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quarta-feira, 29 de julho de 2020

TOLICE RENITENTE

No seu livro “Autoengano”, Eduardo Giannetti traz a seguinte afirmação; “Se o tolo persistisse em sua tolice ele se tornaria sábio” (pg 56). Citando Platão ele afirma que “todas as tentativas são arriscadas, e é verdadeiro o provérbio segundo o qual aquilo que vale a pena nunca é fácil (República, 497 d). Ao comentar o assunto ele afirma que a atividade humana é como uma loteria, onde a aposta precisa ser paga na entrada, o que leva a melhor parte das esperanças e energias. No entanto, as chances de sucesso são mínimas e para cada ganhador há uma multidão de perdedores”.

Isto assim é, continua Giannetti, porque a capacidade humana de autocontrole, perseverança e autoconhecimento é limitada. O saber não é condição suficiente para o fazer. Há os que, mesmo sabendo muito e ensinando, diante de uma tarefa que exige tenacidade e persistência, desistem ao enfrentar os primeiros embates e justifica sua falta de competência em fazer, acusando e atirando pedras em tudo e todos, como se eles fossem os culpados da sua incompetência. Heráclito dizia que “a natureza ama esconder-se” (frag. 123).

Minha sogra tinha um ditado: “cada ladrão julga por sua condição”. Sem saber, ela afirmava algo que filósofos clássicos já haviam dito. Vejo no outro aquilo que não quero ver em mim, e como não tenho coragem de afirmar que tenho os erros que aponto no outro, é mais fácil projetar e acusar os outros ao invés de me denunciar. Para que não se descubra o seu ignominioso interior, o acusador precisa que os outros creiam na sua credibilidade, que é honesto nas intenções que tem. A máxima por trás disto é o que Protágoras dizia: “qualquer um que não professe ser justo só pode estar louco” (323 b). Para tanto, via de regra, fazem autoelogios: “a minha honestidade não permite”, “tenho um currículo a zelar”, “o tempo mostrará que estou com a razão”. A questão, nestes casos, é a hermenêutica por trás das palavras para descobrir as mentiras que o acusador profere para acobertar o que nele existe.

Como humanos, o maior erro seria nunca errar. Falíveis, erramos desde a fonte da humanidade. No que pese as afirmações dos autoenganados honestos e impolutos, a sapiência está em reconhecer que todos, imperfeitos que somos, não temos autoridade para atirar pedras, por melhor que sejam as razões. O acusar o outro como responsável pelas minhas incapacidades é mecanismo de defesa dos tolos.

Bernstein, no seu livro “Against the Gods” (pg 202) cita um anônimo: “A informação que se tem não é a informação que se quer. A informação que se quer não é a informação da qual se precisa. A informação da qual se precisa não é a que se pode obter. A informação que se pode obter custa mais do que se quer pagar”. Não sei por que, mas me vem à cabeça as mentiras e desistência de um obstinado perdedor, que na loteria da vida ganhou uma presidência e mostrou sua incompetência no trato da pandemia e acusa STF, governadores e prefeitos pelo descalabro.

Para os tolos e perdedores, a busca da informação necessária é tarefa tão cara que eles não estão dispostos a pagar, porque a incompetência inata não lhes dá a resiliência para continuar até o fim e obter o prêmio da vitória. Ao ver o tamanho da estrada desiste da carreira.

A desistência é típica dos frágeis, dos tolos, dos perdedores.

Marcos Inhauser

VERDADE E VERDADES

Mencionei na coluna passada a parresía, que é a virtude de dizer a verdade. Outra anotação sobre o tema está no diálogo entre Sólon e Pisístrato. Sólon afirma sobre Pisístrato: “se o soberano se apresenta exercendo um poder militar, ameaçando pela força armada a outros cidadãos, é normal que que os cidadãos [em troca] cheguem armados”. Se o tema é a parresía, e o governante vem armado de mentiras, é normal que os cidadãos de bem o combatam com investigações e verdades. A certa altura Sólon afirma; “sou mais sábio do que os que não compreenderam os maus desígnios de Pisístrato, e sou mais corajoso dos que o que os conhecem e se calam por terem medo” (Foucault, M. Coragem da Verdade, pg 66).

