Com certeza você já se deparou com uma espécie destas que abunda na fauna das coisas incompletas. Aliás, tenho me surpreendido com a quantidade de pessoas que se enquadram neste quesito.
O sujeito gerúndio é aquele que, quando perguntado sobre uma delegação, atribuição dada, expectativa que ele passou acerca dele mesmo, nunca conjuga o verbo no passado perfeito. Sempre vem com o gerúndio: “estou fazendo”, “estou pensando”, “estou buscando”, “estou planejando”, “estou vendo”, e por aí vem a infinidade de gerúndios que ele devolve toda vez que é cobrado ou instado a dar relatório sobre suas atividades.
Ele nunca termina nada! É um começa tudo, terminada nunca. Ele tem a capacidade de se empolgar instantaneamente com qualquer coisa, ideia, novidade, produto, trabalho, missão, mas, pouco tempo depois, o entusiasmo vai embora com a mesma velocidade com que chegou.
Estes me fazem lembrar do sábio Cirino, boia fria negro, com quem aprendi, na infância, algumas lições que jamais esqueci. Ele dizia: “tem gente que é como fogo no canaviá: quando pega fogo é uma beleza, uma ilumiação que se vê de longe. Mas o fogo dura pouco e quando apaga é só sujeira que deixa.” Outra do Cirino: “árvore que cresce rápido tem madeira fraca: quebra no primeiro vento”.
Tive um colega, pastor, que era um tipo diferente de gerúndio: ele sonhava em fazer alguma coisa, pensava um pouco e depois saia contando para todo mundo que estava fazendo o que havia sonhado. Só que não havia movido uma palha para implementar o que havia sonhado. Quando perguntado, via-se a madeira fraca: alegava dificuldades, falta de tempo, falta de recursos, mas sempre na forma gerúndica, nunca na terminativa.
Tive um aluno que era outro espécimen desta galera: ele imaginava fazer coisas grandiosas. Ao invés de sentar e detalhar o que iria fazer, ele me ligava dos Estados Unidos querendo me convencer a levar adiante o que estava sonhando. Eu dizia: “porque você mesmo não faz?” Ele me respondia: “você tem mais habilidade para gerenciar estas coisas”. Ele nunca realizou nada e na andropausa está depressivo porque não tem nada para mostrar aos filhos e netos.
Tive outro aluno que era tão detalhista que passava horas e dias trabalhando no detalhamento de um plano que tinha em mente. Ele vinha com um monte de papel, desenhos, gráficos, planilhas, cronograma, etc. Explicava em detalhes e tinha resposta para tudo. Nunca o vi realizando nada e quando o encontrei algum tempo depois, ainda era o mesmo. Sonhador, perfeccionista, sem ser realizador ou mesmo realista.
Há os que vêm com todo o arroubo possível, falando maravilhas das coisas que quer fazer e tentando convencer a entrar com ele na empreitada. A melhor técnica é pedir que ele elabore um projeto completo, com etapas, cronograma e custos. Você diz: “quando você tiver isto pronto, volte para conversarmos”. Há alguns que estou esperando há décadas.
Há os que, empolgados com qualquer novidade, abraçam tudo o que aparece. Como se diz no espanhol: “abrazan mucho, apretan poco”. Atiram em todos os pássaros e erram quase todos os tiros. Têm dificuldades em estabelecer prioridades, eleger o que importa, o que é factível. Ichak Adizes, consultor renomado, diz que são os Incendiários: sonhadores, imaginários, inventores de coisas e métodos, cada dia tem uma ideia nova que vai resolver todos os problemas da família, da igreja, da empresa ou do mundo. Ele bota todo mundo para correr atrás das suas pirotecnias. Ao novo dia as ideias de ontem serão abandonadas por outra melhor que acabou de ter. É especialista em criar de úlceras em todos. Acredita que será reconhecido pelas ideias geniais que tem.
Falei e disse! (não vou usar o gerúndio, mas “vai ter gente me criticando”!)
Marcos Inhauser
Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
Leia mais
Há outros artigos e livros de Marcos e Suely Inhauser à sua disposição no site www.pastoralia.com.br . Vá até lá e confira
quarta-feira, 24 de julho de 2019
quarta-feira, 17 de julho de 2019
IGREJA QUE É IGREJA
Por mais igrejas que existam e pessoas que são
frequentadoras delas, pedir aos pastores e membros que definam o que é a igreja
é colher uma enxurrada de definições diferentes e, muitas vezes, díspares. Digo
isto a partir da minha experiência como pastor que já viajou um bocado e
visitou inúmeras igrejas.
Por anos foi um estudioso delas, pesquisando e tabulando
dados sobre a membresia, tempo de permanência e várias outras condicionantes.
Achei que tinha um bom entendimento sobre o assunto, mas era conhecimento
cartesiano, racionalista e numérico.
Com o tempo percebi que a igreja é de uma natureza e dimensão
que não se pode buscar conhecê-la só pelos números. Acabei me envolvendo em reflexões
que me direcionavam à busca da essência da igreja, aquilo que ela é em uma
definição minimalista. Tomei como base o texto onde Jesus afirma que onde estiverem
dois ou três reunidos em seu nome, ele ali estaria. Cheguei à conclusão que
igreja é reunião de gente, em nome de Jesus. Igreja é comunhão, onde as pessoas
reunidas se conhecem e compartilham não só a fé, mas também a vida (incluindo
bens). Igreja é a agência divina para mostrar, de
forma concreta, o amor ao próximo e o amor de Deus por todos.
