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quarta-feira, 2 de junho de 2021

NYIRAGONGO SALLES

O vulcão Nyiragongo, na República Democrática do Congo, entrou em erupção no dia 22 de maio. Outro, o Murara, que está em área desabitada, também entrou em erupção. A cidade de Goma, que está a mais ou menos 12 km de distância do Nyiragongo, teve lavas vulcânicas que chegaram a 300 metros, pelo que, as autoridades pediram que os habitantes a deixassem. Muitos foram à vizinha Ruanda. Na área próxima à cidade de Goma, se fala em quase dois milhões de habitantes.

Desde 1882, ele entrou em erupção ao menos 34 vezes, e em algumas vezes ficou dois anos em atividade. A recente erupção causou a morte de 32 mortes até o momento e a fuga de dezenas de milhares de habitantes.

Vulcões, em certa medida, são previsíveis quando devidamente monitorados. Microssismógrafos colocados nas encostas e em escala ascendente, mostram, com bastante precisão, a entrada da lava no cone, o que, aliado ao monitoramento da temperatura na boca e no interior dela, dá condições de se prever suas atividades. Alertas com cores são emitidos. Assim foi com o Pichicha, em Quito, quando lá morei.

Da mesma forma se pode prever o surgimento e caminho dos tornados, furacões e tufões. Quando vivíamos em Chicago, em área que é caminho dos tornados, a TV anunciava em notas de rodapé a previsão de tormentas e tornados e mostravam, com certa precisão, o horário que poderia acontecer.

Não são assim os terremotos. Até o momento nada indica certa previsibilidade. O que se sabe é que certas áreas são mais susceptíveis e o máximo a fazer é se prevenir para algo que é imprevisível.

O mesmo raciocínio se pode aplicar à administração pública. Há áreas com previsibilidade sísmica, ainda que não se tenha instrumentos confiáveis para a detecção a priori.  Só dá para correr atrás dos estragos. Penso que um exemplo disto são as fraudes fiscais, no INSS, no ICMS, no IPTU etc. O que se faz é colocar a polícia para correr atrás do prejuízo. Por mais que se criem mecanismos de controle, as atividades sísmicas contornam os obstáculos, abrem fendas, destroem coisas construídas e matam pessoas. Veja o exemplo dos desvios na merenda escolar, nas verbas da saúde, para citar dois exemplos.

Há, no entanto, tal como os vulcões, atividades ruinosas que podem ser monitoradas com sensores. Uma delas é o que está acontecendo com o ministro Salles. Os microssismos evidenciavam que o vulcão ia entrar em erupção. Investigações, denúncias, defesa dos madeireiros, aumento do desmatamento, redução da fiscalização, inativação por falta de recursos econômicos de organismos ambientais, advocacia administrativa.

Deu no que deu. Um delegado da PF que ligou os sensores, mostrou que o vulcão podia explodir. Quem devia tomar providências para minorar a crise dormiu no ponto. Um sismógrafo nos Estados Unidos detectou lavas no carregamento de madeira exportada. O STF mandou investigar, a PGR foi provocada, a denúncia formal foi encaminha à ministra relatora e o vulcão está lançando lavas para fora. E tem lava para todos, até, segundo o COAF, nas contas pessoais e no aumento inexplicável do patrimônio.

Com o vulcão principal também o secundário: a presidência do IBAMA. Sensores indicavam atividades sísmicas e decidiu-se expelir a lava antes que ela rolasse morro abaixo, o que, com o tempo, saberemos se a decisão resolveu o problema.

Vivemos em área sísmica e tem gente dormindo sobre os sensores e se gabando que no seu governo nunca houve vulcão. A sabedoria popular diz que é sábio “dar tempo ao tempo”.

Marcos Inhauser

 

MENTIRA VERDADEIRA

Aprendi que a verdade é a versão dos poderosos. Devo isto ao Michel Foucault. A verdade, segundo ele, e talvez outros tenham dito algo parecido a isto, é a versão que o detentor do poder dá aos fatos. Ela se estabelece como verdade porque os fracos não têm o poder de se fazer valer ou ouvir. Por isto (devo isto ao guru Zé Lima), a versão dos fracos e sem poder é “sub-versão”.

Ao estudar história, percebi que a história que conhecemos é a versão dos poderosos. Ela é a feita a partir de manuscritos, cerâmicas, construções, obeliscos, pirâmides, santuários, sarcófagos, túmulos dos poderosos. Os pobres e marginalizados não tinham como deixar construções, manuscritos e sarcófagos. Morriam e eram apagados da história.

