Leia mais

Há outros artigos e livros de Marcos e Suely Inhauser à sua disposição no site www.pastoralia.com.br . Vá até lá e confira

sábado, 7 de dezembro de 2019

BIBLIOPLANISTAS


Virou moda, apesar do absurdo que é, afirmar que a terra é plana. Tem gente que o afirma categoricamente e há um autodidata louco e aprendiz de astrólogo que diz que não há nada que refute a ideia de que a terra é plana.
A coisa é tão estapafúrdia que se chegou a realizar a primeira Flat Con, a Convenção Nacional da Terra Plana, com a seguinte enunciação: "A Terra está parada. Não se move. A superfície da Terra é plana. Há uma cúpula sobre nós chamada o Firmamento. O sol, a lua e as estrelas estão sob a cúpula do Firmamento. O sol e a lua são muito menores e mais próximos do que nos dizem. O sol e a lua se movem em seus próprios padrões sobre a superfície da Terra. Não há planetas. Apenas estrelas no céu. Não há espaço. Não podemos sair da cúpula. Está tudo bem aqui ..."
Eles dizem que nossos sentidos indicam que Terra é plana, o mundo parece ser plano, logo deve ser plano. Para eles a Terra é um disco redondo e achatado, o Polo Norte está no centro, a borda é formada por gelo (Antártica), a circum-navegação da Terra é fazer volta ao redor do Polo Norte. Sol e a lua são pequenas esferas a poucos milhares de quilômetros da Terra, que se movem em círculos ao redor do Polo Norte, e outras barbaridades.
Duvidam da evidência fotográfica, porque acham ser fácil manipular imagens. Para eles, a exploração espacial nunca aconteceu: é conspiração. Os astronautas, que disseram ter visto a Terra é redonda, foram subornados ou obrigados a dizer isso.
Mas há, em número maior e com o mesmo grau de absurdo, os Biblioplanistas. Contra toda a evidência histórica, linguística, cultural, da crítica literária e da glotologia, saem afirmando besteiras sobre a Bíblia. Mesmo quando uma palavra se trata de uma apax legomena (palavra que ocorre uma única vez), eles sabem tudo sobre o significado dela, mesmo em se tratando, no caso da Bíblia, de duas línguas mortas (hebraico bíblico e grego koiné).
Para os Biblioplanistas, os gêneros literários são coisa de hereges para torcer o real sentido das Escrituras. As contradições entre narrativas históricas ou a duplicidade delas (como no caso da criação), é coisa que só incrédulo acredita. A Bíblia é infalível e inerrante. As aparentes contradições têm algo a mais e o leitor mais atento e cuidadoso fica míope para estas “verdades ocultas”. Perguntar, questionar e duvidar de certos relatos é condenação eterna para os Biblioplanistas.
Acreditam que o Pentateuco foi escrito por Moisés ainda no deserto (só não explicam como há tanta água no texto da criação se o ambiente dele era o deserto). Acreditam na literalidade numérica: Moisés esteve 40 anos na corte de Faraó, 40 anos no deserto, 40 dias no monte Sinai e mais 40 anos na peregrinação, saiu do Egito com 600.00 homens, perseguido por 600 carros de combate do Faraó.
Desconhecem os gêneros literários. Para eles não há na Bíblia novela, saga, lenda, mito, saga etiológica, ironia, hipérbole, poesia, conto, anedota, discurso narrativo ou épico, ode, metáfora etc. As parábolas devem ser tomadas no seu sentido mais literal possível. Tudo deve ser interpretado desde uma ótica plana e rasa: literalmente, onde cada palavra tem o sentido primário, sem possibilidades de interpretações segundo o gênero no qual foi escrito. A poesia se torna historiografia, a saga etiológica é descritiva de fatos originais, as fábulas são fatos históricos.
Também acreditam que a vida na terra é um campo de batalha entre Deus e Satanás, com seus demônios que trazem enfermidades, desgraças, falências, adultérios e que há pessoas escolhidas a dedo por Deus para expulsar os demônios e trazer prosperidade.
Com tamanha infantilidade interpretativa, não surpreende que expulsem demônios da caspa, da obesidade, acreditem que a serpente e a mula de Balaão realmente falaram, que o universo foi criado em sete dias de 24 horas e que a terra tenha não mais de 7000 anos!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