Sólon desnuda assim que a parresía diante do governo mentiroso é arriscada e pode causar a morte, seja ela física, seja ela moral pela execração da indústria de mentiras que tal governante deve ter. “Quem quiser dizer a verdade no jogo de um regime democrático pode se expor efetivamente a morrer” (Idem, pg 67-68).

Sócrates, na Assembleia de Arginusas, declara: “eu votei contra vosso desejo!”. “Eu estimava que meu dever era enfrentar o perigo com a lei e a justiça, em vez de me associar a vós em vossa vontade de injustiça, por temer prisão e morte” (idem, pg 68). O medo faz a consciência calar-se. Mas esta não é a única razão: o desejo do poder é o que move a muitos para bajular os poderosos de plantão. Com Sócrates aprendemos que a prática de dizer-a-verdade é diferente da que ocorre na cena política. Para ele, mesmo o oráculo proferido pelos deuses deve passar por um elégkhein, palavra grega para “fazer recriminações, objeções, questionar, submeter alguém a um interrogatório, opor-se ao que alguém disse para saber que o que disse se confirma ou não” (idem, pg 70).

Há algumas coisas que pastores e líderes religiosos podem aprender com Sócrates: não dar ouvidos às palavras proferidas, por quem quer que seja, e que se pretende ser a Palavra de Deus via boca de algum “iluminado”. Tudo, absolutamente tudo o que lhe for dito, deve passar pela elégkhein, que é o processo de saber se o que se arvora como parresía é, de fato, a verdade.

Neste raciocínio, o pretenso líder que se arvora como parresiasta e é, ao mesmo tempo, aliado dos poderosos, tem toda a chance de ser um embusteiro, porque a parresía é oposta à democracia, tal como a concebemos e vivemos. Daí que, se levada a lógica ao paroxismo, teremos que afirmar que um político religioso, especialmente o cristão, é uma excrescência. Ou será religioso e, se espera, comprometido com a verdade, ou será político aliado à trama de mentiras que norteia os poderosos. Se coloca os pés nos dois barcos, ou perderá a autoridade religiosa ou se mancomunará com as tramas do poder.

Na necessidade da parresía apareceram os profetas. Nenhum deles esteve associado aos reis, antes, pelo contrário, suas alocuções denunciavam os desmandos, injustiças, mortes e exploração que praticavam. Não é possível ser profeta e político partidário, mesmo porque, como ser social, todos somos políticos, já dizia Aristóteles. A política da parresía dever ser a do cristão, e este engloba as denúncias das injustiças, das explorações, do racismo, da xenofobia, da carga tributária escorchante, da corrupção, do caixa dois, das meias verdades, do negacionismo.

Sinto que faltam parresiastas no Brasil!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de julho de 2020

É FAKE?


