Quem me lê nesta coluna que escrevo há mais de 17 anos, já leu esta minha afirmação, feita mais de uma vez: “o senso comum é a expressão da idiotice, porque é a somatória das afirmações feitas pelos que não pensam, mas repetem o que ouviram sem refletir no que ouviram ou repetem”. Também já devem ter lido que tenho minhas dificuldades com acreditar naquilo que a maioria acredita, pois, aprendi muito cedo na minha vida, graças à professora Margot Proença, que devo sempre perguntar sobre tudo o que ouço. Acredito no efeito manada, que faz com que alguns touros saiam correndo e a manada toda, sem saber porque, também corre. É o processo de indução comportamental em grandes aglomerações, onde, sem razões, todos se apavoram e passam a ter comportamentos até autodestrutivos.
Decorre disto a minha dificuldade em ver filmes premiados com o Oscar, ler best-sellers, duvidar de pesquisas que dão uma grande margem de diferença entre o primeiro e o segundo e, em segunda opção, duvidar do que está melhor colocado nas pesquisas. A lição da Margot está sempre na minha mente: questione tudo! E é isto que procuro fazer.
Levando para o campo da teologia e da eclesiologia, tenho minhas dificuldades com as estrelas midiáticas do mundo gospel, com os aplaudidos e idolatrados cantores, com pregadores incensados, com igrejas monumentais onde a maior virtude é ser grande. Conheço muitas delas em alguns países da América e Ásia e constatei in loco a minha suspeita. Minha definição para igreja é: “qualquer comunidade que tenha alguém que os demais não sabem o nome e nem quem é, deixou de ser igreja”. Não acredito que uma reunião de 1.000 ou mais seja igreja. Pode ser plateia. O essencial do ser igreja é a comunhão e isto implica em “comum+união” e não é igreja onde as pessoas entram e saem e não conhecem e nem são conhecidas. Para mim, a promessa de Jesus de Ele estaria onde estivessem dois ou três é altamente significativa.
O conceito de remanescente fiel, presente no AT e o Apocalipse tem sido descartado porque atenta para a onda do tamanho, do gigantismo, do efeito manada onde todos correm e aplaudem as estrelas. Em várias ocasiões este conceito está presente. Veja-se o cântico de Débora (Jz 5), a família de Noé (Gn 5 em diante), Elias e os profetas de Baal (IRs 18 ss), o profeta Micaías que, chamado por Acabe, disse oi contrário de todos os outros profetas (IICr 18, ss), Jeremias quem foi o único e predizer a desgraça e orientou no sentido de se entregar. Saliente-se que Deus sempre manteve para si um remanescente fiel, formado por aqueles que não dobraram seus joelhos diante de Baal (1 Reis 19.18). Esse remanescente incluía Davi, Joás, Isaías e Daniel, Sara, Débora e Ana.
Tome-se esta promessa feita através do profeta Miqueias: “E da que coxeava farei um resto (remanescente) ... (Mq 4:7. Deve-se também considerar a explicação para a escolha de Israel: “Se Iahweh se afeiçoou a vós e vos escolheu, não é por serdes o mais numeroso de todos os povos – pelo contrário: sois o menor dentre os povos! – e sim por amor a vós e para manter a promessa que ele jurou aos vossos pais.” (Dt 7,7-8)
O compromisso de Deus é com o pequeno, o órfão, a viúva, o estrangeiro, o menor, o marginalizado, explorado, escravizado, violentado, abusado, etc. Prefiro estar deste lado da história que formando as grandes massas que apoiam e aplaudem sem critério.
Marcos Inhauser
Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
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Há outros artigos e livros de Marcos e Suely Inhauser à sua disposição no site www.pastoralia.com.br . Vá até lá e confira
quarta-feira, 10 de outubro de 2018
quarta-feira, 3 de outubro de 2018
A SABEDORIA DA TEMPERANÇA
Já se disse que a sabedoria está no meio termo. Acho a
afirmação questionável porque as mudanças e o desenvolvimento, no mais das
vezes, exigem radicalidade, que implica em apegar-se a algo com unhas e dentes,
até que a coisa se concretize. Não fosse a radicalidade de Sócrates, Copérnico,
Thomas Edson, Einstein, Martin Luther King, Mandela, Steve Jobs e muitos
outros, não teríamos hoje os benefícios que a radicalidade deles trouxe à luz.
É verdade que a ela pode, em muitos casos, ser também chamada de obstinação que
é o foco em uma só coisa, deixando de lado a visão de coisas conexas ou
laterais.
Uma característica dos radicais mencionados, e outros, é que
a radicalidade/obstinação deles teve benefícios sociais por adesão. Suas
ideias, conquistas e invenções foram aceitas de forma espontâneas pelos que
assim quiseram. No caso específico do Mandela, a sua radicalidade contra o
apartheid o levou à prisão por quase três décadas. Como fruto disto houve a
abolição do sistema que separava negros e brancos e a eleição do próprio
Mandela. No cargo de presidente, a sua radicalidade foi substituída por um espírito
pacificador e conciliador, vividamente apresentados no filme “Invictus” que
trata da sua história.
A radicalidade dos governos Bush (pai e filho) deram lugar a
governos mais conciliadores como foram os dois mandatos de Clinton e de Obama.