Nesta caminhada foi
surpreendido e fiquei estarrecido com algumas coisas que ouvi. Um casal,
frequentador de uma determinada igreja, estava enfrentando dificuldades financeiras,
porque ambos haviam perdido o emprego e eles tinham um bebê que precisava de um
leite especial. A água estava para ser cortada, bem assim a eletricidade e o
aluguel eles haviam recebido uma dose de paciência do proprietário. Foram ao
pastor da igreja pedir ajuda para o leite do bebê. O pastor disse que ia pensar
no assunto e, no outro dia, disse que a igreja não podia ajudá-los porque eles
tinham outras prioridades.
Outra, que foi ovelha
minha em Rio Verde, teve que mudar-se para São Paulo para arrumar emprego,
casou-se com um asiático, ele foi embora sem mais nem menos e ela ficou na rua
com quatro filhos. Colocou o que tinha no carro e, com os filhos estacionou no pátio
de uma enorme Catedral. Falou com um dos pastores, pediu ajuda e ele disse que a
ajuda que poderia dar era permitir que ela passasse a noite dentro do carro,
mas que, por razões de seguro, ela não poderia ficar mais tempo.
Outra é de um
casal, ambos pastores. Ela está com câncer há algum tempo, já passou por várias
cirurgias e não tem podido trabalhar. O marido tinha dois empregos e perdeu um.
Ela precisa fazer uma cirurgia para retirada de uma bolsa colostômica. Dada à
natureza das cirurgias anteriores, a retirada desta bolsa é complicada e o
anestesista cobra um bom dinheiro para fazer. Ninguém da igreja à qual eles
servem e nem a igreja se dispuseram a ajudá-la. A Igreja alegou que estão muito
focados na construção e que não podem desviar recursos.
Já há algum tempo
tenho pensado que uma forma de se conhecer uma igreja é ver onde ela aplica
seus recursos. Se o maior gasto que uma comunidade tem é com edifício,
manutenção, aparelhos de som, eletricidade, há algo de errado com esta igreja.
Igreja existe para
ser canal do amor de Deus, Se não faz isto para atender aos necessitados, tenho
dificuldades em reconhecê-la com igreja verdadeira.
Marcos Inhauser
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ajuda ao próximo,
Essência da igreja,
igreja e recursos
quarta-feira, 10 de julho de 2019
NÃO SE AJUDA ...
Uma máxima das relações de ajuda é que “não se ajuda quem não quer ser ajudado”. Parece óbvio, mas me assusto com a quantidade de vezes que perdi meu tempo tentando ajudar quem não queria ajuda ou, pelo menos, achava que não precisava de ajuda.
Devo reconhecer que querer ajudar é uma forma que pode ser demonstração de poder ou superioridade. Eu me disponho a ajudar porque acho que sei fazer melhor ou simplesmente sei fazer o que a pessoa não sabe. Ao assim proceder, estabeleço uma relação desigual de um que sabe e que ajuda quem não sabe.
Por outro lado, há que se reconhecer que as pessoas têm habilidades diversas. Quando peço para a contadora fazer o meu Imposto de Renda, eu peço a ajuda dela em algo que não sei fazer com a mesma maestria que ela faz, nem com a mesma velocidade. Eu demoro, me perco, tenho que ler as instruções várias vezes e, mesmo assim, corro o risco de não fazer certo. Ao pedir a ajuda dela, eu digo que ela sabe mais que eu, mas isto não significa que ela é melhor que eu. Ela o é no campo específico em que tem suas habilidades e competências. Reconhecer isto é sinal de, com o perdão da presunção, sabedoria.
Todos precisamos saber o que sabemos fazer e o fazemos bem, o que fazemos com certa dificuldade e o que não sabemos fazer. Reconhecer isto é sinal de maturidade. Pedir ajuda nas coisas em que tropeçamos pela falta de habilidade é mostrar que se conhece, é cumprir com o mandamento filosófico do “conhece-te a ti mesmo”.
Há algumas situações que devemos reconhecer que, embora tenhamos habilidades e conhecimento sobre o assunto, pelo fato de estarmos envolvidos no processo ou na crise, não temos a “iluminação” necessária para um bom desempenho. Uma metáfora disto é um jogo de futebol que tem, no seu tempo normal, muito desgaste físico. Pelo regulamento há uma prorrogação de mais trinta minutos, findo os quais as pernas já não mais obedecem aos comandos. Mas há pênaltis para serem batidos. Escolhem-se os melhores e os que estão em melhores condições. Lá vão eles e, não raro, ainda que saibam fazer, ainda que já tenham feito muitas vezes, chutam mal, chutam fora ou de forma que o goleiro possa defender. Isto aconteceu com o Cavani, do Uruguai, na Copa América, o melhor jogador do time. Isto aconteceu milhares de vezes. Os melhores se enrolam na hora de desempenhar, porque devem fazê-lo em situação de estresse.
Aceitar ajuda em situações em que estamos emocionalmente envolvidos, onde há estresse, onde decisões devem ser tomadas e afetam toda a vida, em empregos que exige a realização de uma tarefa que vai além da capacidade ou que se está emocionalmente envolvido é sabedoria.