Que me perdoem os poucos leitores que tenho, mas fui treinado por meu pai, por minha professora de filosofia e pelas leituras de Nassim Taleb e Michel Foucault a duvidar de todas as informações que me chegam, especialmente as relacionadas aos políticos.
Foucault, nas suas últimas aulas, tratava da parresía (falar a verdade) na democracia, algo incomum. Citando Platão e Isócrates diz que, em geral, as pessoas querem ouvir os que “falam no sentido dos seus desejos” e que “a democracia não é o lugar privilegiado da parresía ... e [onde] o exercício da parresía é mais difícil” (A Coragem da Verdade, Pg. 51). Com o Nassim Taleb refinei algo que já tinha: tudo o que tem aprovação da maioria, é senso comum, best seller, tem grande chance de ser engodo.
Vivemos uma democracia que elegeu um presidente que, à medida que as investigações avançam e o Facebook revela, se sabe que usou de desinformação, fake News e robôs para gerar clima antagônico ao oponente e favorável à sua candidatura. Ao fazer isto e polarizar a eleição entre petismo e conservadorismo, o fez por meios maquiavélicos e nada republicanos. Sabe-se que o uso de desinformação, postagens com mensagem não comprovadas, dados incorretos, são a tônica deste que não é um parresiasta. Até um site dedicado a contar as informações equivocadas foi montado (aosfatos.org).
Quero trazer uma inquietação e não uma afirmação. Ele fez alguns testes para saber se teve a Covid-19. Disse que os exames deram negativo. O jornal Estadão conseguiu na Justiça, depois de várias chicanas da parte do requerido, que os exames fossem apresentados e o foram com pseudônimos e justificou-se que assim era por razões de segurança. Neste tempo ele alardeou que era uma gripezinha, receitou a milagrosa hidroxicloroquina, mesmo não sendo médico e contra o posicionamento da comunidade científica, afirmou mais de uma vez que havia certa histeria na veiculação jornalística, tentou maquiar os números de infectados e mortos, brigou com a OMS.
Mais recentemente ele fez um novo teste. Para surpresa geral, ele vem a público e diz que está com Covid-19, apresenta o teste positivo e agora com seu nome. Mais: faz uma entrevista coletiva, retira a máscara para anunciar o fato e que estava muito bem. No outro dia aparece mais de uma vez tomando a milagrosa pílula de hidroxicloroquina e afirmando que estava dando resultados e que estava se sentindo bem.
Estranhei. Todas as pessoas que estiveram com ele nos dias anteriores, quando testados, deram negativo. O Embaixador dos EUA e esposa, as pessoas que com ele viajaram a Florianópolis, os ministros, filho e assessores. Até a esposa testou negativo. Ele é um fenômeno! Não infectou ninguém, apesar do seu descuido com os protocolos que seu governo estabeleceu para todos (menos ele!).
Minha pergunta: será que esta revelação não é fake? Será que ele não veio dizer que estava com a Covid-19 para mostrar que, tal como disse, é uma gripezinha? Será que o remédio maravilhoso não está enchendo os bolsos de quem o fabrica? Como pôde não ter infectado a esposa e o filho? Como este evento da “gripezinha” ajuda a alavancar a candidatura em 2022? Há alguma relação entre a prisão do Queiroz, o emudecimento estranho e a gripezinha? Há alguma relação entre o cancelamento de contas da família no Facebook e esta Covid-19, como forma de criar um boi de piranha?
O tempo dirá. Alguém vai acabar dando com a língua nos dentes e ficaremos sabendo a verdade.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 8 de julho de 2020

ENGANOS SEQUENCIAIS


Lá nos anos 60, venderam-me a ideia de que o problema do país, que era periferia no mundo da economia mundial, era a dependência do centro e que a solução era o socialismo ou comunismo, dependendo de quem me pregava. Do outro lado, leitor assíduo do Estadão e Jornal da Tarde que me acompanharam durante a adolescência, me era vendida a ideia de que o capitalismo era a solução de todos os males. Soube que as marchas da família e a revolução dos militares era a solução para o Brasil entrar no primeiro mundo. Depois, pelo Pasquim, lia a mensagem de crítica aos militares e à ditadura.
Mais tarde, me venderam a ideia de que as multinacionais eram a desgraça deste país e que o jeito de combatê-las era criando as nossas próprias super-empresas. Lá veio a Petrobrás que se agigantou e foi uma das primeiras, no que foi seguida pela Vale e as grandes siderurgias.
Passado algum tempo, veio a onda da dívida externa, que asfixiava nossa vida e que o jeito era decretar a moratória e o perdão incondicional da dívida. Aplaudi o Sarney e fui às ruas pela ideia do Ano Jubileu, ao estilo judaico de passar a régua e recomeçar do zero.
Aí veio o Collor que vendeu a ideia de que o problema do Brasil eram os marajás e os funcionários públicos. Deu no que deu. Veio o FHC e disse que o problema eram as estatais. Vendeu tudo e o dinheiro sumiu, e ainda por cima enfiou outro engodo: o problema estava nas aposentadorias e no INSS. Veio o Lula, mexeu nas aposentadorias, pegou uma maré internacional super-boa, aumentou a carga tributária na relação com o PIB e ainda veio com o discurso de que a CPMF era necessária e que não se cortam quarenta bilhões de uma hora para outra.  Teve um mandato e meio para se preparar e não se preparou para a redução e/ou corte da CPMF.
Veio o Temer e insistiu na Reforma da Previdência para a solução dos males brasileiros. Não conseguiu porque foi flagrado em outro mal brasileiro: a corrupção via gravação de conversas nada republicanas com empresário da JBS.
Veio o atual com seu Posto Ipiranga. Prometeu o paraíso em curto espaço de tempo. Fala fácil e metáforas afinadas, conseguiu fazer a reforma da previdência, não por empenho do chefe, mas por trabalho do César Maia. Agora ele retorna no pós-pandemia prometendo privatizar quase tudo como solução para o reaquecimento da economia. Fala em privatizar os Correios, o Banco do Brasil, a Telebrás e outras coisas mais.
Não acredito nesta arenga! Já venderam a Vale, as teles estaduais, os licenciamentos para uso das bandas da telefonia celular, e o dinheiro sumiu, ninguém sabe, ninguém viu.
De minha parte, não acredito em mais nada a não ser na história, analisada depois de alguns anos dos fatos e assim mesmo com os filtros e condicionantes dos instrumentos de análise. E desta experiência me sobram o ceticismo, a aversão à classe política e uma azia incurável a discurso político-partidário. De uma coisa sei: não confio no Posto Ipiranga e nem no chefe dele.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de julho de 2020

