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quarta-feira, 14 de agosto de 2019

BANALIZAÇÃO DO SACRO E DO RELIGIOSO

Em conversas com alguns colegas pastores que já têm muita quilometragem no ministério, tenho percebido algumas coisas que vêm de encontro ao que também constato: a crescente banalização do sacro e do religioso (na sua forma mais autêntica e não formalmente institucionalizada); a repetição de erros conceituais e teológicos já demonstrados pela avaliação histórica; o crescente desprezo pelos reconhecidos pensadores da igreja.

A banalização do sacro e religioso tem se dado, a meu ver, pela pauperização das práticas cúlticas e litúrgicas, com o desprezo de uma longa caminhada de reflexões, experiências e resultados que a igreja, tanto a ocidental como a oriental fizeram ao longo dos anos. Símbolos caros a esta tradição são desprezados como se fossem lixo. É o mesmo que jogar as pinturas que estão no Louvre, inclusive a Mona Lisa sob o argumento de que elas promovem a sensualidade.

O segundo aspecto se dá nas prédicas. O que antes era a “a arte da retórica sacra” (ou homilética), com muito estudo, pesquisa bibliográfica, consulta aos teólogos, planejamento, conteúdo e unidade, virou uma arenga. É verdade que havia muita coisa bem estruturada, mas que não alimentava os ouvintes, tal como se deu na Europa no século XVII e ensejou o surgimento do Pietismo. Eram sermões profundamente teológicos, sem aplicação prática. A prédica de hoje, na maioria das igrejas, é a repetição de jargões, senso comum, clichês e frases que se parecem a pastel chinês: muita massa com pouco conteúdo.

Devo acrescentar a banalização da hinódia. Com raras exceções, os corinhos são anêmicos, sem reflexão, com a repetição de frases de efeito. Há os que são musicalizações de trechos bíblicos, no mais das vezes retirados de seu contexto. Comparados às letras e técnica musical dos hinos tradicionais, perdem de goleada. Há ainda os sermonetes que os líderes do louvor insistem em pregar entremeando os cânticos. São a quinta essência da afirmação oca, da repetição dos jargões, do falar nada. Parece que percebem que a letra nada diz e eles precisam ajudar com suas balelas.

Acrescento a facilidade e a quantidade de pessoas que se levantam durante o culto para ir beber água, especialmente quando há um bebedouro no interior do salão de cultos. Nunca vi povo com mais sede que os religiosos! Não percebem que este ato de se levantar e sair altera todo o sistema relacional e a concentração dos que ali estão. E, para minha indignação, o fazem com displicência, barulho e como que para chamar a atenção: olhem para mim que estou aqui!

A banalização do culto também se dá pela persistência de um grupo que costumeiramente chega atrasado. Se fosse para uma entrevista de trabalho, consulta médica, reunião com alguma autoridade lá estariam alguns minutos antes. Ao não serem pontuais comunicam que qualquer coisa é ou foi mais importante que estar no horário. E quando chegam, há os que se sentem na liberdade de saudar em voz alta, se desculpar pelo insistente atraso, cumprimentar quem chegou no horário. Transtornam o ambiente.

Tive um caso destes. O casal era pontual: todo domingo chegava com meia hora de atraso! Como ele era um dos encarregados da distribuição da Santa Ceia e ela era feita ao final do culto, decidi inverter a ordem. Para ele o distribuir os elementos era o máximo! Comecei o culto com a Santa Ceia. Ele não estava lá para o ato. Quando chegou de terno e gravata, a Ceia já havia sido celebrada. Ao final, quando percebeu que não foi ministrada no horário de costume, procurou se informar e veio prá cima de mim: “o que é isto de celebrar uma Santa Ceia subversiva?”

Faltam pastores melhor capacitados, liturgia bem estruturadas, sermões com densidade e palatáveis.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