Ampliando o conceito, a história é a versão dos poderosos nas suas vitórias contra inimigos derrotados. O derrotado não deixava traços. Eram dizimados. Muitas das inscrições do antigo Egito, Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma são relatos de vitoriosos. Um outro pequeno trecho de um derrotado apareceu e pouca importância se deu a eles. Um deles é Šutruk-Naḫḫunte. Ele ganhou, muitos séculos depois, uma projeção mínima no curta-metragem “The Palace Thief”, e a adaptação no “The Emperor's Club”. Era um conquistador egomaníaco famoso em seus dias, mas praticamente desconhecido hoje.

A maior coletânea de história sobre marginalizados e pobres se tem na Bíblia. Em uma sociedade extremamente patriarcal e machista, que o Antigo Testamento traga as histórias de Débora, Sara, Hagar, Bate-Seba é surpreendente e inexplicável. Que seja a história de um povo marginalizado, escravizado e peregrino, é também inexplicável. É a maior coletânea de feitos históricos de pobres e excluídos.

Estamos em tempos de uma CPI que investiga fatos relacionados ao poder e busca identificar atos de omissão e comissão no enfrentamento da pandemia. No que pese a imposição legal de que a testemunha tem o dever de falar a verdade, sob a pena coercitiva da lei, temos assistido a depoentes (Fabio Wajngarten, Queiroga e Pazzuelo) mentindo descaradamente. Tiveram a desfaçatez de negar o que escreveram e disseram, no que pese os textos publicados, os vídeos apresentados e as declarações dadas. O campeão das mentiras foi o general Pazzuelo, amparado que estava por um habeas corpus que o eximia de ser preso pela CPI.

Porque estavam no poder e tem o apoio do governo, tiveram a coragem de mentir em rede nacional, na esperança de que, ao apresentar a versão do poder, estariam estabelecendo a verdade oficial e vitoriosa.

Parece que não perceberam que os tempos são outros, que a mídia social está atuante, que as falas são checadas online com as verdades que a grande imprensa, os meios de comunicação e jornalistas investigativos têm mostrado.

Por não terem a “sua verdade” estabelecida, por terem suas falas contraditas, mostra que quem está no poder não tem o poder. Lendo Gene Sharp entendi que uma coisa é ter o posto, a posição, outra é ter o poder. Este é resultado da obediência que o povo lhe presta.

Só posso concluir que falta poder a quem hoje tem a posição de autoridade nacional. Quem usou e abusou de um texto bíblico sobre a verdade que liberta, labora no erro e na mentira, e crê que pode mudar os fatos com sua versão enviesada.

A verdade liberta, diz o texto jesuânico. Que liberdade há nas 450.000 mortes?

Marcos Inhauser

 

 

quarta-feira, 19 de maio de 2021

DEFENDEM O VELHO USANDO O NOVO

Na teologia há uma tensão entre fundamentalistas e liberais. Os primeiros acusam os segundos de ceder ao mundo e à cultura e de implantar na igreja, liturgias e cultos as “coisas do mundo”. Adoram citar o texto “as portas do inferno não prevalecerão contra ela (igreja).”

Em leitura simplista e enviesada, fazem a dicotomia maniqueísta entre secular e espiritual, mundo e reino, igreja e sociedade. Esquecem-se de que a igreja está no mundo, é feita por quem vive no mundo, é moldada pela cultura “mundana” onde vive, que há aspectos culturais próprios de cada país e região, que as coisas do mundo nem sempre são más ou pecaminosas.

Estes intérpretes não percebem as conotações que a palavra “mundo” tem na Bíblia e nas falas de Jesus. Misturam alhos com bugalhos. Fundamentalistas e, por conseguinte, literalistas, creem na infalibilidade das Escrituras que, na verdade é a infalibilidade de suas próprias opiniões pretensamente bíblicas. Usando um conceito que só apareceu na história da Igreja com os pietistas no século XVII, afirmam algo que a Igreja histórica nunca afirmou. Chegam a sustentar a infalibilidade inclusive das vogais (os textos hebraicos só usavam as consoantes e a vocalização apareceu no século VII com o trabalho dos massoretas). Creem, contra toda a evidência e lógica interna dos escritos, na inspiração verbal e plenária e na inspiração mecânica, onde o próprio Deus ditou as palavras da Bíblia. Até os relatos em que se atribui a fala a Satanás, Deus foi o inspirador.