ASSASSINOS DE COMPETÊNCIAS


Tive a oportunidade de fazer coaching com um gerente de área de uma multinacional. Ele me foi encaminhado como tendo problemas relacionais e de liderança. Fiz as duas primeiras sessões e descobri que havia algo mais que o atrapalhava: era extremamente centralizador.
Ele tinha uma equipe de umas 10 pessoas, todas competentes, com habilidades reconhecidas e expertise em áreas próprias. Um sabia bastante de Excel e dos macros que muitas planilhas demandam, outro era bom na manutenção e reparo na rede de computadores, tinha uma pessoa boa em escrever textos, outra que era boa no design gráfico, e assim por diante.
Ele tinha em mãos um potencial de trabalho que talvez nenhuma outra equipe na empresa se equiparasse. Tinha uma McLaren na mão, mas sua produção era de um Fusca. Voltei a conversar com o RH sobre o que estava percebendo e eles me afirmaram que eu estava no caminho certo e me pediram para ser mais direto sobre este tema com o coachee.
Na próxima sessão perguntei a ele quais eram, individualmente, as competências de cada um dos seus liderados. Ele foi descrevendo com certa acuidade e fui percebendo que ele tinha uma visão bastante completa do quadro funcional que tinha em mãos. Chegou a hora de ir mais fundo na questão: “qual foi a última vez que usou Fulano para fazer o que você diz que ele sabe fazer bem?”. Ele pensou, rememorou e foi taxativo: “não me lembro”, mas emendou em seguida: “talvez porque não houve nenhum trabalho que demandasse a competência que esta pessoa tem”.
Dei uma segunda rodada: “e Beltrana? O que você delegou a ela que ela pudesse usar suas competências? A resposta dele foi uma variação da primeira: “eu deleguei a ela uma tarefa, mas dada a urgência e complexidade, acompanhei a execução de perto e, no final, tive que assumir, para garantir que as coisas saíssem tempo e a contento”.
Na terceira rodada mudei o foco. Ao invés de perguntar sobre o passado, passei ao presente: “quais atividades que você tem hoje e a quem você delegou, segundo a habilidade que cada um tem?”. Ele citou alguns projetos nos quais o seu departamento estava envolvido, falou da complexidade de vários deles e mencionou, já prevendo a próxima pergunta: “eu tenho delegado coisas à minha equipe, mas, por questão de segurança, acompanho de perto o desenvolvimento e se vejo que as coisas estão fora do prazo ou não são feitas do jeito estabelecido, eu tomo as rédeas do processo”.
Conversa vai, conversa vem e descubro que ele era um acaparador. O termo vem do espanhol e significa a pessoa que assume todas as coisas, tem dificuldades de delegar, não usa as pessoas que tem, não desenvolve talentos e sepulta as competências que tem na equipe. Elas morrem por desmotivação, frustração e inanição. O acaparador entende de cesariana a motor a explosão. Tudo ele sabe, tem opinião marcante sobre todos os temas, sempre se coloca numa posição crítica em relação à opinião e sugestões que porventura lhe façam. Lógico, bastante racional e de boa argumentação, justifica sua atitude acaparadora como sendo benéfica para a empresa e a equipe, porque “ele sabe fazer melhor que qualquer um.” Usa de alguma deficiência de uma outra delegação que passou para justificar que prefere ele fazer todas as coisas.
Não preciso dizer que o acaparador é assassino de talentos, mas também é autofágico. Ou morre pela quantidade de coisas que assume para fazer (nem sempre fazendo tudo o que assume) ou morre pela avaliação funcional: é demitido por “excesso de trabalho e resultados pífios”. Ele se vê uma McLaren, a empresa e os colegas o veem como Fusca.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