A radicalidade estapafúrdia e inconsequente do Trump tem mostrado o perigo de alguém
que, imbuído de um cargo democrático, deixa de buscar o consenso e a
conciliação e parte para a radicalidade. O mesmo pode ser dito do ditador norte
coreano Kin Jong Un, do ditador venezuelano Maduro, do protoditador
nicaraguense Daniel Ortega, do facínora Bashar Al Assad. Se olharmos para o
passado, muitos exemplos podem ser dados de radicais investidos de poder que
foram tragédia, a começar por Hitler, Mao Tse Tung, Vargas, Idi Amin Dada, Papa
Doc, Médici, Geisel, etc.
Na Bíblia a temperança é um dom do Espírito Santo. Há várias
recomendações para o seu cultivo. Na orientação de Paulo, deve-se examinar de
tudo e reter o que é bom, quem pensa que está em pé deve tomar cuidado para que
não caia. Por outro lado, parece que há uma certa radicalidade em Jesus quando
ele diz que a nossa palavra deve ser sim, sim e não, não, o que passar disto é
de procedência maligna. Talvez por isto é que Paulo pede a Timóteo que, na
escolha dos líderes da igreja, atente para fatos relacionados ao seu passado, à
sua forma de viver e se posicionar na sociedade, a forma como se relaciona com
a família. Escolher um líder com autocontrole é tarefa que exige olhar para os
fatos anteriores. Ao fazer esta incursão na biografia do indivíduo perceber-se-á
se ele tem a temperança como atributo reconhecido.
O falastrão, o agressivo, o violento, o egoísta, o
narcísico, não têm autodomínio. A temperança é zero e, por isto, não devem ser
guinados a postos onde o espírito conciliador, pacificador, de busca do
consenso devem ser a tônica.
Nestes dias meus netos, por vez primeira, quiseram fazer
caranguejo para que eu experimentasse. Foi um baita trabalho. Mas eles erraram
no tempero: muito temperado com um tal de cajun. “Incomível” para o meu gosto. Depois
do segundo pedaço não aguentava mais. Eles mesmos reconheceram isto. O excesso
do tempero foi radical. Estragou o resultado.
Neste momento de escolha de líderes para a nação, nos mais
variados níveis, a busca de pessoas com a sabedoria da temperança, com espírito
pacificador e consensualista deve ser a tônica dos que se pautam pelo
evangelho.
Marcos Inhauser
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quarta-feira, 26 de setembro de 2018
UM ATO DE CONSTRUÇÃO COLETIVA
Dos mais variados espectros teológicos (presbiterianos de
vários matizes, batistas de várias denominações, pentecostais, anabatistas e
episcopais), de diversas correntes políticas (esquerda, centro esquerda, centro,
centro direita e alguns que são rotulados como de direita), incluindo
democratas, republicanos, monarquista, semianárquico, se reuniram, muitos sem
mesmo se conhecer, para juntos pensar a realidade brasileira e produzir algo
que refletisse o evangelho e os valores do Reino Deus.
Depois de mais de três mil mensagens trocadas, muita
reflexão, contribuições as mais diversas, foi-se afunilando a redação e se
chegou à Carta Pastoral à Nação Brasileira (disponível no https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=cartapastoral2018).
Houve uma preocupação com a biblicidade das afirmativas, que não fosse
academicamente teológica, mas acessível ao povo, de caráter essencialmente
pastoral.
Lançada com uma centena de assinaturas e aberta para que,
quem quisesse, também a assinasse, para surpresa dos redatores, em pouco tempo
o número dos subscritores, entre os quais me incluo, cresceu exponencialmente.
Creio que, por vez primeira no Brasil, se produziu algo a
partir da contribuição e colaboração coletiva. A Carta é um trabalho de muitas
mãos e nenhum dono, nenhuma face, mas pretende ser as muitas faces de todos as
que a subscreveram.
Seria ingenuidade da parte dos que a escreveram pensar que
não haveria reação. Uma delas veio de quem se pretende e se arvora como
porta-voz das igrejas evangélicas. Com suas malafalas, por não ter como
criticar o conteúdo, passou a criticar os que a subscreveram, afirmando se
tratar de esquerdopatas, termo generalizado para todos os que dissentem ao que
o histriônico pensa.
Houve quem afirmou que o documento se tratava de algo para
trazer de volta um determinado partido ao poder. A resposta que lhe foi dada é
que, se atuar em favor dos pobres, viúvas e estrangeiros, isto é valor do Reino,
ensinado por Jesus. Se isto é ser de esquerda, ele era esquerdista. Outro, na
arrogância de ter mais de 200.00 seguidores no Face (quem me garante que não
são seguidores impulsionados, estratégia muito comum), se arvorava mais fiel
representante dos evangélicos que a meia dúzia que assinou (2.488 subscrições
no momento em que escrevo esta coluna).
O que mais me chama a atenção destes pretensos porta-vozes
dos evangélicos, enciumados com o surgimento de algo que teve repercussão na
mídia e que não passou pela “benção” destas estrelas midiáticas, é que não
criticam o conteúdo (será que porque é criticar a Bíblia), se preocupam em
descobrir o redator da Carta, como se fosse fruto de uma única mão. Acostumados
a serem os donos da verdade e únicos a dizer o que os outros devem pensar, não
creem na possibilidade de haver algo que seja uma construção coletiva. Incorrem
no grave erro de abandonar o conteúdo porque escrito por quem não gostam. Se
quem escreveu é de direita, centro ou esquerda e isto não é seu perfil
ideológico, não vão perder tempo lendo porque deve ser ruim.
