Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
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terça-feira, 12 de julho de 2011
NEM ESQUERDA, NEM DIREITA
Na minha adolescência a juventude li muito jornal. Era leitura obrigatória para mim o Estadão e o Jornal da Tarde. Li todos os Pasquins que foram publicados. Estudei em meio de gente que era pró e contra o governo da ditadura. Para mim era claro o que era ser de esquerda e direita.
Fui estudar teologia. Comecei em uma instituição fundamentalista de ranço gringo, fui para uma totalmente alinhada com a Teologia da Libertação e também percebi as diferenças entre as teologias de esquerda e direita.
Trabalhei com Direitos Humanos na América Latina, viajei à beça, andei por bibocas deste continente latino americano e vi o que governos de direita e ditatoriais podem fazer. Estive em Cuba e Nicarágua, esta na época da Revolução Sandinista e depois na Guerra da Contra. Era claro quem era de direita e de esquerda.
Andei visitando igrejas por este mundo de meu Deus. Estive nas Américas, na Europa, Ásia e Oriente Médio, Havia uma clara distinção entre as igrejas e suas liturgias, entre as liturgias mais formais e as mais informais.
Hoje estou perdido. Já não sei mais o que é ser de direita ou de esquerda. O PT, referência para a esquerda, se locupletou com a economia de mercado e com a corrupção, criando também o sindicalismo pelego. O PSOL e o PCdoB, que deveriam ser esquerda, tem discursos jurássicos. A teologia convergiu para a prosperidade, arrebanhando calvinistas, wesleyanos, luteranos, batistas, em um movimento de sobrevivência. Todos falam a mesma coisa.
Os cultos nas mais diversas igrejas são iguais em forma e conteúdo. Os cânticos das igrejas históricas, pentecostais, neopentecostais e livres, são iguais. A estrutura inexiste em todas elas. As missas carismáticas em pouco diferem dos cultos pentecostais. Os pregadores midiáticos católicos copiam os evangélicos.
A diferença entre o PSDB e o PT é retórica, o PMDB se junta a quem está no poder, o DEM quer ser oposição, mas se perde nos mensalões, o PDT se esfarela com o governo de Campinas e com o Paulinho FGTS, o PR mama no Dnit. A Dilma tira os dirigentes do Ministério do Transporte e continua tendo a camarilha do PR à frente do balcão de negócios das estradas e ferrovias.
Os Estados Unidos estão a ponto de dar um calote, a Grécia quebrou, a Itália está indo para o buraco, Portugal já foi e a Espanha está a caminho.
Fala-se da necessidade urgente de uma reforma fiscal, mas não se acha duas pessoas que falem a mesma língua. Só se consegue consenso dos políticos na hora de aumentar impostos. O governo não cumpre com sua função de prover saúde e educação à população que paga planos de saúde e escolas privadas. Agora, o governo quer receber dos planos pela sua ineficiência, cobrando quando um associado usa o sistema público. Paga educação privada com dinheiro que o governo cobra o Imposto de Renda.
A coisa está empastelada (termo usado nas antigas tipografias para se referir aos tipos que se misturavam uns aos outros por queda da caixa e que ninguém mais sabia o que era um e outro), complicada, confusa. Resta-nos uma sensação de desorientação, impotência.
Há uma convergência da esquerda com a direita, uma massificação das religiões, uma desorientação cidadã, um generalizado sentimento de desesperança. Estamos vivendo a grande depressão (alguns a chamam de tribulação) apocalíptica? Talvez. De uma coisa tenho certeza: necessitamos de novos céus e nova terra. Uma nova ordem, novos valores, nova sociedade. Enquanto isto, as indústrias farmacêuticas se lambusam nos lucros das vendas de antidepressivos, calmantes e estimulantes sexuais, porque ninguém é de ferro.
Marcos Inhauser
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terça-feira, 5 de julho de 2011
INDIVIDUALISMO
Há vários anos li um livro, que se não me galha a memória, se chamava “O que pensam os Batistas” de um de tal de Crabtree. A tese dele era que o individualismo é o alicerce para toda a formulação teológica dos batistas.