SUJEITO (PRO)LIXO


Algo extremamente irritante é ouvir a exposição de um sujeito prolixo. Para ir do Brasil ao Uruguai ela passeia apor toda a América e, ao final, você se pergunta: onde queria mesmo chegar?
Certa feita, dando um curso sobre “Enxurrada Comunicacional”, as queixas se centravam em dois aspectos: a quantidade de e-mails recebidos diariamente, a maioria que deveria ser destinada ao lixo; a quantidade de mensagens que, parece que tinham certa pertinência e que o destinatário tinha que ler duas ou mais vezes, espremer o conteúdo, para saber o que o remetente queria comunicar. Quase sempre o remetente gastava muito verbo para introduzir o tema e o que ele queria mesmo dizer estava nas últimas linhas.
Pedi aos participantes que trouxessem seus notebooks e, durante o curso, escolhessem um e-mail longo com pouco conteúdo. Um dos participantes foi escolhido para, tendo apagado o remetente e qualquer possibilidade de identificação dele, o colocasse no Datashow para que todos examinassem. Foi uma risada só, porque, mesmo sem ser identificado, todos reconheceram o remetente. Ele até tinha um apelido que rimava com seu nome: Longarino.
Assisti a uma prova de retórica onde um aluno tinha que apresentar seu discurso para que o professor e os alunos o avaliassem. Depois de 45 minutos falando nada, o professor o parou e disse que o que havia dito já era suficiente para a avaliação. Ele então saiu-se com esta: “Mas eu ainda estou na introdução!”
Ganhei um livro que tentei ler. O cara que escreveu o prefácio escreveu mais que autora e nada disse. Nem terminei de ler o prefácio. Eu o dei de presente a um inimigo.
Uma característica dos (pro)lixos é que não sabem e nem planejam o que vão dizer. São arengadores onde um “causo puxa outro causo” e nunca causam nada. O discurso pode até ter um título, mas a introdução, argumentação e conclusão são peças desconexas. É o discurso Frankenstein.
Unidade passa longe. Misturam alhos com bugalhos, melancia com sopa. E há os que usam palavras inusuais, para parecer que sabem coisas acima da média. Pior é o que se acha doutor em algum assunto, inventa conceitos não explicitados (e se tenta explicitar, ninguém entende). Acha que falar difícil dá autoridade ao seu discurso de vento.
Uma imagem me vem à lembrança e ela é da minha infância: algodão doce. Lembro-me que ficava ao lado da máquina vendo o sujeito colocar um pouco de açúcar e aquilo virava uma montanha de doce. Quando se comia, ela se desfazia na boca e nada alimentava. Nestas minhas observações soube que dependendo do clima e o algodão doce não ficava bom. Virava uma paçoca!
Algodão doce é o oposto da rapadura: caldo de cana de açúcar, muita fervura, tempo de panela, resfriamento e se tem açúcar concentrado.
Tenho recebido muita coisa pela internet, seja pelo envio dos amigos ou pelas sugestões das redes. Descobri que se lesse tudo, teria que aplicar a regra de Pareto: 80% é lixo e 20% aproveitável. Por que perder tempo para ler o que nada acrescenta, nada ensina, nada edifica?
Vou para por aqui para ser só “meio prolixo”.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 24 de julho de 2019

SUJEITO GERÚNDIO

Com certeza você já se deparou com uma espécie destas que abunda na fauna das coisas incompletas. Aliás, tenho me surpreendido com a quantidade de pessoas que se enquadram neste quesito.

O sujeito gerúndio é aquele que, quando perguntado sobre uma delegação, atribuição dada, expectativa que ele passou acerca dele mesmo, nunca conjuga o verbo no passado perfeito. Sempre vem com o gerúndio: “estou fazendo”, “estou pensando”, “estou buscando”, “estou planejando”, “estou vendo”, e por aí vem a infinidade de gerúndios que ele devolve toda vez que é cobrado ou instado a dar relatório sobre suas atividades.

Ele nunca termina nada! É um começa tudo, terminada nunca. Ele tem a capacidade de se empolgar instantaneamente com qualquer coisa, ideia, novidade, produto, trabalho, missão, mas, pouco tempo depois, o entusiasmo vai embora com a mesma velocidade com que chegou.

Estes me fazem lembrar do sábio Cirino, boia fria negro, com quem aprendi, na infância, algumas lições que jamais esqueci. Ele dizia: “tem gente que é como fogo no canaviá: quando pega fogo é uma beleza, uma ilumiação que se vê de longe. Mas o fogo dura pouco e quando apaga é só sujeira que deixa.” Outra do Cirino: “árvore que cresce rápido tem madeira fraca: quebra no primeiro vento”.

Tive um colega, pastor, que era um tipo diferente de gerúndio: ele sonhava em fazer alguma coisa, pensava um pouco e depois saia contando para todo mundo que estava fazendo o que havia sonhado. Só que não havia movido uma palha para implementar o que havia sonhado. Quando perguntado, via-se a madeira fraca: alegava dificuldades, falta de tempo, falta de recursos, mas sempre na forma gerúndica, nunca na terminativa.

