A lentidão da
justiça brasileira tem nesta semana sua prova mais cabal: vinte anos para que
os indiciados no massacre do Carandiru sejam julgados! No que pese a comoção
nacional e internacional com o caso, o processo andou a passos de tartaruga.
Já se falou e se
falará sobre a quantidade de pessoas envolvidas, seja como acusados ou como
testemunhas, tentando com isto justificar a demora no julgamento.
Não há como
colocar de lado o sentimento de impunidade que grassa na população. Tamanha
crueldade e barbárie ficam para as calendas. A percepção popular é que não vai
dar em nada, mesmo porque, o comandante do massacre já morreu e os demais
implicados de alto escalão (governador e outros), têm poder de fogo (entenda-se
bons advogados).
Os
testemunhos prestados até agora neste julgamento são estarrecedores. O ex-detento Marco Antônio de Moura, afirmou que atiravam
em direção à cadeia de dentro de um helicóptero: "Tinha um helicóptero com
uma metralhadora atirando ... tinha
presos que estavam no telhado, tentando fugir. Todos foram atingidos por essas
balas e morreram".
Ele ainda testemunhou que “na minha cela, entraram uns 30.
Fechamos a porta. Um policial chegou, colocou o cano da metralhadora pela
janela que fica na porta e atirou. Uns dez foram atingidos, oito morreram ... No
momento em que os presos eram levados para o pátio, os presos ouviam os
policiais gritando: ´Deus cria, a Rota mata´ ... Tive um amigo que estava com
um furo no pé, pisou no sangue e pegou HIV. Morreu por causa da doença há uns
cinco anos".
Outro ex-presidiário, Antônio Carlos Dias, disse em seu testemunho
acreditar que o número de mortos no massacre foi o dobro dos
111 divulgados oficialmente.
Há ainda quem coloque o massacre como o ponto de partida da
criação da facção criminosa PCC. Promotoria e defesa concordam que o massacre
ocorrido em 1992 e o surgimento da facção em 93 estão relacionados. A advogada
de defesa dos policiais, Ieda Ribeiro de Souza, atribui o surgimento da facção
às reações críticas à atuação policial no episódio. Para ela “deram carta
branca aos bandidos quando restringiram a PM de entrar nos presídios. Por isso,
estamos na situação que estamos hoje". O PCC reivindicava o fim da linha
dura e dos maus-tratos contra os presos.
O que me intriga é que o
julgamento não tenha comovido a população para acompanhar e exigir lisura e
justiça. Talvez isto se explique pelo fato de que apenas 10% das pessoas
acreditam que eles serão condenados e presos.
Os dados são de pesquisa realizada entre 4 e 5 de abril, com 1.072
entrevistados com mais de 16 anos. Estou entre os descrentes, até prova em
contrário.
Marcos Inhauser