Acho que foi por isto que Deus, na Sua sabedoria, deu à igreja dons, equipando pessoas para ministérios específicos. Paulo, ao fazer comentários sobre a atuação deles, disse que o pé não pode dizer à mão “não preciso de você” e nem vice-versa. Há habilidades específicas no corpo e buscar a ajuda de pessoas habilitadas segundo a necessidade que estou sentindo é demonstração de pertencimento ao corpo.
Devemos estar disponíveis para exercer nossos dons diante da necessidade do próximo, mas não devemos nos impor, querendo ajudar quem não quer ser ajudado. Muitas vezes, tropeço, a queda, o fracasso, ensina mais e melhor.
Marcos Inhauser
Devo reconhecer que querer ajudar é uma forma que pode ser demonstração de poder ou superioridade. Eu me disponho a ajudar porque acho que sei fazer melhor ou simplesmente sei fazer o que a pessoa não sabe. Ao assim proceder, estabeleço uma relação desigual de um que sabe e que ajuda quem não sabe.
Por outro lado, há que se reconhecer que as pessoas têm habilidades diversas. Quando peço para a contadora fazer o meu Imposto de Renda, eu peço a ajuda dela em algo que não sei fazer com a mesma maestria que ela faz, nem com a mesma velocidade. Eu demoro, me perco, tenho que ler as instruções várias vezes e, mesmo assim, corro o risco de não fazer certo. Ao pedir a ajuda dela, eu digo que ela sabe mais que eu, mas isto não significa que ela é melhor que eu. Ela o é no campo específico em que tem suas habilidades e competências. Reconhecer isto é sinal de, com o perdão da presunção, sabedoria.
Todos precisamos saber o que sabemos fazer e o fazemos bem, o que fazemos com certa dificuldade e o que não sabemos fazer. Reconhecer isto é sinal de maturidade. Pedir ajuda nas coisas em que tropeçamos pela falta de habilidade é mostrar que se conhece, é cumprir com o mandamento filosófico do “conhece-te a ti mesmo”.
Há algumas situações que devemos reconhecer que, embora tenhamos habilidades e conhecimento sobre o assunto, pelo fato de estarmos envolvidos no processo ou na crise, não temos a “iluminação” necessária para um bom desempenho. Uma metáfora disto é um jogo de futebol que tem, no seu tempo normal, muito desgaste físico. Pelo regulamento há uma prorrogação de mais trinta minutos, findo os quais as pernas já não mais obedecem aos comandos. Mas há pênaltis para serem batidos. Escolhem-se os melhores e os que estão em melhores condições. Lá vão eles e, não raro, ainda que saibam fazer, ainda que já tenham feito muitas vezes, chutam mal, chutam fora ou de forma que o goleiro possa defender. Isto aconteceu com o Cavani, do Uruguai, na Copa América, o melhor jogador do time. Isto aconteceu milhares de vezes. Os melhores se enrolam na hora de desempenhar, porque devem fazê-lo em situação de estresse.
Aceitar ajuda em situações em que estamos emocionalmente envolvidos, onde há estresse, onde decisões devem ser tomadas e afetam toda a vida, em empregos que exige a realização de uma tarefa que vai além da capacidade ou que se está emocionalmente envolvido é sabedoria.
Acho que foi por isto que Deus, na Sua sabedoria, deu à igreja dons, equipando pessoas para ministérios específicos. Paulo, ao fazer comentários sobre a atuação deles, disse que o pé não pode dizer à mão “não preciso de você” e nem vice-versa. Há habilidades específicas no corpo e buscar a ajuda de pessoas habilitadas segundo a necessidade que estou sentindo é demonstração de pertencimento ao corpo.
Devemos estar disponíveis para exercer nossos dons diante da necessidade do próximo, mas não devemos nos impor, querendo ajudar quem não quer ser ajudado. Muitas vezes, tropeço, a queda, o fracasso, ensina mais e melhor.
Marcos Inhauser
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relações de ajuda
quinta-feira, 4 de julho de 2019
ABUSO DA FOLGA
Li,
com irritada avaliação, a decisão recente do plenário
do Senado que
aprovou nesta semana o projeto conhecido como “dez medidas da corrupção”, mas com um aditivo
preocupante: a punição ao abuso de autoridade de magistrados e integrantes
do Ministério Público. A proposta retornará à Câmara, porque modificada pelos
senadores.
As “dez medidas contra a corrupção” tiveram a iniciativa do
Ministério público em 2015, receberam amplo apoio popular, sendo encaminhada
com milhões de assinaturas, mas teve sua tramitação desacelerada pelos nobres
legisladores, mais afeitos às suas férias e finais de semana prolongados que ao
trabalho para o qual são regiamente pagos. As dez medidas foram desfiguradas
pela Câmara em votação no final de 2016.
Depois de mais de dois anos parada no Senado, eis que
ressurge, concidentemente quando apareceram as aludidas conversas entre o
ex-juiz Moro e integrantes do Ministério Público, no desenvolvimento da Lava
Jato.
A
inclusão do “abuso de autoridade” foi feita, há duas semanas, a pedido do
presidente Davi Alcolumbre. Ela não entrou na pauta da CCJ e havia a intenção
de votá-la direto no plenário, sem passar pela CCJ. Não houve acordo e a
votação foi feita esta semana.
O
projeto prevê que juízes e membros do Ministério Públicos ficam sujeitos a penas,
inclusive de prisão se atuarem com "evidente motivação
político-partidária" ou participarem em casos em que sejam impedidos por
lei.
