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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

FAZENDO HISTÓRIA


Com certeza você já ouviu ou pronunciou a frase: “estamos realizando um marco histórico”. Pode também ser uma frase assemelhada a esta. Fico estarrecido com a facilidade com que as pessoas acham que o que fazem se tornará fato histórico.
No final do ano um jovem me pressionava para que eu me posicionasse quanto ao então futuro governo do Bolsonaro e a indicação do Moro para o Ministério da Justiça. Eu dizia que não se podia fazer avaliações a priori e que os fatos relacionados à vida política se inserem no campo da história e que estes devem ser avaliados com algum tempo passado. Não se avalia fatos em cima dos atos, mas só o tempo pode dar uma dimensão mais clara da sua importância.
Sem querer atropelar este meu entendimento (que, diga-se de passagem, não é meu, mas o aprendi com outros), quero chamar a atenção para alguns fatos recentes e que poderão e deverão ser objeto de análises futuras porque tem o condão de serem marcos históricos na política brasileira.
Refiro-me à eleição no Senado da República. O Senado sói ser uma casa mais moderada, sem grandes arroubos, mesmo porque formada por gente mais velha e experimentada na vida e na política. Há quem diga que é um poder moderador. No entanto, o que se viu nas duas sessões para a eleição do presidente foi o teatro do horror, com direito a coisas impensadas para a casa senatorial.
A começar pela disputa sobre quem tinha o direito de presidir a sessão. O que estava em jogo eram as pretensões políticas de um raposa da política e com extensa ficha de denúncias de corrupção. Do outro lado, um do baixo clero, sem brilho próprio no tempo em que no Senado está, que, sabe-se lá por que e como, estava candidato, apoiado pelo Ministro da Casa Civil. Havia nesta postulação interesses vários e temo que nem todos republicanos, tal como também se dava com o outro lado da disputa.
A atuação histriônica e infantil da senadora Kátia Abreu é algo digno de nota e que também merecerá avaliação futura, quando os historiadores se debruçarem para avaliar os fatos. Quais os interesses motivaram a ex-ministra do PT a se atirar sofregamente sobre os papeis da presidência?
Neste caldo de fatos inusitados, merecerá também a atenção o papel do ministro do STF, Toffoli, que, mesmo tendo afirmado em seu discurso de início do ano judiciário que deveria ser respeitada a autonomia dos poderes, sem a ingerência de um sobre o outro, profere sentença monocraticamente anulando a decisão plenária do Senado. Qual a motivação que ele tinha em se negar e influir em decisão de outro poder? A história dirá.
Os historiadores também deverão se debruçar sobre a fraude constatada com a presença de votos fora do envelope padrão e com um voto a mais do esperado e regulamentar. Fraude em votação do Senado? Bem, não é a primeira vez e há que se lembrar do problema do painel eletrônico, quando Jader Barbalho e ACM estiveram envolvidos. Quem fez e porque fez, é assunto para historiadores.
Mais estupefaciente foi a decisão do Renan de, iniciada a votação e perceber que seria derrotado, retirou a candidatura porque não queria ter no seu currículo uma derrota acachapante. É o caso do menino dono da bola que, porque não gostou do gol marcado contra a sua equipe, vai embora e leva a bola.
Acho que não preciso esperar para dar meu veredicto (ainda que temerário): há grande chance de termos nos livrado deste câncer da política fisiológica.
Marcos Inhauser

