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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

HÁ QUE SE TEMER O MESSIANISMO


Existiram vários movimentos messiânicos no Brasil, do norte ao sul do país. “O Reino Encantado”, (1836-1838, em Pernambuco), “Povo do Velho Pedro” (década de 1940, no interior da Bahia), “Guerra Santa do Contestado (1912-1916, Santa Catarina); Canudos (1893-1897, Bahia); “Beato do Caldeirão” (sucessor do Padre Cícero), para citar alguns. 
Estudiosos afirmam que os líderes messiânicos nascem em meio a uma desorganização social, especialmente demonstrada pela insatisfação com a situação reinante, onde se apresentam como salvadores pela instalação de um novo modelo social, político e econômico. A vinculação do novo ideário ao simbolismo religioso e sacro ajuda na formulação do agente messiânico, quase sempre com a promessa de melhores dias e a afirmativa de voltar a tempos mais “puros e perfeitos” vividos em algum tempo no passado. É a mítica dos velhos tempos.
Neste sentido, o messianismo de Jesus dever ser entendido em uma categoria separada, uma vez que sua aparição e pregação não se deveram a um retorno ao passado, mas à instauração de algo novo, uma nova aliança. Reza Aslam, no seu livro Zelotes, traz estas indicações. 
Outro elemento distintivo do messianismo jesuânico dos outros que surgiram é que, no mais das vezes, os messias utilizaram o uso de armas, da violência e da revolução como forma de alcançar os fins que propunham. Daí porque, a violência pregada ou disseminada pelos messias se afasta do modelo jesuânico, que pregou a paz, a pacificação e o amor ao próximo.
No período em que viajei pela América Latina pelo Conselho Latino Americano de Igrejas, me deparei com alguns autoproclamados ou denominados messias. Lembro-me de haver escrito sobre o messianismo de Augusto Pinochet, tomando por base dados do sociólogo chileno, Humberto Lagos. Pinochet cria que Deus o havia chamado para a missão de salvar o povo do comunismo. Também acompanhei de perto a ascensão do Ríos Mont na Guatemala, o presidente que se achava ungido de Deus e que tinha um programa em cadeia nacional de televisão, quando orava pela nação e, ao mesmo tempo, as tropas aniquilavam indígenas ao norte do país. Houve certos traços de messianidade no Lula presidente e no Temer, quem acreditou que sua ascensão se deveu à vontade de Deus para resgatar a nação do caos econômico. Messianismo pode se ver no venezuelano Maduro, em alguns comandantes sandinistas (em especial Ortega). Ainda que sem forte apelo religioso, o mesmo se pode dizer de Che Guevara.
Na perspectiva religiosa, os messias (exceção feita a Jesus) se caracterizam por soluções simplistas, teologia superficial e rasa, afirmações genéricas de cunho religioso, a identificação com o grupo pela participação em um rito e, no caso dos messianismos cristãos, pela interpretação fundamentalista e literalista das Escrituras, quase sempre expressas na frase: “obediência à Palavra de Deus”. Mostram com isto que a tomam como manual de conduta, onde a hermenêutica se ajusta à conveniência. No dizer de Vinhas de Queiroz, estudioso dos messianismos e especialmente do Condestado, a fundamentação religiosa, expressa uma “falsa consciência da realidade, alienada, autista e mórbida”.
Colocou-me na defensiva as duas primeiras aparições do presidente eleito. Na alocução feita aos seguidores, via rede social, afirmou que seu governo se pautará pela “caixa de ferramenta para consertar o homem e a mulher que é a Bíblia Sagrada” e “seguindo ensinamentos de Deus”. A segunda aparição, que me causou constrangimento e desconforto, foi a sessão pública de oração do Magno Malta, quem, sabe-se lá baseado em quê, afirmou que o presidente era o “ungido de Deus”!
Estão aí os elementos básicos para que o messianismo prospere. Só espero que ele não acredite no Messias do seu nome!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