Acabo de receber uma pesquisa do Ibope (fonte por mim
conferida) que afirma que rejeição da parte dos evangélicos ao líder saltou de
32% a 41%, que o segundo saltou 26% a 33% (entre 11/09 e 24/09). Seria isto um
indicativo de que os religiosos, sejam católicos, evangélicos ou outras
religiões, estão tomando consciência de que a eleição busca um presidente para
o Brasil e não um pastor para uma nação, que se quer seja uma democracia e não
uma teocracia comandado por um “iluminado”.
Marcos Inhauser
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quarta-feira, 19 de setembro de 2018
TEXTO MAGNO DO EVANGELHO
Filho de protestantes, fui criado na tradição calvinista,
estudei teologia em seminário arminiano, fiz complementação em seminário
calvinista. Tinha meus pruridos com algumas questões que me ensinavam sobre os
reformadores, especialmente o conceito de guerra justa e a justificação da
violência. Vários anos mais tarde, entrei em contato com o Anabatismo, ramo
pertencente à Reforma Radical (e por, isto, também reformado).
Nele via uma nova abordagem para as questões que me
intrigavam e enumero algumas delas. O Antigo Testamento apresenta a guerra como
sendo, muitas vezes, promovida por Deus. Daí que algumas guerras eram chamadas
de santas. Há uma condescendência com a violência e o menosprezo da mulher e da
criança como seres humanos. Além desta aparente divinização da guerra, há o uso
da violência da parte de Deus no castigo do seu povo. Estas abordagens me
faziam pensar e, por mais que tentasse, não encontrava respostas.
Ao ler os Anabatistas e tomar conhecimento de sua história
(ainda que não haja unanimidade entre eles), fui tomando conhecimento de
algumas posições que me chamaram a atenção e mudaram minha forma de ver as
coisas.
A primeira delas é a centralidade dos evangelhos e de Jesus
Cristo. Há uma certa hierarquia nas Escrituras: as palavras proferidas por
Jesus estão acima de todas as outras. Em seguida o que se conta sobre Jesus. Os
demais trechos da Bíblia são palavra de Deus na medida em que se harmonizam com
Jesus e o que Ele disse e ensinou. A fundamentação para isto está no fato de
ser Jesus a “Palavra de Deus encarnada”, a “expressão exata do ser de Deus”, ao
ponto de ser “Um com o Pai”. Esta hierarquia toma como Palavra de Deus, no caso
do Antigo Testamento, aquilo que concorda com os evangelhos. O que não concorda
pode ser texto de consolação, de instrução ou de informação de como foram ou
eram feitas as coisas. Perdem assim o caráter normativo, assumindo o
instrutivo.
Neste contexto, ganha relevância o Sermão do Monte,
proferido por Jesus e que é tomado por muitos Anabatistas como texto magno para
a vida cristã.
Bem-aventurados os humildes de
espírito, porque deles é o reino dos céus (fora estão os orgulhosos,
prepotentes e assemelhados)
Bem-aventurados os que choram, porque
eles serão consolados (fora estão os que fazem chorar, que provocam
lágrimas pela imposição da injustiça e da violência).
Bem-aventurados os mansos, porque eles
herdarão a terra (fora estão os violentos, os agressores, o que promovem a
violência, a guerra, que negam a virtude do diálogo)
Bem-aventurados os que têm fome e sede
de justiça porque eles serão fartos (fora estão os que fazem injustiça,
concedem habeas corpus a torto e a direito)
Bem-aventurados os misericordiosos,
porque eles alcançarão misericórdia. (fora estão os que massacram o próximo
ou tiram proveito dele em uma situação de dificuldade)
Bem-aventurados os
limpos de coração, porque eles verão a Deus (fora os que tem agenda oculta,
caixa dois, negam desconhecer o que praticaram, mentem, os cara-de-pau, os
pinóquios políticos).
Bem-aventurados os pacificadores,
porque eles serão chamados filhos de Deus (fora os promotores da violência,
do armamento, das guerras, da vingança, das fake News).
Bem-aventurados os que são perseguidos
por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus fora os que estão
perseguindo em nome da justiça e os que se julgam perseguidos porque a eles se
aplica a justiça).
Sei que vou
levar pedrada por causa deste texto. Termino com a última: Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguiram e,
mentindo, disserem todo mal contra vós por minha causa.
Marcos
Inhauser
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Sermão da Montanha
quarta-feira, 12 de setembro de 2018
O MEDO E A FÉ
Segue texto enviado por Maria Luiza Rücket,
autora do livro "Capelania hospitalar e ética
do cuidado", amiga, que me autorizou a fazer pequenas edições no exto para
que o mesmo coubesse no espaço desta coluna.
“Um dos chefes da sinagoga, chamado
Jairo, prostrou-se aos pés de Jesus, pois sua filha estava à beira da morte.
Com insistência, suplicou que Jesus impusesse as mãos sobre a menina, para que
ela fosse salva e continuasse viva. Jesus o acompanhou, mas enquanto caminhavam
veio a notícia de que a menina havia morrido. Jesus então falou ao pai: “Não
temas, crê somente” (Marcos 5,36).