Tive um aluno que era outro espécimen desta galera: ele imaginava fazer coisas grandiosas. Ao invés de sentar e detalhar o que iria fazer, ele me ligava dos Estados Unidos querendo me convencer a levar adiante o que estava sonhando. Eu dizia: “porque você mesmo não faz?” Ele me respondia: “você tem mais habilidade para gerenciar estas coisas”. Ele nunca realizou nada e na andropausa está depressivo porque não tem nada para mostrar aos filhos e netos.

Tive outro aluno que era tão detalhista que passava horas e dias trabalhando no detalhamento de um plano que tinha em mente. Ele vinha com um monte de papel, desenhos, gráficos, planilhas, cronograma, etc. Explicava em detalhes e tinha resposta para tudo. Nunca o vi realizando nada e quando o encontrei algum tempo depois, ainda era o mesmo. Sonhador, perfeccionista, sem ser realizador ou mesmo realista.

Há os que vêm com todo o arroubo possível, falando maravilhas das coisas que quer fazer e tentando convencer a entrar com ele na empreitada. A melhor técnica é pedir que ele elabore um projeto completo, com etapas, cronograma e custos. Você diz: “quando você tiver isto pronto, volte para conversarmos”. Há alguns que estou esperando há décadas.

Há os que, empolgados com qualquer novidade, abraçam tudo o que aparece. Como se diz no espanhol: “abrazan mucho, apretan poco”. Atiram em todos os pássaros e erram quase todos os tiros. Têm dificuldades em estabelecer prioridades, eleger o que importa, o que é factível. Ichak Adizes, consultor renomado, diz que são os Incendiários: sonhadores, imaginários, inventores de coisas e métodos, cada dia tem uma ideia nova que vai resolver todos os problemas da família, da igreja, da empresa ou do mundo. Ele bota todo mundo para correr atrás das suas pirotecnias. Ao novo dia as ideias de ontem serão abandonadas por outra melhor que acabou de ter. É especialista em criar de úlceras em todos. Acredita que será reconhecido pelas ideias geniais que tem.

Falei e disse! (não vou usar o gerúndio, mas “vai ter gente me criticando”!)

Marcos Inhauser

quarta-feira, 17 de julho de 2019

IGREJA QUE É IGREJA


Por mais igrejas que existam e pessoas que são frequentadoras delas, pedir aos pastores e membros que definam o que é a igreja é colher uma enxurrada de definições diferentes e, muitas vezes, díspares. Digo isto a partir da minha experiência como pastor que já viajou um bocado e visitou inúmeras igrejas.
Por anos foi um estudioso delas, pesquisando e tabulando dados sobre a membresia, tempo de permanência e várias outras condicionantes. Achei que tinha um bom entendimento sobre o assunto, mas era conhecimento cartesiano, racionalista e numérico.
Com o tempo percebi que a igreja é de uma natureza e dimensão que não se pode buscar conhecê-la só pelos números. Acabei me envolvendo em reflexões que me direcionavam à busca da essência da igreja, aquilo que ela é em uma definição minimalista. Tomei como base o texto onde Jesus afirma que onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome, ele ali estaria. Cheguei à conclusão que igreja é reunião de gente, em nome de Jesus. Igreja é comunhão, onde as pessoas reunidas se conhecem e compartilham não só a fé, mas também a vida (incluindo bens).  Igreja é a agência divina para mostrar, de forma concreta, o amor ao próximo e o amor de Deus por todos.
Nesta caminhada foi surpreendido e fiquei estarrecido com algumas coisas que ouvi. Um casal, frequentador de uma determinada igreja, estava enfrentando dificuldades financeiras, porque ambos haviam perdido o emprego e eles tinham um bebê que precisava de um leite especial. A água estava para ser cortada, bem assim a eletricidade e o aluguel eles haviam recebido uma dose de paciência do proprietário. Foram ao pastor da igreja pedir ajuda para o leite do bebê. O pastor disse que ia pensar no assunto e, no outro dia, disse que a igreja não podia ajudá-los porque eles tinham outras prioridades.
Outra, que foi ovelha minha em Rio Verde, teve que mudar-se para São Paulo para arrumar emprego, casou-se com um asiático, ele foi embora sem mais nem menos e ela ficou na rua com quatro filhos. Colocou o que tinha no carro e, com os filhos estacionou no pátio de uma enorme Catedral. Falou com um dos pastores, pediu ajuda e ele disse que a ajuda que poderia dar era permitir que ela passasse a noite dentro do carro, mas que, por razões de seguro, ela não poderia ficar mais tempo.
Outra é de um casal, ambos pastores. Ela está com câncer há algum tempo, já passou por várias cirurgias e não tem podido trabalhar. O marido tinha dois empregos e perdeu um. Ela precisa fazer uma cirurgia para retirada de uma bolsa colostômica. Dada à natureza das cirurgias anteriores, a retirada desta bolsa é complicada e o anestesista cobra um bom dinheiro para fazer. Ninguém da igreja à qual eles servem e nem a igreja se dispuseram a ajudá-la. A Igreja alegou que estão muito focados na construção e que não podem desviar recursos.
Já há algum tempo tenho pensado que uma forma de se conhecer uma igreja é ver onde ela aplica seus recursos. Se o maior gasto que uma comunidade tem é com edifício, manutenção, aparelhos de som, eletricidade, há algo de errado com esta igreja.
Igreja existe para ser canal do amor de Deus, Se não faz isto para atender aos necessitados, tenho dificuldades em reconhecê-la com igreja verdadeira.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 10 de julho de 2019