A "CONVERSÃO” DE CONSTANTINO


História ou "lenda", conta-se que Constantino viu um sinal no céu: uma cruz com as insígnias "com este sinal você vencerá". Constantino estava fraquejando nas suas crenças no Panteão Romano e inclinado a acreditar em um só Deus. Por causa da visão a cruz foi colocada nos escudos. Constantino venceu a batalha, como prometia a visão, e ele passou a se achar o escolhido por Deus.
Constantino tornou-se um enigma para os cristãos e historiadores. Foi conversão ou movimento político para colocar os cristãos sob sua influência? Muitos acreditam na inteligência de Constantino e os primeiros anabatistas acreditavam que a conversão era fake. Com ele a igreja se afastou de sua origem simples. A mãe de Constantino, Helena, "se converteu" pouco depois que o marido a deixou.
Aliado às vitórias que obteve após a visão e o sinal da cruz colocado nos escudos, algo aconteceu a Constantino. A melhor das hipóteses é que ele se converteu, e a pior é que ele tomou uma decisão política.
Ele viveu cercado por filósofos, sábios e pagãos. Em raras ocasiões, ele se conformava às exigências da adoração cristã. Suas cartas aos bispos mostram quão pouco as diferenças teológicas o interessavam. Os bispos foram tratados por ele como assistentes políticos. Os concílios eclesiásticos foram convocados e presididos pelo imperador. Para ele, o cristianismo significava um meio, não um fim.
Ele usou a linguagem monoteísta que qualquer pessoa aceita. Durante a primeira parte de sua conversão, ele participou do cerimonial exigido como Pontifex Maximus; mas os templos pagãos foram restaurados, ele usou os ritos cristãos, assim como os ritos pagãos, usou fórmulas mágicas para proteger as plantações e curar doenças.
Ocorreram mudanças: os símbolos pagãos desapareciam; os bispos tinham maior poder em suas comunidades e localidades; as igrejas eram isentas de impostos; houve legalização e direito de posse; a propriedade dos mártires poderia pertencer à igreja sem fazer inventário; templos foram construídos com dinheiro público; a nova capital Constantinopla foi construída por Constantino para ser a nova sede do império e da Igreja; a proibição do culto às imagens; as seitas cristãs começaram a sofrer perseguição.
Muitos ficaram felizes com as mudanças, vendo a mão de Deus. Outros tinham preocupações pessoais específicas ligadas a heresias que grassavam pelas igrejas. Elas não eram vistas pelo imperador como assuntos religiosos, mas como ameaça ao império.
Percebe-se que usar a religião para realização de projetos pessoais de poder é coisa antiga. Outro já usaram, tanto na Antiguidade como na Modernidade. À medida que a população cristã cresce em um país, candidatos “evangélicos” aparecem. Que o diga a Guatemala.
A ingenuidade de grande parcela do segmento religioso acredita que, porque o candidato usa um versículo da Bíblia como lema de campanha, ou participa de alguns cultos, se deixa batizar ou se casou com uma membro de igreja batista, ele tem a chancela do divino sobre sua proposta. Outros, pretensos líderes evangélicos que detém algumas horas de programação televisiva pagas com o suor alheio, precisando que suas dívidas fiscais milionárias sejam perdoadas por uma canetada do presidente-evangélico, ficam babando ovos à sua volta.
O evangelho já alerta quem usa de trechos do evangelho para se eleger: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” Promover o armamentismo, mentir repetidas vezes, ofender, desprezar os 58.000 mortos não é ser cristão, ainda que diga Senhor, Senhor!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 24 de junho de 2020

ORE PELAS AUTORIDADES!