Jesus contrapõe a fé ao temor: o medo
deve ser vencido pela fé.
O medo é uma força atuante. O médico
francês Frederic Leboyer, que se notabilizou com o livro Nascer
sorrindo, constatou que o medo nos acompanha do nascimento à morte. Reflexões
já foram elaboradas a respeito de medo, temor, angústia, ansiedade,
preocupação. Essas emoções negativas causam malefícios à saúde e às relações
interpessoais.
Até uma determinada intensidade, o
medo pode nos ajudar a evitar certos perigos. Ele se torna em profilaxia para
não nos expormos a riscos desnecessários. Mas, nós não temos o controle sobre
essa dosagem do medo e ele se torna uma força muito poderosa e prejudicial em
nossa vida.
Nos dias atuais despontou mais um
tipo de temor: é o medo do anonimato. Para se diferenciarem das demais, as
pessoas recorrem cada vez mais às tatuagens e às técnicas de modelar o corpo.
Mesmo sabendo dos riscos, muitas pessoas recorrem ao implante de silicone
industrial. Recorre-se a uma enormidade de recursos para se tornar
diferenciado. O risco é grande, mas o medo do anonimato fala mais alto.
É desse temor nocivo e até patológico
que Deus quer nos libertar. A exortação de não temer perpassa a Bíblia toda –
desde Gênesis 15,1 até Apocalipse 1,17.
Em nossa existência, nos defrontamos
com duas forças poderosas: o medo e a fé. O medo tem dominado muitas vidas,
causando infelicidade e desgraça. Mas a fé é mais forte do que o medo. E
somente a fé pode vencer o medo. A declaração de Jesus mostra isso.
Como devemos proceder para substituir
o medo pela fé?
Para o salmista, fé é sinônimo de
confiança. O salmista confiava na intervenção de Deus, capaz de socorrer em
meio às angústias e perigos. Também Jesus interpelava as pessoas apontando para
a confiança. Para acontecer a cura, a pessoa precisa se posicionar. Portanto, a
confiança em Deus é uma força mais poderosa do que o temor – diante de doenças,
do anonimato, da calúnia, da desonra, da morte.
Precisamos sempre, de novo,
redimensionar a nossa fé. Muitas pessoas entendem a fé como sendo a adesão a um
conjunto de doutrinas. E a fé torna-se sinônimo de “acreditar”. Esforçam-se
para acreditar, mesmo percebendo que a realidade não cabe dentro dessa
doutrina. Mas, com essa insistência, continuam com medo, muito medo. Inclusive com
o medo de que a doutrina venha a ser ameaçada pelo ateísmo.
A confiança é diferente, pois ela
resulta do reconhecimento de que nós não temos o controle dos acontecimentos.
Portanto, só nos resta entregar a nossa existência ao poder que controla toda a
realidade. Confiança é entrega. Ela precisa ser exercitada diante de cada
circunstância que se apresenta.
quarta-feira, 5 de setembro de 2018
VIRANDO CINZAS
Todos ficamos
estarrecidos com o incêndio do Museu Nacional e ainda mais indignados porque a
tragédia havia sido anunciada por várias fontes. No que pesem os alertas dos
responsáveis e de outras pessoas que se preocupavam com o Museu e tudo o que
nele havia, encontraram ouvidos moucos. Tão moucos que nenhum ministro
compareceu às cerimônias de comemoração dos duzentos anos do Museu. Deu no que
deu: virou cinza!
Há algum tempo, os
governantes brasileiros, nos níveis municipal, estadual e federal, seja no
executivo, no legislativo ou no Judiciário, têm revelado a sua incúria e
incapacidade de gerir a coisa pública. São especialistas em fabricar cinzas.
A Petrobras por pouco
não virou cinza. Mas parte dela foi queimada pelos gestores corruptos, nomeados
pelos partidos políticos para dar espaço à bandidagem e para encher as borras
dos partidos. A Eletrobras foi levada à cinza pelos gestores indicados pelos
políticos. Agora estão vendendo na bacia das almas as cinzas do que outrora
fora a maior empresa de energia do Brasil. E a Eletronuclear não teve caminho
diferente, ainda que as cinzas não estejam à venda.
O SUS virou cinza nas
mãos dos últimos governos. O povo vai para o SUS, o político é badalado nos
hospitais de primeira grandeza e manda a conta para que o erário pague. A
Educação virou cinza nãos mãos de alguns professores sindicalistas, que mais
sabem promover greve que dar boas e decentes aulas. A totalidade está no forno
de cremação dos salários indignos e da falta de condições para uma boa
educação.
O PIB previsto em
prosa e verso para 2018 virou cinza. O Real está virando cinza na hora de fazer
o câmbio. O Congresso Nacional, com tendências piromaníacas, ateia fogo no
orçamento, aprovando medidas esdrúxulas, sem a devida provisão de recurso. O
Executivo compra a impunidade do presidente a peso de ouro, dando milhões a
parlamentares fisiológicos e contingenciando verbas de educação, investimentos,
saúde, etc. O judiciário, o poder com os mais altos salários da República, se
concede um aumento abusivo de quase 17%, mesmo sabendo da grave crise que o
país atravessa. O Orçamento virou cinza!