Agarram-se ao novo para defender o velho. As perguntas mais pertinentes ao texto bíblico, a discrepância entre dois relatos (números no censo, palavras dos dois crucificados com Jesus, as duas narrativas da criação, duas do dilúvio, entre outras) são coisas de herege. Tive um aluno tão ferrenho na defesa da autoria mosaica do Pentateuco, que escreveu um TCC com o título “Direitos Autorais de Moisés sobre o Pentateuco”. Ele afirmava que Moisés escreveu até o relato de sua morte, porque Deus havia revelado a ele por antecipação!

Condenam o uso de música popular nas igrejas, mas ficam extasiados ao cantar o hino nacional da Inglaterra ou da Alemanha com letra religiosa. Dão um tempero religioso às músicas country dos EUA, mas proíbem os ritmos nacionais.

Afirmam a família monogâmica como plano de Deus, mas se esquecem que a poligamia era a norma no Antigo Testamento. Só no Concílio de Latrão, em 1215, a igreja elaborou a legislação do matrimônio. O sacramento apareceu em 1439, no Concílio de Florença.

Desde o século VIII a igreja defendeu a monogamia. Os reis francos eram polígamos e isto exibia a riqueza, poder e alianças políticas. Um deles teve seis esposas! Isto interferia em questões dinásticas. A reforma gregoriana no século XI definiu que clérigos deviam ser celibatários e os casados monogâmicos. Nunca foram fiéis às exigências da Igreja. Concubinas e amantes resistiram. Com o tempo a poligamia se enfraqueceu.

Usam o modelo de famílias pequenas (de dois filhos) e defendem que os filhos são benção do Senhor e quanto mais se tem, mais abençoado é: era mão de obra para os campos e guerreiros para defender a terra. Exigem o casamento no civil para oficiar o religioso, mas se esquecem que isto só surgiu no século XIX. Antes era um acordo comercial entre famílias. Exige-se amor para o casamento, coisa que só apareceu depois do século XVI.

É muito barulho prá minha cabeça!

Marcos Inhauser

 

quarta-feira, 12 de maio de 2021

O TRÔPEGO E O EQUILIBRISTA



Tenho meu lado masoquista. Já tentei por três vezes ler o Ulisses de James Joyce, algumas vezes o Capital de Marx, Crítica da Razão Pura do Kant e algumas obras de Hegel, e a mais hermética delas, O Espírito da Lógica. Desastre anunciado. De cada frase lida entendia um terço, se é que entendia. Há outras que nunca consegui ler, por pura assintonia com o tema e seu desenvolvimento: Pequeno Príncipe e Meu Pé de Laranja Lima.

Já tive outros surtos em noites de insônia: escutar sermões de pregadores da prosperidade na madrugada. Nada se compara às intermináveis alocuções de ministros do STF em seus votos, que já ouvi por horas a fio.

Dito isto, afirmo que assisti a todo o depoimento do ministro Quiroga à CPI da Pandemia. Dos outros dois anteriores vi partes, pois presumia que já sabia o que diriam e que nada muito bombástico sairia, mas que não se furtariam a tisnar a reputação do “impoluto”. No caso do Quiroga, dada as circunstâncias de sua nomeação, logo após a recusa de uma médica por perceber que não teria autonomia (e isto ela afirmou ao explicar a recusa ao convite), me dava certo interesse. E lá fui eu exercer este meu lado de sofrimento.

À medida que ouvia as perguntas e lia a expressão corporal do questionado, percebia o extremo desconforto do ministro. Mesmo nas perguntas e/ou “defesas”, o seu corporal mostrava a sua incômoda situação. À medida que a inquirição avançava, uma coisa acontecia comigo: não saía da minha cabeça a música do João Bosco, eternizada pela Elis Regina, O Bêbado e o Equilibrista. Diante das perguntas que se referiam às trôpegas ações do Ministério da Saúde, o equilibrista tentava se manter em pé, sem derrubar ninguém e esforçando-se para não cair ou ser caído.

Com o DNA de quiabo, escorregava. Tal como porco ensebado em festa caipira de São João, ele escapava das tentativas de ser agarrado. Até broncas públicas ele levou por sua técnica evasiva de responder sem se comprometer. Ele sabia que, se não mantivesse a postura de se equilibrar na corda bamba, derrubaria o trôpego. Efeito dominó: se ele cai, leva mais gente junto. Também zelava seu currículo para ser tão breve quanto foi o Teich.