CORRIGINDO-SE


Isto já me aconteceu várias vezes e percebo que não é só comigo. Escrevo algo, leio o que escrevi, corrijo, releio, e outra vez corrijo e mais uma vez leio e acho que está tudo bem. Mando a coluna para a publicação e quando é publicada percebo que escaparam coisas que deveriam ser corrigidas. Até já tive leitoras que me escreveram alertando sobre isto.
Tenho notado isto em outros colunistas (sou meio viciado em notícias e no jornalismo opinativo). É frequente encontrar erros nos textos que publicam na internet, coisas que não percebia no jornalismo impresso. Parece que é um mal do mundo digital.
Há muitos erros. Um deles e bastante comum no mundo da digitação é a inversão de letras na hora de digital. Lembro-me de, certa feita, ter escrito graça e na publicação descobri que havia digitado garça. Outro comum é a inserção de espaço no meio de uma palavra (ins tantâneo) ou colocar a última letra acoplada à palavra seguinte (queir aDeus), ou ainda a falta espaço entre palavras (coisassimples, queevidenciam). Tais erros são facilmente reconhecidos e merecem o beneplácito da indulgência. Há os erros de ditografia (escrever duas vezes em seguida a mesma palavra). Há ainda os erros que podem parecer de digitação, mas que, na realidade, são de alfabetização: souteira, adimito, pissicologia, previlégio e outras mais.
Outro erro comum, mas mais grave, é o da concordância que corta o “s” final ou não declina o verbo apropriadamente (os filho, fulano e beltrano comeu). Há ainda o erro de grafia e de gramática que evidenciam problemas mais sérios de conhecimento da língua: trocar mas por mais, eminência por iminência, precursora por percussora.
Certos tipos de erros podem ocorrer quando se copia um documento a partir de ditado. Podemos substituir uma palavra homófona por outra; i.e., “cozer” por “coser” ou “massa” por “maça”, “haja” e “aja”, “haver” e “a ver”, “passo” e “paço”.
Mas o que me chama a atenção é a incapacidade de ser perfeita a correção de alguém que relê o que escreveu. A gente escreve, lê, relê várias vezes e passa por cima dos erros. Parece que a mente não se atina para coisas simples ou tem um mecanismo de defesa para que não perceba os próprios erros.
Acho que é uma benção não termos a capacidade de ver todos os nossos erros. Se tal fizéssemos, seríamos eternos deprimidos e candidatos sérios ao suicídio. Há uma taxa de erros e defeitos em nós que reconhecemos e que nos fazem (ou deveriam) ter a consciência de que não devemos ser arrogantes ou jactanciosos. Há outros que os conhecemos pela ajuda de outros, que podem ser suaves ou duros ao apresentá-los a nós.
Depois de ter sido alertado para alguns erros de digitação (e mesmo de concordância), passei a levar a sério a orientação de um famoso jornalista do New York Times: escreva do jeito que você fala. Coloque o que escreveu na gaveta e no outro dia volte a ler e corrija. Coloque de novo na gaveta. Depois de dois ou três dias volte a ler e corte os adjetivos, as palavras terminadas em “mente”, transforme metade das vírgulas em ponto final. Dê um tempo e volte a ler. Depois peça para alguém corrigir o que você escreveu.
Mesmo assim não há garantia de perfeição. E se não somos perfeitos, por que se considerar melhor que os outros? Cada um tem sua taxa de imperfeição que deverá saber administrar. Cada pessoa com quem nos relacionamos tem sua taxa de imperfeição que devemos saber relevar. Nada mais chato do que conviver com uma pessoa que se acha perfeita!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

EVANGÉLICOS NÃO-CRISTÃOS


Pode parecer uma incoerência, mas não o é. Há muitos que declaram ser evangélicos e negam em suas vidas e pregações o que os evangelhos ensinam. Mas, antes de mais ada, precisamos conceituar os termos. Evangélico vem de evangelho, palavra que tem sua origem no grego neotestamentário (euangelión) e que significa “boas novas”. Curiosamente, ela foi originalmente usada até para o anúncio da vitória militar trazida por um mensageiro. Também se sabe que a palavra era usada para se referir a qualquer boa nova, independentemente da natureza ou do contexto onde a mesma estava inserida. Só mais tarde é que os escritores do Novo Testamento, ao fazerem dela uso, começaram a restringir o seu significado para se referir a Jesus Cristo e ao anúncio da salvação.
Estrita e morfologicamente falando, qualquer boa nova é euangelión e, por conseguinte, anunciar boas novas é evangelizar, não importa o campo em que tal boa nova pertença. Também se refere ao conteúdo conhecido como evangelhos. E mais contemporaneamente, o termo “evangélico” se refere aos que “pautam suas vidas pelos ensinamentos dos evangelhos”. Uma denominação evangélica seria, portanto, aquela que tem nos evangelhos a sua Carta Magna e referência maior para os valores e práticas da vida. Ser evangélico é ter nos quatro escritos o parâmetro para avaliar todos os demais livros, até mesmo os que estão na Bíblia.
Os anabatistas mais radicais acreditam e ensinam que há uma gradação na revelação que está nas Escrituras: Palavra de Deus é o que Jesus falou, o que Ele ensinou e isto está nos evangelhos. Todos os demais escritos bíblicos são Palavra de Deus desde que concordem com os que Jesus falou e ensinou. Note-se que, nesta visão radical do evangélico, há coisas bíblicas que não são evangélicas, porque vão contra os ensinamentos de Jesus. Os textos que falam da guerra são informativos e não normativos. Seguir a Cristo é seguir ao que dEle se sabe e conhece e descartar o que contra Ele e seus ensinamento se colocam.
Ora, se um “evangélico” prega a ira, o racismo, a beligerância, o armamento, pode ele ser considerado um evangélico e cristão? Se um “evangélico” defende a tortura e cultua um torturador, pode ele ser considerado evangélico? Se o Sermão do Monte é parte central nos ensinos de Jesus, pode ser cristão quem os nega e ensina o que vai contra os ensinamentos do Sermão do Monte? Pode ser o guerreiro um pacificador? Pode ser cristão quem promove o armamento, se envolve sistematicamente em corrupção, desvia verbas da merenda e a saúde? É cristão quem tem a ira como a essência do viver? Como achar que é evangélico quem não aceita e nem pratica a recomendação de “amar os inimigos” e “dar a outra face a quem bateu”? Se o evangelho é o anúncio da graça, é evangélico quem vende bençãos?
Tudo o que não é amor a Deus, ao próximo e a si mesmo (não no sentido egoísta e narcísico, mas no sentido de zelar pela própria vida) não pode ser considerado cristão e nem evangélico. Esta foi a resposta de Jesus quando perguntado qual era o maior dos mandamentos. O verdadeiro cristão se conhece pela sua dedicação ao próximo e seu ministério para empoderá-lo, suprindo suas necessidades, aconselhando, dando agasalho, conforto e norte para a vida. Evangelizar é dar sentido a vida do outro, é dar a dimensão de eternidade para quem está na depressão, é ar a esperança de melhores dias pela solidariedade e justiça
Marcos Inhauser