Também
se restringe comentários públicos sobre processos em andamento, sendo mais
rígida para juízes, a quem se proíbe "opinião" sobre processos. Também
ficam proibidos de emitir um "juízo depreciativo" sobre decisões de
colegas.
Adoraria
ver estes parâmetros aplicados aos ministros do STF, especialmente os mais
verborrágicos como o Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Levandovsky, useiros e
vezeiros na arte de se pronunciar fora e antes dos autos.
Mas
o que mais me irrita é que, os mesmos que assim legislam, também deveriam
legislar sobre o “trabalho” dos deputados e senadores. Eles ganham para
trabalhar, como qualquer funcionário. Só trabalham nas terças, quartas e
quintas e no final da quinta já estão de volta às suas bases. São três dias por
semana, mais os recessos e férias que chegam a mais de dois meses por ano. As
faltas são abonadas.
Também
mostram extrema habilidade na arte de enrolar e empurrar com a barriga a
decisão de temas importantes, como agora se dá na análise da Reforma da
Previdência. Doutores na arte de falar sem dizer nada, gastam todo o tempo que
podem para, ao menos, aparecer nas telas das TVs legislativas, como se isto
garantisse votos, uma vez que a audiência destas TVs é traço.
Porta
vozes de interesses corporativos, o presidente Rodrigo Maia se abespinhou
quando o ministro Guedes disse que a proposta original tinha sido desfigurada
pela pressão dos servidores legislativos. Agora a Bancada da Bala, por não ver
atendido o pleito de se dar aos policiais e relacionados a mesma deferência
dada aos militares, afirma que, ao menos 27 votos do PSL (partido do presidente),
não votarão com o governo.
Eleitos
pelo povo, trabalham pouco e defendem os interesses de uma minoria
privilegiada. Quem paga seus salários e aposentadorias rala todos os dias da
semana para sustentar uma nata de folgados e braços-curtos.
Uma
lei de “abuso da folga” deveria ser editada para colocar esta gente nos trilhos
e trabalhando.
Marcos
Inhauser
quarta-feira, 26 de junho de 2019
MOLHANDO DESERTOS
Aposto como o leitor já deve ter passado por uma experiência
destas.
Há alguns tipos de pessoas com quem a gente precisa
conversar, negociar ou buscar um consenso. Há aquelas que são abertas a
qualquer argumento e cedem sem pestanejar. Concordam com tudo o que se diz ou
se pede. São de uma passividade bovina (frase que devo ao Clovis Rossi, quem
deixou saudades). A impressão que passam é que não têm opinião, não buscam
realizações pessoais ou nem mesmo têm identidade firmada. A gente começa a
conversa e já sabe como vai terminar: “faça do seu jeito que eu assino em
baixo.”
O segundo é formado por aquelas que têm opinião, mas estão
abertas ao diálogo, à troca de ideias, ouvem o que se lhes é apresentado,
refletem, explicitam seus pontos com clareza e assertividade. Conversar com elas
é um desfrute. A conversa flui, é lubrificada pelas novidades que ambos podem
trazer, é temperada com os assentimentos e dissentimentos educados e bem
ponderados. Sente-se que as pessoas escutam e falam na mesma proporção, com equilíbrio.
Pode até haver empolgação, afirmações mais categóricas, um tom de voz mais
alto, sem ser grito. É a defesa honesta que cada qual faz do seu ponto de
vista.
O terceiro é formado por pessoas que são verdadeiras pedras
no sapato. Quando a gente precisa conversar com elas, a gente reza uma meia
dúzia de Pai Nosso. Sabe-se de antemão que a conversa será difícil e, na quase
totalidade das vezes, uma perda de tempo. Elas apresentam algumas
características que devem ser explicitadas. São donas-da-verdade. Adoram
começar suas exposições com as frases: “o certo é”, “na verdade”, “realmente”, “a
verdade é que ...”, “na realidade”, “eu, no lugar dela ou dele...” e outras
típicas. Elas têm visão tapada das coisas, não conseguem ver a floresta e acham
que o galho da árvore que elas veem é toda uma floresta.
Quando elas se apresentam para colocar suas questões, seus posicionamentos
ou decisões costumam ser prolixas, demoradas e confusas. A gente fica ouvindo e
se perguntando: ö que é que elas estão querendo dizer?”
A gente pode deixar falar o tempo que quiserem e não interromper
a fala por nada. Quando a gente pensa que chegou a nossa hora de dizer algo e,
mal iniciamos a fala, somos interrompidos com mais um discurso. Espera-se o
término dele e nova tentativa. Outra interrupção. Isto se sucede
indefinidamente. É impossível terminar um raciocínio.
Se, por acaso, a gente apresenta um raciocínio que desmonta
o que ela está colocando ou propondo, há algumas reações possíveis. A primeira
é acusar. Acusa que a gente não entendeu, que a gente sempre vence (como se
todo diálogo fosse uma batalha com vencidos e vencedores), que a gente, um dia,
vai reconhecer que ela estava certa. A segunda é sair da conversa batendo porta
ou o pé, numa clara manifestação de desagrado. A terceira é ofender, com maior
ou menor intensidade, dependendo da cara que fazemos: se de passividade, se de
desprezo, ou de ironia.
Elas não têm o DNA de “encerramento de uma conversa”. Ela
tem o dom da última palavra: sempre precisam falar e repisar o que falaram aos
montes. No pior dos casos, a última palavra é uma chantagem: “você vai se arrepender
disto!”