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O VALE DA MORTE


O salmo 23 é um dos textos mais conhecidos no mundo e muitos o sabem de memória. Usando da metáfora do pastor e das ovelhas, traz algumas lições preciosas que tem sido de alento para muitos, especialmente em momentos de sofrimento.
Algumas coisas, no entanto, precisam ser destacadas para que este Salmo não diga o que ele não quer dizer e nem pode dizer. A primeira delas é que se trata de uma oração humana e não de uma promessa divina. Ainda que esteja na Bíblia e muitos a tomem como palavra de Deus, os Salmos, na quase totalidade, são orações humanas dirigidas a Deus. No caso específico do Salmo 23, mais que uma promessa de Deus de que “nada faltará”, que haverá “pastos verdejantes”, “águas tranquilas”, consolação no “vale da sombra da morte”, devemos entende-lo como desejo e súplica humanas. Quando estamos no sufoco, no vale da sombra da morte, queremos ser guiados para águas tranquilas e comida farta.
Com certeza, este Salmo está sendo recitado, clamado, e tem provocado muitas lágrimas ao lê-lo, especialmente pelos que estão diretamente relacionados com a tragédia de Brumadinho. Estão todos no “vale da sombra da morte”, assim como estiveram os moradores de Mariana.
Com o perdão do trocadilho, ocorre que a Vale é a sombra da morte e nela não há conforto algum, haja visto que até hoje ninguém responsável pelo desastre de Mariana foi punido, as famílias continuam sem ter onde morar e as desculpas se multiplicam. Agora vem o vale de Brumadinho que se transformou em vale de morte por incúria da Vale.
Neste turbilhão de fatos, notícias, opiniões, pareceres, diagnósticos de especialistas, percebe-se por parte de gente mais proximamente relacionada aos fatos que há uma batalha de palavras. Uns falam de tragédia anunciada, outros de tragédia, outros que foi um acidente e há quem tenha o desplante de dizer que foi um incidente. Vem o outro dizer que a barragem estava inativa há três anos, que há laudo de setembro atestando a estabilidade do sistema, que havia planos de fuga, etc. Nada disto é “vara e cajado” que consolam. A Vale é especialista em pegar os pastos verdes e entregar às suas ovelhas os dejetos da grama que come. Onde a Vale está, as águas não são tranquilas, mas vales de morte. Mariana e Brumadinho vão competir com o vale egípcio onde se enterravam os faraós: aqui vai ter muitos mais corpos sepultados.
Se Deus é onipresente, a Vale tem seu sentido de onipresença, porque está por toda parte, especialmente em Minas Gerais. Ela foi uma benção (dádiva) gestada pelas privatizações do governo FHC, vendida na bacia das almas a preço irrisório. O que era para ser um Vale de Benção se transformou em cemitério.
No marketing da empresa divulgados recentemente se fala da Vale com o abuso do prefixo “re”: reinventar, redescobrir, etc. Faltou falar de “reincidir”. A Vale vem se mostrando especialista em reincidir nas práticas delituosas e criminais de morte no atacado e crime ambiental. Acho que a Vale não se recupera. Tá viciada no lucro a qualquer custo, mesmo que sejam vidas humanas.
Haverá algum consolo para os que foram afetados? Haverá cajado (disciplina) para os responsáveis? Eu de minha parte, baseado nos fatos anteriores, não tenho esperança.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O FALAR A AMIGOS E INIMIGOS


Há duas máximas que as aprendi na juventude e que me marcaram muito, servindo como parâmetros para minha vida.
A primeira me foi ensinada em sala de aula, ainda na adolescência, pelo professor Luisão, quem, mais que um professor de matemática, era um amigo dos alunos. Ele nos aconselhou dizendo que quando a gente está diante de uma pessoa que quer nos incriminar ou julgar e ela faz perguntas, nunca se deve responder completamente à sua pergunta. A sua máxima era: “diante da pergunta do inquisidor, sempre dê a resposta pela metade”. Ele justificava esta sua orientação dizendo que quanto mais se fala, mais estaremos dando munição ao oponente. Constatei isto durante minha vida.
A segunda eu a aprendi em uma situação não muito agradável, mas que me marcou profundamente. A máxima aprendida foi: “Ao amigo não é preciso explicar, ao inimigo, não adianta explicar”. A razão para este procedimento é que o amigo, verdadeiro amigo, não precisa de explicações para continuar seu amigo. Ele entende, ele apoia, ele quer te ver saindo para frente. O inimigo, por outro lado, nem com mil boas e fundamentadas razões vai se convencer. E não se convence porque já tem opinião definida.
Ao ler certas passagens da vida de Jesus, quando foi ele inquirido por seus opositores, assumiu a posição de falar o mínimo possível. Quando lhe perguntaram se era lícito pagar tributos a César, laconicamente respondeu: “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Quando curou o paralítico trazido pelos quatro amigos, mencionou o perdão dos pecados ao que foi censurado pelos doutores da lei. Outra vez, laconicamente, disse: “o que é mais fácil fazer? Perdoar pecados ou dizer toma teu leito e anda”? Diante de Pilatos, ao ser perguntado se era filho de Deus, ele foi ainda mais comedido; “Tu o dizes”.
Há uma terceira máxima que aprendi na caminhada: quando uma pessoa explica uma coisa e volta a explicar e explica pela terceira vez, as explicações são falaciosas. É uma tentativa de convencer pela insistência na repetição da história. Quando você analisa com cuidado as narrativas repetidas, percebe que cada uma delas acrescenta algo mais, que, não raro, atropela os fatos. A Lava Jato e seus depoimentos são exemplo desta máxima. Algo me diz que as explicações do Flávio Bolsonaro se enquadram neta máxima. Cada explicação dada tem levantado mais dúvidas que esclarecimentos.
Estas considerações me levam a lembrar um cartaz pregado na parede, muito mal escrito e que estava na tipografia em que trabalhei: “Nunca vi um ganhador em uma discussão”. Acho que foi neste contexto que o sábio veterotestamentário disse: “O falar é prata, mas o calar-se é ouro”. Há sabedoria no falar pouco, no silêncio.
Li uma enquete com respostas à pergunta; O que é luxo? Uma das respostas foi: “o silêncio é luxo e este luxo poucas pessoas sabem desfrutar.”
Silenciar-se diante do oponente ou do inimigo não é fraqueza, é estratégia. O opositor não sabe lidar com o luxo e a sabedoria do silêncio.
Marcos Inhauser


quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

AMIZADE NÃO É IOGURTE

Uma das coisas mais preciosas do ser humano é ter amigos. Ainda que outras espécies animais tenham seus relacionamentos, façam suas alianças e vivam em bandos ou grupos, falta-lhes a capacidade de ter e ser amigo. Amizade é algo divino, algo que tem a ver com a Imago Dei que o relato da criação diz que temos. Muito já se discutiu e se refletiu sobre o significado desta imagem e semelhança de Deus em nós. Há quem diga que é a nossa conformação trina (corpo, alma e espírito), há quem diga que é o desejo da adoração do ser superior que só os humanos têm, outros afirmam que é a capacidade humana de estabelecer comunicação em nível superior. Outros dizem que é a capacidade humana de planejar, de pensar no futuro, de mudar a cultura e interferir na história. Tenho pensado que é a capacidade humana de se relacionar em níveis altruísticos e estabelecer laços afetivos não erotizados.
A amizade se inclui nisto. Ela é algo indefinível na sua totalidade, mas experienciável em sua plenitude. Ela é algo que não é como iogurte que tem prazo de validade curto. Ela não é namoro e acho que é mais sublime que ele. Ninguém pede alguém em amizade, tal como ocorre no namoro, noivado ou casamento. A amizade tem geração espontânea: acontece! Não busca a reciprocidade: ela é doação incondicional. A amizade não é ciumenta, nem grudenta, nem supervisora, nem asfixiante. Ela é amizade e ponto final.
Amigos não precisam se ver a toda hora. Basta saber que são amigos e que um pode contar como outro sempre que precisar. Ela é uma relação bilateral de ajuda, onde o equilíbrio do dar e receber é uma constante. Amigo que só explora, que é folgado, que “encosta”, que não se dispõe a dar sua cota, é chupim e não amigo. Amigo enriquece pelo que traz de conteúdo e conhecimento à relação. Ele ensina e aprende com a relação.
Não há divórcio nem separação de bens na amizade. Se algo acontece e ela é rompida, cada qual vai para o seu lado e as coisas se acertam. Podem ficar algumas rusgas, mas nunca soube de um processo por danos e perdas porque uma amizade terminou.
Amizades são como carvalhos: árvores longevas que sempre têm sombra para aninhar os cansados. Pode haver tempestade, ventos fortes, muita trovoada, mas lá está o carvalho. Assim é o amigo. Amizade é como vinho: vai pegando mais sabor com o tempo. A idade adoça as amizades, tira o adstringente, acrescenta o amaderado. A amizade não exige encontros constantes: o amor, se não está em constante contato com a pessoa amada, esfria. A amizade não. Ela se mantém.
Velhos amigos não são, necessariamente, os amigos velhos, ainda que a relação tenha certa constância. Amizades existem para durar. Feliz a pessoa que tem amigos de longa data. O tempo pode tirar de nós algumas amizades, porque somos finitos. Perder um amigo é perder alguém que é mais que um irmão. Bem diz a Bíblia que há amigos mais chegados que um irmão. Cultivar e celebrar as amizades é sinal de sabedoria!
Ontem soube que um grande amigo, o Gerson Urban, está na UTI em estado grave. Levei um baque! O Gersão é destes amigos que nos falamos de tempo em tempo e, quando nos encontramos, é uma festa. Doeu saber da saúde do Gersão. Mas também foi o aniversário do Christian, outro amigo de longa data. Poucos nos temos falado e encontrado, mas sei que a amizade não se definhou, antes, o respeito de um para com o outro cresce cada vez mais.
Aos meus amigos (que não são poucos), a minha gratidão por este amor que é ágape!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