NÃO SE AJUDA ...

Uma máxima das relações de ajuda é que “não se ajuda quem não quer ser ajudado”. Parece óbvio, mas me assusto com a quantidade de vezes que perdi meu tempo tentando ajudar quem não queria ajuda ou, pelo menos, achava que não precisava de ajuda.

Devo reconhecer que querer ajudar é uma forma que pode ser demonstração de poder ou superioridade. Eu me disponho a ajudar porque acho que sei fazer melhor ou simplesmente sei fazer o que a pessoa não sabe. Ao assim proceder, estabeleço uma relação desigual de um que sabe e que ajuda quem não sabe.

Por outro lado, há que se reconhecer que as pessoas têm habilidades diversas. Quando peço para a contadora fazer o meu Imposto de Renda, eu peço a ajuda dela em algo que não sei fazer com a mesma maestria que ela faz, nem com a mesma velocidade. Eu demoro, me perco, tenho que ler as instruções várias vezes e, mesmo assim, corro o risco de não fazer certo. Ao pedir a ajuda dela, eu digo que ela sabe mais que eu, mas isto não significa que ela é melhor que eu. Ela o é no campo específico em que tem suas habilidades e competências. Reconhecer isto é sinal de, com o perdão da presunção, sabedoria.

Todos precisamos saber o que sabemos fazer e o fazemos bem, o que fazemos com certa dificuldade e o que não sabemos fazer. Reconhecer isto é sinal de maturidade. Pedir ajuda nas coisas em que tropeçamos pela falta de habilidade é mostrar que se conhece, é cumprir com o mandamento filosófico do “conhece-te a ti mesmo”.

Há algumas situações que devemos reconhecer que, embora tenhamos habilidades e conhecimento sobre o assunto, pelo fato de estarmos envolvidos no processo ou na crise, não temos a “iluminação” necessária para um bom desempenho. Uma metáfora disto é um jogo de futebol que tem, no seu tempo normal, muito desgaste físico. Pelo regulamento há uma prorrogação de mais trinta minutos, findo os quais as pernas já não mais obedecem aos comandos. Mas há pênaltis para serem batidos. Escolhem-se os melhores e os que estão em melhores condições. Lá vão eles e, não raro, ainda que saibam fazer, ainda que já tenham feito muitas vezes, chutam mal, chutam fora ou de forma que o goleiro possa defender. Isto aconteceu com o Cavani, do Uruguai, na Copa América, o melhor jogador do time. Isto aconteceu milhares de vezes. Os melhores se enrolam na hora de desempenhar, porque devem fazê-lo em situação de estresse.

Aceitar ajuda em situações em que estamos emocionalmente envolvidos, onde há estresse, onde decisões devem ser tomadas e afetam toda a vida, em empregos que exige a realização de uma tarefa que vai além da capacidade ou que se está emocionalmente envolvido é sabedoria.

Acho que foi por isto que Deus, na Sua sabedoria, deu à igreja dons, equipando pessoas para ministérios específicos. Paulo, ao fazer comentários sobre a atuação deles, disse que o pé não pode dizer à mão “não preciso de você” e nem vice-versa. Há habilidades específicas no corpo e buscar a ajuda de pessoas habilitadas segundo a necessidade que estou sentindo é demonstração de pertencimento ao corpo.