Tenho identificado algumas mudanças culturais que afetam a forma como nos relacionamos, mudanças estas que não vem do nada. Elas se relacionam com os avanços da tecnologia, a evolução demográfica e as necessidades dentro da economia, e também com filosofias. E neste conjunto há uma mudança importante: o individualismo que foi parte das culturas britânica e americana, onde, ao final da grande guerra houve uma preocupação com o bem estar social, mas que acabou sucumbindo ao individualismo.
O individualismo tem como tese sagrada a supremacia do indivíduo. Fala de escolha individual, direitos individuais, liberdade, propriedade privada, os quais, juntamente a outros conceitos, se tornaram regra na sociedade individualista onde o sucesso individual, a riqueza individual e lucro individual são valores deontológicos. Ofereceu o convite público para que milhões de pessoas se amassem mais do que a seus próximos.
Aqui se encontra um dilema fundamental: torna-se cada vez mais evidente que uma perspectiva individualista é centrada em indivíduos fortes, pois são os que dispõem dos recursos e da unidade para buscar os objetivos da sociedade individualista. Indivíduos fracos são penalizados. Eles são passíveis de ser roubados do seu estado de "indivíduo" e agrupados em blocos sem identidade subjetiva.
É uma queixa comum dos desempregados, pobres e desfavorecidos que eles são vistos simplesmente como “números”, “portadores de cartões que devem se ajustar ao sistema”, “pesos para o sistema”, sendo ônus para o Estado (vide INSS). É muito pesado produzir para eles. Esta condição parece estar presente mesmo naqueles que operam os serviços. O contato diário com as "falhas" de uma sociedade orientada para o sucesso pode endurecer as pessoas que trabalham com eles, por exemplo, na administração dos benefícios sociais. Suspeita-se que são ladrões em potencial ou parasitas. É fácil tornar-se insensível e indiferente às necessidades das pessoas quando elas podem ser agrupadas em uma classificação impessoal.
Isto, inevitavelmente, tem afetado as relações pessoais. Ética sexual, vida familiar e lazer estão sob a influência do individualismo. Passou a ser a maior barreira à intimidade: pessoas que decidem que “primeiro eu, depois eu e se der..... algo para os outros”, podem acabar sós se perguntando porque são solitárias.
A ironia do individualismo é que ele começa com uma preocupação declarada para a realização do indivíduo (através da escolha individual, direitos individuais, a soberania individual), e o resultado é quase sempre que o indivíduo é desvalorizado e isolado. Buscamos nossa privacidade e liberdade com paixão, não querendo qualquer dependência forçada sobre nós. Queremos ser livres para escolher as pessoas com quem nos relacionamos. Partimos da nossa própria família para criar a nossa própria vida privada, familiar nuclear, com uma casa particular, um carro particular, um escritório particular, e não contente com isso, nós queremos dentro de nossa casa um banheiro privado, telefone privado, televisão privada e assim por diante. E quando atingimos isso nos perguntamos “por que estamos sós”
E aí vem a teologia individualista botar mais fogo nesta lareira, promovendo competições espirituais e minando comunhões, botando os nossos no céu e os outros no inferno.
Marcos Inhauser
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terça-feira, 28 de junho de 2011
REESCRITORES DA HISTÓRIA
Primeiro li a “Revolução dos Bichos”. Muitos anos depois foi a vez de 1984, ambos do escritor Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo pseudônimo de George Orwell, escritor e jornalista inglês.
Adorei seu jeito sarcástico de denunciar regimes totalitários, tão bem descritos no Revolução dos Bichos e 1984. À época em que os li, notei um padrão que se apresenta nos dois livros, sem, contudo, dar muita atenção ao fato: a necessidade dos déspotas em reescrever a história. Na Revolução dos Bichos, ao tomarem de assalto a fazenda, os bichos decretaram uma série de leis, todas em flagrante oposição ao comportamento dos humanos que ali viviam. A relação das leis era: a.) Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo; b.) Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo; c.) Nenhum animal usará roupas; d.) Nenhum animal dormirá em cama; e.) Nenhum animal beberá álcool; f.) Nenhum animal matará outro animal; g.) Todos os animais são iguais.