CRIME, CASTIGO E INJUSTIÇAS


Percebo que há interrogações na cabeça de muita gente, inclusive na minha. Elas dizem respeito ao judiciário e aos processos tramitados e julgados. A primeira e mais comum é: a justiça precisa ser tão lenta para ser justa, ou a lentidão pode se transformar em injustiça? Parece que há certo consenso de que a justiça célere corre o risco de julgar mal. Os processos sumários estão aí para provar a porcentagem de erros que foram cometidos quando não se deu devido tempo de “decantação”. Processos acelerados tem cheiro de injustiça ou de impunidade. Se há certa sabedoria em trâmites mais pausados, o mesmo não se pode dizer dos que demoram décadas para serem concluídos. Há inúmeros casos que exemplificam que a demora na proclamação da sentença gera injustiças, com gente que faleceu sem nunca ter se beneficiado da causa pleiteada e finalmente ganha. Há outros, criminosos notórios que se beneficiaram da prescrição da pena, muitas vezes pelo uso das chicanas protelatórias. Crimes cometidos que tiveram a borracha do apagão, por causa da demora na proclamação da sentença. Isto é injustiça.
Outra área que percebo inquietação e perguntas é referente à conceituação da gravidade do crime. Uma pessoa pega em flagrante roubando um frango em um supermercado é preso. Um deputado ou secretário de governo, seja municipal, estadual ou federal, que desviou milhões da merenda escolar, por não ser pego em flagrante, responde em liberdade. Não seria a gravidade do crime proporcional ao número de pessoas prejudicadas com os desvios ou crimes cometidos? Um ladrão de galinha ofende o proprietário dela. Um corrupto que desvia verbas da saúde, educação ou dos fundos de previdência deveria ter seu crime amplificado na proporção das pessoas prejudicadas pelos seus atos. Se um assassino da namorada é julgado por feminicídio, por que o que rouba da saúde, condenando inúmeras pessoas à morte por falta de recursos no sistema de saúde, não tem sua pena classificada como genocídio? O primeiro matou uma pessoa. A segunda matou dezenas, talvez centenas ou milhares.
Causa inquietação também a facilidade com que, notórias personalidades públicas, acusadas de desvio, corrupção, peculato, seja lá o que for, tem seus processos sumariamente encerrados por “falta de provas”. Neste quesito entram os Habeas Corpus concedidos a granel, mesmo para gente notoriamente corrupta, criminosa, lavadores de dinheiro, ao ponto de um ministro dizer, ironicamente, que há gabinete no STF que dá senha para atender aos pedidos.
É justa a progressão da pena para todos os tipos de crimes? Um pedófilo contumaz deve ter o mesmo benefício de alguém preso por não pagar a pensão do filho por estar desempregado? Uma pessoa esclarecida e ciente da gravidade do crime que comete deveria ter a mesma regalia de alguém que cumpre pena por crime menor?
Se roubou, desviou recursos públicos, fraudou a previdência de funcionários crédulos quanto à idoneidade dos gestores, não se deve tirar deles até o último centavo? Como pode um sujeito que tinha mais de dez milhões de dólares na Suiça, fazer delação premiada, ser solto e ficar gozando na casa de praia as benesses que o dinheiro desviado propicia? É pena ter prisão domiciliar em casa comprada e sustentada com dinheiro do crime? É castigo poder sair o dia todo e só ter que voltar para casa às 22:00 horas? É castigo ter que usar uma tornozeleira que pode ser camuflada?
Tenho para comigo que a justiça brasileira nem sempre é cega e imparcial. Acho mesmo que muitos juízes e ministros julgam atentando para a capa dos autos, onde aparece o nome do réu. Muitas vezes fico com a impressão de que, no Brasil, o crime compensa.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