A música estava cada vez mais forte e comecei a ter vontade de cantá-la, especialmente alguns versos: “Caía a tarde feito um viaduto / E um bêbado trajando luto / Me lembrou Carlitos / A lua tal qual a dona do bordel / Pedia a cada estrela fria / Um brilho de aluguel / E nuvens lá no mata-borrão do céu / Chupavam manchas torturadas / Que sufoco! / Louco, o bêbado com chapéu coco / Fazia irreverências mil / Pra noite do Brasil, meu Brasil / Que sonha com a volta do irmão do Henfil / Com tanta gente que partiu / Num rabo de foguete / Chora a nossa pátria, mãe gentil / Choram Marias e Clarisses / No solo do Brasil / Mas sei que uma dor assim pungente / Não há de ser inutilmente / A esperança dança / Na corda bamba de sombrinha / E em cada passo dessa linha / Pode se machucar / Azar, a esperança equilibrista / Sabe que o show de todo artista / Tem que continuar.

Confesso que, na minha versão cantada, troquei umas poucas palavras para ser mais atual, ainda que nem sempre obedeci a métrica e as tônicas. E eu cantando a minha versão fui mais desafinado que o depoimento do ministro.

Marcos Inhauser

 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

QUANDO É O FUTURO?

Nunca fui de ler romances ou contos. Li vários, mas sempre gostei mais de livros mais conceituais. Ainda no início da adolescência li, de Stefan Zweig, “Brasil, o país do futuro”. Fiquei encantado e o sonho do futuro embalou muita coisa na adolescência e juventude. Acreditava piamente que o Brasil era o país do futuro. Empolguei-me com o Juscelino e a construção de Brasília e pensava: “agora vai!”

A cada pouco ouvia algum político de renome repetir a frase ou a ideia e isto mexia com meus brios. Acreditei no Jânio Quadros com seu símbolo da vassourinha e o jingle “varre, varre vassourinha”. Era, para mim o futuro chegando. Estive, criança ainda, em um palanque em que ele discursava e tenho uma foto ao lado dele, em cima da carroceria de um caminhão.

No final de 1965 fui morar em El Salvador e me lembro de quantas vezes tive conversas e discussões acaloradas, dizendo aos colegas de escola que o Brasil era a potência dos anos 2000. Veio a ditadura. Tios e primos apoiavam os militares e eu ficava meio perdido. Lia dois jornais por dia, estudava em colégio com alguns críticos, lia o Pasquim assim que saía. Conseguia comprar escondido porque as bancas que o vendiam eram incendiadas. Acompanhei pari passu os eventos do Restaurante Calabouço, a morte do estudante, a revolução da UNE contra o acordo MEC-USAID. Achava que Guilherme Palmeira estava liderando a marcha para o futuro. Voltei de El Salvador no final de 1966 e vibrei com os festivais de música e meu hino passou a ser a canção de Vandré: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

A ditadura demorava para acabar. Ficava sabendo dos horrores nos porões do DOI-CODI e tive um amigo preso que nunca mais soube dele. Parece que o combustível do sonho que havia em mim estava acabando. Entre o Brasil do futuro e o Brasil da realidade, a energia foi sendo exaurida. Comecei a ficar cético e algumas vezes irritado quando alguém afirmava Brasil-potência, país do futuro, o Brasil tem tudo para dar certo. Uma frase começou a aparecer na minha mente cada vez que ouvia isto: “ou acabamos com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”. Ela estava em um pacote de veneno. Eu sabia onde estavam as saúvas, mas faltava o veneno.

Tive um lampejo de ânimo quando soltaram o plano Cruzado. Ingenuidade. A saúva acabou com a proposta. Não conseguia acreditar no Sarney (e ainda não consigo, pois o acho a saúva mor). O que veio depois foi acentuando minha desilusão quanto ao futuro. Comecei a questionar o sistema partidário, as eleições via marketing, o sistema bicameral, a capacidade de eleger gente nova para o sauveiro central. A cada dia que ouço os jornais, tanto no radio como na TV, que leio o jornalismo de opinião, que recebo as mensagens, as mais variadas, nos grupos de WhatsApp, mais me desencanto com o país do futuro.