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

HIENAS E SUAS HISTÓRIAS


Elas entraram na história não é de hoje. Também não é de agora que elas estão envoltas em projetos de poder político com roupagem religiosa.
Conta história que, no informe Albuquerque de 1514, antes mesmo que os descobrimentos continentais feitos por espanholes e portugueses tivessem atraído a maior parte dos colonos, Espanha destinou um milhar de espanhóis quando só restavam 29.000 indígenas, demonstrando que os anos primeiros foram terríveis na mortandade dos nativos. Georg Friederici em seu livro “Caracter del Descubrimiento y la Conquista de America” (Fondo de Cultura Económica, Mexico, 1987, pg. 397) relata que o cortar das mãos aos prisioneiros de guerra (nativos) e obrigá-los a sair correndo, era uma crueldade que se praticava na Espanha antes do descobrimento da América. Na América os espanhóis fizeram uso destes recursos com uma crueldade ainda mais espantosa, Depois de cortar as mãos e os pés dos homens e os seios das mulheres, eles os obrigavam a arrastar-se ou andar até que morressem por esgotamento sanguíneo. Era um espetáculo que propiciavam aos demais para infundir o terror.
Cieza de León em sua obra “Guerra de Añaquito”, citado pelo mesmo autor antes mencionado, afirma que “os piores exemplos da pavorosa e desalmada crueldade e da contextura moral dos conquistadores nos brinda ... no campo de batalha de Añaquito, onde o licenciado Benito Juarez de Carbajal, como uma hiena sedenta de sangue, estava em busca do representante do monarca Carlos, o vice-rei Blasco Nuñes de Vela. Encontrou, por fim, o ancião dignatário ferido, mas não mortalmente e ainda em estada de consciência. Ele o cobriu de impropérios e teria cortado pessoalmente a sua cabeça se seu acompanhante, Pedro de Puelles, não o tivesse alertado da infâmia de tal ação.” Conta a história de Blasco Nuñes obrigou a seu escravo a cortar cabeça ao vice-rei, tomou-a pelas barbas e saiu caminho afora levando o troféu e apresentando-o a todos quantos encontrava.
No “Arquivo Geral da Índias” se lê que “muita da prata que se tira daqui para esses reinos é beneficiada com o sangue dos índios e vai envolta em suas peles” (Dussel, Henrique. Caminhos da Libertação Latino Americana, Ed. Paulinas, 1989, pg.59).
Bartolomé de la Casas, dominicano e voz profética de denúncia dos desvarios da corte espanhola, afirmou que “a causa foi a cobiça e ambição insaciáveis que possuíam, que foram as maiores que podem existir no mundo ... não tiveram nem respeito, nem estima, que não digo que as trataram como bestas, mas como menos que esterco das praças” (Dussel, idem, pg 59-60).
Contraponto a Bartolomé de las Casas estava Gines de Sepúlveda, quem, baseado numa questionável Teologia Natural, alegava que os indígenas não tinham alma e que, portanto, não eram seres humanos. Este Ginés teve uma infância e adolescência cheia de insucessos e problemas (mentais?), com atos e escritos que beiram ao ridículo. Hoje, talvez, fosse diagnosticado como esquizofrênico ou bipolar.
São duas posturas religiosas: uma que usa dela para fundamentar um projeto político imperialista. O outro que usa da teologia para denunciar os desvios dos governantes e religiosos apaniguados. A retro-oculatra mostra do acerto do profeta em detrimento da voz mancomunada com o poder.
A minha sensação ao fazer este reconto histórico é que ele é muito atual. As hienas sedentas estão por aí, mas pregadas pelos Ginés de Sepúlvedas modernos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O CULTO DE UM SÓ