DEPRESSÃO VIRTUAL


Em  conversas com amigos e lendo em noticiosos, percebo que há uma generalizada debandada das redes sociais. Parece que a coisa saturou. Ouvi de mais de um que é muito tempo gasto para nada. O que estão dizendo é      que nas redes sociais, se a pessoa quer ler e responder ao que chega, gasta muito tempo e nada ou quase nada é acrescentado ao conhecimento.
As redes são o palco de uma miríade de platitudes, lugares comuns, obviedades e senso comum. Não é para menos que seja terreno propício para as Fake News porque as pessoas consomem o que leem e repassam, sem um olhar crítico.
Não sou afeito às redes e já escrevi que, por vezes, me sinto jurássico por não estar em dia com estas novidades tecnológicas. Uso o Facebook para postar a minha coluna, tenho o Whatsapp para me comunicar com uma dúzia de amigos, um ou dois grupos e nada mais que isto. Confesso que já tive mais gente no meu Whatsapp, mas percebi que me enviavam tanto lixo que bloqueei. Tinha quem me mandasse dez ou mais memes por dia!
Era muito tempo lendo lixo, mais tempo ainda limpando o lixo nos arquivos baixados. Não ganhei um centavo com o que recebi da maioria das postagens, mas preservo alguns contatos porque estes, sim, ainda que de forma esporádica, me enviem coisas interessantes e instrutivas.
Pesquisas têm revelado uma forte tendência de declínio no uso do Facebook, Whatsapp, Instagram e outras. Tanto assim que o Whatsapp, por razões de evitar a disseminação de notícias falsas, já limitou o envio de mensagens para não mais que 5 contatos (o que celebro).
O uso político destes apps também tem contribuído, especialmente porque gerou tensão e atritos, inclusive dividindo famílias e rompendo amizades. A presença dos haters e a facilidade com que agridem algo postado e a pessoa que postou, pode ser outro elemento causador desta tendência.
Mas o afastamento das redes vem acompanhado ou é precedido de um sentimento de desmotivação, de tristeza, de falta de esperança. Tenho ouvido de gente que, por ter sido rudemente atacada por causa de uma foto postada, algo escrito ou opinião dada, entram em crise. As redes são espaço fácil para destilar ódio. Vi uma foto postada por uma mãe com sua filha e vários comentaram com as afirmativas comuns: lindas, duas gatas, maravilhosas. Mais à frente o marido postou: mocreias!
Este exemplo é paradigmático dos dois polos: afirmativas positivas pelo uso de expressões que não dizem nada (gatas, lindas, maravilhosas) e que são a grande parte dos comentários e as expressões agressivas, despropositais, amargas, biliáticas. Estas, ainda que, no mais das vezes usem frases useiras e vezeiras, ferem, machucam, ofendem. As primeiras não elogiam ao ponto do ego se sentir massageado (salvo para os narcísicos patológicos) e as segundas, ofendem profundamente e levam as pessoas à depressão virtual, mas tão real quanto a depressão tal como é conhecida.
Se a justiça reconheceu há pouco um caso de estupro virtual, por que não também o de depressão virtual? Se os pedófilos e caluniadores podem ser processados pelo que postam, por que não também os que produzem tristezas e depressão pelas amarguras destiladas nas  redes?
Para mim nada substitui o canto físico, o olho no olho, a conversa ao redor da mesa, as gargalhadas, o riso e as lágrimas das recordações. Rede social para mim é o tempo que desfruto do cafezinho com o Samuel, a pizza com o Daniel, a conversa com o Alexandre, as aulas privativas com o Zé Lima, os comentários sobre as leituras de livro que fazemos eu e o Silvarinho. Tantas outras experiências maravilhosas poderia citar, mas o espaço não permite e nem por isto, meu amigo e amiga, não se sinta excluído.
Marcos Inhauser

