Há não muito tempo assisti a um depoimento do ex-senador
Saturnino Braga, onde ele tecia comentários sobre o exercício da política. A
certa altura ele afirmava que “a política é a mais sublime das profissões
porque ela tem por objetivo o bem comum”.
Maravilha! Se eu perguntar a um advogado ele dirá o mesmo
que um juiz: a nossa função é sublime porque buscamos fazer justiça. Se
perguntar a um médico, ele dirá que, porque diminui o sofrimento e salva vidas,
ele tem uma profissão sublime. Se eu perguntar a um sacerdote ele dirá que sua
profissão é sublime porque coloca o ser humano em contato com o divino. E por
aí vai.
Não diminuo a excelência do fazer política. Acho mesmo que,
quando duas ou mais pessoas estão juntas, certo nível de política se estabelece
entre elas e sem a política, os relacionamentos seriam um caos.
Há, assim, uma micropolítica (que rege os relacionamentos
individuais e grupais) e há uma macropolítica, que rege uma nação. Ela
pressupõe a existência de políticas públicas que regulamentam e direcionam os
vários aspectos da vida social no seu sentido mais amplo.
No âmbito da democracia, o político se dá em um processo de
construção coletiva, onde pessoas que receberam a delegação via eleição, tem os
poderes para elaborar e implementar políticas públicas, para legislar e
estabelecer os parâmetros coercitivos para as condutas desviantes. O modelo
inicial deste tipo de democracia se deu em Atenas, onde cidadãos atenienses
podiam se levantar, sem que para tanto fossem eleitos, e fazer os seus discursos
políticos. Na contribuição multifacética das várias participações se construía
um modus operandi democrático. Assim, a democracia não tem a pretensão de agradar
a todos, mas a de fazer o que promove o bem comum.
Há muitos estudos para mostrar este exercício da democracia
na antiga Grécia, especialmente em Atenas. As duas últimas conferências de
Michel Foucault foram dedicadas a isto e mais especificamente ao falar a
verdade no discurso político (parresia),
onde ele mostra que a democracia exige a verdade, mas que, interesses pessoais
e até dos deuses, interferem no fazer política.
Estamos vivendo momentos em que a democracia foi aviltada,
achincalhada, conspurcada e “suicidada”.
O que menos se vê é a parresia,
este falar a verdade em público. Sem querer entrar em fatos de todos
conhecidos, tivemos nestes últimos tempos um assassinato da hermenêutica
jurídica ou laica, um atropelo da decência, um festival de palavrões,
negociatas mil, bravatas infantis, desprezo e menosprezo às instâncias
democráticas, surdez à voz das ruas, judicialização do óbvio, recursos
exóticos, etc.
Tenho para comigo que o fazer política no Brasil está tão
tomado pelo câncer do interesse pessoal e do tirar vantagem que só uma cirurgia
radical extirpará o que se alastrou por todos os tecidos do corpo nacional. Não
será na dança das cadeiras que se conseguirá extirpar o mal. Não se acaba com
um câncer tirando um tumor daqui e colocando-o em outra parte do corpo. A
cirurgia tem que ser radical.
Só uma revolução via urnas, acabando com a reeleição de quem
quer que seja, e escolhendo gente decente. Não se terá a limpeza votando em
quem é folclórico, tem visibilidade midiática, foi jogador ou BBB. A política
séria se faz com gente séria, capacitada e serena.
Que o exemplo do Trump não seja copiado por estas bandas.
Marcos Inhauser