Devemos estar disponíveis para exercer nossos dons diante da necessidade do próximo, mas não devemos nos impor, querendo ajudar quem não quer ser ajudado. Muitas vezes, tropeço, a queda, o fracasso, ensina mais e melhor.

Marcos Inhauser

quinta-feira, 4 de julho de 2019

ABUSO DA FOLGA


Li, com irritada avaliação, a decisão recente do plenário do Senado que aprovou nesta semana o projeto conhecido como “dez medidas da corrupção”, mas com um aditivo preocupante: a punição ao abuso de autoridade de magistrados e integrantes do Ministério Público. A proposta retornará à Câmara, porque modificada pelos senadores.
As “dez medidas contra a corrupção” tiveram a iniciativa do Ministério público em 2015, receberam amplo apoio popular, sendo encaminhada com milhões de assinaturas, mas teve sua tramitação desacelerada pelos nobres legisladores, mais afeitos às suas férias e finais de semana prolongados que ao trabalho para o qual são regiamente pagos. As dez medidas foram desfiguradas pela Câmara em votação no final de 2016.
Depois de mais de dois anos parada no Senado, eis que ressurge, concidentemente quando apareceram as aludidas conversas entre o ex-juiz Moro e integrantes do Ministério Público, no desenvolvimento da Lava Jato.
A inclusão do “abuso de autoridade” foi feita, há duas semanas, a pedido do presidente Davi Alcolumbre. Ela não entrou na pauta da CCJ e havia a intenção de votá-la direto no plenário, sem passar pela CCJ. Não houve acordo e a votação foi feita esta semana.
O projeto prevê que juízes e membros do Ministério Públicos ficam sujeitos a penas, inclusive de prisão se atuarem com "evidente motivação político-partidária" ou participarem em casos em que sejam impedidos por lei.
Também se restringe comentários públicos sobre processos em andamento, sendo mais rígida para juízes, a quem se proíbe "opinião" sobre processos. Também ficam proibidos de emitir um "juízo depreciativo" sobre decisões de colegas.
Adoraria ver estes parâmetros aplicados aos ministros do STF, especialmente os mais verborrágicos como o Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Levandovsky, useiros e vezeiros na arte de se pronunciar fora e antes dos autos.
Mas o que mais me irrita é que, os mesmos que assim legislam, também deveriam legislar sobre o “trabalho” dos deputados e senadores. Eles ganham para trabalhar, como qualquer funcionário. Só trabalham nas terças, quartas e quintas e no final da quinta já estão de volta às suas bases. São três dias por semana, mais os recessos e férias que chegam a mais de dois meses por ano. As faltas são abonadas.
Também mostram extrema habilidade na arte de enrolar e empurrar com a barriga a decisão de temas importantes, como agora se dá na análise da Reforma da Previdência. Doutores na arte de falar sem dizer nada, gastam todo o tempo que podem para, ao menos, aparecer nas telas das TVs legislativas, como se isto garantisse votos, uma vez que a audiência destas TVs é traço.
Porta vozes de interesses corporativos, o presidente Rodrigo Maia se abespinhou quando o ministro Guedes disse que a proposta original tinha sido desfigurada pela pressão dos servidores legislativos. Agora a Bancada da Bala, por não ver atendido o pleito de se dar aos policiais e relacionados a mesma deferência dada aos militares, afirma que, ao menos 27 votos do PSL (partido do presidente), não votarão com o governo.
Eleitos pelo povo, trabalham pouco e defendem os interesses de uma minoria privilegiada. Quem paga seus salários e aposentadorias rala todos os dias da semana para sustentar uma nata de folgados e braços-curtos.
Uma lei de “abuso da folga” deveria ser editada para colocar esta gente nos trilhos e trabalhando.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 26 de junho de 2019