A tarefa de conversar com elas é como a missão de molhar o
deserto: nunca se vê resultado, são sempre conversas áridas.
Marcos Inhauser
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Tipos de conversas,
tipos de interlocutores
EVANGELIZAÇÃO DA GANÂNCIA
Nos idos de 1514, vinte e dois anos depois que Colombo
aportou às terras da América, na ilha que hoje é Santo Domingo, se fez o
relatório Albuquerque, onde se relatava o massacre a que os indígenas estavam
sendo submetidos. Neste processo de extermínio era comum uma prática espanhola
que cortava as mãos dos prisioneiros de guerra e, em seguida, se obrigava aos
assim mutilados a sair correndo até que morressem, prática esta também usada
por Espanha no extermínio dos indígenas. Para as mulheres a prática consistia,
ademais da mutilação das mãos, também a dos seios. Ela tinha o objetivo de
semear o terror nos nativos.
Para se ter uma ideia da sanguinolência dos “colonizadores”,
deve-se mencionar o Campo de batalha de Añaquito. Benito Juárez de Carbajal buscava
o representante do monarca Carlos, o vice-rei Blasco Nuñes de Vela. Ao
encontrá-lo, o cobriu dos mais variados impropérios, desconsiderando que o
vice-rei já estava enfermo e combalido. O próprio Benito teria cortado a cabeça
do infeliz, não fosse a admoestação de Pedro Puelles, pelo que pediu a um
escravo que o fizesse, mas teve o cuidado de pegar a cabeça pelas barbas, pintar-lhe
os lábios, passar uma corda pelos olhos e o amarrar em seu cavalo, desfilando
com o troféu por onde fosse. Se fez isto com um conterrâneo, o que não fez com
os nativos?
E por que o faziam? Pelo ouro e pela prata que extraiam
daqui e mandavam a Europa. A riqueza dos países de Europa está vestida do
sangue destes nativos que, ou foram mortos, ou foram obrigados a trabalhar para
os colonizadores que vieram trazer a nova fé pela evangelização. Bartolomé de
las Casas, voz profética neste império de terror, disse: “A causa foi a cobiça
e ambição insaciáveis que (os colonizadores) possuíam, que foram maiores que
podem existir no mundo, por ser aquelas terras (América) tão felizes e ricas, e
as pessoas tão humildes, tão pacientes e tão facilmente submissas, pelas quais
(os colonizadores) não tiveram respeito, nem estima, que não as trataram como
bestas, mas como esterco das praças”.
Muitas outras coisas poderiam ser descritas para que se
tenha uma ideia mínima do que foi o horror da “evangelização da América pela
mão dos colonizadores”. Este afã de dar cores religiosas ao ímpeto ambicioso,
levou sacerdotes a fazer batismo no atacado, reunindo todos de uma aldeia e
borrifando água sobre eles, na convicção de que estavam batizando a todos e
assim salvando suas almas do inferno. Com Atahualpa, a quem a lenda atribui ter
muito ouro, se conta que pagou uma montanha aos seus captores e em seguida o
levaram para o sacrifício. No desejo que que não morresse pagão, o batizaram
momentos antes de sacrificá-lo.
Conta-se ainda que, mais especificamente no Brasil, com o
surto da malária, muitas crianças estavam morrendo. Os sacerdotes, no desejo de
salvá-los, iam até eles e os batizavam. Como morriam logo em seguida, a água do
batismo passou a ser chamada de “água da morte”, e os pais recusavam que fossem
batizadas. Inventou-se então o “batismo sub-reptício”, quando o sacerdote
levava escondido um pano molhado e, sem que os pais percebessem, apertavam o
lenço e umas gotas de água deles saíam, considerando isto como batismo
salvador.
Trago estas coisas porque, no momento que vivemos, muitos há
que estão imbuídos de uma religiosidade da ganância, onde o ouro e a prata dos fiéis
o que os move, onde a teologia da prosperidade só enriquece os pregadores e
donos de igrejas, onde as práticas sub-reptícias e terroristas, incitam os
incautos a encher as borras dos “evangelizadores”. E há os que ostentam títulos
de deputados e senadores!
Marcos Inhauser
quarta-feira, 12 de junho de 2019
FÉ E CULTO HISTÓRICOS
Uma das características do culto ancestral relatado no Antigo Testamento é que ele era baseado numa teologia da história, os seus fundamentos são os fatos históricos onde o teólogo vê a mão de Javé que modela, interfere, muda e faz na história os seus desígnios.
Oscar Cullman, Otto Piper, G. Ernest Wright, Gerhard Von Rad, Edward Schillebeeckx, H. H. Rowley, Martin Noth são alguns dos que mostraram este aspecto fundamental do culto veterotestamentário. Para o teólogo veterotestamentário a revelação feita através da história é feita mediante pessoas interdependentes umas das outras e vinculadas entre si, o que possibilita a mútua confirmação.
No entanto, há quem faça uma diferenciação entre a História como relato verdadeiro de fatos e a Geschichtlische (que é a história interpretada pelos olhos da fé). Esta última não é não-história, uma vez que se baseia em fatos reais e não em invenções. No mais das vezes, esta Geschichtlische relata uma série de experiências históricas avaliadas e relatadas à luz da fé do povo. É o fato com sentido espiritual que penetra inteiramente no sentido histórico, muitas vezes tomando a liberdade, perfeitamente natural, de lhe dar um esplendor que transcende o que realmente passou.
