Uma das coisas mais preciosas do ser humano é ter amigos. Ainda que outras espécies animais tenham seus relacionamentos, façam suas alianças e vivam em bandos ou grupos, falta-lhes a capacidade de ter e ser amigo. Amizade é algo divino, algo que tem a ver com a Imago Dei que o relato da criação diz que temos. Muito já se discutiu e se refletiu sobre o significado desta imagem e semelhança de Deus em nós. Há quem diga que é a nossa conformação trina (corpo, alma e espírito), há quem diga que é o desejo da adoração do ser superior que só os humanos têm, outros afirmam que é a capacidade humana de estabelecer comunicação em nível superior. Outros dizem que é a capacidade humana de planejar, de pensar no futuro, de mudar a cultura e interferir na história. Tenho pensado que é a capacidade humana de se relacionar em níveis altruísticos e estabelecer laços afetivos não erotizados.
A amizade se inclui nisto. Ela é algo indefinível na sua totalidade, mas experienciável em sua plenitude. Ela é algo que não é como iogurte que tem prazo de validade curto. Ela não é namoro e acho que é mais sublime que ele. Ninguém pede alguém em amizade, tal como ocorre no namoro, noivado ou casamento. A amizade tem geração espontânea: acontece! Não busca a reciprocidade: ela é doação incondicional. A amizade não é ciumenta, nem grudenta, nem supervisora, nem asfixiante. Ela é amizade e ponto final.
Amigos não precisam se ver a toda hora. Basta saber que são amigos e que um pode contar como outro sempre que precisar. Ela é uma relação bilateral de ajuda, onde o equilíbrio do dar e receber é uma constante. Amigo que só explora, que é folgado, que “encosta”, que não se dispõe a dar sua cota, é chupim e não amigo. Amigo enriquece pelo que traz de conteúdo e conhecimento à relação. Ele ensina e aprende com a relação.
Não há divórcio nem separação de bens na amizade. Se algo acontece e ela é rompida, cada qual vai para o seu lado e as coisas se acertam. Podem ficar algumas rusgas, mas nunca soube de um processo por danos e perdas porque uma amizade terminou.
Amizades são como carvalhos: árvores longevas que sempre têm sombra para aninhar os cansados. Pode haver tempestade, ventos fortes, muita trovoada, mas lá está o carvalho. Assim é o amigo. Amizade é como vinho: vai pegando mais sabor com o tempo. A idade adoça as amizades, tira o adstringente, acrescenta o amaderado. A amizade não exige encontros constantes: o amor, se não está em constante contato com a pessoa amada, esfria. A amizade não. Ela se mantém.
Velhos amigos não são, necessariamente, os amigos velhos, ainda que a relação tenha certa constância. Amizades existem para durar. Feliz a pessoa que tem amigos de longa data. O tempo pode tirar de nós algumas amizades, porque somos finitos. Perder um amigo é perder alguém que é mais que um irmão. Bem diz a Bíblia que há amigos mais chegados que um irmão. Cultivar e celebrar as amizades é sinal de sabedoria!
Ontem soube que um grande amigo, o Gerson Urban, está na UTI em estado grave. Levei um baque! O Gersão é destes amigos que nos falamos de tempo em tempo e, quando nos encontramos, é uma festa. Doeu saber da saúde do Gersão. Mas também foi o aniversário do Christian, outro amigo de longa data. Poucos nos temos falado e encontrado, mas sei que a amizade não se definhou, antes, o respeito de um para com o outro cresce cada vez mais.
Aos meus amigos (que não são poucos), a minha gratidão por este amor que é ágape!
Marcos Inhauser
Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
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Há outros artigos e livros de Marcos e Suely Inhauser à sua disposição no site www.pastoralia.com.br . Vá até lá e confira
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019
quarta-feira, 9 de janeiro de 2019
DEPRESSÃO VIRTUAL
Em conversas com
amigos e lendo em noticiosos, percebo que há uma generalizada debandada das
redes sociais. Parece que a coisa saturou. Ouvi de mais de um que é muito tempo
gasto para nada. O que estão dizendo é que
nas redes sociais, se a pessoa quer ler e responder ao que chega, gasta muito
tempo e nada ou quase nada é acrescentado ao conhecimento.
As redes são o palco de uma miríade de platitudes, lugares
comuns, obviedades e senso comum. Não é para menos que seja terreno propício
para as Fake News porque as pessoas consomem o que leem e repassam, sem um
olhar crítico.
