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quarta-feira, 15 de maio de 2019

FUI ELOGIADO!


“Virtude abjeta, ladra desaforos. Ela me insuflou reativamente. Babaquices à latrina, bobas, incertas, inomináveis, obscuras.”
Este é o preço de escrever uma coluna e ser “lido” por quem não sabe ler e se julga “o juiz d universo”. Seguem dois e-mails que recebi, de um “leitor”. Publico-os na íntegra, sem revisões e edições. Não cito o nome para não dar visibilidade. Faço-o para exemplificar o clima de polarização a que chegamos.
Coluna “ARROGÂNCIA DO AUTODITATA”: “Também não conheço nenhum autodidata humilde, mas conheço muitos autodidatas; os comunistas, assim como o sr.º.  Defino os comunistas em dois adjetivos; preguiçosos e invejosos. O comunismo no mundo matou mais de cem milhões de pessoas, o que é pior, mataram-se entre si em nome desta doentia ideologia, que não deu certo em lugar nenhum do mundo. E ainda pessoas como o sr.º defende o comunismo. Ora, o Papa Pio XII excomungou o comunismo e o sr.º ainda o defende? O sr.º não é pastor? Não deve seguir a doutrina cristã? Não deve seguir as decisões do seu mestre maior na terra que é o Papa? Então por que defender o comunismo, se este foi excomungado pelo citado Papa? Os comunistas, todos, sem exceção, são preguiçosos, não querem trabalhar, escondem seu ativismo atrás do argumento de que pretendem acabar com as injustiças sociais, quando na verdade, não gostam mesmo é da labuta, de pegar no batente, não gostam de levantar cedo, pegar ônibus lotado, etc.
Os comunistas são invejosos. Eu sou pobre, sempre fui, continuo sendo, mas nunca precisei de ninguém falar por mim, nuca tive inveja dos americanos por isto, pelo contrário desejo que todos se de bem na vida, porque se eles se derem bem na vida eu também me darei.
Me explique, hoje tenho inveja dos ricos, e amanhã se em me tornar rico, com o meu trabalho, é justo os outros terem inveja de mim e quererem me destruir? Porque vocês comunistas tem raiva dos ricos? Vocês são incapazes?
Sr.º marcos não seja invejoso, coisa feia, seja trabalhador, honesto, ético, o sol nasce para todos.
Se o sr.º defende o comunismo, também é contra as ordens do Papa Pio XII, por conseguinte, é excomungado, por ser excomungado, não pode ministrar palestras sobre o temo bíblico.
O sr.º defende o comunismo, então vá morar na China, Coréia do Norte, Cuba, Venezuela, isto o sr.º não quer, não é mesmo.
Sabe o nome deste comportamento, esquerda caviar.
Fala mal de Olavo de Carvalho que já escreveu vários livros, e o sr.º qual livros já escreveu, qual a moral que o sr.º tem parra falar mal dele? É mais um sentimento de inveja não é mesmo?
Este país nunca mais voltará as mãos desta esquerda maldita, corrupta, que destruiu o país que em sua maioria é formado por pessoas de bem, trabalhadoras, honestas.”
Coluna PALAVRÃO FILOSÓFICO: “Um teólogo que não é formado em filosofia, muito estranho! Ainda, educador corporativo, tenho dó de seus alunos.
Um teólogo que critica um verdadeiro filósofo e um presidente, que incoerência.
Mas é melhor não ser formado em filosofia porque nestas instituições públicas UNICAMP, USP, UFF... somente há doutrinação comunista, aberrações doentias que somente quem acompanha o dia a dia nestas universidades sabe.
O senhor certamente se corromperia.
Antes ouvir palavrões acompanhados de verdades em prol de um país melhor, do que ler baboseiras de um pseudo 'teologo' que nem mesmo cursou filosofia, nem mesmo escreveu um livro sequer.  
Quanta mediocridade.”
Autor que o torno anônimo para não dar publicidade a tamanha incompetência.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 8 de maio de 2019