INTOLERÂNCIA


Segue mais um texto da minha amiga Maria Ruckert: “Os israelitas tiveram a experiência do Êxodo, receberam os Dez Mandamentos, e estavam atravessando o deserto, rumo à Terra Prometida. O povo então se rebelou contra a liderança de Moisés, lembrando a comida que tinham no Egito, pois estavam saturados de comer somente o maná. Moisés se queixou diante de Deus, alegando que essa liderança era demasiadamente pesada.
Deus ordenou que Moisés separasse setenta homens dos anciãos do povo, posicionando-os ao redor da Tenda. Deus tirou do Espírito que estava sobre Moisés e o pôs sobre os setenta anciãos, os quais profetizaram.
No arraial permaneceram Eldade e Medade. Eles estavam entre os inscritos, mas não saíram à Tenda. No entanto, o Espírito pousou também sobre os dois e eles profetizaram. Um jovem correu e comunicou a Moisés que Eldade e Medade estavam profetizando no arraial. Josué, ajudante de Moisés e o seu futuro sucessor, disse: “Moisés, meu senhor, proíbe-os”. Moisés lhe respondeu: “Tens tu ciúmes por mim? Tomara todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor desse a todos o seu Espírito” (Nm 11).
A rebelião do povo é uma contestação à liderança de Moisés, mas também significa uma afronta a Deus, pois o Senhor deu os Mandamentos, apresentando-se como aquele que tirou os israelitas do Egito. Des queria ser reconhecido como o Libertador do povo. Com sua revolta e com saudade da comida do Egito, o povo não estava confiando nas promessas de Deus. Eles estavam se rebelando contra o intermediário Moisés e rompendo a aliança com o Senhor. Moisés ora a Deus e intercede pelo povo. É uma queixa audaz, pois ele não havia ambicionado esse cargo. Deus responde: codornizes para o povo e colaboradores para Moisés. Para liderar o povo, Moisés havia recebido o Espírito.
Dessa plenitude do Espírito, Deus retira uma parte proporcional à responsabilidade dos colaboradores de Moisés. Os setenta anciãos também passam a ter a responsabilidade de levar a carga do povo. Ao receberem o Espírito, os anciãos passam a profetizar. O Espírito também pousou sobre Eldade e Medade, que não estavam presentes na cerimônia. Esse detalhe mostra que o Espírito é livre e não pode ser controlado por regras cerimoniais. Josué sente ciúmes. No seu entender, Moisés precisa impor sua autoridade, ou seja, proibir a manifestação dos dois que não participaram na cerimônia. Ele entende que a atuação do Espírito deve permanecer restrita ao grupo que foi convocado por Moisés. O Espírito deve estar sob o controle da consagração de Moisés.
A declaração de Josué é uma clara manifestação de intolerância. Moisés responde com tolerância, manifestando o desejo de que todo o povo profetizasse. A única maneira de enfrentar a intolerância é com a tolerância. A intolerância não deve ser combatida com outra intolerância.
Outro episódio de intolerância foi protagonizado pelos discípulos de Jesus. Disse-lhe João: “Mestre, vimos alguém que não nos segue, expulsando demônios em teu nome, e o proibimos porque não nos seguia”. Jesus, porém, disse: “Não o proibais, pois não há ninguém que faça milagre em meu nome e logo depois possa falar mal de mim. Porque quem não é contra nós é por nós” (Mc 9:38-40). Atuar em nome de Jesus não é monopólio dos que estão geograficamente próximos a ele. Com sua proibição, os discípulos representam a autarquia eclesiástica que pretende deter o monopólio da salvação. Eles falam como representantes de uma igreja estabelecida, que se considera o coroamento da missão.
O olhar de Jesus vai mais longe: ele visa o Reino de Deus. Quando uma igreja se considera um fim em si, ela se torna intolerante em relação às demais entidades. Despontam então comportamentos de exclusão; os diferentes são excluídos. Anunciando e realizando a proximidade do Reinado de Deus, Jesus ensina a tolerância. A partir da tolerância de Jesus, nós podemos compreender o que significa: “Sede misericordiosos como o vosso Pai celeste é misericordioso”. O importante não é o monopólio e o controle da administração da religiosidade humana, mas entender que o sábado (o valor sagrado) está em função do ser humano. O que importa é a libertação da pessoa. Que o exorcista continue libertando pessoas em nome de Jesus.”
Maria Ruckert, editado por Marcos Inhauser

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

REMANESCENTE FIEL

Quem me lê nesta coluna que escrevo há mais de 17 anos, já leu esta minha afirmação, feita mais de uma vez: “o senso comum é a expressão da idiotice, porque é a somatória das afirmações feitas pelos que não pensam, mas repetem o que ouviram sem refletir no que ouviram ou repetem”. Também já devem ter lido que tenho minhas dificuldades com acreditar naquilo que a maioria acredita, pois, aprendi muito cedo na minha vida, graças à professora Margot Proença, que devo sempre perguntar sobre tudo o que ouço. Acredito no efeito manada, que faz com que alguns touros saiam correndo e a manada toda, sem saber porque, também corre. É o processo de indução comportamental em grandes aglomerações, onde, sem razões, todos se apavoram e passam a ter comportamentos até autodestrutivos.

Decorre disto a minha dificuldade em ver filmes premiados com o Oscar, ler best-sellers, duvidar de pesquisas que dão uma grande margem de diferença entre o primeiro e o segundo e, em segunda opção, duvidar do que está melhor colocado nas pesquisas. A lição da Margot está sempre na minha mente: questione tudo! E é isto que procuro fazer.

Levando para o campo da teologia e da eclesiologia, tenho minhas dificuldades com as estrelas midiáticas do mundo gospel, com os aplaudidos e idolatrados cantores, com pregadores incensados, com igrejas monumentais onde a maior virtude é ser grande. Conheço muitas delas em alguns países da América e Ásia e constatei in loco a minha suspeita. Minha definição para igreja é: “qualquer comunidade que tenha alguém que os demais não sabem o nome e nem quem é, deixou de ser igreja”. Não acredito que uma reunião de 1.000 ou mais seja igreja. Pode ser plateia. O essencial do ser igreja é a comunhão e isto implica em “comum+união” e não é igreja onde as pessoas entram e saem e não conhecem e nem são conhecidas. Para mim, a promessa de Jesus de Ele estaria onde estivessem dois ou três é altamente significativa.