MOLHANDO DESERTOS


Aposto como o leitor já deve ter passado por uma experiência destas.
Há alguns tipos de pessoas com quem a gente precisa conversar, negociar ou buscar um consenso. Há aquelas que são abertas a qualquer argumento e cedem sem pestanejar. Concordam com tudo o que se diz ou se pede. São de uma passividade bovina (frase que devo ao Clovis Rossi, quem deixou saudades). A impressão que passam é que não têm opinião, não buscam realizações pessoais ou nem mesmo têm identidade firmada. A gente começa a conversa e já sabe como vai terminar: “faça do seu jeito que eu assino em baixo.”
O segundo é formado por aquelas que têm opinião, mas estão abertas ao diálogo, à troca de ideias, ouvem o que se lhes é apresentado, refletem, explicitam seus pontos com clareza e assertividade. Conversar com elas é um desfrute. A conversa flui, é lubrificada pelas novidades que ambos podem trazer, é temperada com os assentimentos e dissentimentos educados e bem ponderados. Sente-se que as pessoas escutam e falam na mesma proporção, com equilíbrio. Pode até haver empolgação, afirmações mais categóricas, um tom de voz mais alto, sem ser grito. É a defesa honesta que cada qual faz do seu ponto de vista.
O terceiro é formado por pessoas que são verdadeiras pedras no sapato. Quando a gente precisa conversar com elas, a gente reza uma meia dúzia de Pai Nosso. Sabe-se de antemão que a conversa será difícil e, na quase totalidade das vezes, uma perda de tempo. Elas apresentam algumas características que devem ser explicitadas. São donas-da-verdade. Adoram começar suas exposições com as frases: “o certo é”, “na verdade”, “realmente”, “a verdade é que ...”, “na realidade”, “eu, no lugar dela ou dele...” e outras típicas. Elas têm visão tapada das coisas, não conseguem ver a floresta e acham que o galho da árvore que elas veem é toda uma floresta.
Quando elas se apresentam para colocar suas questões, seus posicionamentos ou decisões costumam ser prolixas, demoradas e confusas. A gente fica ouvindo e se perguntando: ö que é que elas estão querendo dizer?”
A gente pode deixar falar o tempo que quiserem e não interromper a fala por nada. Quando a gente pensa que chegou a nossa hora de dizer algo e, mal iniciamos a fala, somos interrompidos com mais um discurso. Espera-se o término dele e nova tentativa. Outra interrupção. Isto se sucede indefinidamente. É impossível terminar um raciocínio.
Se, por acaso, a gente apresenta um raciocínio que desmonta o que ela está colocando ou propondo, há algumas reações possíveis. A primeira é acusar. Acusa que a gente não entendeu, que a gente sempre vence (como se todo diálogo fosse uma batalha com vencidos e vencedores), que a gente, um dia, vai reconhecer que ela estava certa. A segunda é sair da conversa batendo porta ou o pé, numa clara manifestação de desagrado. A terceira é ofender, com maior ou menor intensidade, dependendo da cara que fazemos: se de passividade, se de desprezo, ou de ironia.
Elas não têm o DNA de “encerramento de uma conversa”. Ela tem o dom da última palavra: sempre precisam falar e repisar o que falaram aos montes. No pior dos casos, a última palavra é uma chantagem: “você vai se arrepender disto!”
A tarefa de conversar com elas é como a missão de molhar o deserto: nunca se vê resultado, são sempre conversas áridas.
Marcos Inhauser