O Temer ascendeu ao
cargo todo chamuscado pelo processo. Todos o viam com graves queimaduras, mas
ele insistia em dizer que estava tudo bem e que iria se recuperar e recuperar
as finanças do Brasil, bem assim a taxa de emprego. O que se vê é um presidente
qual frango em forno de padaria, girando para todo lado e se queimando por
inteiro. Com as temperaturas mais elevadas pelas duas denúncias, virou cinza. Pela
primeira vez temos um ex-presidente no exercício. Os seus asseclas estão
virando cinza a cada delação premiada. Lá estão as cinzas do Padilha, Moreira
Franco e outros. Com a aberração da cinza falante: o Marun, o rei das
patacoadas.
A Reforma da previdência,
mais uma vez, virou cinza. Assim também as reformas política e tributária.
Neste cenário tem a
cinza que está na caixa em Curitiba e que insiste que está viva! Tem cinza
prometendo armar o país, desfazer todas as privatizações, cortar a jornada de
trabalho e manter o mesmo salário, etc. No forno das propostas eleitorais, há
de tudo, mas, ao final, é cinza.
Somos o país da
quarta-feira de Cinzas, dia de arrependimento pelas maluquices cometidas no
período anterior. Não há arrependimento nas cinzas dos brasileiros. Mesmo
condenado a dezena de anos, ainda afirmam que são inocentes e vítimas de
perseguição política. A Festa dos Guardanapos foi montagem fotográfica da
imprensa marrom!
Valha-me Deus!
Marcos Inhauser
quarta-feira, 29 de agosto de 2018
ANABATISTAS E O SERMÃO DO MONTE
Na minha caminhada de teologia e igreja, percebi que muitos, como eu durante meus primeiros anos, têm pouca ou nenhuma informação sobre o movimento da Reforma Radical (Anabatistas) e suas contribuições para a teologia reformada.
Uma característica bastante forte na maioria dos grupos anabatistas (Menonitas, Irmandade e Quakers) é a forte ênfase na obediência aos princípios presentes no Sermão da Montanha e mais especialmente nas Bem-aventuranças. Fruto disto é o compromisso radical de vários grupos anabatistas com questões relacionadas à paz e ao ser pacificador. Há várias histórias sobre este compromisso radical.
Uma delas é a relatada no Livro dos Mártires (Mundo Cristão, 2011). Um anabatista estava sendo perseguido por um soldado que o levaria preso e à morte por ser anabatista. Ao cruzar um rio congelado, o gelo se trincou com os passos do anabatista e o soldado, que veio no seu encalço, se afundou no rio gelado. O anabatista voltou, o ajudou a sair do rio e em seguida o soldado o levou preso e à morte. Obediência radical.
Outra história se deu nos Estados Unidos no período da colonização. Durante os anos imediatamente anteriores à Guerra de Independência, alguns da Irmandade se mudaram para uma área na Pennsylvania, chamada Morrison Cove. Ali, com outros colonizadores brancos, começaram a trabalhar na agricultura. Em novembro de 1777, os indígenas atacaram quem estava em Cove. Os da Irmandade não fugiram, nem lutaram contra eles. Cerca de 30 personas da Irmandade foram mortas. À medida que atacavam, os da Irmandade diziam em alemão Gottes Wille sei getham. (“a vontade de Deus seja feita”). Os indígenas se impressionaram com a maneira como suportavam o sofrimento, sem revidar. Muitos anos mais tarde, os antigos indígenas perguntaram se os “Gotswilthans” ainda viviam em Cove. Era a maneira como se lembravam da Irmandade.
Nestes dias, a Igreja da Irmandade da Nigéria deu mais um exemplo concreto de obediência radical. Grande parte das meninas raptadas em uma escola (mais de duzentas) pelo Boko Haran (grupo terrorista que se afirma muçulmano) pertencia à Irmandade. Agora, “no processo de reconstrução de suas vidas após os ataques dos terroristas do Boko Haram, irmãos e irmãs da Igreja da Irmandade na Nigéria (Ekklesiyar Yan’uwa a Nigeria) decidiram reconstruir também suas relações com seus vizinhos muçulmanos. Esse processo não se deu somente através do reestabelecimento do diálogo e da convivência pacífica, tão comuns antes do terror e da divisão imposta pelos terroristas. Eles incluíram em seu projeto a reconstrução de uma mesquita queimada pelo Boko Haram, impactando profundamente os líderes e a comunidade muçulmana local. Decididos a seguir o exemplo de Jesus em sua radicalidade, eles literalmente deram a outra face, não pagaram o mal com o mal, expressando a regra de ouro em sua forma mais concreta: "Portanto, tudo que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles." (Mateus 7:12)” (dados fornecidos pelo Rev. Musa Mambula, um dos líderes da Igreja da Irmandade na Nigéria).
É também a aplicação concreta dos ensinamentos bíblicos: "Vede que ninguém pague a outro mal por mal. Antes, procurai sempre praticar o bem entre vós e para com todos." (1Ts 5:15) e “procurai a paz da cidade, para a qual fiz que fôsseis levados cativos, e orai por ela ao Senhor: porque na sua paz vós tereis paz." (Jr 29:7).
Como cristão não entendo como há quem apoie quem promove o armamento, a guerra, a violência, etc. Quem é cristão promove a paz!