O conceito de remanescente fiel, presente no AT e o Apocalipse tem sido descartado porque atenta para a onda do tamanho, do gigantismo, do efeito manada onde todos correm e aplaudem as estrelas. Em várias ocasiões este conceito está presente. Veja-se o cântico de Débora (Jz 5), a família de Noé (Gn 5 em diante), Elias e os profetas de Baal (IRs 18 ss), o profeta Micaías que, chamado por Acabe, disse oi contrário de todos os outros profetas (IICr 18, ss), Jeremias quem foi o único e predizer a desgraça e orientou no sentido de se entregar. Saliente-se que Deus sempre manteve para si um remanescente fiel, formado por aqueles que não dobraram seus joelhos diante de Baal (1 Reis 19.18). Esse remanescente incluía Davi, Joás, Isaías e Daniel, Sara, Débora e Ana.

Tome-se esta promessa feita através do profeta Miqueias: “E da que coxeava farei um resto (remanescente) ... (Mq 4:7. Deve-se também considerar a explicação para a escolha de Israel: “Se Iahweh se afeiçoou a vós e vos escolheu, não é por serdes o mais numeroso de todos os povos – pelo contrário: sois o menor dentre os povos! – e sim por amor a vós e para manter a promessa que ele jurou aos vossos pais.” (Dt 7,7-8)

O compromisso de Deus é com o pequeno, o órfão, a viúva, o estrangeiro, o menor, o marginalizado, explorado, escravizado, violentado, abusado, etc. Prefiro estar deste lado da história que formando as grandes massas que apoiam e aplaudem sem critério.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

A SABEDORIA DA TEMPERANÇA


Já se disse que a sabedoria está no meio termo. Acho a afirmação questionável porque as mudanças e o desenvolvimento, no mais das vezes, exigem radicalidade, que implica em apegar-se a algo com unhas e dentes, até que a coisa se concretize. Não fosse a radicalidade de Sócrates, Copérnico, Thomas Edson, Einstein, Martin Luther King, Mandela, Steve Jobs e muitos outros, não teríamos hoje os benefícios que a radicalidade deles trouxe à luz. É verdade que a ela pode, em muitos casos, ser também chamada de obstinação que é o foco em uma só coisa, deixando de lado a visão de coisas conexas ou laterais.
Uma característica dos radicais mencionados, e outros, é que a radicalidade/obstinação deles teve benefícios sociais por adesão. Suas ideias, conquistas e invenções foram aceitas de forma espontâneas pelos que assim quiseram. No caso específico do Mandela, a sua radicalidade contra o apartheid o levou à prisão por quase três décadas. Como fruto disto houve a abolição do sistema que separava negros e brancos e a eleição do próprio Mandela. No cargo de presidente, a sua radicalidade foi substituída por um espírito pacificador e conciliador, vividamente apresentados no filme “Invictus” que trata da sua história.
A radicalidade dos governos Bush (pai e filho) deram lugar a governos mais conciliadores como foram os dois mandatos de Clinton e de Obama. A radicalidade estapafúrdia e inconsequente do Trump tem mostrado o perigo de alguém que, imbuído de um cargo democrático, deixa de buscar o consenso e a conciliação e parte para a radicalidade. O mesmo pode ser dito do ditador norte coreano Kin Jong Un, do ditador venezuelano Maduro, do protoditador nicaraguense Daniel Ortega, do facínora Bashar Al Assad. Se olharmos para o passado, muitos exemplos podem ser dados de radicais investidos de poder que foram tragédia, a começar por Hitler, Mao Tse Tung, Vargas, Idi Amin Dada, Papa Doc, Médici, Geisel, etc.
Na Bíblia a temperança é um dom do Espírito Santo. Há várias recomendações para o seu cultivo. Na orientação de Paulo, deve-se examinar de tudo e reter o que é bom, quem pensa que está em pé deve tomar cuidado para que não caia. Por outro lado, parece que há uma certa radicalidade em Jesus quando ele diz que a nossa palavra deve ser sim, sim e não, não, o que passar disto é de procedência maligna. Talvez por isto é que Paulo pede a Timóteo que, na escolha dos líderes da igreja, atente para fatos relacionados ao seu passado, à sua forma de viver e se posicionar na sociedade, a forma como se relaciona com a família. Escolher um líder com autocontrole é tarefa que exige olhar para os fatos anteriores. Ao fazer esta incursão na biografia do indivíduo perceber-se-á se ele tem a temperança como atributo reconhecido.
O falastrão, o agressivo, o violento, o egoísta, o narcísico, não têm autodomínio. A temperança é zero e, por isto, não devem ser guinados a postos onde o espírito conciliador, pacificador, de busca do consenso devem ser a tônica.
Nestes dias meus netos, por vez primeira, quiseram fazer caranguejo para que eu experimentasse. Foi um baita trabalho. Mas eles erraram no tempero: muito temperado com um tal de cajun. “Incomível” para o meu gosto. Depois do segundo pedaço não aguentava mais. Eles mesmos reconheceram isto. O excesso do tempero foi radical. Estragou o resultado.
Neste momento de escolha de líderes para a nação, nos mais variados níveis, a busca de pessoas com a sabedoria da temperança, com espírito pacificador e consensualista deve ser a tônica dos que se pautam pelo evangelho.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