A cada reunião do STF tomo uma injeção de depressão. Um desfile de narcisos que não me convencem da imparcialidade e impessoalidade que devem nortear seus julgamentos. Quando ouço o Lira ou o Pacheco, a vela com luz tênue leva um sopro e apaga. Nunca me lembro de ter ouvido tanta babaquice de expoentes da política nacional. Parece que recebem mídia training para falar non senses. Agora de manhã ouvi a entrevista do Ciro Nogueira acusando o Mandetta de ser show man e defendendo o Pazuello.

A pergunta vem forte à mente: quando é o futuro? Eu o espero há 60 anos e nada dele. Seria algo parecido ao romance “Esperando Godot”?

Ele azedou o meu dia!

Marcos Inhauser

 

 

quarta-feira, 28 de abril de 2021

ACENDERAM-SE OS HOLOFOTES

Ontem, às 10:00 da manhã, acenderam-se os holofotes para a visibilidade de narcisistas e pré-candidatos a governador e reeleição para o Senado. A CPI da Pandemia está instalada, depois de vários embates, inclusive jurídicos.

A julgar pelos dois momentos iniciais, tem-se um dilema. Ela pode ser um circo, com todos querendo falar ao mesmo tempo, um monte de pedidos de ordem e questões de mérito, ou ser algo mais disciplinado que foi o que se viu nas primeiras intervenções do presidente Omar Aziz, que, ao que parece, foi firme nas suas primeiras intervenções.

Digo isto porque, a julgar pelo que já aconteceu nestas duas primeiras horas e pelo que aconteceu nesta CPI e outras CPIs e CPMIs, o que mais se busca é o tempo de exposição na TV. Estranha-me também que nesta foi dada a palavra ao Flávio Bolsonaro para que fizesse a sua peroração, quando nem membro dela ele é. Se quem quiser falar lhe será facultada a palavra, o circo vai pegar fogo!

O uso desta máquina pública e a evidência que esta CPI tem, dado o momento vivido pelo Brasil, será oportunidade ímpar para que cada qual e, especialmente os candidatos, busquem seus minutos de glória com as câmeras ligadas. Os dois do Amazonas, um deles pré-candidato ao governo do Amazonas, não deixarão escapara a oportunidade de se cacifar política e eleitoralmente. O mesmo se dará com os demais pretendentes ao cargo de governador.

A questão levantada sobre a natureza da CPI: ela é julgadora ou investigadora? A definição é fundamental para o transcorrer dos trabalhos e para o veredicto final. Em ambos os casos, haverá dano aos investigados, com o julgamento breve ou mais demorado, a depender do Ministério Público que receberá a conclusão das investigações e da Justiça que, ao longo da história tem-se mostrada leniente e modorrenta no trato das questões relacionadas às personalidades públicas.

Há que notar-se que nenhuma CPI teve tantos dados evidentes e públicos para chegar ao seu ponto fulcral. Gravações, vídeos, notícias, declarações, relatórios do Ministério da Saúde e do Consórcio de Jornais e Meios de Comunicação, a quantidade de mortos, a ilogística das vacinas, as asseverações e retratações sobre que quantidade de vacinas, os enfermos levados para outros estados, a crise do oxigênio, os fura-fila, o desvio de verbas pelo superfaturamento ou compra e pagamento adiantado do que nunca chegou e quando chegou não atendia às necessidades médicas, etc.

São tantas as coisas que, se não houver foco, não se esclarecerá nada. A lógica milenar de que investigar tudo é investigar nada pode ser aplicada a esta CPI. A tentativa de fazer com que também investigue governadores e prefeitos está dentro desta premissa: investiga-se tudo para concluir nada. E nada é o que menos interessa ao povo brasileiro, pois, temos 400.000 mortes que pedem esclarecimentos e justiça.

É papel da CPI fazer justiça? Não! Isto é papel do judiciário. Mas ela tem o dever de trazer à tona os dados claros e inequívocos para que o judiciário faça a sua parte, dia a quem doer, ainda que nesta Brasil, a regra áurea de que “somos todos iguais perante lei” me faz recordar a frase célebre de Orwell em sua obra “Revolução dos Bichos”: todos somos iguais, mas alguns são mais iguais. Recentes decisões me fazem crer que o Orwell está coberto de razões.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 21 de abril de 2021

LENDAS BRASILEIRAS

O Brasil tem várias lendas rurais e urbanas. Aí estão o Saci Pererê, Curupira, Mula sem Cabeça, Lobisomem. Lenda é uma narrativa com forte acento no fantasioso e transmitida oralmente. Combinam a realidade e história com irrealidades, produto da imaginação. A tênue linha demarcatória é, muitas vezes, difícil de ser definida, a depender de quem faz a análise e o seu interesse no enredo e resultado.

