Meu altar é o fogão.
Minha ceia é o arroz e feijão,
salada e mistura.
A mesa é a celebração da
comunhão.
Os vapores das panelas são o
incenso das minhas orações.
O cheiro é a antecipação do
paraíso.
A reunião é a adoração.
O barulho dos comensais é o canto
de louvor.
Não falo em metáforas, mas na
concretude dos fatos de entender que cada refeição é uma Eucaristia. Cada vez
que entro na cozinha eu o faço com reverência. Gosto de cozinhar e entendo que
fazê-lo é um ato de amor ao próximo. Cozinho não para mim, mas para os meus
familiares, os meus amigos. Esmero-me.
Cortar uma cebola ou um tomate é
um ato de celebrar ao Criador ao ver as texturas, a disposição das sementes, o
cheiro, o gosto. Colher a salsa e a cebolinha é um ato de usufruir do criado e
o prazer do sabor na comida. Mesmo folhas minúsculas, moídas, picadas, esmagadas,
trazem tempero e a delícia da criação ao prato preparado. Temperar uma carne,
um peixe, um frango é um ato de adoração ao Criador que nos deu a comida e a
sabedoria em prepará-las. Que mundo mais
sem graça seria se tudo viesse pronto, como fast food divino. Ele deixou a nós
a liberdade para temperar, acrescentar sabores, mudar formas, variar arranjos.
A cozinha requer uma estola
sacerdotal. O avental é a estola do sacerdote cozinheiro. E cozinheiro que se
preze tem seus instrumentos próprios: tem suas facas, sua chaira, sua pedra de
afiar, a colher de mexer. Não é qualquer faca, nem qualquer colher. Há hora certa
de entrar em cena. Dependendo do que se vai cortar ou mexer, lá vai o
instrumento certo. Há uma liturgia no ato de cozinhar.
Cada vez que preparo uma comida
posso dizer com toda propriedade e sem nenhuma blasfêmia que “isto é meu corpo
dado por vós”, “isto é meu sangue dado por vós”. Quem nunca saiu de uma cozinha
exausto e moído de canseira? Quem nunca cortou o dedo preparando a comida? Mais
que isto, posso dizer que é meu corpo e meu sangue porque o alimento ali
apresentado teve horas de trabalho, de vida consumida para trazê-lo e coloca-lo
à mesa. E cada vez que apresento o alimento na mesa da comunhão, propicio o
milagre da ressurreição: corpos famintos, esmaecidos pela canseira, tem seu
vigor renovado, sua vida ressuscitada.
Sentar-se à mesa tem um quê de
sacramental. As inimizades não resistem a uma comida fraternal, a unidade é
fortalecida pelo fato de compartilhar da comida. A solidariedade é enriquecida
por ter que desfrutar da comida pensando que o outro também deve comer. Há o
milagre da multiplicação: quantas vezes você serviu uma janta ou almoço e achou
que a comida era pouca? E quantas vezes, apesar disto, sobrou um pouco no fundo
da panela?
Cada vez que juntos comemos,
esperamos a oportunidade de um novo comer, uma nova reunião, uma nova
Eucaristia. Cada almoço e jantar deve ser uma Eucaristia celebrada na
intimidade do lar, no convívio dos queridos e no convite dos que queremos nos
reconciliar.
Marcos Inhauser