O porco, que se tornou o líder da revolta, aos poucos vai fazendo sutis modificações em algumas das leis, passando a ser: a.) Nenhum animal dormirá em cama com lençóis; b.) Nenhum animal beberá álcool em excesso; c.) Nenhum animal matará outro animal sem motivo; d.) Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.
Em 1984 Orwell mostra como uma sociedade dirigida por uma elite é capaz de reprimir quem se opõe a ela. A história é a de Winston Smith, de vida insignificante, que tem a missão de fazer a propaganda do regime através da modificação de documentos públicos, da história e da literatura para que o governo sempre esteja certo no que faz.
Trago estes comentários à tona porque Orwell antecipou algo que ocorre em vários níveis da política nacional e da propaganda oficial. Exemplo disto é o slogan do governo do Dr. Hélio (“primeiro os que mais precisam”) e agora se descobre que primeiros foram os amigos do rei e da rainha. Quando o rei vem a público dar sua versão, reescreve a história (“nunca soube de nada”, “é golpe”, “é antecipação da disputa eleitoral”, etc.). E teve o desplante de dizer que não se devia esquecer que havia sido eleito duas vezes pela população e que tinha um mandato do povo para ficar no governo. Na sua nova versão de mandato, tal qual na Revolução dos bichos, o mandatário da Fazenda Sanasa se esqueceu que mandato era para ser honesto também. No momento em que se envolveu direta ou indiretamente com os desmandos, o seu mandato caiu por terra. E para confirmar a tese orwelliana, o mandatário a Fazenda Sanasa e habitante do Palácio dos Jequitibás, solta uma propaganda ilusionista, uma história cor-de-rosa da sua administração.
O mesmo acontece com o PT e seus governos. O seguidor das diretrizes econômicas do anterior se torna o artífice da recuperação econômica. Quebra o sigilo de um cidadão inexpressivo, cai e volta como o articulador político da terceira versão PT no governo. O mensalão foi armação, corrupção passou a ser “recursos de campanha não contabilizados”, articulação política virou “balcão de negócios”, apoio do PMDB virou cargo na administração federal, sindicalista virou pelego.
Orwell foi um profeta! No sentido de pré-feta: predisse!
Marcos Inhauser
terça-feira, 21 de junho de 2011
ISTO VAI DAR ZICA
Há pouco tempo escrevi aqui sobre os dois países: Brasil e Brasília. Um beirando o inferno pelas precárias condições de educação, saúde e transporte, sufocado por pesados impostos, com bancos cobrando pelo ar que se respira nas agências. No outro, o paraíso. Trabalho de dois dias na semana, passagens aéreas gratuitas, um cardume de assessores pagos, verbas adicionais mil, e se suspeita que haja pagamentos para cada votação que favoreça a este ou aquele grupo. No paraíso não há Receita Federal, o Coaf não pega as transações milionárias e se consegue multiplicar por vinte o patrimônio, sem muito esforço.
Ocorre que, no Brasil real e do real fictício, o populacho (assim visto pelos habitantes de Brasília) vem pouco a pouco tomando consciência de que as coisas estão insuportáveis. Estamos nos dando conta da quantidade de impostos e taxas embutidas e escondidas em cada coisa que compramos e isto vai minando o comportamento bovino que nos tem caracterizado e começamos a ficar mais ativos e, em alguns casos, agressivos com a exploração.
Estes dias uma pessoa me contava que precisa abrir registro de autônomo. Ela foi à Prefeitura para saber o que deveria fazer e soube que terá que pagar uma taxa de mais de quinhentos reais nos três primeiros anos (quando se supõe que haja isenção de impostos) e depois disto passará a pagar 5% de tudo quanto faturar. A taxa é referente a um autônomo que tem ensino médio, porque, se teve a benção de ter um diploma universitário, a taxa mais que dobra.
A pergunta que ele fez à funcionária é “o que recebo em troca por este pagamento?”. O silêncio foi esclarecedor. Ele deve pagar esta taxa e a PM não vai fazer nada, absolutamente nada.
Uma outra amiga, da área médica com um consultório na região, teve no último ano três visitas de fiscais de saúde, que implicaram com uma geladeira mini que tinha para ter água e umas frutas para seu consumo, sob a legação de que a geladeira estava próxima à porta do banheiro. E dá-lhe multa.