UM ATO DE CONSTRUÇÃO COLETIVA


Dos mais variados espectros teológicos (presbiterianos de vários matizes, batistas de várias denominações, pentecostais, anabatistas e episcopais), de diversas correntes políticas (esquerda, centro esquerda, centro, centro direita e alguns que são rotulados como de direita), incluindo democratas, republicanos, monarquista, semianárquico, se reuniram, muitos sem mesmo se conhecer, para juntos pensar a realidade brasileira e produzir algo que refletisse o evangelho e os valores do Reino Deus.
Depois de mais de três mil mensagens trocadas, muita reflexão, contribuições as mais diversas, foi-se afunilando a redação e se chegou à Carta Pastoral à Nação Brasileira (disponível no https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=cartapastoral2018). Houve uma preocupação com a biblicidade das afirmativas, que não fosse academicamente teológica, mas acessível ao povo, de caráter essencialmente pastoral.
Lançada com uma centena de assinaturas e aberta para que, quem quisesse, também a assinasse, para surpresa dos redatores, em pouco tempo o número dos subscritores, entre os quais me incluo, cresceu exponencialmente.
Creio que, por vez primeira no Brasil, se produziu algo a partir da contribuição e colaboração coletiva. A Carta é um trabalho de muitas mãos e nenhum dono, nenhuma face, mas pretende ser as muitas faces de todos as que a subscreveram.
Seria ingenuidade da parte dos que a escreveram pensar que não haveria reação. Uma delas veio de quem se pretende e se arvora como porta-voz das igrejas evangélicas. Com suas malafalas, por não ter como criticar o conteúdo, passou a criticar os que a subscreveram, afirmando se tratar de esquerdopatas, termo generalizado para todos os que dissentem ao que o histriônico pensa.
Houve quem afirmou que o documento se tratava de algo para trazer de volta um determinado partido ao poder. A resposta que lhe foi dada é que, se atuar em favor dos pobres, viúvas e estrangeiros, isto é valor do Reino, ensinado por Jesus. Se isto é ser de esquerda, ele era esquerdista. Outro, na arrogância de ter mais de 200.00 seguidores no Face (quem me garante que não são seguidores impulsionados, estratégia muito comum), se arvorava mais fiel representante dos evangélicos que a meia dúzia que assinou (2.488 subscrições no momento em que escrevo esta coluna).
O que mais me chama a atenção destes pretensos porta-vozes dos evangélicos, enciumados com o surgimento de algo que teve repercussão na mídia e que não passou pela “benção” destas estrelas midiáticas, é que não criticam o conteúdo (será que porque é criticar a Bíblia), se preocupam em descobrir o redator da Carta, como se fosse fruto de uma única mão. Acostumados a serem os donos da verdade e únicos a dizer o que os outros devem pensar, não creem na possibilidade de haver algo que seja uma construção coletiva. Incorrem no grave erro de abandonar o conteúdo porque escrito por quem não gostam. Se quem escreveu é de direita, centro ou esquerda e isto não é seu perfil ideológico, não vão perder tempo lendo porque deve ser ruim.
Acabo de receber uma pesquisa do Ibope (fonte por mim conferida) que afirma que rejeição da parte dos evangélicos ao líder saltou de 32% a 41%, que o segundo saltou 26% a 33% (entre 11/09 e 24/09). Seria isto um indicativo de que os religiosos, sejam católicos, evangélicos ou outras religiões, estão tomando consciência de que a eleição busca um presidente para o Brasil e não um pastor para uma nação, que se quer seja uma democracia e não uma teocracia comandado por um “iluminado”.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