Marcos Inhauser
Uma característica bastante forte na maioria dos grupos anabatistas (Menonitas, Irmandade e Quakers) é a forte ênfase na obediência aos princípios presentes no Sermão da Montanha e mais especialmente nas Bem-aventuranças. Fruto disto é o compromisso radical de vários grupos anabatistas com questões relacionadas à paz e ao ser pacificador. Há várias histórias sobre este compromisso radical.
Uma delas é a relatada no Livro dos Mártires (Mundo Cristão, 2011). Um anabatista estava sendo perseguido por um soldado que o levaria preso e à morte por ser anabatista. Ao cruzar um rio congelado, o gelo se trincou com os passos do anabatista e o soldado, que veio no seu encalço, se afundou no rio gelado. O anabatista voltou, o ajudou a sair do rio e em seguida o soldado o levou preso e à morte. Obediência radical.
Outra história se deu nos Estados Unidos no período da colonização. Durante os anos imediatamente anteriores à Guerra de Independência, alguns da Irmandade se mudaram para uma área na Pennsylvania, chamada Morrison Cove. Ali, com outros colonizadores brancos, começaram a trabalhar na agricultura. Em novembro de 1777, os indígenas atacaram quem estava em Cove. Os da Irmandade não fugiram, nem lutaram contra eles. Cerca de 30 personas da Irmandade foram mortas. À medida que atacavam, os da Irmandade diziam em alemão Gottes Wille sei getham. (“a vontade de Deus seja feita”). Os indígenas se impressionaram com a maneira como suportavam o sofrimento, sem revidar. Muitos anos mais tarde, os antigos indígenas perguntaram se os “Gotswilthans” ainda viviam em Cove. Era a maneira como se lembravam da Irmandade.
Nestes dias, a Igreja da Irmandade da Nigéria deu mais um exemplo concreto de obediência radical. Grande parte das meninas raptadas em uma escola (mais de duzentas) pelo Boko Haran (grupo terrorista que se afirma muçulmano) pertencia à Irmandade. Agora, “no processo de reconstrução de suas vidas após os ataques dos terroristas do Boko Haram, irmãos e irmãs da Igreja da Irmandade na Nigéria (Ekklesiyar Yan’uwa a Nigeria) decidiram reconstruir também suas relações com seus vizinhos muçulmanos. Esse processo não se deu somente através do reestabelecimento do diálogo e da convivência pacífica, tão comuns antes do terror e da divisão imposta pelos terroristas. Eles incluíram em seu projeto a reconstrução de uma mesquita queimada pelo Boko Haram, impactando profundamente os líderes e a comunidade muçulmana local. Decididos a seguir o exemplo de Jesus em sua radicalidade, eles literalmente deram a outra face, não pagaram o mal com o mal, expressando a regra de ouro em sua forma mais concreta: "Portanto, tudo que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles." (Mateus 7:12)” (dados fornecidos pelo Rev. Musa Mambula, um dos líderes da Igreja da Irmandade na Nigéria).
É também a aplicação concreta dos ensinamentos bíblicos: "Vede que ninguém pague a outro mal por mal. Antes, procurai sempre praticar o bem entre vós e para com todos." (1Ts 5:15) e “procurai a paz da cidade, para a qual fiz que fôsseis levados cativos, e orai por ela ao Senhor: porque na sua paz vós tereis paz." (Jr 29:7).
Como cristão não entendo como há quem apoie quem promove o armamento, a guerra, a violência, etc. Quem é cristão promove a paz!
Marcos Inhauser
quarta-feira, 22 de agosto de 2018
MEMÓRIAS DE LITURGIAS LIBERTÁRIAS
... E o verbo se fez
Liturgia e habitou entre nós, peregrinos, cheio de cantos, gestos, cores,
cheiros, saberes e sabores...
E vimos, em momentos
efêmeros e cheios de eternidade, a glória de QUEM tem um nome indizível, impronunciável...
Nesse “pleroma
extático”, arriscamos fazer preces, divinamente humanizadas, através de nosso
mantra ": Pai Nosso, de infinito carinho Maternal...”. Propusemo-nos a inventar celebrações que nos
trouxessem à terra o Deus da beleza celestial.
Fizemos coro com o Rubão: “Amo, na liturgia, tudo aquilo que saiu das
mãos dos artistas. Mas quando ouço as explicações dos teólogos e mestres, o
encanto quebra e eu desejo que eles tivessem falado em latim, para que eu não
tivesse entendido (...) Deixe que Beleza, sem palavras ou catecismos,
evangelize o mundo. Deus é beleza.”
Há uma história da
liturgia contextualizada, (en)cantada sob a inspiração dos versos e os reversos
da vida, desde a paixão de “Aleijadinho” até o trenzinho tupiniquim de Villa Lobos!
Em toda a sua plenitude! Vivenciando Paixão, Morte e Ressurreição de um povo
“maltrapilho e maltratado “!
Houve um tempo em que
se celebrou esta liturgia libertária! Houve um santuário devocional! Não nos
moldes dos soturnos templos, erguidos para tentar enclausurar o Criador.
Palpitava na alma de irmãos e irmãs a oração atribuída a Spinoza: “Para de ir a
esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que
acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos
rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí onde expresso meu amor por
ti".