Quando a gente vai a um Posto de Saúde, uma escola mantida pela Prefeitura, uma chreche, percebe-se que a lei serve para os outros nunca para eles próprios. Nunca soube que um Posto de Saúde tenha sido multado pela Vigilância Sanitária do município, ou que uma escola municipal tenha sido interditada porque tem um refrigerador perto do banheiro.
Pagamos impostos e pagamos escolas para nossos filhos porque o Estado não faz a sua parte. Pagamos planos médicos porque o sistema de saúde é um desastre. Pagamos pedágios (apesar do IPVA e a CIDE), pagamos segurança particular e guardas noturnos, no que pese pagarmos para ter a PM.
A distância entre o Brasil e Brasília está criando um sentimento de insatisfação e irritação nos habitantes do Brasil real, que temo pelo pior. Não consigo ver mudanças significativas com a camarilha que habita Brasília, com passaportes e cidadania conferidos por votos comprados a peso de ouro via propaganda eleitoral e negociações de bastidores.
Perdi a esperança na democracia representativa via voto obtido pela propaganda e marketing. Talvez a desobediência civil seja mais efetiva que o voto dos senhores de terno e gravata que se alimentam com o suor de um povo que vive no Brasil e não em Brasília.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 15 de junho de 2011
TEOLOGIA DA IMPERFEIÇÃO
Há dois consensos entre as religiões: o ser humano foi criado por Deus e ele é inerentemente imperfeito. Logo, Deus criou um ser imperfeito.
Esta afirmação machuca, porque a religião não pode afirmar que Deus tenha feito algo menos que perfeito. A saída é introduzir o conceito do pecado, que “danificou” a obra perfeita de Deus. Calvino afirmou a corrupção total do ser humano pelo pecado, Aquino afirmava que restou no ser humano, depois da queda, algo de bom. Pelágio dizia que nascemos sem pecado, mas que o convívio social é o que nos corrompe. Armínio acreditava que o ser humano ficou com o livre arbítrio. São posições que tentam explicar o problema.
A questão permanece: se somos imperfeitos, por que as religiões pregam a necessidade de uma vida perfeita, santa e santificada ou seja lá o que preguem, como essencial para agradar a Deus? Se somos imperfeitos, por que se acredita e prega que Deus só usa os bons, os certinhos, os ascéticos ou reclusos?
Quando estudamos a vida espiritual dos modelos espirituais que as religiões difundem, se percebe, se se lê com um mínimo de espírito crítico, que há um processo de heroicização destes personagens, mostrando como tiveram vidas austeras, como se negaram aos prazeres, como se mortificaram, que tiveram períodos de santidade plena. A história destes “santos” é uma galeria de gente anulada.
No entanto, quando se busca com mais cuidado algumas informações sobre estes “heróis da fé”, vamos perceber gente tão imperfeita como todos nós. No terreno bíblico se tem Abraão, pusilânime diante das pressões da esposa Sara; Jacó, o enganador; Moisés, desobediente e inseguro de sua liderança; Davi, adúltero e assassino; Salomão, megalomaníaco; Jonas, desobediente e omisso; Jeremias, lamentador; Pedro, emocionalmente instável e dissimulado; Paulo perseguidor da Igreja e com espinho na carne.
No campo extrabíblico tem-se o Lutero com angústias quanto à sua fé, Aquino que chegou a duvidar da ressurreição de Jesus, Madre Tereza de Calcutá que pediu em 1953: "Por favor, reze por mim para que não estrague a obra d'Ele e que Nosso Senhor possa se mostrar ... pois há uma escuridão tão terrível dentro de mim, como se tudo estivesse morto ... tem sido assim mais ou menos desde que dei início à obra."; "tão profunda ânsia por Deus e ... repulsa ... vazio ... sem fé ... sem amor ... sem fervor. Salvar almas não atrai ... o céu não significa nada ... reze por mim para que eu continue sorrindo para Ele apesar de tudo." Em 1959 ela escreveu: "Se não houver Deus, não pode haver alma, se não houver alma então, Jesus, você também não é real."