EVANGELIZAÇÃO DA GANÂNCIA


Nos idos de 1514, vinte e dois anos depois que Colombo aportou às terras da América, na ilha que hoje é Santo Domingo, se fez o relatório Albuquerque, onde se relatava o massacre a que os indígenas estavam sendo submetidos. Neste processo de extermínio era comum uma prática espanhola que cortava as mãos dos prisioneiros de guerra e, em seguida, se obrigava aos assim mutilados a sair correndo até que morressem, prática esta também usada por Espanha no extermínio dos indígenas. Para as mulheres a prática consistia, ademais da mutilação das mãos, também a dos seios. Ela tinha o objetivo de semear o terror nos nativos.
Para se ter uma ideia da sanguinolência dos “colonizadores”, deve-se mencionar o Campo de batalha de Añaquito. Benito Juárez de Carbajal buscava o representante do monarca Carlos, o vice-rei Blasco Nuñes de Vela. Ao encontrá-lo, o cobriu dos mais variados impropérios, desconsiderando que o vice-rei já estava enfermo e combalido. O próprio Benito teria cortado a cabeça do infeliz, não fosse a admoestação de Pedro Puelles, pelo que pediu a um escravo que o fizesse, mas teve o cuidado de pegar a cabeça pelas barbas, pintar-lhe os lábios, passar uma corda pelos olhos e o amarrar em seu cavalo, desfilando com o troféu por onde fosse. Se fez isto com um conterrâneo, o que não fez com os nativos?
E por que o faziam? Pelo ouro e pela prata que extraiam daqui e mandavam a Europa. A riqueza dos países de Europa está vestida do sangue destes nativos que, ou foram mortos, ou foram obrigados a trabalhar para os colonizadores que vieram trazer a nova fé pela evangelização. Bartolomé de las Casas, voz profética neste império de terror, disse: “A causa foi a cobiça e ambição insaciáveis que (os colonizadores) possuíam, que foram maiores que podem existir no mundo, por ser aquelas terras (América) tão felizes e ricas, e as pessoas tão humildes, tão pacientes e tão facilmente submissas, pelas quais (os colonizadores) não tiveram respeito, nem estima, que não as trataram como bestas, mas como esterco das praças”.
Muitas outras coisas poderiam ser descritas para que se tenha uma ideia mínima do que foi o horror da “evangelização da América pela mão dos colonizadores”. Este afã de dar cores religiosas ao ímpeto ambicioso, levou sacerdotes a fazer batismo no atacado, reunindo todos de uma aldeia e borrifando água sobre eles, na convicção de que estavam batizando a todos e assim salvando suas almas do inferno. Com Atahualpa, a quem a lenda atribui ter muito ouro, se conta que pagou uma montanha aos seus captores e em seguida o levaram para o sacrifício. No desejo que que não morresse pagão, o batizaram momentos antes de sacrificá-lo.
Conta-se ainda que, mais especificamente no Brasil, com o surto da malária, muitas crianças estavam morrendo. Os sacerdotes, no desejo de salvá-los, iam até eles e os batizavam. Como morriam logo em seguida, a água do batismo passou a ser chamada de “água da morte”, e os pais recusavam que fossem batizadas. Inventou-se então o “batismo sub-reptício”, quando o sacerdote levava escondido um pano molhado e, sem que os pais percebessem, apertavam o lenço e umas gotas de água deles saíam, considerando isto como batismo salvador.
Trago estas coisas porque, no momento que vivemos, muitos há que estão imbuídos de uma religiosidade da ganância, onde o ouro e a prata dos fiéis o que os move, onde a teologia da prosperidade só enriquece os pregadores e donos de igrejas, onde as práticas sub-reptícias e terroristas, incitam os incautos a encher as borras dos “evangelizadores”. E há os que ostentam títulos de deputados e senadores!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 12 de junho de 2019

FÉ E CULTO HISTÓRICOS

Uma das características do culto ancestral relatado no Antigo Testamento é que ele era baseado numa teologia da história, os seus fundamentos são os fatos históricos onde o teólogo vê a mão de Javé que modela, interfere, muda e faz na história os seus desígnios.
Oscar Cullman, Otto Piper, G. Ernest Wright, Gerhard Von Rad, Edward Schillebeeckx, H. H. Rowley, Martin Noth são alguns dos que mostraram este aspecto fundamental do culto veterotestamentário. Para o teólogo veterotestamentário a revelação feita através da história é feita mediante pessoas interdependentes umas das outras e vinculadas entre si, o que possibilita a mútua confirmação.
No entanto, há quem faça uma diferenciação entre a História como relato verdadeiro de fatos e a Geschichtlische (que é a história interpretada pelos olhos da fé). Esta última não é não-história, uma vez que se baseia em fatos reais e não em invenções. No mais das vezes, esta Geschichtlische relata uma série de experiências históricas avaliadas e relatadas à luz da fé do povo. É o fato com sentido espiritual que penetra inteiramente no sentido histórico, muitas vezes tomando a liberdade, perfeitamente natural, de lhe dar um esplendor que transcende o que realmente passou.
Ela tem uma conotação confessional, porque é o relato de alguém que se envolve apaixonadamente com os fatos, por ver neles a mão de Deus. É o querigma que ascende ao teológico! Não é uma afirmação feita por uma crônica histórica, mas a declaração de fé em Deus, pois é Ele quem dirige os acontecimentos. É um passado que se presentifica pela profissão de fé.
Não se deve esperar de um povo antigo que tivesse a acuidade historiográfica que hoje se espera da historiografia moderna, que exige a correspondência racional e objetiva entre os fatos e a sua descrição.
Ao trazer os olhos para a vida e pregação de Jesus, percebe-se que ele, especialmente com suas parábolas, olhava ao seu dia-a-dia, aos fatos cotidianos e corriqueiros e os tomava como exemplos para o Reino. Ao fazer isto, trazia para o cotidiano o que os teólogos de sua época esperavam para um futuro glorioso com a chegada do Messias. Achavam que o Messias iria irromper na história e dar um fim a ela. É o que modernos apocalipsistas pregam e esperam.
O manual de vida cristã ensinado por Jesus (As bem-aventuranças) não trata de coisas a-históricas ou anti-históricas, mas de atos concretos a serem perpetrados no contexto histórico onde vivemos. Os cultos e missas, na maioria das vezes, falam do céu, do inferno, da vitória sobre a hostes inimigas, da expulsão de Satanás, da cura miraculosa de enfermidades, mas pecam ao não olhar para o chão, para o seu redor para ver o desemprego, a fome, o problema educacional, a crise da saúde, a corrupção, os ataques aos ecossistemas, etc.
Neste universo a-histórico o profeta que fala do cotidiano, que acusa governantes de corrupção e mal gerenciamento da coisa pública, que desmascara as mentiras proferidas pelos políticos é visto como “perturbador da ordem”. Parece que a moderna religiosidade é avessa à denúncia. Quando se denuncia um político de direita vem a turba dizer que se deve orar pelos dirigentes porque foram escolhidos de Deus. Quando o governante é de esquerda, nunca vi pedir que orassem pela Dilma ou Lula, nem mesmo pelo FHC.
São cristãos, aceitam as bem-aventuranças, mas apoiam o armamento da população e o porte de armas, a matança de bandidos, a pena de morte. E dane-se o Deus da história!
Marcos Inhauser