Ela tem uma conotação confessional, porque é o relato de alguém que se envolve apaixonadamente com os fatos, por ver neles a mão de Deus. É o querigma que ascende ao teológico! Não é uma afirmação feita por uma crônica histórica, mas a declaração de fé em Deus, pois é Ele quem dirige os acontecimentos. É um passado que se presentifica pela profissão de fé.
Não se deve esperar de um povo antigo que tivesse a acuidade historiográfica que hoje se espera da historiografia moderna, que exige a correspondência racional e objetiva entre os fatos e a sua descrição.
Ao trazer os olhos para a vida e pregação de Jesus, percebe-se que ele, especialmente com suas parábolas, olhava ao seu dia-a-dia, aos fatos cotidianos e corriqueiros e os tomava como exemplos para o Reino. Ao fazer isto, trazia para o cotidiano o que os teólogos de sua época esperavam para um futuro glorioso com a chegada do Messias. Achavam que o Messias iria irromper na história e dar um fim a ela. É o que modernos apocalipsistas pregam e esperam.
O manual de vida cristã ensinado por Jesus (As bem-aventuranças) não trata de coisas a-históricas ou anti-históricas, mas de atos concretos a serem perpetrados no contexto histórico onde vivemos. Os cultos e missas, na maioria das vezes, falam do céu, do inferno, da vitória sobre a hostes inimigas, da expulsão de Satanás, da cura miraculosa de enfermidades, mas pecam ao não olhar para o chão, para o seu redor para ver o desemprego, a fome, o problema educacional, a crise da saúde, a corrupção, os ataques aos ecossistemas, etc.
Neste universo a-histórico o profeta que fala do cotidiano, que acusa governantes de corrupção e mal gerenciamento da coisa pública, que desmascara as mentiras proferidas pelos políticos é visto como “perturbador da ordem”. Parece que a moderna religiosidade é avessa à denúncia. Quando se denuncia um político de direita vem a turba dizer que se deve orar pelos dirigentes porque foram escolhidos de Deus. Quando o governante é de esquerda, nunca vi pedir que orassem pela Dilma ou Lula, nem mesmo pelo FHC.
São cristãos, aceitam as bem-aventuranças, mas apoiam o armamento da população e o porte de armas, a matança de bandidos, a pena de morte. E dane-se o Deus da história!
Marcos Inhauser
Oscar Cullman, Otto Piper, G. Ernest Wright, Gerhard Von Rad, Edward Schillebeeckx, H. H. Rowley, Martin Noth são alguns dos que mostraram este aspecto fundamental do culto veterotestamentário. Para o teólogo veterotestamentário a revelação feita através da história é feita mediante pessoas interdependentes umas das outras e vinculadas entre si, o que possibilita a mútua confirmação.
No entanto, há quem faça uma diferenciação entre a História como relato verdadeiro de fatos e a Geschichtlische (que é a história interpretada pelos olhos da fé). Esta última não é não-história, uma vez que se baseia em fatos reais e não em invenções. No mais das vezes, esta Geschichtlische relata uma série de experiências históricas avaliadas e relatadas à luz da fé do povo. É o fato com sentido espiritual que penetra inteiramente no sentido histórico, muitas vezes tomando a liberdade, perfeitamente natural, de lhe dar um esplendor que transcende o que realmente passou.
Ela tem uma conotação confessional, porque é o relato de alguém que se envolve apaixonadamente com os fatos, por ver neles a mão de Deus. É o querigma que ascende ao teológico! Não é uma afirmação feita por uma crônica histórica, mas a declaração de fé em Deus, pois é Ele quem dirige os acontecimentos. É um passado que se presentifica pela profissão de fé.
Não se deve esperar de um povo antigo que tivesse a acuidade historiográfica que hoje se espera da historiografia moderna, que exige a correspondência racional e objetiva entre os fatos e a sua descrição.
Ao trazer os olhos para a vida e pregação de Jesus, percebe-se que ele, especialmente com suas parábolas, olhava ao seu dia-a-dia, aos fatos cotidianos e corriqueiros e os tomava como exemplos para o Reino. Ao fazer isto, trazia para o cotidiano o que os teólogos de sua época esperavam para um futuro glorioso com a chegada do Messias. Achavam que o Messias iria irromper na história e dar um fim a ela. É o que modernos apocalipsistas pregam e esperam.
O manual de vida cristã ensinado por Jesus (As bem-aventuranças) não trata de coisas a-históricas ou anti-históricas, mas de atos concretos a serem perpetrados no contexto histórico onde vivemos. Os cultos e missas, na maioria das vezes, falam do céu, do inferno, da vitória sobre a hostes inimigas, da expulsão de Satanás, da cura miraculosa de enfermidades, mas pecam ao não olhar para o chão, para o seu redor para ver o desemprego, a fome, o problema educacional, a crise da saúde, a corrupção, os ataques aos ecossistemas, etc.
Neste universo a-histórico o profeta que fala do cotidiano, que acusa governantes de corrupção e mal gerenciamento da coisa pública, que desmascara as mentiras proferidas pelos políticos é visto como “perturbador da ordem”. Parece que a moderna religiosidade é avessa à denúncia. Quando se denuncia um político de direita vem a turba dizer que se deve orar pelos dirigentes porque foram escolhidos de Deus. Quando o governante é de esquerda, nunca vi pedir que orassem pela Dilma ou Lula, nem mesmo pelo FHC.