Isto me faz recordar a resposta de Deus a Paulo que insistia em pedir que sua fraqueza fosse tirada (o tal do espinho na carne): “o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo.” (II Co 12:9)
Deus, no exercício de sua soberania e poder, não precisa de coisas e pessoas certinhas para fazer sua obra. Isto o afirmou Paulo: “temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós.” (II Co 4:7) e o motivo é básico: se Ele só pode usar o que é santo e perfeito, a glória será dividida com o “parceiro na santidade e perfeição”, o ser humano. Se ele usa o fraco, o débil, o pecador, e o torna instrumento da sua graça, a glória é dEle.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 8 de junho de 2011
BRASIL OU BRASÍLIA?
Confesso que ouvi com muita atenção e interesse o depoimento do ministro Antonio Palocci à nação brasileira, via televisão e li o que disse à Folha de São Paulo. Porque também trabalho no ramo de consultoria, estava interessado em aprender como melhorar a minha carteira. Até andei fazendo uns contatos, buscando quem me pudesse fornecer a lista dos clientes do ministro, porque cheguei à conclusão que poderia alavancar significativamente os meus ganhos se tivesse acesso a estes dados.
Depois deste exercício de atenção e aprendizado, acho que perdi meu tempo. Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém tem a tal lista. Os “esclarecimentos” foram de uma obviedade ingênua. Eu não esperava que ele viesse a público via Jornal Nacional afirmar que sonegou, que atropelou a lei, que agiu ilegalmente. Para dizer o que disse não precisava ficar em silêncio 20 dias nem usar a televisão.
Terminada a maratona de paciência a que me impus tentando aprender com este gênio da economia, fiquei com a certeza de que temos dois países: Brasil e Brasília.
No Brasil real, temos a carga absurda de impostos, com programas de computador a rastrear em tempo real as coisas que os habitantes fazem. A coisa anda tão avançada que a Receita Federal (é o que dizem) vai antecipar a Declaração de Renda do cidadão. Se você concordar, pague o que eles acham que você deve. Se não concordar, vai lá mostrar os documentos, aguentar a fila e correr o risco de acharem mais coisas, mesmo porque nesta área acham o que querem. Se não tiver dinheiro para pagar eles vão penhorar sua conta bancária e vão pegar o que é deles, não importa outros fatores.
No outro país, Brasília, é o paraíso! Ganha-se polpudos salários trabalhando dois ou no máximo três dias por semana, com direito a mais de 60 dias de férias por ano, plano médico integral para ele e os familiares, aposentadoria após alguns poucos anos de trabalho, faltas abonadas sem nenhuma pergunta, viagens ao exterior com tudo pago, possibilidade de apresentar notas frias para combustível e despesas. Aliado a isto há a possibilidade de empregar um monte de parentes e aumentar o já polpudo salário, turbinado por verbas e gratificações.
Neste paraíso a Receita é benevolente e em alguns casos inexistente. Não se conhece investigação sobre patrimônio de habitantes eleitos, no que pese evidências, rastros e pegadas deixadas pelo Renan Calheiros, Sarney, Jader Barbalho, entre outros. A Justiça é amiga: tem a impunidade com o belo nome de imunidade (um tipo de vacina jurídica que previne enfermidades com a lei e a Receita Federal).
No paraíso Brasília não se pode falar mal do outro. Todos são cordiais, se chamando mutuamente de “excelência”, a imprensa deve ser censurada porque traz desconforto ao clima paradisíaco em que vivem. Tais quais religiosos em profunda comunhão uns com os outros, praticam o espírito de corpo, onde o ataque a um é o ataque a todos. Para a plateia externa encenam algum jogo conhecido como situação e oposição. Fechadas as cortinas do espetáculo, todos comem juntos nos mais caros restaurantes, onde alguns tem até cadeiras cativas. O visto de entrada neste país é o voto, conseguido sabe-se lá como. Outra forma é ser amigo de algum eleito ou, o mais seguro, ser parente de um eleito.
Brasília tem filiais em muitas cidades, com embaixada nas Prefeituras Municipais e Câmaras. Exemplo e prova disto é a cidade de Campinas.