Já recebi um monte de e-mails e mensagens privadas e públicas me criticando por fazer críticas aos governantes. Estas mensagens não têm cor ideológica: recebia no tempo do Lula, da Dilma do Temer e agora com o Bolsonaro. 

O interessante é que estas recomendações me são enviadas por quem, sendo apoiador do governante de plantão, se sentiu ofendido. Via de regra, as exortações vêm acompanhadas do conselho de que deveria usar do espaço da coluna para evangelizar e não me meter em política.

Quero me deter no conselho de que devo orar pelas autoridades. Se a memória não me falha, não encontro em nenhum dos profetas do Antigo Testamento um deles em oração pelos reis do seu tempo. Nem mesmo o impoluto Daniel! Antes, pelo contrário, encontro uma montanha de sermões e oráculos mostrando os pecados dos reis que praticavam injustiças e oprimiam os pobres, viúvas, órfãos e estrangeiros.

Também não encontro nos evangelhos sinóticos nenhuma menção a uma oração específica de Jesus, ou uma recomendação dEle aos Seus discípulos para que orassem pelos invasores de Israel, os romanos. Olhando para o Evangelho de João, o mesmo posso afirmar. Nem mesmo no sermão de despedida há qualquer alusão aos governantes e a necessidade de orar por eles. Não há nada no Sermão da Montanha, no Sermão das Dores, nem nas parábolas ou milagres.

O que se tem na Bíblia são as recomendações paulinas: “Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade”. (ITm 2:1,2) e ainda "porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas" (Rm 13:1). A questão é saber o que Paulo entende por autoridade.

No mesmo contexto em que pede as orações, ele afirma: “quando as autoridades cumprem os seus deveres, elas estão a serviço de Deus” (13:6). Resumindo: é autoridade aquela que cumpre com seus deveres. Quais deveres? “Porque as autoridades estão a serviço de Deus para o bem. Elas estão a serviço de Deus e trazem o castigo dele sobre os que fazem o mal”. Elas, em outras palavras, cumprem com o dever de promover a paz, a vida, a dignidade humana, a justiça etc.

Quando a “autoridade” promove dissensões, conflitos, impede a aplicação das leis, protege os mais chegados e ofende os que se lhe opõem, interfere nas instâncias que não lhe compete, se nega a ver a realidade dos fatos, menospreza as mortes, faz críticas contundentes, mas sempre genéricas sem especificar ou pessoalizar, ela pode ser tudo, menos autoridade.

Há aqui uma distinção que merece ser feita. Os votos podem dar a uma pessoa uma posição de vereador, prefeito, governador, deputado, senador ou presidente. Isto não implica que, automaticamente tenha autoridade. Ele tem o poder, que é diferente da autoridade. Esta se constrói com o exemplo, com as decisões sábias, com afirmativas prudentes e pacificadoras, com a construção de pontes de diálogo, com decisões imparciais, mesmo que afete a vida do filhos. O uso do poder pode levar a esconder quem não pode ficar à mercê da imprensa. Autoridade é dizer onde se encontram os bandidos e encaminhá-los para o juízo justo e imparcial.

Tenho disposição de orar por quem é autoridade e não por quem está investido de poder sem a autoridade que deveria ter.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 17 de junho de 2020