PALAVRÃO FILOSÓFICO


Não sou formado em filosofia. Mas os estudos me obrigaram, por interesse ou requisito acadêmico, a ler vários. Li um monte deles, desde os clássicos até Foucault. Entendi alguns, outros me perdi na leitura e não achei o sentido, nem que relesse duas ou três vezes. Os dialéticos, para mim, falam grego! E não achei tradução!
Tentei ler Marx. Desisti na segunda página. Sabia que ia perder tempo. Depois tive um professor de História da Educação que disse: “se alguém te disser que leu O Capital de Marx, duvide; se disser que entendeu, chame-o de mentiroso; se insistir, interne porque está louco”. E ele era marxista!
Há uma coisa que nunca vi nos filósofos assim reconhecidos: nunca li uma palavra de baixo calão sendo empregado por um deles. Palavrão? Jamais! Se há uma coisa que os caracteriza é a linguagem escorreita e o vocabulário que foge ao óbvio e ao popular. Antes, pelo contrário, são herméticos, com construções de frases bastante complexas.
A fala chula, vulgar, o emprego de palavrões é típico de gente que não tem vocabulário que consiga traduzir o que quer dizer, que não consegue expressar os sentimentos. Mais: é característico de quem sabe ofender e gosta de fazê-lo. Acha que o palavrão, a ofensa, o discurso vulgar é a forma mais certeira de dizer o que quer e que o povão vai entender e gostar. Ele fala para a “galera” e mede sua proficiência em filosofia pelos likes e seguidores que tem. Neste mundo líquido contemporâneo, um falastrão, com linguagem vulgar e permeado de palavrões pode se considerar filósofo, bispo, apóstolo, guru ou o que queira.
Como falta à grande maioria dos brasileiros escola, leitura, noção crítica, autonomia reflexiva, qualquer babaca que fale umas tantas quantas coisas, mesmo que recheadas de obviedades e platitudes, desde que venha com palavrões, ele “é o cara”. Este “cara” pode defenestrar um dos maiores educadores que a humanidade já produziu. Como santo na sua terra não faz milagre, Paulo Freire é santo lá fora e demônio para os seguidores do guru. Um sujeito que fez um curso de conserto de geladeira e paraquedismo, que foi indisciplinado no Exército, o que tem a dizer e ensinar? Nada! Prefere alimentar as controvérsias no Instagram e Twitter. Mas trazer um plano nacional de educação, de saúde, de reforma fiscal, esclarecer os pontos da reforma da previdência, isto não tem cacife para fazê-lo.
Um jovem de dezoito anos, estudioso na medida do necessário, conseguiu um encontro com uma jovem, esta sim estudiosa. Saíram, conversaram e no terceiro encontro ela lhe perguntou: este é o vocabulário que você tem? Por que você repete sempre as mesmas frases e palavras? Por que você insiste em usar vulgaridades? Se quiser me namorar, comece a ler mais livros e melhore seu vocabulário! Não tenho tempo para ficar ouvindo as mesmas coisas sempre! Traga conhecimento e não besteiras!
O conselho da menina serve para muitos. Mas como estudar se filosofia e sociologia são lixo? Para que estudar se o que importa e saber ler, escrever, fazer as quatro operações e ter uma profissão? Siga o exemplo do ministro que, em rede social escreveu “ínsita” quando deveria escrever “incita”, sem contar o erro de concordância que cravou na mesma mensagem. Ele não estudou direito, tanto que, trazida à luz seu boletim escolar, teve que dar mil explicações para as faltas, notas baixas e vida acadêmica abaixo da média. E abaixo da média continua sendo. O erro de grafia e de concordância são tão agressivos quanto as vulgaridades e palavrões do outro.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de maio de 2019