Marcos Inhauser
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terça-feira, 31 de maio de 2011
QUEM É QUEM NO PLANALTO?
No dia 2 de novembro do ano passado eu escrevi a coluna “Dilma ou Lula?”, na qual eu começava com a pergunta: “A eleição da Dilma para a presidência ... impõe a pergunta: o que elegemos? Uma mulher com identidade política própria ou uma versão Lula de saias?”
Depois de algumas digressões, eu afirmava que: “... o governo da Dilma pode até ser presidido por uma mulher, mas ladeado de homens, que certamente terão papel preponderante e marcante no estabelecimento das políticas. Um deles vai coordenar o processo de transição (um que renunciou por causa de um escândalo) e o outro vai negociar com homens, donos dos partidos da coalizão ... e, ... com toda certeza, serão em sua grande maioria formado de homens.” Fui criticado e até chamado de machista, porque não acreditava na capacidade da mulher de governar.
Os recentes fatos envolvendo o governo Dilma vieram comprovar o que afirmei no passado. Sabe-se hoje que o seu governo está(va) alicerçado na pessoa do ministro Palocci, ex-ministro flagrado com a mão na botija do extrato do Francenildo. Guindado à posição de todo-poderoso na versão Lula-de-saias, o ministro, mais uma vez se enrolou, agora com o extrato da sua própria conta.
No desenrolar da crise que se seguiu, soube-se que ele enquadrou o PMDB, na pessoa do Vice-presidente da República, forçando a barra pela aprovação toda suspeita do Código Florestal, cujos interesses que estão por trás ainda não conhecemos bem. A coisa pegou fogo, houve a reação dos fisiológicos peemedebistas, sempre ciosos de seus cargos na administração federal, e a presidente teve que ceder e tirar uma foto com o Michel Temer, como forma simplista e ingênua de que tudo corre às mil maravilhas.
Neste interim, quando o circo pegava fogo, ela teve que se valer do ex-presidente, quem foi a Brasília como bombeiro, para salvar a aliança que elegeu a sua eleita.
Ela, por sua vez, sumiu. Uma providencial pneumonia a colocou de molho. Especulações falavam de um quadro grave de saúde, com antiga enfermidade retornando. Sabe-se que ela tem problemas de saúde que ameritam cuidados, mas nada que a impeça de governar. Contudo, o que se vê é a inapetência para o manejo das coisas políticas. Ela se associou a cobras criadas para se eleger e agora deixa o ofidiário a seu bel-prazer. A primeira picada venenosa não veio das cobras aliadas, mas das amigas. O Palocci, cria do PT, é um ser trágico: se enrolou e enrolou a outros na Prefeitura de Ribeirão, como ministro esqueceu seu passado trotskista e aderiu de alma lavada à economia de mercado, se envolveu com a casa suspeita, com o mensalão e com o extrato. Reeleito, se enrolou com a Consultoria milionária que prestou (ainda por ser esclarecida, uma vez que os sinais que estão surgindo sugerem tráfico de influência) e agora se enrola com seu gordo extrato bancário e com o silêncio suspeito a que se impõe.
Um monte de homens brigando por espaço político e a presidente passeando no Uruguai e se “recuperando de uma pneumonia”. Não era isto que esperávamos do primeiro governo feminino do Brasil.
Marcos Inhauser
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terça-feira, 24 de maio de 2011
CUPIM NA PORTA
Logo que me mudei para a casa onde atualmente moro, fui alertado que havia um “pozinho” debaixo da porta do quarto. Alertado fui por várias vezes de que este pozinho insistia em aparecer todas as manhãs. Certo dia fui conferir e lá estava ele. No outro dia idem e assim por alguns dias seguidos em que verifiquei.
Um dia, conversando com meu pai, quem trabalhou com madeira muitos anos, contei a ele, ao que me perguntou se era pó ou algo como que pequenas bolinhas, granulado. Um dia lembrei de examinar e comentei com ele e ele me disse que há uma diferença entre o pó deixado pelo cupim e pelo coró. Perguntei a diferença entre um e outro e, confesso, não vi muita diferença no estrago que fazem. Não dei mais atenção ao fato, e esperei para ver o que aconteceria.