Uma das lendas brasileiras é a Constitucional, no artigo 5º.: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade ...” Quem acompanha de perto o judiciário brasileiro e o STF, fica a duvidar de que isto seja verdade. A celeridade com que certas celebridades conseguem chegar ao STF e ter o seu HC julgado, o seu pleito discutido longamente pelo plenário, a sua sentença revisada por filigranas jurídicas (vide o caso Bendine), fica com a impressão de que só chega ao STF quem tem “munu$” para pagar uma banca de advogados. A média de três meses para o julgamento só vale para a massa da população. As “otoridades” conseguem que seu pleito seja julgado em prazo de dias.

Outra lenda é que o pedido de vistas é um procedimento para que o juiz tenha mais tempo para julgar a ação. Percebe-se que é um instrumento protelatório para que a parte interessada tenha mais tempo para acomodar o pleito. Veja o caso do HC que o Lula impetrou e que ficou dois anos na gaveta do Gilmar e que, em função de uma decisão do Fachin, ressuscitou como que por encanto.

Muitas vezes pensei que há juízes que atropelam mínimos requisitos (e o fazem deliberadamente) para que, mais tarde, o julgado possa ser inocentado por erro processual. A esperteza no uso das vírgulas pode ter seu custo e há inúmeros exemplos de juízes, desembargadores e ministros que foram denunciados por “azeitar” o processo.

A terceira lenda é que o Congresso é a casa do povo e, como tal, advoga os interesses da população. Espremo minha memória para encontrar fatos em que, de forma clara, isto foi verdade. O que me vem à mente são votações e decisões que privilegiam as “excelências”. Esta semana fomos agraciados com duas: a que não permite o uso de escuta ambiental por parte da investigação e acusação, mas a habilita para uso da defesa. Ponto para os bandidos. A outra é a aprovação de um orçamento recheado de contabilidade criativa, onde a realidade das verbas parlamentares impera e que se danem a população, a saúde, a educação, a segurança pública.

A terceira lenda é que o presidente tem o poder da caneta. Ele é mais uma marionete atada à cadeira presidencial, fazendo o que interessa o grupo que o apoia. Veja os exemplos dos ministros que foram para a frigideira por conta da “pressão popular”: Moro, Mandeta, Pazuelo, Marcelo Antonio, Decotelli, Araujo e outros. Faça-se constar a capacidade do centrão de manipular decisões, como é o recente caso das verbas destinadas aos deputados, a nomeação da ministra Flávia Arruda por “indicação” do Lira.

A quarta é que o sistema eleitoral brasileiro é democrático, que todos os candidatos estão em igualdade. Mentira! Como competir com a reeleição de vereador, deputado ou senador que têm assessores, verba parlamentar e dinheiro para financiar a campanha? Explica-se assim o baixo índice de renovação do Congresso.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 14 de abril de 2021

DEIXAR FUNDIR O MOTOR

Imagine a seguinte situação: alugo um carro porque quero fazer uma viagem de quatro mil quilômetros. Há todo um regulamento para o uso do veículo e garantias de assistência técnica. Depois de uns setecentos quilômetros, percebo que o carro não era o que eu desejava. Havia contratado um carro com potência e certos confortos e percebo que ele não é lá estas coisas. Mas como tenho que viajar, fui andando com ele, lamentando a distância entre a expectativa e a realidade.

Quando estava lá pelos dois mil quilômetros percebo que o motor estava vazando óleo e o consumo havia aumentado significativamente. Levo o assunto à locadora que culpa o fabricante do carro, o óleo nacional, a gasolina. Pergunto se podia trocar por outro e recebo a resposta que não podia. Pergunto se podia parar em uma oficina para ver o que acontecia e me dizem que só se fosse nas oficinas da própria locadora e a que está mais próxima está a mil quilômetros.

Aciono a ouvidoria da empresa e o assunto vai para a gaveta. Aciono o Procom e este pede que a locadora imediatamente faça um diagnóstico nas condições do carro. Na hora de fazê-lo, sou aconselhado a não mexer agora que estou no meio da viagem e que isto atrapalharia os planos e a imagem da locadora. Pergunto o que faço e ouço a resposta: deixa fundir o motor!