QUANDO AS PALAVRAS FALTAM

É jargão alguém dizer: “não tenho palavras para dizer ...” Elas revelam algumas coisas sobre a pessoa que as profere. A primeira é que o que ele está sentindo ou vendo é de tal magnitude que todas as palavras que têm ou conhece não exprimem o sentido e a verdade do momento. É como se algo que dissesse fosse insuficiente. Ao dizer as palavras comuns deixa a aberta a porta para que que os ouvintes imaginem o que gostaria de dizer. Ocorre que, mesmo imaginando, não se consegue chegar perto do que a pessoa sente ou vê, porque não há pistas para se seguir.
Outro grupo de pessoas é formado por aquelas que não tem vocabulário. Estudaram pouco ou só passaram pela escola, não leram um livro na vida e o que sabem falar é o corriqueiro. Nada que consiga expressar conceitos ou sentimentos. Diz o trivial, o básico. Nada além disto porque lhe faltam mais palavras.
Há o que tem dificuldades de se expressar porque teve o contato com o numinoso. O apóstolo Paulo, ao falar da experiência de arrebatamento e ida ao céu, afirmou que ouviu palavras inefáveis que ao homem não é lícito pronunciar. Tenho para comigo que ele não tinha palavras para descrever.
Há, no entanto, aquele que nunca vai proferir a frase “não tenho palavras...” porque acha que tem palavras para tudo. Fala besteiras, vomita obviedades, se acha sábio e não percebe que é uma anta rosnando. Estes que são rasos de vocabulário e de autopercepção falam pelos cotovelos porque creem que falam pérolas. O único livro que leram foi o “Caminho Suave” quando foram alfabetizados.
As pessoas com déficit de vocabulário se revelam pela quantidade de vezes que repetem as muletas orais. Abundam nas suas falas o “né”, “entendeu”, “realmente” e coisas parecidas. Falam uma palavra ou frase e usam a muleta para pensar no que vão falar adiante. O discurso não é fluído, fácil.
Outra característica é que acreditam nas coisas sem muita inquirição ou análise, porque lhes falta o treino da lógica e o vocabulário para ler algo mais denso. Se tiverem que ler uma explicação do porquê a terra precisa ser redonda e não plana em função das leis físicas, prefere ser terraplanista, por não entender a diferença entre vírus e bactérias e pela falta de treino no estudo, prefere ser negacionista. Não consegue ter visão universal, antes vê o mundo a partir da sua ótica de tubo: uma coisa de cada vez. Acha que floresta são as árvores que ele vê. Não consegue ver a floresta como um todo.
Quando o vocabulário da pessoa é raso, parco e pobre, ele usa palavrões, os mais variados. Não tem outra forma de se expressar, não tem vocabulário e usa uma infinidade de vulgaridades para se expressar, para ofender, para denegrir.
O Brasil tem exemplos pródigos de autoridades que se enrolam ao falar. Há os que tinham muitas palavras, mas pouca empolgação para falar e para ouvir. Refiro-me ao Sarney e ao FHC. Há o que falava empolgado, mas era pastel chinês, sem recheio: Collor. O Itamar mais parecia um gravador: monocórdico. O Lula falava empolgado, empolgava que o ouvia e usava metáforas o que ajudava no seu vocabulário escasso. A Dilma não se entendia o que falava, pois sem nexo. O Temer abusava das mesóclises e pouco se aproveitava do que dizia.
O atual, que cada qual classifique em uma das categorias aqui colocadas.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 10 de junho de 2020

1984: JÁ FOI, É OU SERÁ?


Li o romance “1984” em 1976. Ele é a visão-pesadelo de George Orwell sobre o totalitarismo. Publicado após a Segunda Guerra Mundial, permanece atual. Nele Orwell trata do abuso do poder, a negação do eu e a erradicação do passado e do futuro. Lembro-me de alguns pensamentos e sentimentos que me afloraram com a leitura.
Um deles, a sensação de que 1984, que àquela altura estava tão próximo, não me parecia que se concretizaria na data prevista pelo autor, mas que poderia ocorrer em futuro mais longínquo. O outro foi a repulsa sentida com os “reescritores da história”, encarregados que eram de reescrever os dados e discursos do regime totalitário, para que ninguém pudesse acusá-lo de ter mudado de opinião. Estes reescritores também se encarregavam de maquiar os números de safras e produtividade, para mostrar um regime mais bonito do que na realidade era.
Na sequência li “Revolução dos Bichos”, e impressionou-me a facilidade com que se mudavam as leis revolucionárias para criar uma casta e justificar os desmandos do Porco Ditador. Incentivado pelas leituras anteriores li “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, onde o autor apresenta uma sociedade organizada cientificamente. As pessoas são programadas em laboratório e domesticadas segundo os interesses da sociedade. Elas não têm consciência crítica e aceitam as notícias tal como lhes são passadas. A cultura (literatura, a música e o cinema) só solidifica o conformismo. Há avanço da técnica, a linha de montagem, a produção em série, a uniformidade, a obediência cega.