Passados alguns anos, na lateral da porta apareceu um enorme rombo, que deixou ver que a porta estava comida por dentro e que deveria trocá-la.
Nestes dias em que estava vendo na televisão o noticiário sobre as denúncias contra funcionários da Sanasa, por uma destas questões que só Freud explica, lancei o olhar para o rombo na porta agora corroída pela praga.
Quem acompanha mais atentamente o noticiário já deve ter percebido que a atual administração andou deixando sinais que evidenciavam problema futuro na estrutura. Quem me acompanha nesta coluna poderá se lembrar que, por várias vezes, andei falando do prefeito e sua gestão (Heliofote Santos, Heliossaurus Sanctis, Elogios e Desafios, Roda, Roda-viária, Transtornoviária, Haelius Aegypyt). Nestas colunas eu denunciava que algo estava caindo da porta da Prefeitura Municipal de Campinas. Eu imaginava que o esquema era grande e pesado, mesmo porque, como colunista, muitas vezes fui parado por pessoas ou amigos que me relatavam coisas horripilantes. Algumas até eram funcionárias da Prefeitura e me passavam dados concretos, mas que eu, por não ter as provas necessárias, não podia ser irresponsável e sair usando a coluna para acusar. Outras vezes recebi e-mails não identificados alertando para o pozinho que insistia em aparecer aqui e acolá.
Confesso que as acusações que agora são feitas são maiores do que a minha capacidade de imaginação conseguiu abarcar. Aqui com meus botões, eu não estou surpreso, mas estarrecido com a gravidade das denúncias, o tamanho do suposto rombo, a quantidade de gente envolvida e o nível funcional deles. Quando a coisa começou e o Ministério Público chamou os denunciados a depor e começou o festival de licença médica, ausência, ficar em silêncio, não produzir provas contra si mesmo, etc., práticas conhecidas por todos nós em outros esquemas denunciados, tive que ampliar o horizonte da minha imaginação, mas mesmo assim não o fiz suficientemente.
Se na porta do meu quarto o estrago foi produzido por cupim ou coró, não importa. A porta foi pro brejo. Se as denúncias tem motivação política ou não, não me importa: a coisa anda podre lá pelos lados da Sanasa e Prefeitura.
terça-feira, 17 de maio de 2011
VINTE VEZES
Esta semana estamos sendo bombardeados com a notícia de que o ex-ministro, depois deputado e agora novamente ministro, Antonio Palocci, teve a façanha de fazer crescer seu patrimônio em vinte vezes nos últimos quatro anos.
Fosse ele um nerd do mundo da informática, um Mark Zuckemberg criando algo parecido ao Facebook, ou o Steve Jobs lançando a série de I-tudo, talvez pudéssemos aceitar a notícia sem grande alarde e assombro.
Mas o caso em questão é emblemático por tratar-se de figura central do lulo-petismo e da “estabilidade” financeira que o petismo afirma ter trazido ao país. Ele esteve envolvido em casos ruidosos e rumorosos quando de sua passagem pela Prefeitura de Ribeirão Preto, nos contratos denunciados por um ex-assessor seu. A Construtora Leão teve que dar mil explicações e voltas diante das acusações. O próprio Palocci esteve depois envolvido em uma casa nada familiar, alugada para atender aos desejos carnais de gente relacionada ao petismo e a Palocci e, segundo denuncia do Francenildo, ao próprio. A coisa terminou no que todos sabemos, com o ministro envolvido na quebra do sigilo bancário do caseiro e a renúncia do indigitado.
Agora, aparece esta capacidade de fazer milagres econômicos e financeiros. Uma consultoria de sua propriedade teve a façanha de ter em quatro anos alguns dos melhores pagadores deste tipo de trabalho que há no Brasil e quiçasmente fora dele. Na média foi um faturamento de 1,9 milhão por ano, ou seja, mais de 150 mil por mês limpinho na mão, ou melhor no caixa da empresa. Se o nobre deputado foi quem trabalhou, ele ganhou a média de R$ 6.000,00 dia, tendo trabalhado 25 dias mês. Acresça-se a isto os salário e benesses do cargo de deputado e a coisa está explicadinha.