São cristãos, aceitam as bem-aventuranças, mas apoiam o armamento da população e o porte de armas, a matança de bandidos, a pena de morte. E dane-se o Deus da história!
Marcos Inhauser
O COLEGIADO DOS DIFERENTES
Há os que, no fundo, criticam o fato de Ele ter escolhido
doze, de cepas tão diferentes, comportamentos variados e visões de mundo
incongruentes. Por que Ele escolheu do revolucionário (Judas, o Iscariote) ao
meloso João, passando pelo odiado publicano, coletor de impostos?
Para a empreitada que tinha em mente não teria sido mais
lógico e prudente escolher uma elite de estudiosos, oradores, teólogos e
renomados religiosos? Não teria sido melhor começar seu ministério a partir da
capital nacional e religiosa, Jerusalém? Não teria sido estratégico fazer
aliança com os sacerdotes?
A opção periférica do ministério de Jesus é acessória ou é
essencial? Ainda que os evangelhos mostrem enfoques diferentes sobre a obra e
ministério de Jesus, todos concordam com sua origem a partir de uma família
simples, morando em lugares sem expressão, iniciando o seu ministério com
alguns também sem expressão social, fazendo curas e milagres em lugares
pequenos e sem capacidade de grande repercussão.
Estas considerações me vêm à mente por causa de uma plêiade
de coisas. Vejo uma fascinação de certos líderes religioso pelo grandioso, pelo
poder, pela exposição midiática, pelas construções faraônicas. A vitalidade de
uma igreja se mede pela quantidade de horas de televisão que tem, pelos metros
quadrados de construção, pela quantidade de gente reunida, pela arrecadação.
Parece que o exemplo que Jesus deixou da bacia e da toalha,
lavando os pés aos discípulos, não tem lugar neste universo de pompa e
circunstâncias. O amor ao próximo na sua necessidade deu lugar ao amor à
estrela do momento. Gastam-se fortunas para ir ver o “cantor gospel do momento”,
para produzir Marchas para Jesus. A vida cristã é feita de empolgação e nada de
instrução. Vale o que se sente e não o que se pensa e crê.
Há quem creia que a igreja está bombando porque tem uma
esposa do presidente que é membro de uma igreja batista, porque um dos
deputados mais próximos é o Marcos Feliciano, o Silas Malafaia é amigo, que o
presidente mencionou que deve haver um evangélico no STF, que a bancada
evangélica é composta por mais de 90 deputados e senadores, que há chances de
que o novo presidente seja evangélico, etc.
O cerne do evangelho que é amar a Deus e ao próximo como a
si mesmo. Isto está, há muito, na berlinda da prática cristã. Busca-se a homogeneização
das práticas “litúrgicas” (ainda que eu tenha meus pruridos em dizer que o que
se faz é algo parecido à liturgia), uma busca acelerada por algo que seja
“diferente” na concepção da “doutrina”. A máxima é a do surfista: o que importa
é estar na crista da onda.
O recente episódio em que um pastor esfaqueou o outro por
desavenças quanto a posições bíblicas divergentes, no que pese ser um ato
isolado, é sintomático da dificuldade em conviver com o diferente. Se pudessem
interfeririam na escolha feita por Jesus de apóstolos tão diferentes. O certo
seria ter um grupo coeso, unido, marchando ao passo marcado pelos princípios
bíblicos.
A ortodoxia deve ser buscada, entendida como todos afirmando
as mesmas coisas e se reunindo nos mesmos horários e nos mesmos locais. Para o
diferente, o inferno!
Marcos Inhauser
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quarta-feira, 29 de maio de 2019
SOU IDEOLÓGICO!
Nas caminhadas da vida e pelas bibliotecas e livros, aprendi algo sobre ideologia que gostaria de compartilhar. Reconheço que é difícil dar uma definição exata. Para se ter uma ideia, um dos estudiosos de Karl Marx encontrou mais de trinta significados diferentes para a ideologia apenas nos escritos de Marx. Como já disse alguém, não há nada mais ideológico do que falar de ideologia. Existe um universo tão grande de afirmações sobre o que se refere ao ideológico que, por razões didáticas, quero levantar alguns níveis de ideologia.
A primeira delas é a ideologia do pressuposto, que é o conjunto de conhecimentos que se tem e que é determinado e condicionado histórica, política e socialmente e que serve como ferramenta para interpretar coisas e eventos. Ninguém analisa nada, nem conclui nada, se não fizer parte de determinada informação prévia. Eles são os "pressupostos". O que eu suponho determinará o que concluo, porque, dependendo dos instrumentos com os quais trabalho para revelar, compreender, julgar, tenho o resultado do meu julgamento. Esta ideologia é formada pelo conjunto de valores que se tem, fruto de interações com o meio ambiente, seja ele educacional (prioritariamente) ou não. Só não tem ideologia o sujeito totalmente imbecil e idiota.
Há outra ideologia: a ideologia da visão de mundo. É sobre o conjunto de conhecimentos que temos, as ideias, julgamentos e valores que determinam o nosso modo de ser, de agir. A ideologia do "pressuposto" determina a "ideologia da visão de mundo". Somos o que somos baseados no que temos como instrumentos de análise, como um produto histórico por pertencermos a uma sociedade histórica e geograficamente situada. Pensamos e atuamos de acordo com este momento e a cultura da qual dependemos. A ideologia de pressuposição, determinada pelo momento em que vivemos, determina nossa ideologia de visão de mundo, que se adapta em termos gerais à ideologia dominante do contexto em que nos situamos.