ESPERANDO RECOMEÇOS

Já escrevi aqui que deve ser chato ser Deus porque nada é novo ou diferente para Ele, nada pode maravilhá-Lo. Ele sabe de tudo, criou tudo.
Mas há um outro elemento que me inquieta neste final de ano. Deus, porque é Deus, não pode nem pôde nunca recomeçar algo. Ele faz tudo tão certo que não há necessidade de refazer. Ele não precisa aprender com os erros porque, segundo a definição, é impossível que Ele erre.
Fiquei me imaginando no lugar de Deus e não posso dizer que gostei. Uma vida certinha, sempre fazendo tudo tão correto, certo e perfeito me cheirou algo meio cansativo (há uma expressão melhor no espanhol: aburrido).
Pense nisto: ficar a vida toda sem a possibilidade de recomeçar a fazer algo, sem a possibilidade de aprimorar na segunda vez o que se fez na primeira, de dar um toque especial.
O fato de fazer tudo certo já na primeira vez não exige que a vida tenha recomeços. Recomeçar é característica dos seres criados, dos humanos e animais. A necessidade de recomeçar, de ter a esperança de que na próxima vez será melhor, é coisa tipicamente humana. Deus não precisa disto. Deus não tem esperança porque espera quem não tem todas as condições de realizar o que quer que aconteça.
Deus não tem a limitação do tempo. Os entendidos e definidores de como Deus é dizem que Ele é um ser atemporal, ou seja, que não está afeito às condições do tempo. Por isto também o definem como eterno, sem princípio nem fim de dias. Não teve começo e não terá fim. Deus não se rege pelos meses, estações, luas, anos, séculos ou milênios.
Isto é coisa aqui do “andar de baixo”. Nós precisamos de uma noite para descansar (Deus não descansa, ainda que a Bíblia diga que Ele descansou e mais tarde Jesus contradiz isto dizendo que Ele e o Pai trabalham até agora). Precisamos de uma noite para renovar forças e esperanças. O salmista, afirmando algo que todos gostamos de acreditar, diz: o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.
Os dias terminam com a entrada da noite e isto é o recomeço. A noite termina com a entrada do dia e isto é recomeço.
Recomeçamos com as trocas das luas, com a entrada das estações, com a mudança dos meses, com a entrada de um ano novo. Precisamos destes recomeços, porque vivemos de esperança. E esperamos que amanhã seja melhor, que o próximo verão seja mais ao meu gosto, que no próximo Natal toda a família esteja reunida, que no próximo ano seja promovido ou ganhe mais, etc. e tal.
A vantagem de ser humano é esta capacidade de recomeçar, de aprender com os erros e acertos da vida. A beleza da vida é a esperança, coisa típica e maravilhosamente humana. Quem não espera, morre.
Esperar contra toda a esperança foi a grande obra de Abraão, o pai da fé. É esperar o que nos caracteriza nestes dias de expectativa com o novo ano, novo governo, nova Câmara, novo Senado, novos ministros. Queremos dias melhores, com mais empregos, melhores salários, relações mais prazerosas, casamentos mais felizes, sentimento de realização, mais abraços, mais beijos, mais compreensão, etc.
Marcos Inhauser 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