O problema é que para ele ter trabalhado 25 dias mês, ele não conseguiria ser também deputado. Mas imaginemos que ele fez a meia semana em Brasília como todos os outros fazem, ele ainda assim tinha três dias para trabalhar como consultor. Logo, se foi isto que ocorreu, ele ganhou uma média de R$ 12 mil/dia. Eta consultoria cara. E perceba que isto é o que ganhou só para comprar os imóveis. Parece que não teve despesas de funcionários porque o escritório da consultoria sempre esteve fechado.
Mas se a consultoria foi dada ao grupo que mais lucrou (prefiro o termo mamou) no governo Lula, que foram os bancos, a coisa começa a se explicar, porque, ganhando o que ganham, sem nenhum órgão a limitar a fome bancária, talvez a consultoria tenha sido regiamente paga como agradecimento à liberdade de atuação que tem.
De minha parte, se posso pedir algo, gostaria que o nobre deputado e consultor me desse a lista dos clientes, para ver se consigo dar uma mamada também. Nem tenho a pretensão de fazer meu patrimônio multiplicar vinte vezes, mesmo porque, vinte vezes quase nada é quase nada,
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terça-feira, 10 de maio de 2011
GUZMAN E LADEN
De 87 a 93, por força do meu trabalho com Direitos Humanos na América Latina, acompanhei de perto (mais perto do que gostaria) os problemas políticos no Peru com o governo autocrático do Fujimori, a derrocada da economia com o Fujishock, as investidas dos grupos guerrilheiros Sendero Luminoso e Tupac Amaru. Entre os que trabalhávamos nesta área havia certo consenso de que o Sendero era irracional, não se sabia ao certo o que queria, apostava no caos (seguindo o modelo maoísta de quanto pior melhor). Eles praticavam ataques terroristas e assassinavam qualquer pessoa que ousasse discordar de seus métodos. Há relatos de igrejas inteiras sendo atacadas e os presentes mortos, pelo simples fato de que denunciavam a violência.
A figura do chefe, Abimael Guzmán (professor de Filosofia da Universidade Nacional de San Cristóbal de Huamanga) , considerado fundador e que adotou o codinome Presidente Gonzalo, assumiu certa aura mística, vez que o governo, exército e paramilitares não conseguiam capturá-lo. Viveu assim dos anos 60 aos 90, décadas que reforçaram o imaginário popular quanto à sua astúcia e inteligência. Em 12 de outubro de 1992 (data da celebração dos 500 anos de “descobrimento” da América) Guzmán é apresentado como prisioneiro e aparece várias vezes no tribunal, vestido de roupa listradas típica dos prisioneiros e cabeça baixa. Humilhado publicamente, sua mística veio abaixo e com ela o Sendero Luminoso quase desapareceu. Ele continua preso em uma prisão, juntamente com Montesinos, o corrupto mór do governo Fujimori, que teve que fugir do Peru para não ser preso.
Laden também fugiu e ninguém o pegava até que o Obama vem a público dizer que havia sido morto em sua casa por um comando especial da Marinha e que seu corpo havia sido jogado ao mar (para evitar uma peregrinação). O problema é que os EUA ainda não aprenderam que um mártir vira herói. Assim foi com o Allende, Getúlio, Sandino, Farabundo Marti, Manoel Rodrigues e tantos outros. Matar é dar cordas à heroicização e isto está acontecendo.
Os fatos narrados na primeira hora tiveram que ser recontados pela Casa Branca, porque Bin Laden não estava armado como se havia dito, nem usou a esposa como escudo. Acabo de escutar de que os filhos vão processar o Obama pela morte do pai e pelo insulto de atirá-lo ao mar, um desrespeito segundo a tradição islâmica.
O Obama pode ter vindo a público dizer que justiça foi feita, pode ter o respaldo da opinião pública, mas criou um herói. E este herói ainda vai dar muita dor de cabeça ao Obama e aos EUA. É o preço que vão pagar pelo erro cometido. Se tivessem feito o que o Peru fez, não teriam hoje um cadáver a assustar uma nação.
E olha que não acredito em assombração. Mas faço uma concessão ao Bin Laden.....
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