Nesta quarta o STF deve se pronunciar sobre a conveniência ou não de se instalar imediatamente a CPI da Pandemia. Há quem argumente que fazer este diagnóstico para a falta de potência e vazamentos de óleo do motor presidencial e do Ministério da Saúde é complicar o momento que vivemos, que traria estresse ao sistema, que há indevida interferência do Judiciário no Legislativo, que haveria uma crise sistêmica, blá, blá, blá.

O motor do Executivo está perdendo potência a cada quilômetro rodado. Vaza óleo de todo lado e não entrega o que prometeu e contratado foi. Questionado, culpa Deus e todo mundo, mas nunca assume a responsabilidade pelos erros e caos. Prefere se interessar pelo som do carro e não pelo motor que dá sinais de problemas sérios.

Quando se pede para fazer um diagnóstico, vem com a conversa de que seria melhor fazer um checkup completo, ou ele, na marra, manda fazer uma retífica no motor. Tentou dar uma ajeitada na coisa, trocou umas peças, tirou umas daqui e colocou ali, chamou algumas novas, todas do seu bairro, e a coisa não rende, não anda.

Aguardemos a resposta oficial para o problema: ou se faz o diagnóstico ou continua rodando e deixa o motor fundir!

Marco Inhauser

quarta-feira, 7 de abril de 2021

QUASE 70% NOS SEUS 70

Eu a vi pela primeira vez quando ela foi à frente em um culto para participar de um trio feminino. Perguntei à minha mãe quem era a moça do meio: “uma moça que quero que você a conheça”. Naquela hora, abaixei a cabeça e agradeci a Deus a esposa que Ele estava me dando. Foi em dezembro de 1972. Esta convicção nunca mais saiu de mim.

No Natal de 1973, nós nos casamos. Lá se vão mais de 47 anos. Quase 70% da nossa vida vivemos juntos. Muitas coisas em comum nos fazem grudar um no outro, ao ponto de um dia uma pessoa dizer que somos como cangurus: sempre um levando o outro na bolsa. Não há uma música que eu ou ela goste e que o outro também não. Na comida, temos gostos comuns, ainda que eu coma algumas coisas que ela detesta (camarão, bacalhau, ceviche) e outras que ela come e eu não (abobrinha, chuchu, rabada, canja).

Nunca ela usou uma roupa que eu tivesse que fazer algum reparo, ainda que, muitas vezes, tive que trocar a minha porque ela disse que não combinava. Nunca a vi sem estar acima da média em termos de roupa, cabelo e elegância. Ela é uma referência no vestir-se, arrumar-se e tem sua identidade até no perfume que usa.

Companheira de ministério, é mais pastora que eu. Ela tem carisma e energia, sabe ser agregadora, sabe aconselhar, tanto que há mais de 30 anos trabalha com terapia familiar e o faz brilhantemente. Sou meio tímido, ela é extrovertida. Onde chega sabem que ela chegou e já vai fazendo amizades. Tem um dom sobrenatural de “arrancar” coisas das pessoas e, em poucos minutos, já sabe da vida e dos problemas delas. Quando damos palestras ou cursos, é “alugada” por gente que quer conversar com ela.

Nossa vida foi marcada por algumas coisas. Viajamos muito. Chegamos a viajar 24 horas seguidas. Passamos inúmeras noites em viagem (prefiro viajar a noite por uma série de razões). Escutamos horas a fio, nas viagens, músicas que gostamos. No tempo das fitas K7 tínhamos uma caixa com umas 40. No tempo dos CDs era uma pasta com uns 150. Com o advento do Ipod e dos Pendrives, temos mais de 18.000 músicas que escutamos com prazer único. Somos movidos à música.

Boa parte da vida passamos dando risada, ora porque soubemos ver graça em eventos cotidianos, ora porque cutucávamos um ao outro. Ela tem riso mais fácil que eu, mas juntos já choramos de tanto rir.

Ambos temos um lema: ser instrumento de paz e benção para o outro e para os outros. Nossa casa sempre foi aberta e hospitaleira (ela herdou isto da mãe dela). Na minha família não havia festa de aniversário. Não me lembro de nenhuma na minha infância. Quem trouxe isto foi ela. E era festa de Natal, de Páscoa, de Ano Novo. Ela arregimentava a família e nos reuníamos.