ELOGIO À BURRICE


Erasmo de Rotterdam, em 1509, escreveu o famoso “O Elogio da Loucura”,  publicado em 1511, e que influenciou a Reforma Protestante e a civilização ocidental.
O livro tem seu lado satírico e sombrio, trabalha a loucura como forma de autodepreciação, ataca os abusos da doutrina católica considerando muitos como superstição, alude às práticas corruptas da Igreja Católica.
Nele loucura é comparada a uma deusa que é filha de Plutão e Frescura, educada pela Inebriação e Ignorância, que têm a companhia de Philautia (amor-próprio), Kolakia (elogios), Lethe (esquecimento), Misoponia (preguiça), Hedone (prazer), Anoia (Loucura), Tryphe (falta de vontade), Komos (destempero) e Eegretos Hypnos (sono morto).
Eu o li há algum tempo e voltou à memoria nestes dias quando há, ao que me parece, um elogio à Ignorância e à Burrice, que é um grau mais profundo da primeira. Tivemos um Ministro da Educação que me fez lembrar a educadora Inebriação (deslumbramento) talvez pelo fato de ser colombiano a gerir a educação brasileira. Isto o levou a mostrar as influências de Komos (destempero) e que, no que pese que era chamado de filósofo, teve seu lado Lethe (esquecimento) e não fez o que se esperava que fizesse: não administrou, nem sentou bases para um plano nacional da educação. Com isto mostrou seu lado Eegretos Hypnos (sono morto).
Defenestrado por incompetência, entra no seu lugar outro ministro. Este se parece ao filho de Plutão e Frescura. Plutão é um deus que sai das entranhas do pai, Saturno, entra no panteão e assume o poder do universo. O mundo dos mortos no interior da terra foi o que lhe coube governar, mesmo contra a sua vontade. Era sombrio, irritadiço e pouco admirado, por estar descontente com o que lhe tocou. Viajava à noite em um carro puxado por apavorantes cavalos negros, guardando as chaves do inferno.
O novo ministro que substitui o incompetente filósofo, também mostra as influências das companhias que teve. Ao vir a público dizer que a filosofia e a sociologia não devem mais receber atenção nas escolas e na graduação por não serem estudos que produzem resultados financeiros, mostrou Philautia (amor próprio – “eu estudei o que útil”), adorou a Kolakia (elogios – os ignorantes bateram palmas), revelou que se esqueceu que estudou filosofia e sociologia para se graduar e assim exagerou na influência de Lethe (esquecimento). Seu posicionamento revela também a influência de Misoponia (preguiça), Anoia (Loucura) e Tryphe Komos (destempero).
Isto revela que estamos com um presidente que escolhe mal a maioria dos seus ministros, já teve que executar dois deles, tem outros que são calcanhar de Aquiles (o do Turismo e a Doidamares), foca no insignificante (comercial e gerente marketing do BB, golden shower etc.), fala o que não deve, mostra-se péssimo negociador porque cede antes mesmo de se iniciar o processo, tem suas influências de Misoponia (preguiça) deixando para o Congresso o que deveria ser seu foco maior (a Reforma da Previdência), adora Kolakia (elogios) e se perturba com as críticas.
A maior burrice é a ilogicidade da afirmação de que a Filosofia e a Sociologia são supérfluas, mas tem num autoproclamado filósofo/astrólogo o seu mentor e dos filhos e alguns ministros.
Estamos precisando um pouco do deus Sofrósine (moderação, moderação, discrição e autocontrole) e o exorcismo da deusa Afrodite, a das paixões desenfreadas, que tem grande influência sobre os filhos. 
Marcos Inhauser


quarta-feira, 24 de abril de 2019

ARROGÂNCIA DO AUTODIDATA


O autodidata tem dois fundamentos sobre as quais constrói seu universo cognitivo: a própria competência e a infalibilidade do conhecimento adquirido pelo esforço próprio. Para que isto se consolide, ele afirma outros dois fundamentos derivados: transpiração e dedicação. O seu saber, fruto da atividade solitária, por não ser confrontado com outros saberes, tem o DNA de arrogância.
O que “sabe” só ele sabe. Acredita com unhas e dentes que seu saber é único, que seus posicionamentos são apropriados e que vão resolver os problemas do mundo. A solidão no processo de incremento cognitivo os leva a uma atitude de desqualificar todo e qualquer pensamento/saber que não se ajusta aos seus códigos. Passam a ser “donos-da-verdade”, messias para equacionar e resolver todos os problemas. Não admitem contestações, críticas ou senões ao seu saber. Quando há quem os critique, não têm pudores em ser agressivos, ofensivos e violentos.
Exigem obediência cega aos seus postulados e dogmas (o seu saber é dogmático no sentido religioso de que é uma verdade auto explicável ou que se aceita por fé). São messiânicos, pois acreditam que sua capacidade intelectual de aprender sozinhos é dom de Deus, que sua compreensão do mundo é inspirada, que suas soluções têm a chancela divina, ainda que se afirmem ateus.
Se duas pessoas interpretam um mesmo texto ou fato de duas maneiras diferentes, uma delas, certamente, estará errada. Como é quase impossível o autodidata reconhecer que a sua interpretação é a errada, fica fácil perceber a anatematização do dissidente. O errado e burro sempre é o outro!
Eles têm tem resposta para tudo. Por inferências, deduções enviesadas e conclusões questionáveis, estes autodidatas insistem em encontrar resposta para tudo, mesmo que tenham a profundidade de um pires e a consistência de uma gelatina.
Como decorrência dos fundamentos, há a maniqueização da humanidade: Eu e eles. Eu sou o bom. Eles são os burros, condenados, devassos, promíscuos, corruptos etc. Por assim crer e agir, os autodidatas têm uma característica comum: são arrogantes! Não conseguem manter um diálogo, antes insistem em falar compulsivamente, como para impedir que uma visão diferente possa aparecer e prevalecer. Diante de uma pergunta para a qual não têm resposta, ao invés de dizer “não sei” preferem estigmatizar o perguntador como herege. A ignorância deles é burrice de quem pergunta. Quase sempre terminam uma tentativa de diálogo afirmando: ou você aceita o que lhe digo ou você vai se ferrar.
Estamos à volta com um ex-astrólogo que ganhou ares de oráculo para todas as coisas. Sabe e entende de tudo e se mete a falar de cesariana a motor à explosão! Tem seus discípulos, tão arrogantes quanto o mestre das babquices. No caso específico, é verdade, tem uma coletânea de conhecimento que, sim, são válidos. Podem ajudar a não nos tornar idiotas, ainda que, ao divinizá-lo, os seguidores se tornam robotizados, repetindo as máximas do guru. A obediência deve ser cega. Se foi nomeado a algum posto por influência ou indicação do autodenominado filósofo, a autonomia de ação é zero. Haja vista o demitido ministro da Educação e as sandices do ministro de Relações Exteriores.
A terra é plana, o mundo foi criado por Deus em sete dias e há não mais de 6000 anos, os militares representam o atraso, o mundo deve ser dividido entre nós e eles, o Trump é o maior e melhor presidente que os EUA já tiveram, o Moro é um gênio, a base de cálculos para a reforma da Previdência deve ser secreta, não houve ditadura no Brasil, nem mesmo tortura, quem morreu devia morrer por causa da opção que fez, etc. E salve os gênios autodidatas!
Não conheço um autodidata humilde. Se você conhecer, me avise.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 17 de abril de 2019