Não sou afeito às redes e já escrevi que, por vezes, me
sinto jurássico por não estar em dia com estas novidades tecnológicas. Uso o
Facebook para postar a minha coluna, tenho o Whatsapp para me comunicar com uma
dúzia de amigos, um ou dois grupos e nada mais que isto. Confesso que já tive
mais gente no meu Whatsapp, mas percebi que me enviavam tanto lixo que
bloqueei. Tinha quem me mandasse dez ou mais memes por dia!
Era muito tempo lendo lixo, mais tempo ainda limpando o lixo
nos arquivos baixados. Não ganhei um centavo com o que recebi da maioria das
postagens, mas preservo alguns contatos porque estes, sim, ainda que de forma
esporádica, me enviem coisas interessantes e instrutivas.
Pesquisas têm revelado uma forte tendência de declínio no
uso do Facebook, Whatsapp, Instagram e outras. Tanto assim que o Whatsapp, por
razões de evitar a disseminação de notícias falsas, já limitou o envio de
mensagens para não mais que 5 contatos (o que celebro).
O uso político destes apps também tem contribuído,
especialmente porque gerou tensão e atritos, inclusive dividindo famílias e
rompendo amizades. A presença dos haters
e a facilidade com que agridem algo postado e a pessoa que postou, pode ser
outro elemento causador desta tendência.
Mas o afastamento das redes vem acompanhado ou é precedido
de um sentimento de desmotivação, de tristeza, de falta de esperança. Tenho
ouvido de gente que, por ter sido rudemente atacada por causa de uma foto
postada, algo escrito ou opinião dada, entram em crise. As redes são espaço
fácil para destilar ódio. Vi uma foto postada por uma mãe com sua filha e
vários comentaram com as afirmativas comuns: lindas, duas gatas, maravilhosas.
Mais à frente o marido postou: mocreias!
Este exemplo é paradigmático dos dois polos: afirmativas
positivas pelo uso de expressões que não dizem nada (gatas, lindas,
maravilhosas) e que são a grande parte dos comentários e as expressões
agressivas, despropositais, amargas, biliáticas. Estas, ainda que, no mais das
vezes usem frases useiras e vezeiras, ferem, machucam, ofendem. As primeiras
não elogiam ao ponto do ego se sentir massageado (salvo para os narcísicos
patológicos) e as segundas, ofendem profundamente e levam as pessoas à
depressão virtual, mas tão real quanto a depressão tal como é conhecida.
Se a justiça reconheceu há pouco um caso de estupro virtual,
por que não também o de depressão virtual? Se os pedófilos e caluniadores podem
ser processados pelo que postam, por que não também os que produzem tristezas e
depressão pelas amarguras destiladas nas
redes?
Para mim nada substitui o canto físico, o olho no olho, a
conversa ao redor da mesa, as gargalhadas, o riso e as lágrimas das
recordações. Rede social para mim é o tempo que desfruto do cafezinho com o Samuel,
a pizza com o Daniel, a conversa com o Alexandre, as aulas privativas com o Zé
Lima, os comentários sobre as leituras de livro que fazemos eu e o Silvarinho.
Tantas outras experiências maravilhosas poderia citar, mas o espaço não permite
e nem por isto, meu amigo e amiga, não se sinta excluído.
Marcos Inhauser
Marcadores:
declínio das redes,
papel das redes,
Redes sociais
ESPERANDO RECOMEÇOS
Já escrevi aqui que deve ser chato ser Deus porque nada é
novo ou diferente para Ele, nada pode maravilhá-Lo. Ele sabe de tudo, criou
tudo.
Mas há um outro elemento que me inquieta neste final de ano.
Deus, porque é Deus, não pode nem pôde nunca recomeçar algo. Ele faz tudo tão
certo que não há necessidade de refazer. Ele não precisa aprender com os erros
porque, segundo a definição, é impossível que Ele erre.
Fiquei me imaginando no lugar de Deus e não posso dizer que
gostei. Uma vida certinha, sempre fazendo tudo tão correto, certo e perfeito me
cheirou algo meio cansativo (há uma expressão melhor no espanhol: aburrido).
Pense nisto: ficar a vida toda sem a possibilidade de
recomeçar a fazer algo, sem a possibilidade de aprimorar na segunda vez o que
se fez na primeira, de dar um toque especial.