Ela me perdoou muito mais vezes que as que eu pedi perdão (segundo ela foram poucas as vezes que eu fiz isto – ela tem memória fraca...kkk). Errei com ela muito mais vezes que ela errou comigo. Nem por isto estamos sem fazer a conciliação de créditos e débitos, porque a generosidade dela sempre foi abundante.

Nos seus 70 anos, completado hoje, ela tem uma multidão de gente que aprendeu algo com ela, que foi ajudado, que foi aconselhado, casamentos salvos ou refeitos. Ela foi e é uma benção. Muita mais na minha vida.

Obrigado Deus por ter-me dado esta graça concreta para viver comigo nestes anos todos!

quarta-feira, 31 de março de 2021

Páscoa, lições da páscoa, serviço, isolamento, medo

O mundo cristão ocidental celebra a Semana Santa, quando faz recordação dos eventos últimos da vida de Jesus, sua morte e ressurreição. Há nos eventos uma velocidade porque, no domingo de Ramos, ele entra em Jerusalém aclamado como rei. Dias depois ele está celebrando a Páscoa com seus discípulos, logo em seguida vai ao Getsêmani e ali sofre todo os sofrimentos ao ponto de suar sangue. Na mesma noite de sexta é preso por causa da traição de um dos seus. É apresentado a Pilatos e Herodes. Os mesmos que o aclamaram estavam agora a pedir sua crucificação.

Da glória à extrema humilhação em poucos dias. Paradigma da vida humana, pois também já tivemos experiências de sair de uma situação de conforto e nos vermos atirados à sarjeta. Muitas lições já foram tiradas destes eventos e trazer alguma novidade sobre ele é tarefa inglória. No entanto quero ressaltar alguns aspectos desta trajetória do Mestre nestes seus momentos derradeiros.

A primeiro é que ele foi traído por um deles. O traidor tinha recebido um voto de confiança do grupo e foi nomeado o tesoureiro. O texto joanino afirma que “era ladrão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava” Jo 12:6). A experiência de ser trapaceado por um amigo próximo ou parente é algo tão antigo quanto comum na história. Como diz o ditado “de onde menos se espera é que vem a decepção. Traição só existe quando há entre os traídos e o traidor algum nível de relacionamento e confiança. Levar a rasteira de um amigo ou irmão é algo muito dolorido.

O segundo evento é o da mulher que ungiu os pés de Jesus com o vaso de perfume. Ela quebrou o frasco para ungir os pés do Senhor. Ela se colocou de joelhos à frente do Mestre para servi-lo, símbolo de quebrantamento, de contrição, de serviço e estes elementos são essenciais na vida cristã. Precisamos nos colocar aos pés do Mestre para sermos quebrantados, permitindo exalar o bom perfume de Cristo. É nos despojar-se de coisas em favor do outros, até mesmo as mais valiosas, que mostramos o amor concreto. E quando amamos o irmão ou irmã na concretude de suas necessidades, amamos ao próximo e a Deus. Assim ensina a primeira epístola de João.

O terceiro evento está relacionado à deturpação que havia sido cometida no Templo, onde os mais variados tipos de comércio se davam, cambistas exploravam e sacerdotes vendiam bençãos. Os tempos são outros e a coisa permanece. Templos atuais estão mais para shopping centers da fé, onde “agraciados com o dom de Deus”, vendem benção, cobram por exorcismo fantasiosos, ensinam barbaridades. São Templos ao deus prosperidade. Virou “show da fé”. E estes mercadores da palavra se arvoram em porta-vozes da Igreja e fazem as bajulações para que suas dívidas fiscais sejam perdoadas, como realmente foram.

O quarto evento se refere à atitude dos apóstolos logo depois da crucificação. Por medo, se isolaram e se trancaram dentro de casa. No que pese este comportamento, o Mestre foi até eles e os encontrou e soprou sobre eles o Espírito e disse: “Paz seja convosco”. Estamos em tempos de reclusão, de medo, de isolamento, mas mesmo nestes momentos recebemos a mensagem: “paz seja convosco”. Era o ressurreto. Precisamos de ressurreições nestes tempos que vivemos.

Mais do que nunca ansiamos por esta paz (o sentido de paz no hebraico também é saúde). Queremos a paz de Cristo e não o caos que o Pilatos moderno impõe sobre a população.

Marcos Inhauser