Alguém há de
perguntar: quem eram, quem foram e quem são os peregrinos e peregrinas que para
lá faziam suas santas romarias? Seremos todos nós que diremos: “São gente refugiada
de comunidades regidas por Leis de Segurança Paroquial. Pastores, pastoras,
seminaristas, leigos e leigas que procuravam alternativas devocionais diante
daqueles manuais prescritos por técnicos da fé. São pretos, pobres e
profissionais da vida que ali se identificavam com a presença da Grande Face
Onipresente do Espírito!”
Ecos de Caetano
Veloso:
“A tua presença envolve meu tronco, meus braços
e minhas pernas
A tua presença é branca, verde, vermelha, azul
e amarela
A tua presença é negra (...)
A tua presença transborda pelas portas e pelas
janelas (...) “
A nossa Liturgia
começava quando, como líderes paroquiais, esperávamos, ansiosamente, cada
reunião deste Corpo Místico, macro-ecumênico, que se reunia em torno da mesa,
da celebração e da liberdade. Nunca foi tão atual o credo wesleyano: “O mundo é
nossa Paróquia“, ao qual poderíamos acrescentar: “O mundo é nossa Paróquia Litúrgica”!
Infere-se que essa
expectativa “pré Reino de Deus”, verdadeiro e caipiríssimo, “aperitivo do
Reino”, trazia-nos o cheiro primaveril de novos tempos. Expectativa que nos
segredava a certeza de novos tempos.
Assimilamos no corpo e
na alma, a festa de foliões latino-americanos, homenageando Atahualpa Yupanky,
bem como os nossos da nossa estirpe “T”: Tião, Tom, Tonico e Tinoco. Aprendemos
a gozar as delícias inspiradas num cancioneiro-de-vida cuja
"Satisfação" era ter um Cristo com o rosto de povo, de amor radical,
universal, incondicional!
Descartamos o
cartesianismo eclesiástico e seus dogmas excludentes, para corajosa e graciosamente,
incluir as razões de um “coração feito pele morena”. E sob as arrebatadoras utopias apocalípticas,
tivemos visões “do aqui e agora”. Revelações que nos livraram e ainda continuam
livrando-nos, mesmo que temporariamente, de um cenário carregado e intoxicado
pelas retas doutrinas de nossas paróquias, quase sempre neuróticas.
Libertamos
liturgicamente, como bem “kerigmatizou e didatequetizou” o poeta, profeta e
trovador ZÉ-das-palavras-LIMAdas, “ a pele, os pelos e os poros desta
paixão". Em vez de continuarmos cantando as "Quatro Leis
Espirituais", começamos a cantar a Espiritualidade de um Jesus nascido
neste "chão-menino-chão-preto-chão-do-coração”.
Nesta virtual Catedral
do Místico e Mesclado Corpo de Cristo redescobrimos novos sacramentos...
- O sacramento da viola
- O sacramento do pandeiro
- O sacramento do chimarrão
- O sacramento da saudosa maloca
E é sobre estas coisas
sacrossantíssimas que na sequência, cantaremos, sempre sob a batuta do
brincalhão Arcanjo Gabriel e seus Blue Caps...
Texto do meu amigo
Carlos Alberto Rodrigues Alves, poeta, violeiro, teólogo e corajoso, que me deu
a autorização para editar e aqui publicar.
Marcos Inhauser
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o mundo é minha liturgia
quarta-feira, 15 de agosto de 2018
PARADOXO SOCIAL
O mundo ficou pendurado nas notícias que saíam sobre a
situação dos 12 garotos e do técnico que ficaram presos em uma caverna nas
Filipinas.
Há algumas considerações que quero fazer quanto a esta
situação. Um grupo de amigos, praticantes do futebol, depois da partida,
decidem celebrar o aniversário de um deles (celebração da vida), entrando na
caverna, coisa que já haviam feito antes sem problemas. Era uma celebração.
Entraram pelo túnel de acesso, cheio de umidade e foram surpreendidos por algo
inesperado: chuvas que inundaram e os obrigaram a ficar presos no seio da
terra.
O mundo orou, rezou e torceu pela salvação das crianças.
Todos se empenharam no resgate, muitos voluntários, mergulhadores ou não, se
envolveram no trabalho. O mundo esteve pendente das notícias e do resgate de
todos. À medida que iam sendo retirados, como que por fórceps, o mundo exultava
com a vida salva.
Juntamente com isto, no Brasil, recebíamos notícias que
também convulsionavam a sociedade. Elas davam conta das balar perdidas e das
crianças mortas por elas. Por serem crianças, mais comoção havia. Parece que há
um apelo emocional mais forte quando se trata da morte das crianças. Ontem
recebi a notícia da morte de uma sobrinha de 10 anos, baleada por bala perdida,
e que me foi comunicado pelo tio, inconsolável.
Em meio a estes fatos, assisti, ainda que parcialmente, o
debate público promovido pelo Supremo Tribunal Federal, sobre a possível
legalização do aborto. Meus dois neurônios, sincronizados (talvez por vez
primeira), me perguntavam: não é este o mesmo pessoal que torcia pelo resgate
dos meninos nas Filipinas, que clamou pela cessação da violência das mortes de
crianças? Como podem estar, agora, defendendo a morte de crianças no útero de
uma mãe?
