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quarta-feira, 23 de março de 2016

CIRURGIA RADICAL NA POLÍTICA



Há não muito tempo assisti a um depoimento do ex-senador Saturnino Braga, onde ele tecia comentários sobre o exercício da política. A certa altura ele afirmava que “a política é a mais sublime das profissões porque ela tem por objetivo o bem comum”.
Maravilha! Se eu perguntar a um advogado ele dirá o mesmo que um juiz: a nossa função é sublime porque buscamos fazer justiça. Se perguntar a um médico, ele dirá que, porque diminui o sofrimento e salva vidas, ele tem uma profissão sublime. Se eu perguntar a um sacerdote ele dirá que sua profissão é sublime porque coloca o ser humano em contato com o divino. E por aí vai.
Não diminuo a excelência do fazer política. Acho mesmo que, quando duas ou mais pessoas estão juntas, certo nível de política se estabelece entre elas e sem a política, os relacionamentos seriam um caos.
Há, assim, uma micropolítica (que rege os relacionamentos individuais e grupais) e há uma macropolítica, que rege uma nação. Ela pressupõe a existência de políticas públicas que regulamentam e direcionam os vários aspectos da vida social no seu sentido mais amplo.
No âmbito da democracia, o político se dá em um processo de construção coletiva, onde pessoas que receberam a delegação via eleição, tem os poderes para elaborar e implementar políticas públicas, para legislar e estabelecer os parâmetros coercitivos para as condutas desviantes. O modelo inicial deste tipo de democracia se deu em Atenas, onde cidadãos atenienses podiam se levantar, sem que para tanto fossem eleitos, e fazer os seus discursos políticos. Na contribuição multifacética das várias participações se construía um modus operandi democrático. Assim, a democracia não tem a pretensão de agradar a todos, mas a de fazer o que promove o bem comum.
Há muitos estudos para mostrar este exercício da democracia na antiga Grécia, especialmente em Atenas. As duas últimas conferências de Michel Foucault foram dedicadas a isto e mais especificamente ao falar a verdade no discurso político (parresia), onde ele mostra que a democracia exige a verdade, mas que, interesses pessoais e até dos deuses, interferem no fazer política.
Estamos vivendo momentos em que a democracia foi aviltada, achincalhada, conspurcada e “suicidada”.  O que menos se vê é a parresia, este falar a verdade em público. Sem querer entrar em fatos de todos conhecidos, tivemos nestes últimos tempos um assassinato da hermenêutica jurídica ou laica, um atropelo da decência, um festival de palavrões, negociatas mil, bravatas infantis, desprezo e menosprezo às instâncias democráticas, surdez à voz das ruas, judicialização do óbvio, recursos exóticos, etc.
Tenho para comigo que o fazer política no Brasil está tão tomado pelo câncer do interesse pessoal e do tirar vantagem que só uma cirurgia radical extirpará o que se alastrou por todos os tecidos do corpo nacional. Não será na dança das cadeiras que se conseguirá extirpar o mal. Não se acaba com um câncer tirando um tumor daqui e colocando-o em outra parte do corpo. A cirurgia tem que ser radical.
Só uma revolução via urnas, acabando com a reeleição de quem quer que seja, e escolhendo gente decente. Não se terá a limpeza votando em quem é folclórico, tem visibilidade midiática, foi jogador ou BBB. A política séria se faz com gente séria, capacitada e serena.
Que o exemplo do Trump não seja copiado por estas bandas.
Marcos Inhauser

