mundos e fundos sem sair de casa e quando os olho com mais cuidado, vejo que tenho que pagar e fico a pensar e concluir, a partir de experiências anteriores e de outros que as viveram, que o único ganho garantido é de quem recebe.
Quem ainda não recebeu uma carta ou e-mail do tipo corrente? Você conhece alguém que já ganhou dinheiro com isto a não ser quem iniciou a corrente?
Já li a biografia de muita gente que se tornou famosa por “a” ou por “b”. Pegue-se o exemplo de Thomas Edison que fez mais de dez mil experiências até que conseguisse inventar a lâmpada, que durava não mais de 48 horas. Ele teria afirmado que “Não errei dez mil vezes, apenas descobri dez mil coisas que não funcionam.” Li também a história de Ernest Henry Shackelton, definido como o maior líder que a humanidade conheceu. Tentou chegar ao polo sul e nunca conseguiu chegar lá, mas deixou lições preciosas sobre a obstinação, persistência e lealdade aos comandados.
Neste contexto preocupa-me a maciça e massiva pregação religiosa que tem assolado as televisões e templos que abrigam empreendimentos religiosos. Trata-se da pregação que diz que a pessoa pode se tornar rica, próspera, do dia para noite, bastando para tanto obedecer a Deus (obediência nas ofertas e dízimos!). Inúmeros são os relatos de gente que aparece dando seu “testemunho” de como foram abençoados porque deram o dízimo ou ofertaram generosamente. Já se questionou a autenticidade de tais testemunhos, visto que se sabe hoje que vários deles são pagos, de gente que ganha uns trocados para falar o que interessa ao dono do programa.
Esta semana surgiu a notícia de que a Uniesp (União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo) firmou convênios com igrejas comprometendo-se a pagar dízimo pela indicação e matricula de fiéis em seus cursos universitários. Haja criatividade! Aposto que ofereceram à Uniesp que receberiam de volta dez vezes mais do que dizimariam! Os espertalhões por trás de tal negociata querem o bem$ão sem suar a camisa. Usam o nome de Deus para o seu enriquecimento.
Eu, orientado pelo sábio Cirino (boia fria, negro, dos meus tempos de infância que me ensinou algumas lições preciosas) vou botar minhas barbas de molho. Acredito que o que comemos deve vir do suor do rosto. Querer a benção sem suar é comer do suor dos outros, que vão trabalhar mais do que devem e precisam para sustentar a opulência de espertalhões travestidos de sacerdotes, pastores, bispos e apóstolos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 14 de março de 2012

AMOR TERCEIRIZADO


Ela tinha certa capacidade financeira. Dona de um próspero negócio e metida a madame, frequentava uma das igrejas que pastoreei. Cada vez que tínhamos algum evento na igreja, fosse ele hospedando alguma reunião ou congresso, ou mesmo para angariar fundos para alguma instituição social, as mulheres e homens da igreja se cotizavam para ajudar. Uma vez era um churrasco beneficente, outra um jantar para angariar fundos, ou uma simples confraternização entre membros da igreja. Todos se cotizavam e se dispunham, menos a madame. Ela vinha para mim e dizia: arruma alguém para fazer em meu lugar que eu pago.
Um dia eu estava meio atravessado e disse a ela que não queria gente que pagasse a outros para amar no lugar dela. Ou ela viria ou então não precisávamos do seu amor terceirizado. Ela nunca mais apareceu na igreja.
No tempo em que estive indo quase diariamente à casa de repouso para visitar meu sogro e depois meu pai, revi esta cena muitas vezes. Vi nestas casas gente que ali foi colocada pelos filhos que nunca voltaram para fazer uma visita ao pai ou mãe. Era gente que acreditava que pagando a mensalidade já cumpriam com sua missão. Ouvia história de um homem que foi colocado, pagaram três meses adiantados e nunca mais deram o ar da graça, nem para pagar o restante, nem para levar o pai a outro local. Um deles me contou que tinha seis “tranqueiras na família” e que só uma sobrinha era quem tinha algum cuidado com ele.
É mais fácil terceirizar que sentar-se ao lado e ouvir a mesma história quatro ou cinco vezes em uma hora de convivência. É mais fácil saber que há alguém para cuidar e que se paga para fazer isto.
É verdade que há situações em que a situação de saúde da pessoa exige cuidados especiais e locais apropriados. No entanto, isto não exime os familiares de visitar, se fazer presente, ouvir as histórias.
Há gente que não demonstra amor nas relações pessoais, mas contribui com organizações que representam causas nobres, e estas então amam por elas e assim se sentem isentas de culpa.
Apesar de ser nosso dever contribuir para estas organizações que se propõem a aliviar miséria e sofrimentos humanos, estamos cometendo grave erro se acreditamos que estas contribuições nos livram de nossas responsabilidades pessoais de demonstrar amor ao próximo.
Um filho ou filha, que recebeu dos pais os cuidados na infância, que noites mal dormidas por eles foram por causa do cuidado que deram em momentos de enfermidade, não tem o direito de se ausentar ou mesmo de pagar para que outros amem no seu lugar.
O mesmo se pode dizer de pais que contratam babás para amar em seus lugares, ou mandam para a escolinhas para que lá sejam abraçadas e reconhecidas.
O amor ao próximo é intransferível. Não há como passar procuração. É uma responsabilidade individual, intransferível, inalienável. Amar é altamente recompensador e tem a capacidade de dar significado à vida.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 7 de março de 2012