A DESEJADA PÁSCOA CONTEMPORÂNEA


O povo estava escravizado e vinha sendo explorado pelos poderosos da nação. Trabalhavam duramente para atender às exigências reais e produzir os tijolos. Não tinham descanso nunca. A realeza, para manter sua opulência e construir palácios, exigia do povo a produtividade nas olarias. Cada operário deveria entregar ao fim do dia sua produção. Quando Moisés pediu ao Faraó que deixasse o povo sair por três dias para cultuar a Deus, o rei entendeu este pedido como ameaça: “... por que interrompeis o povo no seu trabalho?... o povo já é muito e vós os distraís das suas tarefas” (Ex 5:4, 5).
A solicitação justa foi tomada como ameaça à nação, à estabilidade do reino, à ordem institucional. A resposta real veio na forma de exigência de mais produção com menos matéria prima (“... não dareis a palha para fazer tijolos... eles mesmos que... ajuntem para si a palha... e exigireis... a mesma conta de tijolos que antes faziam... agrave-se o serviço sobre estes homens, para... que não dêem ouvidos a palavras mentirosas... v. 7-9). Uma reivindicação justa respondida com mais injustiça.
Ao ler este relato e olhar para nossos dias, tenho a impressão que a história se repete. Os exemplos modernos de justas reivindicações de trabalhadores são, com uma frequência assustadora, respondidas com mais injustiça.
Quantas vezes trabalhadores lutando por melhores salários não foram tratados com cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, duchas de água? Quantos trabalhadores não tiveram seus salários descontados porque pararam em greve para reivindicar melhores condições de trabalho?
Mais ainda: na atual situação de haver muita gente para trabalhar e pouco trabalho (versão moderna do “o povo já é muito...” v. 5), os modernos trabalhadores, diante do medo de perder seu posto de trabalho, acabam se sujeitando a situações ainda mais injustas. Sob ameaça de perder o emprego, os modernos Faraós estão exigindo que seus trabalhadores produzam mais com menos custo (com a moderna terminologia de “produtividade”).
Aumentam as exigências e reduzem as condições. Pedem mais produtividade, mas cortam a “palha” do plano médico, da cesta básica, do adicional por insalubridade etc. Não poucas vezes se aplica o que o apóstolo Tiago vai dizer mais tarde “... o salário dos trabalhadores... foi por vós retido com fraude” (Tg 5:4).
A Páscoa está aí para nos dizer que Deus está atento e que isto terá fim. O sofrimento do povo, tendo que trabalhar de sol a sol, sem descanso semanal, férias ou outra coisa beneficiosa, não é algo alheio a Deus e Sua justiça.
Ele interferiu a favor dos trabalhadores explorados pela ganância e opulência do Faraó. Certamente também está atento hoje ao sofrimento e exploração feita em nome do modelo econômico, do lucro, dos acionistas da Bolsa. Ele está atento às tentativas de retirada de parcos benefícios de quem suou toda a vida. Quem vestiu farda ou teve trabalho público, para estes Faraós, merecem tratamento diferenciado e remuneração nababesca depois de se aposentarem.
Os modernos Faraós podem negar a justa reivindicação dos trabalhadores roubados no FGTS e negados no pedido de um salário justo, argumentando que isto desestabiliza a economia, aumenta a inflação etc. Mas há esperanças no Deus da Páscoa. Esta foi a culminação de um processo de salvação e libertação de uma relação laboral injusta. Que esta dimensão da Páscoa não se perca em meio a uma celebração que mais enfatiza o sofrimento sob o império que a libertação, que espiritualiza a ressurreição, não permitindo ver que há situações concretas que exigem libertação e ressurreição.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 3 de abril de 2019