Acabara de chegar do exterior para voltar a morar no Brasil. Buscando retomar contatos e tomar pé da situação das igrejas brasileiras, um domingo à noite, minha esposa e eu fomos a uma igreja reformada, histórica, tradicional, etc.
Lá chegando fomos recebidos por alguns líderes da igreja que já nos conheciam e nos assentamos. Para surpresa minha, o pastor entrou pelo corredor central em processional. Estranhei porque conheço a forma de ser desta igreja e da denominação. Os pastores entram pela porta lateral ao púlpito, sem alarde ou exibição. Ele, no entanto, entrou pela porta central, fez a processional e, fiquei pasmo, estava vestido com uma beca usada por mestres e doutores e usada em cerimônias acadêmicas. Ele mal tinha concluído o bacharel! Era uma túnica pesada, destoante com o calor que fazia. Era a prova de um exibicionismo descabido.
Começou o culto e o indivíduo, com a voz empostada, fez a oração inicial, leu os Salmos, fez comentários e convidou a igreja a cantar um cântico que ele havia composto. Pegou o violão a começou a tocar a “seu” hino. Havia piano e órgão, mas ele se bastava ao violão. Terminado o cântico, ele leu outro trecho das Escrituras com aquela voz empostada, antinatural e entoou o solo de um cântico que ele também havia composto. No momento dos pedidos de oração pediu que a igreja orasse pelo CD que estava gravando para que fosse uma benção na vida de quem o comprasse. Ninguém mais teve a oportunidade de pedir que orassem.
Contou alguma coisa sobre sua vida e iniciou a prédica, onde, se me lembro bem, duas ilustrações eram sobre experiências próprias. Pediu que cantassem outro cântico que ele havia composto, ao som do violão que ele tocava.
Terminou o culto dando a benção apostólica com uma música de sua autoria e saiu da forma como entrou.
Ao sair minha esposa perguntou: para que existe piano e órgão no templo se ele é quem faz tudo? Lembro-me de haver dito: “ele bate o escanteio e corre para a área para cabecear e celebra o gol sozinho como se fosse o único em campo.” Devo dizer que não durou muito naquela igreja e em nenhuma outra.
O mesmo acontece com a equipe de louvor. Terminada sua “apresentação”, deixam o templo, porque, para eles, o culto acabou. Eles são o culto!  Preste atenção nos “cultos” televisivos do neopentecostalismo: só o midiático aparece e faz tudo!
Episódios como este eu os presenciei em outras oportunidades em variadas igrejas no Brasil e no exterior.
A igreja é uma comunidade. A igreja é uma cooperativa de dons e habilidades. Todos na igreja devem participar, cada qual com seu dom e habilidade. Paulo colocou isto de forma magistral: “o corpo inteiro bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, efetua o seu crescimento para edificação ...” Se na igreja há alguém que tem um dom ou habilidade e não é usado, é uma anomalia. O culto de um só é uma excrescência, porque o “polifacético e polivalente” faz tudo. Ele entende de música, de decoração, de liturgia, de exposição bíblica, cita grego e hebraico, ensina, exorta, arrecada, administra, assina, entrega, devolve. Quando confrontado, se exime citando autores e uma lógica egoísta.
Ele não ajunta, espalha. Não pastoreia, se exibe. O púlpito vira palco. Manda instalar holofotes para que seja iluminado enquanto performa.
Graças a Deus, os narcisos não prevalecerão na congregação dos humildes!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

RESPOSTA ÀS ORAÇÕES?