Os meninos na caverna tiveram uma parafernália para que
fossem salvos. Até um submarino de pequeno porte foi construído, para que a o
resgate fosse levado a contento. Muito dinheiro foi gasto para a infraestrutura
que permitiu a salvação de todo o grupo. Semana de hospital para a recuperação
de todos.
Imagine o escândalo que teria sido se alguém tivesse vindo a
público sugerir que se jogasse veneno no local onde os meninos estavam, para
evitar que não sofressem com a demora no resgate. Imagine que alvoroço teria
sido se alguém sugerisse que se introduzisse um aspirador/triturador, para que
os meninos morressem. Imagine quanta celeuma teria acontecido se alguém, sob
pretexto de que os pais não têm condições econômicas ou afetivas para recebê-los
de volta, sugerisse o “aborto” deles no útero da terra.
Se para os meninos que estavam no útero da terra a salvação
era questão de honra nacional e mesmo internacional, por que a vida de infantes
no útero da mãe pode ser disposta a bel prazer delas, sob o argumento de que devem
ter a autonomia sobre seus corpos? Se o argumento da viabilidade econômica da
mãe e dos pais pesa na defesa do aborto, por que não foi usado na questão dos
meninos?
Meus dois neurônios deram um curto-circuito. A ética da
morte de crianças é circunstancial? A vida de filipinos vale mais que a vida de
infantes brasileiros? Mas eles tinham mais de dez anos de vida, podem
argumentar. Mas qual a diferença na qualidade essencial da vida entre um feto e
uma criança de dez ou onze anos?
Confesso que não consigo entender. Se alguém consegue
explicar que o faça.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 8 de agosto de 2018
TÔ COM SAUDADE DELE
Viajando,
parei em um posto de gasolina para tomar um café. Era bem cedo e ali estávamos
vários para tomar o café da manhã. A pessoa que me atendeu estava fazendo o meu
com leite quando uma outra atendente, bem mais jovem, dela se acercou e
perguntou se ela tinha visto ultimamente um senhor que costumava passar com
regularidade.
A que
estava me atendendo, pediu mais detalhes sobre quem ela estava falando. A mais
jovem disse que era o “senhorzinho” que a chamava de “minha linda” e que,
quando ia embora, sempre dizia; “ainda caso com você”. A mais velha disse que
há algum tempo não o via. A outra perguntou: “será que ele está enfermo?”. Pode
ser, mas também pode ser que tenha morrido. Ele era já bastante idoso.
Olhei para
a mais nova e percebi que seus olhos marejaram. Ela se emocionou. “Não pode
ser, ele era tão alegre”. A outra, mais velha respondeu que mesmo as pessoas
mais alegres também morrem.
Senti que a
mais jovem estava bastante emocionada com a possibilidade de que o “senhorzinho”
tivesse morrido. “Eu sabia que ele dizia que ia casar comigo e que isto era
brincadeira dele, mas aquilo me fazia muito bem. Saber que havia alguém que me
dava atenção, me elogiava, e que fazia questão que eu o servisse.”
Ela deu
tempo. Respirou fundo. E volitou a falar: “sinto falta dele, sinto falta dele
dizendo minha linda e sair dizendo que um dia iria se casar comigo”. Dito isto,
ela entrou na cozinha. Não duvido que tenha ido ao banheiro curtir suas
lágrimas e sentimentos.
Eu fiquei
ali parado pensando no que havia ouvido e visto. Imaginei que, talvez, houvesse
quem o tivesse ouvido dizendo “minha linda” para a jovem, ou “ainda me caso com
você” e tenha dito: “velho safado”.
Saí dali
com lágrimas nos olhos. Cheguei ao meu destino com a coisa rodando na minha
cabeça e refletindo no poder que a atenção tem de dar sentido à vida das
pessoas, o como o elogio pode criar vínculos inimagináveis. Mais tarde, quando
conversava com uma pessoa que tem problemas de relacionamento com sua equipe,
contei a ele o que tinha presenciado. Senti que a coisa bateu forte nele.
Acostumado a ser um sujeito extremamente racional e frio, vi seus olhos, tal
qual os da jovem, marejarem.
Vivemos
dias em que pouco tempo temos para prestar atenção nas pessoas, não nos
arriscamos a elogiar quem nos serve, a dizer “minha linda”. Fomos criados para
estar em relação com os outros, para amar o próximo como se fôssemos nós
mesmos, para dar alegria ao outro. Acho que uma das missões mais sublimes da
vida é plantar sorrisos na face das pessoas com as quais nos relacionamos.
Podemos
fazer isto sorrindo, elogiando ou brincando. O humor é uma das formas mais
sublimes que o ser humano tem para tornar a vida mais alegre, leve e prazerosa.
Rir, sorrir, fazer sorrir e rir são o exercício do divino em nós. Na Idade
Média se discutia e se digladiava sobre o tema do riso em Jesus. Havia os que
defendiam que Ele, sim, riu, e outros diziam que, por ser o Filho de Deus,
nunca teria sorrido.
Eu, de
minha parte, acho que Deus dá gargalhadas com algumas coisas que fazemos ou
dizemos e que ele está no meio dos que se reúnem e dão boas risadas. Acho que,
quando o “senhorzinho” brincava com a jovem, Deus dava seus sorrisos.
Marcos
Inhauser
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