RELIGIÃO POR QUILO


Por razões de trabalho e passeio já comi em muitos e variados restaurantes, em vários países, desde os chiques até o muquifo. Há uns sete anos voltei a um bom restaurante que eu frequentei nos década de oitenta. Lá entrando vi que tudo estava mudado. O garçom que veio me atender eu o reconheci dos tempos em que lá estive. Perguntei: “há quanto tempo o senhor trabalha aqui?”. Há mais de 40 anos, responde ele. Eu repliquei: eu sei disto porque o senhor já me atendeu várias vezes há vários anos. Ele então medisse: “naquele tempo isto aqui era um restaurante, hoje é um comedor. Tenho vergonha de trabalhar aqui porque esta coisa de comida self-service e por quilo é uma desgraça”.
O difícil é encontrar um bom restaurante na maioria das cidades que visito. E nestas andanças descobri que os restaurantes por quilo são todos iguais. A mesma variedade, os mesmos temperos, um pouco mais quente neste ou mais frio naquele. Alguns com reposição imediata, outros que esperam acabar para repor. As mesmas saladas, o mesmo arroz e feijão, a mesma macarronada (alho e óleo ou à bolonhesa), as mesmas sobremesas.
Perguntei um dia ao dono de um restaurante destes (onde comi muitas vezes ao longo de doze anos). E ele me disse: “se eu inventar e colocar comida diferente, acaba sobrando. Os clientes preferem sempre o mesmo”.
Isto tem acontecido com as igrejas e religiões. Se a gente vai a uma Presbiteriana, Metodista, Batista, Assembleia ou igreja independente, a mudança entre uma e outra será mínimo, cosmético. Todas adotam o mesmo cardápio: muito louvor capitaneado por um grupo de jovens, com mini sermões entre uma música e outra, orações genéricas, pregação sem contribuição da reflexão do pregador (mais do mesmo) e benção final.
Parece que as pessoas vão em busca de um cardápio igual, mas em locais diferentes, tal como faço quando estou em uma cidade por dois ou três dias: como em restaurantes diferentes, ainda que saiba que o cardápio é o mesmo.
Nas igrejas isto acontece. As pessoas vão hoje ao restaurante presbiteriano, no domingo seguinte ao restaurante batista central, depois ao nazareno e assim por diante. Tal como nos restaurantes por quilo, cada um pega o que gosta e na quantidade que consegue comer. E, na quase totalidade das vezes, a comanda vem: o momento das ofertas!
O chef aparece vestido de terno e gravata ou com vestes talares típicas dos sacerdotes, há certa pompa na sua presença porque é o vox Dei daquele restaurante. Tal como nos restaurantes por quilo que compram os ingredientes em locais especializados, com pre-parados, muitos dos sermões são buscados em sites. O sermão virou commodity: toma-se emprestado sem citar a fonte, compra-se um já feito, faz-se uma colcha de retalhos com as ideias de vários autores e lá vai a gororoba alimentar os clientes daquele domingo.
Estava ouvindo uma pregação juntamente com um amigo e, acerta altura, o pregador falou algo que não era do estilo e nem da capacidade intelectual do orador. Imediatamente meu amigo pegou o celular e achou onde o sujeito tinha “roubado o sermão”. Sobra de outro restaurante servido como comida recém feita.
Não aguento mais comida por quilo e nem igreja da mesmice!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 27 de março de 2019