Flávio Rico, colunista especializado em coisas da TV, noticiou na semana passada que a redução dos espaços das igrejas na TV aberta do Brasil é algo importante. Como exemplos ele informa que “Universal, que por mais de uma década vinha ocupando quatro horas diárias na programação da TV Gazeta, hoje só está com três.” “A Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago, ... no decorrer dos tempos, diminuiu de forma bem drástica os seus espaços”. “E a Plenitude, que antes tinha mais da metade da grade da Rede Brasil, ficou só com duas”. 
Não foge à regra o caso da Band com o televisivo R. R. Soares, que deverá deixar o horário nobre que ocupa na grade da emissora.
O colunista salienta que as mudanças estão acontecendo e que, no caso da Internacional da Graça de Deus, do R. R. Soares, só deverá acontecer no ano que vem, por razões contratuais. O colunista não dá razões para este enxugamento, mas, alguma coisa se sabe por outras vias.
Há um esgotamento do modelo, seja porque todos fazem a mesma coisa com alguma maquiagem diferente, seja porque a mensagem, em sua essência é sempre a mesma. Eles socializam o sucesso (a Igreja ou o “apóstolo/ bispo” é quem fez o milagre) e privatizam a derrota, alegando falta de fé do ouvinte ou fiel.
Outro elemento é a conscientização popular de que estes pregadores midiáticos são inacessíveis. Não são pastores das ovelhas que têm seus dramas diários. São apresentados como exemplo de sucesso e de prosperidade, mas nunca estão disponíveis para ouvir e aconselhar.
Também há a conscientização de que o que estes midiáticos mais fazem é pedir dinheiro e o fazem com insistência, ousadia e constrangimento. Parece que há uma meta diária a ser batida e enquanto não chegam lá, precisam extorquir o quanto podem.
Há que se mencionar também que os exemplos de sucesso são apresentados na TV e, considerada a audiência, são mínimos. Vi certa feita um “testemunho” de conquista de alguém que eu conhecia bem e que dizia que estava com três carros na garagem, tinha quatro linhas telefônicas e uma casa de quase mil metros quadrados. O que ele não disse e eu sabia, era que os carros eram financiados e ele não pagava as prestações, que três das linhas estavam cortadas e a casa estava em execução para ter fraude na venda. Este cara morreu alguns anos depois deixando de “herança para os filhos” uma dívida milionária.
Há muita empulhação, manipulação e engano nestes midiáticos. Porque o Malafaia não vem contar sobre a falência da sua editora, ele que andou vendendo a Bíblia com suas anotações e o livro “Lições De Vencedor”?

Quero ver como sobreviverão porque é da essência do neopentecostalismo a necessidade de exposição midiática diária. Sem ela a arrecadação cai. E é o que está acontecendo. Eles estão enfrentando problemas para pagar suas contas com as redes de TV. Cada vez menos as pessoas estão dispostas a sair de casa e ir a um templo para ouvir lá o que podem ouvir em casa. E se não vão ao templo não ofertam. E não ofertando, as contas ficam a descoberto.
De minha parte, sem querer ser pré-vidente ou profeta adivinhatório, canto esta bola há tempos. Não é questão de premonição, mas de análise dos fatos e conclusão lógica. Um dia esta casa cai.
E isto será resposta a muitas orações por causa do mal que esta gente tem feito para o evangelho! Hoje, dizer que se é pastor, é motivo de chacota, graças ao empenho arrecadatório destes midiáticos!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

TEOLOGIA ZIRCÔNIO!