TEXTO MAGNO DO EVANGELHO

Filho de protestantes, fui criado na tradição calvinista, estudei teologia em seminário arminiano, fiz complementação em seminário calvinista. Tinha meus pruridos com algumas questões que me ensinavam sobre os reformadores, especialmente o conceito de guerra justa e a justificação da violência. Vários anos mais tarde, entrei em contato com o Anabatismo, ramo pertencente à Reforma Radical (e por, isto, também reformado).
Nele via uma nova abordagem para as questões que me intrigavam e enumero algumas delas. O Antigo Testamento apresenta a guerra como sendo, muitas vezes, promovida por Deus. Daí que algumas guerras eram chamadas de santas. Há uma condescendência com a violência e o menosprezo da mulher e da criança como seres humanos. Além desta aparente divinização da guerra, há o uso da violência da parte de Deus no castigo do seu povo. Estas abordagens me faziam pensar e, por mais que tentasse, não encontrava respostas.
Ao ler os Anabatistas e tomar conhecimento de sua história (ainda que não haja unanimidade entre eles), fui tomando conhecimento de algumas posições que me chamaram a atenção e mudaram minha forma de ver as coisas.
A primeira delas é a centralidade dos evangelhos e de Jesus Cristo. Há uma certa hierarquia nas Escrituras: as palavras proferidas por Jesus estão acima de todas as outras. Em seguida o que se conta sobre Jesus. Os demais trechos da Bíblia são palavra de Deus na medida em que se harmonizam com Jesus e o que Ele disse e ensinou. A fundamentação para isto está no fato de ser Jesus a “Palavra de Deus encarnada”, a “expressão exata do ser de Deus”, ao ponto de ser “Um com o Pai”. Esta hierarquia toma como Palavra de Deus, no caso do Antigo Testamento, aquilo que concorda com os evangelhos. O que não concorda pode ser texto de consolação, de instrução ou de informação de como foram ou eram feitas as coisas. Perdem assim o caráter normativo, assumindo o instrutivo.
Neste contexto, ganha relevância o Sermão do Monte, proferido por Jesus e que é tomado por muitos Anabatistas como texto magno para a vida cristã.
Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus (fora estão os orgulhosos, prepotentes e assemelhados)   
Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados (fora estão os que fazem chorar, que provocam lágrimas pela imposição da injustiça e da violência).   
Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra (fora estão os violentos, os agressores, o que promovem a violência, a guerra, que negam a virtude do diálogo)   
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos (fora estão os que fazem injustiça, concedem habeas corpus a torto e a direito)   
Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. (fora estão os que massacram o próximo ou tiram proveito dele em uma situação de dificuldade)   
Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus (fora os que tem agenda oculta, caixa dois, negam desconhecer o que praticaram, mentem, os cara-de-pau, os pinóquios políticos).   
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus (fora os promotores da violência, do armamento, das guerras, da vingança, das fake News).   
Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus fora os que estão perseguindo em nome da justiça e os que se julgam perseguidos porque a eles se aplica a justiça).
Sei que vou levar pedrada por causa deste texto. Termino com a última: Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguiram e, mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa.   
Marcos Inhauser