Estes três livros me vêm à mente nestes dias, com as investigações sobre as fake news, a polarização política, os desmandos governamentais, a manipulação de dados, a negação da ditadura, a exaltação de torturadores, o armamentismo da população, a imprecisão das informações presidenciais, as mentiras ditas com a firmeza de quem acredita nelas como sendo expressão da verdade. O site www.aosfatos.org fez recenseamento das frases ditas e concluiu que, em “Em 524 dias como presidente, Bolsonaro deu 1151 declarações falsas ou distorcidas”.

Não bastasse isto, a recente interferência no Ministério da Saúde transformando-o em quartel pela quantidade de militares ali alocados, sem expertise na área da saúde, causa espanto. Mais espantoso ainda é que, em plena pandemia, não se tenha um ministro médico, nem se lidere as ações de combate, jogando no colo dos governadores e prefeitos. Como desgraça pouca é bobagem, a manipulação dos dados estatísticos, a mudança nos critérios e a omissão de informação relevante para o combate ao Covid-19, vem me dar a certeza de “1984” e “Admirável Mundo Novo” não são utopias impossíveis. O número de mortos diários precisa ser reduzido pela engenharia estatística e pela reconceituação dos óbitos. Chame-se os reescritores da história!

A imprensa está noticiando o que não agrada? Fabrique-se notícias e espalhe-se pelas redes sociais! O povo vai engolir porque não tem massa crítica! Os ministros do STF estão interferindo nas decisões do mandatário? Coloque os produtores em série de manifestações e peça o fechamento do STF e Congresso! Precisa dizer algo? Crie um “curral de vaquinhas de presépio” e todos os dias faça as lives sem a mediação da grande mídia!

Marcos Inhauser


quarta-feira, 3 de junho de 2020

O DERRETIMENTO DAS AUTORIDADES


Não é de hoje que o mundo ressente a falta de grandes líderes. Há quem cite Churchill, Eisenhower, Mandela e Margareth Tatcher como os últimos que a humanidade produziu. Há quem se aventure a citar Barack Obama e Angela Merkel.

Se se faz um reconto nas lideranças políticas das últimas três décadas, vamos perceber que muitos dos que se destacaram, tiveram suas autoridades questionadas, deterioradas, derretidas e acabaram condenados pela opinião pública. Daria para citar muitos exemplos. Faço uma lista dos que agora me lembro. Perón na Argentina que, ao regressar do exílio, não teve o lustre que o havia caracterizado. Deixou a Evita no seu lugar, que acabou em desgraça. A Cristina Kirchner e o Mauricio Macri deixaram péssimas heranças. A Michele Bachelet, do Chile, saiu questionada por conta de empréstimos concedidos a seu filho. O sucessor, Sebastián Piñera, enfrentou a convulsão social e teve que ceder para sobreviver na presidência.

Os Bush, tanto o pai como o filho, foram questionados pelo envolvimento nas guerras do Iraque e Afeganistão. O Nixon teve que renunciar por causa do Watergate. O Clinton enfrentou um processo de impeachment pelo seu envolvimento com a estagiária, Monica Lewinsky.

O atual, Trump, mais dá tiro no pé que governa. Não tem propostas objetivas para os problemas que enfrenta. O seu remédio, a hidroxicloroquina, não ajuda na pandemia, não soluciona a economia e não apazigua os ânimos exaltados da população negra.

O Macron, na França, anda se equilibrando, assim como seu par, o Boris Johnson na Inglaterra. Depois que o Corona o pegou, teve que mudar de rumo e não recuperou o seu prestígio. A sua antecessora, a Theresa May, fez o que pôde e não conseguiu se manter no cargo.

Olhe-se para a Itália, onde há uma dificuldade enorme para se montar um gabinete, coisa que também acontece com o Netanyahu em Israel, que compôs com a oposição para ter sobrevida. O Peru, com o ex-presidente que se suicidou por causa de corrupção, mais os dois presidentes que também derreteram pela mesma acusação.

A Nicarágua teve um líder, Daniel Ortega que, ao regressar ao poder, se transformou em déspota. O mesmo ocorre com o Putin, na Rússia. A liderança do Xi Jinping é mantida por um partido monolítico e altamente obediente.

No Brasil dos anos recentes Sarney saiu queimado da presidência, seguido pelo carbonizado Collor. O Lula acabou preso, a Dilma é alvo de chacotas pelas suas declarações sem pé nem cabeça. O Temer saiu do poder, mas não sai do noticiário policial.