ELA FOI RENUNCIADA



Os institutos de pesquisa têm uma fórmula para saber que cada televisor ligado corresponde a X outros televisores ligados. Em Porto Alegre, um ponto no Ibope equivale a 14.375 domicílios. Em São Paulo, esse número cresce para 58.235 lares (dados de abril de 2015). Algo parecido vale para os jornais: cada exemplar vendido corresponde a um certo número de leitores e cada carta enviada ao jornal representa outro tanto.
Trago isto para dizer que os números divulgados para a manifestação do último domingo, ainda que variem segundo a fonte, mostram que foi a maior manifestação política já havida no Brasil. Não importa se foram mais ou menos de 4 milhões, ou se os números questionáveis do DataFolha são tomados como sérios. O que importa é que muita gente saiu às ruas no domingo.
Mas há outro tanto de gente (que é ainda maior que o daqueles que foram para as ruas), que não saíram, mas colocaram suas bandeiras, que ficaram nas janelas a dar apoio aos que para as ruas foram. Conheço vários deles que, por segurança, por não ter com quem deixar os filhos, por razões logísticas de chegar ao local, preferiram manifestar-se pelas redes sociais.
Sendo assim, os números divulgados devem ser multiplicados várias vezes, para se ter uma ideia mais aproximada do fenômeno ocorrido. Se está certa a pesquisa feita no sábado dia 12, que afirmava que 9% dos brasileiros pretendiam sair às ruas, significa que teríamos algo em torno de 20 mi de pessoas nas ruas e isto não se deu. Mas também se pode dizer que os que foram representavam uma parcela muito maior da população.
Se se considera que a democracia é o governo do povo para o povo e que os governantes são os que receberam a maioria dos votos válidos, ter uma manifestação deste porte para retirar da pessoa eleita o apoio de uma parcela da população é algo que não pode ser desmerecido. É verdade que ela foi eleita, mas os que a elegeram e os que não a elegeram, vieram à rua para dizer: retiro meu apoio.
Eles estavam renunciando ao governo que tem. Não querem mais quem foi eleito no governo porque acreditam que perdeu a legitimidade e a capacidade de trazer as mudanças necessárias. Eles a renunciaram porque perceberam que a crise que aí está tem um culpado: a incompetência do atual governo em gerenciar.
Antes desta manifestação, ela já tinha sido renunciada por setores do empresariado, do comércio, do setor de serviços, pelos políticos da oposição. Mais que sito ela tinha sido renunciada por parcela significativa dos políticos que lhe davam apoio. Pior ainda: ela tinha sido renunciada por vários políticos de seu próprio partido.
O governo legítimo não só deve vencer nas urnas, mas deve ter o apoio popular. O Maduro, a Cristina Kirchner, o Evo Morales, foram eleitos, mas perderam legitimidade pela falta de apoio popular. Se 70% ou mais rejeitam o governo, que credibilidade há para que possa continuar a governar? É golpe? Se o é, é um golpe dado pela maioria da população em um sistema democrático que diz: não queremos mais!
Ela foi renunciada ao menos por uma parcela significativa da população. Foi um plebiscito não-formal, de quem, cansado, saiu à rua de disse: ou renuncie ou sofra o impeachment!

quarta-feira, 2 de março de 2016

MAIS MEDO QUE ESPERANÇA



Sabe-se que o medo é a mola propulsora da criatividade e que esta também é fruto da necessidade. Por outro lado, também é paralisante porque, diante dele, muitos paralisam e se deixam vencer pelo medo. O problema é a atitude assumida.
A esperança, por sua vez, é a mola motora para o futuro. Ela é a que provoca o dinamismo. Sem esperança morremos.
Estamos vivendo momentos em que o medo se mostra mais presente que a esperança. Penso na infinidade de pessoas que saem todos os dias para o trabalho com o medo estampado na face de que podem perder o emprego. Ontem, em um banco, um jovem à minha frente comentou que estava entrando em período de férias coletivas, ao que o outro disse: isto é pre-demissão. Foi a instalação do medo no outro.
Ainda agora falava com uma pessoa de RH que ficou um mês em casa, de férias, e deve voltar amanhã. Está sem dormir achando que vai perder o emprego e se o perder, não terá como pagar as contas.
No Brasil de hoje estamos com medo do desemprego, das contas, do zica, da dengue, da chikungunya, da impunidade, da corrupção, etc. Há também o medo dos investigados pela PF e Justiça. Há quem desça da van mascando chiclete, como para dizer que está tranquila, há o que desce dela sorrindo e há os que cobrem a cabeça para não serem vistos. Há os que se negam a fazer qualquer declaração e os que, a cada coisa que dizem, se enrolam ainda mais. É o medo a trapacear a verdade que acaba se manifestando nos atos falhos e nas meias verdades. Esperança de que, ao dizer meias verdades, se livre do que sobre os ombros lhe pesa. É o medo que faz apresentar novas versões a cada depoimento, que muda depoimentos e nega o que disse. Esperança de um habeas corpus que não se concretiza no STF.
A esperança anda meio anêmica. Parece que, se há luz no fim do túnel, o que se tem lá é uma vela e está ventando. A cada dia as novas notícias parecem ser dose de veneno para a esperança. Haja visto a troca do ministro da Justiça, na tentativa de aplacar as investidas da PF. Parece que a esperança tem sucumbido à maciça dose de medo, passada pelos prognósticos pessimistas dos economistas (os reis do chute), pelos desdobramentos da Lava Jato que a cada dia nos mostra que o câncer é maior. Parece uma cirurgia em que o médico abre a pessoa para ver o que tem lá dentro e descobre que o corpo todo foi tomado pelo câncer. Sobra alguém?
Mas se o medo é a mãe da criatividade e a esperança a mola propulsora para o amanhã, devemos ser criativos diante do medo e propor o amanhã da esperança. Não uma luta por causa dos R$ 0,30 na passagem do ônibus e nem pelo passe livre, mas pensar o amanhã, diferente dos ontens que tivemos. Este é o desafio da sociedade brasileira. Um amanhã cheio de justiça, com mecanismos reguladores que funcionam, com políticos que busquem o bem público e não a propina própria, que a diferença entre ricos e pobres seja diminuída, que a comida seja farta, que a mesa seja cheia, que se gaste mais com comida que com farmácia, etc.
No dizer de Isaías, o profeta: que as armas sejam transformadas em arados.
Marcos Inhauser