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O MEDO E A FÉ


Segue texto enviado por Maria Luiza Rücket, autora do livro "Capelania hospitalar e ética do cuidado", amiga, que me autorizou a fazer pequenas edições no exto para que o mesmo coubesse no espaço desta coluna.
“Um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo, prostrou-se aos pés de Jesus, pois sua filha estava à beira da morte. Com insistência, suplicou que Jesus impusesse as mãos sobre a menina, para que ela fosse salva e continuasse viva. Jesus o acompanhou, mas enquanto caminhavam veio a notícia de que a menina havia morrido. Jesus então falou ao pai: “Não temas, crê somente” (Marcos 5,36).
Jesus contrapõe a fé ao temor: o medo deve ser vencido pela fé.
O medo é uma força atuante. O médico francês Frederic Leboyer, que se notabilizou com o livro Nascer sorrindo, constatou que o medo nos acompanha do nascimento à morte. Reflexões já foram elaboradas a respeito de medo, temor, angústia, ansiedade, preocupação. Essas emoções negativas causam malefícios à saúde e às relações interpessoais.
Até uma determinada intensidade, o medo pode nos ajudar a evitar certos perigos. Ele se torna em profilaxia para não nos expormos a riscos desnecessários. Mas, nós não temos o controle sobre essa dosagem do medo e ele se torna uma força muito poderosa e prejudicial em nossa vida.
Nos dias atuais despontou mais um tipo de temor: é o medo do anonimato. Para se diferenciarem das demais, as pessoas recorrem cada vez mais às tatuagens e às técnicas de modelar o corpo. Mesmo sabendo dos riscos, muitas pessoas recorrem ao implante de silicone industrial. Recorre-se a uma enormidade de recursos para se tornar diferenciado. O risco é grande, mas o medo do anonimato fala mais alto.
É desse temor nocivo e até patológico que Deus quer nos libertar. A exortação de não temer perpassa a Bíblia toda – desde Gênesis 15,1 até Apocalipse 1,17.
Em nossa existência, nos defrontamos com duas forças poderosas: o medo e a fé. O medo tem dominado muitas vidas, causando infelicidade e desgraça. Mas a fé é mais forte do que o medo. E somente a fé pode vencer o medo. A declaração de Jesus mostra isso.
Como devemos proceder para substituir o medo pela fé?
Para o salmista, fé é sinônimo de confiança. O salmista confiava na intervenção de Deus, capaz de socorrer em meio às angústias e perigos. Também Jesus interpelava as pessoas apontando para a confiança. Para acontecer a cura, a pessoa precisa se posicionar. Portanto, a confiança em Deus é uma força mais poderosa do que o temor – diante de doenças, do anonimato, da calúnia, da desonra, da morte.
Precisamos sempre, de novo, redimensionar a nossa fé. Muitas pessoas entendem a fé como sendo a adesão a um conjunto de doutrinas. E a fé torna-se sinônimo de “acreditar”. Esforçam-se para acreditar, mesmo percebendo que a realidade não cabe dentro dessa doutrina. Mas, com essa insistência, continuam com medo, muito medo. Inclusive com o medo de que a doutrina venha a ser ameaçada pelo ateísmo.
A confiança é diferente, pois ela resulta do reconhecimento de que nós não temos o controle dos acontecimentos. Portanto, só nos resta entregar a nossa existência ao poder que controla toda a realidade. Confiança é entrega. Ela precisa ser exercitada diante de cada circunstância que se apresenta.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

VIRANDO CINZAS


Todos ficamos estarrecidos com o incêndio do Museu Nacional e ainda mais indignados porque a tragédia havia sido anunciada por várias fontes. No que pesem os alertas dos responsáveis e de outras pessoas que se preocupavam com o Museu e tudo o que nele havia, encontraram ouvidos moucos. Tão moucos que nenhum ministro compareceu às cerimônias de comemoração dos duzentos anos do Museu. Deu no que deu: virou cinza!
Há algum tempo, os governantes brasileiros, nos níveis municipal, estadual e federal, seja no executivo, no legislativo ou no Judiciário, têm revelado a sua incúria e incapacidade de gerir a coisa pública. São especialistas em fabricar cinzas.
A Petrobras por pouco não virou cinza. Mas parte dela foi queimada pelos gestores corruptos, nomeados pelos partidos políticos para dar espaço à bandidagem e para encher as borras dos partidos. A Eletrobras foi levada à cinza pelos gestores indicados pelos políticos. Agora estão vendendo na bacia das almas as cinzas do que outrora fora a maior empresa de energia do Brasil. E a Eletronuclear não teve caminho diferente, ainda que as cinzas não estejam à venda.
O SUS virou cinza nas mãos dos últimos governos. O povo vai para o SUS, o político é badalado nos hospitais de primeira grandeza e manda a conta para que o erário pague. A Educação virou cinza nãos mãos de alguns professores sindicalistas, que mais sabem promover greve que dar boas e decentes aulas. A totalidade está no forno de cremação dos salários indignos e da falta de condições para uma boa educação.
O PIB previsto em prosa e verso para 2018 virou cinza. O Real está virando cinza na hora de fazer o câmbio. O Congresso Nacional, com tendências piromaníacas, ateia fogo no orçamento, aprovando medidas esdrúxulas, sem a devida provisão de recurso. O Executivo compra a impunidade do presidente a peso de ouro, dando milhões a parlamentares fisiológicos e contingenciando verbas de educação, investimentos, saúde, etc. O judiciário, o poder com os mais altos salários da República, se concede um aumento abusivo de quase 17%, mesmo sabendo da grave crise que o país atravessa. O Orçamento virou cinza!
O Temer ascendeu ao cargo todo chamuscado pelo processo. Todos o viam com graves queimaduras, mas ele insistia em dizer que estava tudo bem e que iria se recuperar e recuperar as finanças do Brasil, bem assim a taxa de emprego. O que se vê é um presidente qual frango em forno de padaria, girando para todo lado e se queimando por inteiro. Com as temperaturas mais elevadas pelas duas denúncias, virou cinza. Pela primeira vez temos um ex-presidente no exercício. Os seus asseclas estão virando cinza a cada delação premiada. Lá estão as cinzas do Padilha, Moreira Franco e outros. Com a aberração da cinza falante: o Marun, o rei das patacoadas.
A Reforma da previdência, mais uma vez, virou cinza. Assim também as reformas política e tributária.
Neste cenário tem a cinza que está na caixa em Curitiba e que insiste que está viva! Tem cinza prometendo armar o país, desfazer todas as privatizações, cortar a jornada de trabalho e manter o mesmo salário, etc. No forno das propostas eleitorais, há de tudo, mas, ao final, é cinza.
Somos o país da quarta-feira de Cinzas, dia de arrependimento pelas maluquices cometidas no período anterior. Não há arrependimento nas cinzas dos brasileiros. Mesmo condenado a dezena de anos, ainda afirmam que são inocentes e vítimas de perseguição política. A Festa dos Guardanapos foi montagem fotográfica da imprensa marrom!
Valha-me Deus!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