A VOZ FEMININA CALADA PELA INQUISIÇÃO


Não é de hoje que conheço e admiro o trabalho de pesquisa histórica que a professora Rute Salviano Almeida desenvolve, recuperando vozes femininas caladas pela Igreja. Ela traz a público mais um trabalho de sua lavra e pesquisa.
Lança amanhã seu livro “Uma voz feminina calada pela Inquisição”, no qual apresenta o contexto do final da Idade Média, o papel feminino e a vida das beguinas, mulheres que se dedicaram ao cuidado dos menos favorecidos, tornando-se mestras da vida e artesãs da alma.
A personagem central de seu livro é Margarida Porete, beguina itinerante que foi a primeira mulher queimada pela Inquisição francesa, em 1310. Ela ousou escrever e divulgar suas ideias na língua do povo, quando a permitida era somente o latim, considerada língua sacra. O livro apresenta o Tribunal da Inquisição, com textos da época, bulas condenatórias e o processo que levou Margarida à morte.
Como em seu primeiro livro “Uma voz feminina na Reforma”, a escritora destaca o silêncio das mulheres na História e o alto preço pago pela ousadia de falar, pois o discurso público da mulher equivalia a uma perversão no cenário da Idade Média.
No livro são apresentadas as mulheres como mães, esposas e “escravas da moda”, mostrando como o sexo feminino sempre sofreu em nome da beleza. As mulheres medievais depilavam os cabelos da testa com cal, devido à moda do penteado alto, no qual tinham que mostrar uma testa exageradamente grande.
Na conclusão, a autora reflete sobre as diferenças e semelhanças entre aquela época e a atual. Mais que isto, há que considerar-se que no meio religioso (tanto cristão, como muçulmano e judeu) a mulher continua calada. Poucos são os espaços em que ela pode expressar o que sente e pensa. Ao negar-lhe o acesso ao sacerdócio e à ordenação pastoral, calam suas vozes, mesmo quando elas representam, em média, 67% de todas as igrejas cristãs e religiões.
Na Idade Média, apesar de enfrentar pestes, inundações, guerras e crer que Deus era juiz vingativo e cruel, não queriam ser afastadas da fé, pois ela lhe dava segurança em meio à vida cheia de temores. Nesta pós-modernidade, por seu turno, acha-se vergonhoso crer nas doutrinas, preferindo “desconstruir” dogmas. Ao fazer isso, não conseguem colocar nada no lugar e acabam vivendo perdendo a esperança. Talvez isto explique a falta de empolgação, de brilho nos olhos da nossa geração, gente disposta a levar às últimas consequências seus ideais.
Se a Idade Média foi uma época de temores, hoje o sofrimento é a pobreza, violência, corrupção e desemprego. A fé continua a ser o único esteio da humanidade; se dava esperança ao homem medieval, continua a dar ao homem de hoje.
Uma pessoa que dedicou a vida a recuperar a voz das mulheres silenciadas, merece o apoio até dos homens. O livro pode ser encontrado no site da Hagnos (www.hagnos.com.br)
Marcos Inhauser