AUTODESTRUIDORES


Os exemplos se multiplicam. Basta prestar atenção a algumas pessoas e suas decisões. Parece que elas têm o instinto assassino de matar as oportunidades que a vida se lhes apresenta. No trabalho pastoral posso citar de memória um monte de casos de pessoas que agem desastradamente em prejuízo próprio.
Lembro-me de uma mulher que me procurou toda machucada. Soube que ela apanhava do marido há muito tempo. Orientei-a a dar queixa à polícia e se afastar dele para que sua vida fosse preservada. Nada fez e continuou apanhando. Outro que, enrolado até o pescoço com dívidas, foi convencido pelos amigos de apartamento que compartilhavam a vender uma motocicleta de primeira linha que possuía. Saiu no outro dia para se desfazer dela e saldar suas pendências. Quando voltou à casa, tinha vendido a moto, mas comprou um carro zero com prestações impagáveis.
Conheço outra que saiu de casa para comprar uma bolsa e voltou com uma SUV Toyota! Outra, vendeu uma casa que tinha, para ficar sem ter onde morar. Achou um muquifo, mudou-se para lá e o proprietário lhe ofereceu vender. Todos os que a conheciam e também conheciam o proprietário a avisaram que era uma tremenda fria fazer negócio com ele. Não escutou a ninguém, comprou, pagou e até hoje, depois de quase 15 anos, ainda está tentando regularizar a compra.
É o caso do pai que, avisado pelo filho de 17 anos que havia feito um negócio e que, por erro do vendedor, ele o carregou no catão do pai, ele afirma com alto e bom som que o filho o estava roubando. Nem considerou que o filho o estava comunicando um erro e tentando acertar as coisas. Perdeu a autoridade paterna sobre o filho.
Poderia citar os muitos casos de mulheres que, sabendo que o namorado era viciado em algum tipo de droga, mesmo assim decidiram se casar e, depois se arrependem amargamente. Criam piamente que conseguiriam “consertar o marido”.
Mais recentemente, no âmbito da política temos alguns exemplos de “suicídio”. Para ficar em um especialista em tiro no pé, cito o presidente que, sem contrapartida comum no campo da diplomacia, abre os vistos para estado-unidenses, canadenses, japoneses e australianos. Um visto para os EUA custa quase duas centenas de dólares (sem restituição caso seja negado), mais a humilhante entrevista para saber se você é um pretendente a morar e trabalhar naquele país. Ainda com o mesmo personagem, está a declaração dele, em solo chileno elogiando a ditadura de Pinochet. Falou de corda em casa de enforcado!
Acrescente-se a isto as desastradas declarações sobre o aumento de impostos, redução da alíquota do IR, os retuites das asneiras escritas pelos filhos, a comparação da crise com o presidente da Câmara, Maia, como sendo uma briga com a namorada. Há ainda a “carta branca” que deu ao Moro e que, depois, o obrigou a “desconvidar” a Ilona Szabó, especialista em Segurança Pública; a falta de posição no caso do laranjal do PSL que afeta o Ministro do Turismo, as idas e vindas (não sei se houve até agora alguma ida, porque me parece que só há retrocessos) no MEC; a presença esdrúxula do ex-aprendiz de astrólogo, Olavo de Carvalho, sentado à sua direita em reunião nos EUA; a continuidade da folclórica Damares no Ministério de Todas as Coisas; o exótico olavete Ernesto Araújo no Ministério das Relações Exteriores. Por falar nele, acho que ele tem sangue de barata. Excluído da conversa do Bolsonaro com o Trump, quando assunto tratado era todo relacionado à sua pasta, saiu-se dizendo que o filho do presidente também tem papel protagônico no trato destes assuntos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 20 de março de 2019