Um casal apareceu em casa porque soube que minha filha entendia de pedras preciosas. Eles haviam ganho de um andarilho uma pedra lapidada que brilhava muito. O casal era evangélico, passava por momentos difíceis e acreditaram no milagre da provisão.
Levaram a pedra para algumas pessoas tão leigas quanto eles para que a examinassem e quase todos disseram que havia grande possibilidade de ser um diamante. Olharam os preços de um diamante parecido e a cifra chegava à casa do milhão. Eles nos mostraram a pedra e, confesso, ficamos surpresos com a beleza dela. Chamei minha filha que morava na China e trabalha com pedras preciosas. Ela pediu fotos em vários ângulos, pediu para ver se havia impureza interior, se havia mancha de uma cor que eu não sabia identificar, mas minha esposa e o casal conseguiram ver. Ao final, minha filha pediu para eu soltar a pedra em cima do vidro da mesa. Deveria levantá-la a uns 30 centímetros e soltar.
Assim procedi. Ela me pediu para falar no reservado e foi quando ela sentenciou: “Pelo barulho na batida com o vidro isto é zircônio”. “Você tem certeza?” “O som do diamante é outro”. Argumentei que o som era via WhatsApp e do outro lado do mundo. “É zircônio!” concluiu ela.
No outro dia, minha esposa e o casal foram ver o seu Jozo, um japonês amigo nosso e de nossa filha e que é um dos maiores gemologistas do Brasil. Ele viu a pedra de longe e disse: “não é diamante e, para provar o que digo, vou mostrar alguns testes para vocês acreditarem”. Ele assim fez e provou que era zircônio de péssima qualidade.
Esta história me veio à mente ao ver gente cristã se empolgando com a ondas de “babaquices pseudoteológicas”. Estão achando que encontraram o diamante da teologia e da vida espiritual, que agora têm ao seu alcance a pedra fundamental do entendimento bíblico, que agora sabem a chave hermenêutica para todos os problemas espirituais e sofrimentos humanos, que descobriram o Santo Graal da vida cristã, que têm a pedra teologal. Abraçam as novidades como se diamante fossem. São alertados por quem tem alguma noção da coisa, que trabalha com teologia e eles simplesmente dão de ombros. Acham que a palavra do gemologista da teologia não é válida. Não acreditam que um perito pode identificar pelo barulho que faz. Quem nunca mexeu com gemas teológicas, se julga mais entendido que os gemologistas reconhecidos e respeitados.
A leitura literal e fundamentalista da Bíblia é mais verdadeira que a feita por linguistas especializadas em grego koiné e hebraico bíblico, ambas línguas mortas. Suas “descobertas”, mesmo que não tenham comprovação arqueológica ou sejam refutadas por quem entende das coisas da arqueologia, ainda assim é verdade absoluta. Acabam crendo no demônio da caspa, esquizofrenia, psicopatia, depressão, bipolaridade. Exorcizam obesidade e pobreza!
Mais tarde, quando a decepção vem porque descobrem que fizeram um anel solitário com uma pedra de péssima qualidade, um zircônio de quinta categoria, acusam Deus e o mundo de serem desonestos. Eles se revoltam e, via de regra, deixam a fé e a comunidade de lado. Para não pagar o mico de terem sido surdos às advertências dos gemologistas teológicos, fogem deles como o diabo da cruz. Preferem o zircônio das novidades à credibilidade dos teólogos!
Mas, como dizia um ex-aluno meu, citando Nietsche (duvido que o aforisma seja dele, mas mesmo assim muito válido): “todo palhaço tem sua plateia!” E zircônio vira diamante!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

MANIQUEÍSMO INTERPRETATIVO


Maniqueu, nasceu no terceiro século antes de Cristo no território do Império Sassânida (hoje Iraque) e é conhecido como fundador do maniqueísmo, filosofia religiosa dualística que divide o mundo entre Bom (Deus) e Mau (Diabo). Para ele, a matéria é má, e o espírito é bom. Passou, com o tempo, a se referir a toda postura fundada em dois princípios opostos: Bem e Mal. Para o maniqueísmo não existe meio termo: ou é do bem ou é do mal.
Nestes tempos estranhos de redes sociais e de gente que se “educou” respondendo questões de múltipla escolha, onde deveria escolher a alternativa certa entre duas ou mais, o maniqueísmo se alastrou qual praga da tiririca. Por ser uma geração que não foi treinada na dúvida, nem no questionamento, em que umas poucas premissas foram apresentadas como verdade absolutas, há o condão de achar que o que ele “sabe” é definitivo, absoluto e inquestionável.
Caracterizam-se por uma profundidade de conhecimento que se assemelha a um pires, leram os livros obrigatórios do ensino básico e o mais filosófico deles foi Capitu. Das notícias só leem os títulos, não leem artigos opinativos e adoram o Datena em suas platitudes. Por não serem treinados na leitura, mal entendem o que leem e acham que o autor disse o que não disse, afirmam o contrário do que está escrito e se julgam o Bem lutando contra o Mal. Desnecessário dizer que sempre representam o Bem! Merecem o neologismo de “leitor(anta)”.
Para quem, como eu, que escrevo há quase vinte anos esta coluna semanal, a cada pouco recebo manifestações via e-mail ou nas redes sociais deste tipo de leitor que diz o que eu não disse, que me julga pelas vírgulas, que vê em mim um cruzado contra a religião cristã, especialmente a evangélica. Certa feita recebi de um pastor uma crítica feroz e me aconselhando a usar este espaço para “pregar o evangelho” e não para apontar as mazelas de algumas igrejas. Respondi a ele perguntando se ele me oferecia o espaço no boletim da sua igreja para eu escrever. Estou esperando a resposta até hoje.
Uma das coisas mais comuns é o maniqueísmo diagnóstico: se ataco algum aspecto do capitalismo, sou comunista. Se ataco algo do marxismo, sou capitalista, se critico uma posição dos evangélicos sou católico etc. Quando da invasão do Afeganistão pelos Estados Unidos, ao criticar as ações e a mortandade provocada, recebi manifestações dizendo que eu era a favor dos talibãs!
Mais recentemente, em algumas vezes em que critiquei os destemperos verbais do atual presidente, fui acusado de ser comunista, petista, esquerdista. Quando critiquei o PT no governo, fui acusado de ser conservador, retrógrado, capitalista. Quando fiz algum reparo à Lava Jato, fui condenado por ser a favor da corrupção! Um deles me escreveu dizendo que eu sou “inguinorante” e que minha “inguinorança” me descredenciava a ser colunista.
Estamos na época em que qualquer alfabetizado se sente no dever e poder de dizer ao mundo o que pensa, mesmo que sua postagem seja a revelação do quão imbecil é. Neste contexto se inserem os haters, gente especializada em difamar, denegrir e fazer bullying virtual. Machucam pessoas pela aparência que têm, por serem gordas ou magras, cabelo curto ou comprido, e aí por diante. Não é para menos que vários destes famosos fecharam suas contas nas redes sociais.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