NA RESSACA DO NATAL


Acaba mais uma celebração de Natal. Os mais puristas dirão que lá se vão mais de dois mil anos de celebrações. Outros, mais atentos e analíticos, questionarão, considerando que não há indícios de celebração do Natal nos primórdios da Igreja e que mesmo a data do nascimento nunca se conseguiu precisar e o que se celebra é uma convenção.
Há quem coloque o início das celebrações no século IV, a partir da figura de Nicola, nascido em Pátara – Ásia Menor, figura reverenciada por diferentes tradições cristãs. Com idas e vindas na história de Nicolau, que acabou virando santo e bispo de Myra, a tradição de São Nicolau, que envolvia o distribuir presentes na noite de natal, se expandiu pela Europa no século XII. Quinhentos anos depois, os holandeses levaram esta tradição aos Estados Unidos, e também se difundiu por toda a América Latina.
Inicialmente Papai Noel distribuía os presentes montado em um cavalo. Mais tarde o escritor Clement Moore  colocou o São Nicolau em um trenó puxado por renas. Mas foi a Coca-Cola quem, em 1931, fez uma campanha natalina, onde o personagem ganhou roupa vermelha, barba e enorme barriga.
Muito se escreveu criticando esta celebração do Natal onde o Papai Noel tem maior importância que o nascido, onde os presentes falam mais alto que a mensagem do nascimento de Jesus, a comilança toma espaço da fraternidade.
Há, no entanto, algumas coisas que devem ser consideradas depois que a festa acaba. Não há na cultura brasileira e, quiçá, na cultura ocidental, outro evento social que produza mais encontros familiares e de conhecidos, que promova mais tempo à mesa, mais confraternização, mais generosidade, mais perdão que o Natal. Que outro momento se tem tanta gente saindo de suas casas para visitar pais e parentes, para ter um tempo em família? Que outro evento provoca mais tempo à volta de uma mesa para uma refeição comunal? Talvez alguns citem o Thanksgiving estadunidense, mas ele tem um demérito: parte da tarde todos se sentam à frente da televisão para ver o Super Bowl. No Brasil e América Latina nem futebol tem. A televisão é de uma pobreza indescritível e o melhor é ficar conversando que ver o que passam.
Que outro evento produz mais giro no mercado, mais movimentação nas lojas, mais generosidade nos presentes, mais empregos, mais desejos de felicidade mesmo expressos a desconhecidos? Que outro evento produz mais gente engajada em solidariedade distribuindo presentes e comida aos mais necessitados, cânticos corais com apresentações nos mais variados espaços? Que outro evento inspirou tantos compositores a compor músicas, algumas que são obras primas da humanidade, como, por exemplo, o Aleluia de Haendel?
É verdade que houve quem bebeu e se excedeu no Natal. É verdade que tem gente de ressaca hoje. É verdade que tem gente que vai levar alguns meses para pagar os presentes que comprou e outros a comida que colocou sobre a mesa. Mesmo assim, nunca vi alguém reclamar da celebração do Natal. Há algo de mágico nele e sua comemoração. Tenho para comigo que o mágico é a mesa. O comer juntos é a prática mais antiga da humanidade. Já li o Yuval Harari, o Reza Aslam, o Domenico de Masi em suas incursões sobre a história da humanidade. Não vi neles uma ênfase no comer juntos como elemento formador da comunidade, ainda que isto seja tão antigo como o ser humano. Comer juntos é compartilhar, é dar do que se tem, é beneficiar o outro com o alimento. Isto também se faz no Natal e assim se retoma a prática mais antiga da humanidade!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

JOÃO! DE DEUS?


Há notícias que impactam e que não entendo por que elas têm este poder, uma vez que se tratam de coisas corriqueira. Há outras que, pelo inusitado, se transformam em sensações jornalísticas (a águia que fez ninho na janela de um apartamento na área do Central Park). Há as que nos estarrecem pela violência dos fatos (o caso do Tsunami nas Filipinas), pela crueldade (o caso da morte e emasculação do jogador de futebol), pelo volume do dinheiro envolvido (as descobertas da Lava Jato), pela constância na prática do crime (o ex-governador Sérgio Cabral) ou pela imprevisibilidade (o massacre na Catedral de Campinas). Muitos mais exemplos poderiam ser dados para exemplificar o que afirmo.
Estamos, nestes dias, diante de notícias que a cada dia nos estarrecem pela antiguidade da prática delituosa, pela quantidade de acusações, pelo tempo em que demorou para que viessem à luz, pelo abuso da autoridade religiosa e pela natureza dos crimes. Falo dos fatos relacionados ao João, indevidamente alcunhado de João de Deus.
Para mim, o problema começa com a alcunha: de Deus. Isto o elevou a um patamar de divindade, de alguém acima dos normais, de um quase deus. Se se prestar atenção às acusações agora feitas, perceber-se-á que muitas das mulheres dizem que não o denunciaram para não prejudicar a obra que ele fazia, que ele era idolatrado pelos seguidores, que ninguém acreditaria no que contassem. Nem mesmo uma juíza e promotor acreditaram no relato de uma abusada, e arquivaram a denúncia por falta de provas (queriam fotos ou vídeos que provassem?). Se era tido neste plano superior, suas ameaças de que a doença voltaria se contassem do abuso, que os demônios as atacariam ganhava foros de verdade, sem diminuir a grau de chantagem.
Neste exercício de poder há um desequilíbrio entre o religioso e o fiel. Cito aqui o que já escrevi anteriormente nesta coluna (Poder Divino): “... estudos feitos sobre os casos de violência sexual sempre mostram uma relação desigual de poder, onde os abusadores, no exercício de suas autoridades, impõem suas vontades sobre as partes mais fracas. Também afirmava que, no campo do religioso, esta desigualdade do poder se estabelece quando o religioso se apresenta como revestido de “autoridade espiritual”, o que facilita a investida sobre a presa de sua sanha sexual. Uma “cantada” de um religioso é mais efetiva que a de um cidadão normal. Há nisto a mística de estar se relacionando com o sagrado, com alguém mais próximo de Deus, uma elevação espiritual pelo sacrifício da entrega do corpo, de orgasmo mais pleno porque feito com a santidade. Há o caso (sem o mesmo destaque na mídia) de pastor que Deus revelou que as mulheres dos membros da Diretoria da Igreja deveriam ser acessíveis e acabou sendo flagrado no escritório pastoral com uma delas.”
No caso do João Abusador havia o argumento de equilíbrio das energias, de transferência, via genital, de energia para a cura e outras abobrinhas. Insaciável, até uma filha acusa o pai.
Não é para menos que, até o momento em que escrevo esta coluna, pelo menos 506 mulheres já ofereceram denúncia contra o João Abusador. No entanto, pasma-me o instituto da prescrição da punibilidade por ter decorrido algum tempo. A dor das abusadas, violentadas e estupradas não prescreveu. As lágrimas são atuais, a dor é diária, o sofrimento ininterrupto. É justo não aceitar denúncias porque feitas depois de seis meses? Dos 506 casos conhecidos sobrará um caso. É isto mesmo que entendi?
Marcos Inhauser


quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

GERAÇÃO INÚTIL


Você certamente já ouviu falar da Geração Nem-Nem: nem trabalham, nem estudam. Escrevi em minhas últimas colunas sobre a geração que não tem vocabulário porque não leem e, em função disto, usam emojis e memes para tentar dizer o que pensam ou sentem. Curtos de vocabulário, sabem apertar teclas e tocar telas.
Eu já tinha ouvido algo parecido a isto quando trabalhei com treinamento em uma fábrica que contratava centenas de jovens para trabalho temporário, com duração de seis meses. Nos primeiros cinco trabalhavam razoavelmente bem, mas no sexto já encostavam o burro na sombra. Demitidos ao final do contrato, ficavam pendurados no seguro desemprego por mais uns seis meses. Ouvi mais de uma vez dos supervisores destes jovens de que se tratava de uma geração perdida. O assunto deles era só balada e bebedeira.
Mais tarde ouvi de uma professora universitária preocupada com a quantidade de alunos que entravam na sala de aula, assinaram a lista de chamada e saiam para ir beber no bar em frente à faculdade. Não queriam saber de estudar e a escola era o pretexto para sair de casa.
Com as recentes mudanças nos perfis das vagas de trabalho, que exigem mais conhecimento e habilidades comunicacionais, relacionais e trabalho em equipe, uma parcela da nova geração está ficando à margem dos processos seletivos. Tenho para comigo que dentre os 14 milhões de desempregados, há grande parte formada pelos desprovistos de mínimas habilidades relacionais e comunicacionais. Gente inútil desde o ponto de vista funcional.
Por algumas vezes fui solicitado por amigos para dar uma garibada em currículos de filhos ou amigos. No mais das vezes continham erros crassos de português, falta de sentido nas frases ou estava pavoneado: inglês básico, curso de Word e Excel. Se nem sabiam lidar com o idioma materno, como esperar que soubessem inglês?
Dia destes vi um presidente de multinacional sentado no seu escritório olhando CVs para seleção de uma funcionária para um determinado cargo. Olhei para o CV e vi que nas telas (haviam duas conectadas ao mesmo tempo) do computador estavam abertas, uma no Facebook, outra no Instagram. Antes que eu perguntasse, ele me disse: o currículo está bom, mas o que escreve no Face e Instagram é horrível. Alguém fez este CV para ela.
Certa feita, em uma viagem de Rio Verde a Campinas, uma moça sentou ao meu lado e puxou conversa. Nova, tinha ido visitar o noivo e estava para casar em poucos dias. Morava em uma cidade muito pequena, onde emprego era raridade. O pai era agricultor e ela falava muito mal, comendo os “s” e errando em todas as concordâncias. Ela me disse que ia casar e que iriam mudar-se para a cidade dela para ajudar o pai. Do nada ela me disse que ela queria estudar inglês e o que eu achava disto. Perguntei qual o emprego na cidade dela requeria inglês, ao que me respondeu: nenhum! Eu disse a ela que seria melhor estudar o português antes de se aventurar em outro idioma, porque este aprendizado exigia bom conhecimento da língua materna. No meu entender, ia gastar dinheiro para nada.
Fico a pensar o que será desta gente quando tiverem seus 35 anos de idade, a crise da meia idade bater à porta e sem perspectivas de futuro! Sem INSS, sem plano de saúde, sem salário para comprar o básico, dependentes dos pais, sem sonhos e, especialmente, sem realizações. Não terão história para contar! Inúteis sociais!
Dá para entender porque o consumo de drogas está aumentando!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