INVISIBILIDADE URBANA


Todas as tentativas de narrar a pré-história da humanidade mostram pequenos grupos preambulando em busca de caça e alimento. Os grupos, não mais de cem pessoas, quando muito, se fragmentavam quando cresciam, em função da estratégia da busca de sobrevivência, uma vez que, para se ter alimentos e caça para um grande número de pessoas, era mais problemático.
A convivência em um grupo reduzido de pessoas tem a vantagem de se ter relações afetivas fortes, laços de solidariedade e uma rede de proteção e apoio do tamanho do grupo. A pessoa é reconhecida nas suas qualidades e potencialidades. Ela existe socialmente falando!
Por outro lado, os pequenos grupos, pela dificuldade ou até inexistência de relações externas, tendem a se normatizar nos padrões aceitos pelo grupo, a buscar a homogeneização comportamental e de cosmovisão. Nestas sociedades a convivência com o diferente é mínima ou nula. Não há o treino para a vida com a novidade ou o diferente. É uma situação de conforto.
Quando a humanidade começou a se sedentarizar, vivendo mais tempo em um mesmo lugar, quando começou a dominar as técnicas da agricultura e pastoreio, quando o desenvolvimento comunitário começou a experimentar avanços, os grupos puderam crescer e assim fizeram. Agora se tinha mais gente vivendo juntas nos assentamentos onde se lavrava a terra e se cuidava dos rebanhos. O aumento dos grupos introduziu a necessidade da convivência com o diferente (ainda que em pequeno número).
A transposição do modelo rural/pastoril para o urbano trouxe implicações enormes. Cada pessoa teve que aprender a lidar com um número maior de pessoas e desconhecidos, com uma variedade maior de diferentes, com hábitos e comportamentos estranhos. À medida que o grupo aumentava, diminuía a capacidade de estabelecer relações afetivas significativas, menor era o reconhecimento social para a existência, uma vez que, em função da quantidade, o anonimato se instalava. Surgem os “walking deads”: seres que vivem sem vida social, invisíveis para a grande sociedade, não reconhecidos, não vistos, não ouvidos.
A forma de chamar a atenção, de gritar “olhem para mim”, “me escutem”, de chamar a atenção dos transeuntes, é usar penteados espalhafatosos, roupas “descoladas”, enormes brincos, piercings, tatuagens até na testa. Quanto mais invisível a pessoa se sente, mais ela chama a atenção.
Esta análise me vem ao pensar nos recentes episódios de massacre: Suzano e Christchurch, além dos casos de feminicídio resultantes da inconformidade com o fim da relação. Note-se que os atiradores dos massacres queriam “se tornar heróis, reconhecidos”, queriam dizer “eu existo” ainda que para isto, paradoxalmente, lhes custasse a vida! As Deep e Dark Web eram espaços onde encontravam pessoas dispostas a ouvi-los e lhes dar ajuda. A solidariedade para a fama questionável. Os invisíveis sociais ganharam as páginas dos jornais e as telas de televisão. Conseguiram ser vistos e estudados pela sociedade.
Os feminicidas, ao verem uma relação ruir, pela incapacidade de estabelecer novos relacionamentos porque sabem ser invisíveis sociais, matam quem os rejeita. A frustração de não ser ninguém os leva a matar quem, por um tempo, deu-lhes esperança e reconhecimento. Matam quem se interessava por eles, paradoxo dos paradoxos.
Faltam orelhas e olhos na sociedade. Todos de cabeça baixa olhando a tela e, ao redor, milhares pedindo: “olha prá mim!”.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 13 de março de 2019

A RETÓRICA E A PARRESIA


Michel Foucault, em uma de suas últimas aulas (01/08/94), fez comentários sobre o exercício da retórica e a parresia (que é o falar a verdade, sem esconder nada). Para ele, “na retórica não há vínculo entre aquele que fala e o que ele diz, mas a retórica tem por efeito estabelecer um vínculo obrigatório entre a coisa dita e aquele ou aqueles a quem ela é endereçada ... está no exato oposto da parresia”.
A parresia, por sua vez” estabelece entre aquele que fala e o que diz um vínculo forte, necessário, constitutivo, ... (que) se abre sob a forma de risco ... entre aquele que fala e aquele a quem ele se endereça. ... aquele a quem ele se endereça sempre pode não acolher o que lhe é dito. Ele pode (sentir-se) ofendido, pode rejeitar o que lhe dizem e pode, finalmente, punir ou vingar-se daquele que lhe disse a verdade”. É o falar sem dissimular.
Voltei a ler estes textos do Foucault em função de coisas acontecidas no passado recente e no presente da política brasileira. Não posso esperar de Foucault uma digressão sobre o significado e as consequências das Fake News, mesmo porque, nada data em deu suas últimas aulas, tal conceito ainda não havia sido elaborado. No que pese a isto, não posso desconsiderar que o termo é mais novo, mas o uso de meias verdade ou mentiras propositais sempre fizeram parte da política. Parece-me que a palavra “demagogia” está muito próxima ao conceito de retórica de Foucault, e é irmã gêmea de Fake News.
No anedotário político brasileiro há inúmeros exemplos de demagogia. Conta-se que Ademar de Barros subia ao palanque e, antes de começar a falar, tirava do bolso um sanduíche de mortadela, para que as pessoas o considerassem uma pessoa do povo. Também se conta que, quando suava em seus discursos, tirava do bolso um lenço e, propositalmente, caía um terço que ele o apanhava no chão e, com toda a reverência, o beijava e o recolocava no bolso. Assim fazia para mostrar que era católico fervoroso. Jânio Quadros afirmava que a Coca-Cola era um veneno e que iria fechar a fábrica e proibir o comercio do refrigerante. Nunca o fez e se sabia que era bravata eleitoreira.
A onda de Fake News, propiciada pela proliferação das redes sociais, onde pessoas reais, perfis falsos e robôs disseminam notícias e inverdades, é algo que está entre o demagógico e a retórica no sentido proposto por Foucault: sem nenhuma relação entre o que “envia as mensagens” e o que “recebe as mensagens”, sem conexão com a verdade dos fatos. Um paradoxo da problemática é que quem condena as Fake News, se vale delas para conseguir seus propósitos, haja visto os recentes episódios, tanto na política brasileira como na estado-unidense.
Exemplo claro desta retórica dissimuladora são os discursos do autocrata Maduro, diagnosticando como ataque do imperialismo ianque o que se sabe é incompetência do falastrão.
Tenho para comigo que os falastrões e Instagramers poliativos (para usar um neologismo para me referir às novas formas de falastrões midiáticos) são mais tendentes a ser retóricos e demagógicos, quando não fabricantes e disseminadores de inverdades ou meia verdades. Exemplo disto foi a controvérsia com o Bebiano, se falou ou não com o pai, quando este estava no hospital e mais recentemente a da jornalista do Estadão.
A parresia tem um preço e parece que os políticos não têm disposição de pagar. Quem paga o pato é o povo que engole meias verdade como verdade final.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 6 de março de 2019