O COLEGIADO DOS DIFERENTES


Há os que, no fundo, criticam o fato de Ele ter escolhido doze, de cepas tão diferentes, comportamentos variados e visões de mundo incongruentes. Por que Ele escolheu do revolucionário (Judas, o Iscariote) ao meloso João, passando pelo odiado publicano, coletor de impostos?
Para a empreitada que tinha em mente não teria sido mais lógico e prudente escolher uma elite de estudiosos, oradores, teólogos e renomados religiosos? Não teria sido melhor começar seu ministério a partir da capital nacional e religiosa, Jerusalém? Não teria sido estratégico fazer aliança com os sacerdotes?
A opção periférica do ministério de Jesus é acessória ou é essencial? Ainda que os evangelhos mostrem enfoques diferentes sobre a obra e ministério de Jesus, todos concordam com sua origem a partir de uma família simples, morando em lugares sem expressão, iniciando o seu ministério com alguns também sem expressão social, fazendo curas e milagres em lugares pequenos e sem capacidade de grande repercussão.
Estas considerações me vêm à mente por causa de uma plêiade de coisas. Vejo uma fascinação de certos líderes religioso pelo grandioso, pelo poder, pela exposição midiática, pelas construções faraônicas. A vitalidade de uma igreja se mede pela quantidade de horas de televisão que tem, pelos metros quadrados de construção, pela quantidade de gente reunida, pela arrecadação.
Parece que o exemplo que Jesus deixou da bacia e da toalha, lavando os pés aos discípulos, não tem lugar neste universo de pompa e circunstâncias. O amor ao próximo na sua necessidade deu lugar ao amor à estrela do momento. Gastam-se fortunas para ir ver o “cantor gospel do momento”, para produzir Marchas para Jesus. A vida cristã é feita de empolgação e nada de instrução. Vale o que se sente e não o que se pensa e crê.
Há quem creia que a igreja está bombando porque tem uma esposa do presidente que é membro de uma igreja batista, porque um dos deputados mais próximos é o Marcos Feliciano, o Silas Malafaia é amigo, que o presidente mencionou que deve haver um evangélico no STF, que a bancada evangélica é composta por mais de 90 deputados e senadores, que há chances de que o novo presidente seja evangélico, etc.
O cerne do evangelho que é amar a Deus e ao próximo como a si mesmo. Isto está, há muito, na berlinda da prática cristã. Busca-se a homogeneização das práticas “litúrgicas” (ainda que eu tenha meus pruridos em dizer que o que se faz é algo parecido à liturgia), uma busca acelerada por algo que seja “diferente” na concepção da “doutrina”. A máxima é a do surfista: o que importa é estar na crista da onda.
O recente episódio em que um pastor esfaqueou o outro por desavenças quanto a posições bíblicas divergentes, no que pese ser um ato isolado, é sintomático da dificuldade em conviver com o diferente. Se pudessem interfeririam na escolha feita por Jesus de apóstolos tão diferentes. O certo seria ter um grupo coeso, unido, marchando ao passo marcado pelos princípios bíblicos.
A ortodoxia deve ser buscada, entendida como todos afirmando as mesmas coisas e se reunindo nos mesmos horários e nos mesmos locais. Para o diferente, o inferno!
Marcos Inhauser