O Brasil de hoje vive dias de angústia, tanto para os que estão no poder, como para os que fazem oposição. A autoridade presidencial vem derretendo sob o sol escaldante das milhares de morte e contaminados, de um vídeo de uma reunião abjeta onde mais se falou palavrões do que se decidiu algo, das investigações que se aproximam do Planalto, de filhos que mais tumultuam que ajudam.

Assim como o gelo e a neve, as autoridades estão derretendo. Os exemplos estão aí, seja por envolvimento com a corrupção, por inépcia, incúria ou incontinência verbal e comportamental.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 27 de maio de 2020

REGRA PARA AVALIAÇÃO DOS REIS


Na antiguidade era comum os reis serem considerados deuses. Assim era com os Faraós. Eles não eram considerados simples reis, mas eram tidos como de caráter divino, filhos dos deuses e seu corpo era divino, porque seu sangue teria origem no deus Hórus. 

O Faraó, assim concebido, era o administrador máximo, chefe do exército, juiz e sacerdote. Ele decidia sozinho, sendo, na quase totalidade deles, déspotas. Quando delegava suas missões a assessores, fazia questão de ter o controle das decisões. Tinha um séquito de escribas que registravam seus atos, decretos, relações comerciais. Nesta narrativa, como se pode depreender, vicejava o elogio, a exaltação dos seus feitos heroicos. Muitas destas narrativas eram exageradas ou mesmo falsas.

Por serem deuses ou filhos dos deuses, só podiam se casar com quem também tivesse sangue divino. Os casamentos entre irmãos e parentes próximos era comum, razão pela qual, muitos deles sofriam de enfermidades e deformações por causa dos casamentos consanguíneos. Os pais de Tutancâmon eram irmãos e seu pai, Aquenáton, costumava procriar com as próprias filhas. Não é de se admirar que fossem machistas. Ainda que houvesse mulher com sangue divino (como Hatchepsut) ela era representada em esculturas com barba.

Não é de surpreender também que, para eles, a família era o reino, fazendo de tudo para preservar os seus, sob o argumento de que preservavam a realeza divina. Para reafirmar a divindade, tinham os sacerdotes que se encarregavam de reforçar a ideia da natureza divina deles, incensando-os como divinos e mitológicos, porque descendentes do deus Hórus

Este padrão foi, em certa medida, preservado nos reis da Idade Média, quando se desenvolveu o conceito do direito divino dos reis, pelo qual o reinado deles tinha sua origem e sustentação na vontade de Deus. A raiz disto, provavelmente, está em Constantino, o imperador “cristão”

Foi em Israel que se pode notar mudança significativa. Os reis de Israel e Judá não eram divinos ou filho dos deuses. Eram “escolhidos” e ungidos (abençoados). A avaliação que se fazia dos seus reinados era a concordância dos seus atos com a Lei do Senhor. Exemplo disto é a do sábio Salomão: “Porque Salomão me deixou ... e não andou nos meus caminhos para fazer o que é reto perante mim, a saber, os meus estatutos e os meus juízos, como fez Davi, seu pai. (IRs 11:33); “Fez o que era mau perante o SENHOR e andou nos caminhos de seu pai e no pecado com que seu pai fizera pecar a Israel” (IRs 15:26) e tantos outros exemplos.

Os governantes modernos que se dizem cristãos devem ser analisados pela mesma regra, acentuando-se que, além dos “estatutos e juízos” de Deus, há os ensinamentos de Jesus. As regras dos Dez Mandamentos de “não matarás”, “não dirás falso testemunho” (entenda-se “não mentirás”), mais os ensinamentos do Sermão da Montanha (bem-aventurados os misericordiosos, os pacificadores, os mansos) são padrões para avaliar governantes.

Quem promove a morte por ato ou decisão indireta, quem semeia a discórdia, a divisão, o conflito, quem mente (uma ou reiteradas vezes), ainda que afirme ou se creia o messias (ungido para tal missão), é tudo menos evangélico. Não basta repetir versículo bíblico, ter sido batizado ou ter parentes cristãos, nem mesmo uma horda de “religiosos aduladores”. A vida e os atos é que devem ser avaliados à luz das Escrituras.

Marcos Inhauser.