É MUITA CINZA!


É verdade que o uso litúrgico das cinzas como símbolo de arrependimento remonta aos tempos bíblicos. Podemos ver o uso delas no arrependimento em Ester, quando Mardoqueu se veste de saco e se cobre de cinzas ao saber do decreto de Asuero I (Xerxes, 485-464 AC, da Pérsia, que condenou à morte todos os judeus de seu império Est 4:1). Outro personagem, Jó, mostrou seu arrependimento vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinzas (Jó 42:6). Daniel afirmou: "Volvi-me para o Senhor Deus a fim de dirigir-lhe uma oração de súplica, jejuando e me impondo o cilício e a cinza" (Dn 9:3). O povo de Nínive proclamou jejum a todos e se vestiram de saco, inclusive o Rei, que além de tudo levantou-se de seu trono e sentou sobre cinzas (Jn 3:5-6). São exemplos do Antigo Testamento que mostram a prática estabelecida de valer-se das cinzas como símbolo de arrependimento.
Jesus fez referência ao uso das cinzas: "Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidônia os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam se arrependido sob o cilício e as cinzas. (Mt 11:21).
Por outro lado, as cinzas também são símbolo de algo que foi destruído, queimado, que virou pó. Elas são a evidência do aniquilamento. “Tudo virou cinzas” é uma expressão que denota derrota, impossibilidade de se recuperar ou ressuscitar.
Quando penso na quarta-feira de cinzas fico entre a cruz e a espada. Não sei se as cinzas, no caso do brasileiro, seriam símbolo de arrependimento ou de aniquilamento. Digo isto porque o Carnaval tem sido um evento nacional que vem ganhando contornos cada vez maiores a cada ano e são exploradas comercialmente as festas que em seu nome se realiza. Muitos cometem excessos de todos os gêneros e pode ser que, ao voltar à vida de trabalho e estudos, se arrependam dos excessos cometidos e por eles peçam perdão.
Parece que o ex-governador Cabral foi acometido do espírito de arrependimento antes da quarta de cinzas. Decidiu entregar os podres de sua administração. Acho que mudou a estratégia para ver se esconde ou sobra algum do arsenal de dinheiro que tem sabe-se lá onde.
Mas o Bolsonaro parece que está fazendo cinzas das suas promessas de campanha. Prometeu que não haveria o toma-la-dá-cá e há fortes indícios de que abriu o balcão fisiológico para, ao menos, aprovar a Reforma da Previdência. Mas ele próprio já está queimando etapas ao explicitar o que pode ser mudado na proposta, antes mesmo de se iniciarem as negociações. A sabedoria virou cinzas!
Também virou cinzas a propalada decisão de não interferir na composição ministerial, dando aos ministros carta branca. O recente episódio do convite feito por Moro a Ilona Szabó e sua defenestração, antes mesmo que esquentasse na cadeira, mostra que a carta branca tem seus pontos cinzas bastante escuros. O mesmo se deu com o Bebiano, criticado por ter marcada na agenda uma reunião com o encarregado das Relações Institucionais da Globo.
Se as redes sociais o alçaram à presidência, estas mesmas redes têm dado balizamentos para suas ações. Mesmo que venha dizer que nenhum dos filhos interferirá no seu governo, parece que o MBL e outros viralizadores de comentários nas redes têm, sim dado a pauta para este governo.
Se o senador Jorge Kajuru votou pedindo a opinião para seus seguidores no Facebook, parece que o presidente está fazendo o mesmo, olhando parcialmente para a opinião pública via Whatsaap e Instagram.
Marcos Inhauser