PESSOAS INSÍPIDAS


Aconteceu de novo! Estava na casa de uns parentes e lembrando de coisas passadas, quando veio à tona a lembrança de um fato que envolveu um pastor que visitava a cidade. Ao lembrar dele, recordei-me do filho que estudou comigo e que nunca mais havia lembrado que ele tinha passado pela minha vida. Entrei em contato com outros colegas do mesmo tempo que também estudaram conosco e também não se lembravam, nem tinham notícia dele.
Foi uma pessoa insípida: passou, conviveu e não deixou nenhum sabor de sua passagem. São pessoas que passaram em “brancas nuvens e em plácido repouso” foram colocadas no esquecimento. Morrem na lembrança porque não viveram na convivência.
A passagem delas foi sem nenhuma contribuição, sem benefício para os circundantes, sem ensino passado, sem marcar em algo que tenham dito ou feito. Olhando para trás percebo que o assunto delas era muito reduzido, limitando-se a falar de futebol, contar piadas, falar de doença, reclamar da vida. São doutores em falar obviedades. Têm PhD em Mesmice. Não tem assunto porque nunca leram um livro, não leem jornal, não se atualizam, têm vocabulário limitado. Costumo dizer que estas pessoas não têm “cabine pressurizada”: é só levantar voo na conversa e começam a ter dor de cabeça pela falta de oxigênio (neurônios).
Uma das primeiras colunas que escrevi para o Correio Popular (Somos Água) eu dizia que uma vida significativa se mede pela quantidade de água (lágrimas) derramada na hora da morte e que o epitáfio mais cruel da história é a do rei bíblico que “morreu e não deixou saudades”. Há quem nem na vida dos filhos fez diferença, ao ponto de uma filha me pedir para não falar alto durante a cerimônia de sepultamento do pai porque, se ele estivesse só dormindo e acordasse, ela não ia levá-lo de volta para casa!
Tenho estudado o fenômeno e tenho pensado que as pessoas que passam e marcam a passagem são aquelas que foram significativas porque tiveram alguma destas ações. Marcam a passagem as que nos ensinaram algo que nos ajudaram em um momento concreto, supriram a falta de um conhecimento específico. Lembro-me com clareza onde e quem foi que, diante de uma dúvida quanto ao significado da palavra inglesa foreigner, me ensinou o significado.
O segundo grupo é formado por aqueles que nos deram um norte para a vida, que nos ajudaram a encontrar uma profissão, que nos ajudaram a ter um sonho. Agradeço ao “seo Lineu” quem me chamou à sua casa e me disse, entre outras coisas, que eu devia me dedicar ao ensino. Foi o que fiz a partir daquela conversa.
O terceiro grupo é formado por aqueles que, em momento de crise pessoal, nos ouviram e, muitas vezes com uma só palavra ou frase, levantaram a nossa cabeça. Assim fez o Lauro quem me fez lembrar de um trecho dos Salmos: “as lágrimas podem durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”. Outro me disse que “depois do dilúvio sempre há um arco-íris”.
O quarto grupo é daqueles que, diante de uma necessidade financeira ou de conhecimento, se dispuseram a investir na nossa vida. Lembro-me do Adilson quando, tendo ido à faculdade com os últimos centavos que tinha, estava disposto e voltar a pé para casa, percorrendo uma distância de uns 10 km. Ele apareceu e se ofereceu a me dar uma carona, sem saber da minha dificuldade. Ele me deixou na porta de casa. Alguns dias depois contei a ele o que tinha acontecido e ele me afirmou que tinha decidido não ir à aula naquele dia, mas que foi porque, em certo momento, percebeu que tinha errado o caminho de volta para casa e estava indo à faculdade.
Marcos Inhauser