ANABATISTAS E O SERMÃO DO MONTE

Na minha caminhada de teologia e igreja, percebi que muitos, como eu durante meus primeiros anos, têm pouca ou nenhuma informação sobre o movimento da Reforma Radical (Anabatistas) e suas contribuições para a teologia reformada.

Uma característica bastante forte na maioria dos grupos anabatistas (Menonitas, Irmandade e Quakers) é a forte ênfase na obediência aos princípios presentes no Sermão da Montanha e mais especialmente nas Bem-aventuranças. Fruto disto é o compromisso radical de vários grupos anabatistas com questões relacionadas à paz e ao ser pacificador. Há várias histórias sobre este compromisso radical.

Uma delas é a relatada no Livro dos Mártires (Mundo Cristão, 2011). Um anabatista estava sendo perseguido por um soldado que o levaria preso e à morte por ser anabatista. Ao cruzar um rio congelado, o gelo se trincou com os passos do anabatista e o soldado, que veio no seu encalço, se afundou no rio gelado. O anabatista voltou, o ajudou a sair do rio e em seguida o soldado o levou preso e à morte. Obediência radical.

Outra história se deu nos Estados Unidos no período da colonização. Durante os anos imediatamente anteriores à Guerra de Independência, alguns da Irmandade se mudaram para uma área na Pennsylvania, chamada Morrison Cove. Ali, com outros colonizadores brancos, começaram a trabalhar na agricultura. Em novembro de 1777, os indígenas atacaram quem estava em Cove. Os da Irmandade não fugiram, nem lutaram contra eles. Cerca de 30 personas da Irmandade foram mortas. À medida que atacavam, os da Irmandade diziam em alemão Gottes Wille sei getham. (“a vontade de Deus seja feita”). Os indígenas se impressionaram com a maneira como suportavam o sofrimento, sem revidar. Muitos anos mais tarde, os antigos indígenas perguntaram se os “Gotswilthans” ainda viviam em Cove. Era a maneira como se lembravam da Irmandade.

Nestes dias, a Igreja da Irmandade da Nigéria deu mais um exemplo concreto de obediência radical. Grande parte das meninas raptadas em uma escola (mais de duzentas) pelo Boko Haran (grupo terrorista que se afirma muçulmano) pertencia à Irmandade. Agora, “no processo de reconstrução de suas vidas após os ataques dos terroristas do Boko Haram, irmãos e irmãs da Igreja da Irmandade na Nigéria (Ekklesiyar Yan’uwa a Nigeria) decidiram reconstruir também suas relações com seus vizinhos muçulmanos. Esse processo não se deu somente através do reestabelecimento do diálogo e da convivência pacífica, tão comuns antes do terror e da divisão imposta pelos terroristas. Eles incluíram em seu projeto a reconstrução de uma mesquita queimada pelo Boko Haram, impactando profundamente os líderes e a comunidade muçulmana local. Decididos a seguir o exemplo de Jesus em sua radicalidade, eles literalmente deram a outra face, não pagaram o mal com o mal, expressando a regra de ouro em sua forma mais concreta: "Portanto, tudo que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles." (Mateus 7:12)” (dados fornecidos pelo Rev. Musa Mambula, um dos líderes da Igreja da Irmandade na Nigéria).

É também a aplicação concreta dos ensinamentos bíblicos: "Vede que ninguém pague a outro mal por mal. Antes, procurai sempre praticar o bem entre vós e para com todos." (1Ts 5:15) e “procurai a paz da cidade, para a qual fiz que fôsseis levados cativos, e orai por ela ao Senhor: porque na sua paz vós tereis paz." (Jr 29:7).

Como cristão não entendo como há quem apoie quem promove o armamento, a guerra, a violência, etc. Quem é cristão promove a paz!

Marcos Inhauser