Outro tipo de ideologia é a da imposição. É o que aceitamos e que queremos impor aos outros. Essa "imposição aos outros" deve-se ao fato de que acreditamos que nossas verdades são melhores que as do outros, ou que nossas verdades, quando aceitas pelos outros, determinam que temos mais espaço de poder, de gestão, ou queremos manter o espaço que já temos.
Assim, a ideologia é um conjunto de verdades relativas: é a verdade de alguém. A burguesia tem sua ideologia de pressuposto, visão de mundo e imposição e é uma verdade para eles. É uma verdade a tal ponto que eles querem impor isso a todas as pessoas, porque isso as leva a consolidar suas pressuposições, que eles acham que deveriam ser mantidas. O imperialismo, marxismo, liberalismo ou seja o que for, têm sua ideologia de imposição na medida em que querem ter e manter o poder, segundo a verdade que sustentam.
É impossível alguém ser a-ideológico e nada mais ideológico que ser anti-ideológico. Descobri que mentes analfabetas de conceitos, chamam de ideológico tudo aquilo que o outro pensa e que é diferente do que o imbecil “pensa” (se é que pensa).
A diferença é ideológica e, no fundo dever ser. A diferença é a contraposição de duas visões de mundo, duas ideologias. O problema está quando uma das partes, pela ingenuidade, falta de conhecimento ou imbecilidade, acha que o que ele pensa não é ideológico e só o que o diferente pensa é que está eivado de ideologia. Para estes se deve aplicar outro significado de ideologia: o discurso que busca esconder uma ideologia, ocultar intenções.
Por isto sou e assumo que sou ideológico: penso e argumento!
Marcos Inhauser
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quarta-feira, 22 de maio de 2019
RELACIONAL OU CONCEITUAL?
Estou no mundo da teologia há 47 anos. Estudei em alguns
seminários, dei aulas em outros, li um bocado, viajei e conheci as mais
diversas igrejas. Com tudo isto devo dizer com toda a sinceridade: sei quase
nada da teologia. Tem gente, especialmente um leitor que tenho, que nunca
estudou e que sabe mil vezes mais que eu e vive me espinafrando!
Confesso minha ignorância e minha incapacidade de ter
opiniões dogmáticas sobre assuntos pertinentes. Como diz um meme que recebi,
não estudei matérias filosóficas ou sociológicas: estudei as divinas. E quando
se estuda as divinas, se faz o trabalho de Sísifo, um personagem da mitologia
grega condenado a repetir ad eternum
a tarefa de empurrar uma pedra até o topo da montanha. Toda vez que quase
alcançava o topo, ela rolava montanha abaixo invalidando o esforço despendido.
Neste caminhar, durante muito tempo, acreditei que a vida
cristã consistia no entendimento, compreensão e ensino das verdades teológicas,
tal como expressada pelos grandes teólogos da Igreja. Estudei Agostinho, Erasmo,
Aquino, Lutero, Calvino, Zwinglio, Bultmann, Barth y outros. Quanto mais eu
lia, mais me confundia. Um diz uma coisa, outro diz outra, eles se contradizem
e eu me perco. Não achei um Waze ou GPS para o mundo da teologia! Quando achava
que estava chegando ao topo com minha pedra, lá ia ela, morro abaixo.
De “dono-das-certezas-bíblicas” passei a ser o “eterno-interrogante”
ou a “eterna-interrogação”. O jargão “a-Bíblia-diz” foi substituído pelo “eu-hoje-acho-que-a-Bíblia-diz”.
A verdade universal e absoluta cedeu para a posição subjetiva. O “impositor de verdades”
sobre os outros, pela autoridade da verdade que cria e ensinava, foi ocupada
pelo “professor do talvez”.
Você pode estar pensando: ele se perdeu, apostatou, está em
surto, ou qualquer outro diagnóstico teológico ou psiquiátrico que me queira
rotular. Olhando para trás e avaliando minha caminhada, digo com a sinceridade
que a natureza humana me permite: nunca estive tão bem.
Aprendi com os anabatistas que mais vale uma vida obediente
ao que entende da Palavra de Deus, do que a mil afirmações ortodoxas. Mais vale
poucos em comunhão que muitos em reunião. Mais vale alguns reunidos em nome de
Jesus que uma multidão reunida para ver uma estrela gospel. Mais vale poucos
obedientes que muitos contentes. Mais vale a instrução que o louvorzão. Mais
vale o serviço ao próximo que a confissão de fé.
Aprendi que a igreja se faz com relacionamentos e não com
doutrinas inflexíveis e descontextualizadas. Aprendi que a igreja deixa de ser
igreja quando houver alguém que a frequenta e que eu não sei o nome. O púlpito
vira palco quando há holofotes sobre ele, quando é necessário um telão para o
pessoal de longe ver o “iluminado” quem está pregando. A igreja deixa de ser
igreja quando ela gasta mais com manutenção, eletricidade, equipamentos de som
e vídeo do que com as necessidades do próximo. Quando ela ensina o amor ao
pastor e à denominação, quando o ensino enfatiza o amor a Deus e esquece do
amor ao próximo, quando exige compromisso total com o custo do amor próprio e à
família. Pede e perde mais tempo nas atividades da igreja que na atenção à
família.
Igreja é relação, comunhão, serviço, amor a Deus e ao
próximo. O que foge disto, seja anátema!
Marcos Inhauser
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