FAÇO O QUE QUERO?


Quantas vezes você já fez promessas de que faria regime, exercícios físicos, estudaria todo dia, leria 10 livros por anos? Quantas destas decisões foram cumpridas? Quantas coisas que você “sabe” que deve fazer ou mudar e nunca fez ou mudou?
O saber muda? Esta é uma pergunta que fui instigado a fazer para mim mesmo e tenho feito a algumas pessoas e percebo que, comigo e com outras pessoas, o fato de saber não garante, necessariamente, a mudança nos meus hábitos. Quantos viciados, alcoólatras, diabéticos que “sabem” que drogar-se, beber ou comer doces prejudica a saúde e a vida deles e que continuam nas mesmas práticas?
Quantas mães perderam horas aconselhando seus filhos, ensinando coisas e que veem seu trabalho frustrado porque seus filhos, a despeito de tudo o que ela disse, se envolveram com as coisas para as quais foram alertados? O questionamento não é novo, nem sou eu só que o faço. Já o apóstolo Paulo o fazia (e muito provavelmente outros antes deles, que não conheço): “Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico ... o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está.” (Romanos 7: 15-17).
O dilema é: se sei o que devo fazer e decido fazê-lo, por que nem sempre a decisão consciente que tomo se transforma em ação correspondente? A explicação mais plausível que se tem até o momento é que existem variáveis outras, inconscientes ou conscientes, que interferem no processo volitivo e o sabota, inoculando a ação e fazendo-a abortar.
No processo de entender estes “mecanismos subterrâneos” há a psicanálise, a interpretação de sonhos, a terapia da linha do tempo, a regressão, a hipnose, a terapia cognitiva, behavioral, a abordagem sistêmica, a das constelações familiares e assim por diante por diante. Cada uma delas tem seu valor e apresentam seus resultados, mas, ao fim e ao cabo, sempre fica algo escondido.
Diante disto, a máxima de Sócrates “conhece-te a ti mesmo”, tem sua razão de ser e é pertinente a todos nós. Se ela ainda é valida e a busca por conhecer-se deve ser uma missão individual e solidária, porque conhecer-se implica em ouvir o que outros têm a dizer sobre mim e perscrutar o que posso conhecer olhando para dentro de mim. Ocorre que, como humanos, sempre nos vemos melhores do que somos e do que os outros nos veem.
Há que considerar-se a capacidade humana de auto-engano. Acreditamos nas mentiras que contamos para nós mesmos. E, talvez, a mais terrível delas é enganar-se achando que nos conhecemos profundamente e cada entranha do consciente e inconsciente. A frase “eu me conheço” é uma mentira que acredito porque ela é produzida por mim e para mim mesmo. Acho que é aqui se aplica a máxima sapiencial: “Aquele que vive isolado busca seu próprio desejo; insurge-se contra a verdadeira sabedoria. O tolo não tem prazer no entendimento, mas tão somente em revelar a sua opinião.” (Provérbios 18:1-2).
O conhecer-se se dá no ambiente relacional. Outra vez o sábio: “... na multidão de conselheiros há sabedoria.” (Provérbios 11:14).
Em outras palavras, somos um enigma para nós mesmos!
Marcos Inhauser