O fato de fazer tudo certo já na primeira vez não exige que
a vida tenha recomeços. Recomeçar é característica dos seres criados, dos
humanos e animais. A necessidade de recomeçar, de ter a esperança de que na
próxima vez será melhor, é coisa tipicamente humana. Deus não precisa disto.
Deus não tem esperança porque espera quem não tem todas as condições de
realizar o que quer que aconteça.
Deus não tem a limitação do tempo. Os entendidos e definidores
de como Deus é dizem que Ele é um ser atemporal, ou seja, que não está afeito
às condições do tempo. Por isto também o definem como eterno, sem princípio nem
fim de dias. Não teve começo e não terá fim. Deus não se rege pelos meses,
estações, luas, anos, séculos ou milênios.
Isto é coisa aqui do “andar de baixo”. Nós precisamos de uma
noite para descansar (Deus não descansa, ainda que a Bíblia diga que Ele
descansou e mais tarde Jesus contradiz isto dizendo que Ele e o Pai trabalham
até agora). Precisamos de uma noite para renovar forças e esperanças. O
salmista, afirmando algo que todos gostamos de acreditar, diz: o choro pode
durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.
Os dias terminam com a entrada da noite e isto é o recomeço.
A noite termina com a entrada do dia e isto é recomeço.
Recomeçamos com as trocas das luas, com a entrada das
estações, com a mudança dos meses, com a entrada de um ano novo. Precisamos
destes recomeços, porque vivemos de esperança. E esperamos que amanhã seja
melhor, que o próximo verão seja mais ao meu gosto, que no próximo Natal toda a
família esteja reunida, que no próximo ano seja promovido ou ganhe mais, etc. e
tal.
A vantagem de ser humano é esta capacidade de recomeçar, de
aprender com os erros e acertos da vida. A beleza da vida é a esperança, coisa
típica e maravilhosamente humana. Quem não espera, morre.
Esperar contra toda a esperança foi a grande obra de Abraão,
o pai da fé. É esperar o que nos caracteriza nestes dias de expectativa com o novo
ano, novo governo, nova Câmara, novo Senado, novos ministros. Queremos dias
melhores, com mais empregos, melhores salários, relações mais prazerosas,
casamentos mais felizes, sentimento de realização, mais abraços, mais beijos,
mais compreensão, etc.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 26 de dezembro de 2018
NA RESSACA DO NATAL
Acaba mais uma celebração de Natal. Os
mais puristas dirão que lá se vão mais de dois mil anos de celebrações. Outros,
mais atentos e analíticos, questionarão, considerando que não há indícios de
celebração do Natal nos primórdios da Igreja e que mesmo a data do nascimento
nunca se conseguiu precisar e o que se celebra é uma convenção.
Há quem coloque o início das
celebrações no século IV, a partir da figura de Nicola, nascido em Pátara –
Ásia Menor, figura reverenciada por diferentes tradições cristãs. Com idas e
vindas na história de Nicolau, que acabou virando santo e bispo de Myra, a tradição de São Nicolau, que envolvia o distribuir
presentes na noite de natal, se expandiu pela Europa no século XII. Quinhentos anos
depois, os holandeses levaram esta tradição aos Estados Unidos, e também se
difundiu por toda a América Latina.
Inicialmente Papai Noel distribuía os
presentes montado em um cavalo. Mais tarde o escritor Clement Moore colocou
o São Nicolau em um trenó puxado por renas. Mas foi a Coca-Cola quem, em 1931,
fez uma campanha natalina, onde o personagem ganhou roupa vermelha, barba e
enorme barriga.
Muito se escreveu criticando esta
celebração do Natal onde o Papai Noel tem maior importância que o nascido, onde
os presentes falam mais alto que a mensagem do nascimento de Jesus, a comilança
toma espaço da fraternidade.
Há, no entanto, algumas coisas que
devem ser consideradas depois que a festa acaba. Não há na cultura brasileira
e, quiçá, na cultura ocidental, outro evento social que produza mais encontros
familiares e de conhecidos, que promova mais tempo à mesa, mais
confraternização, mais generosidade, mais perdão que o Natal. Que outro momento
se tem tanta gente saindo de suas casas para visitar pais e parentes, para ter
um tempo em família? Que outro evento provoca mais tempo à volta de uma mesa
para uma refeição comunal? Talvez alguns citem o Thanksgiving estadunidense,
mas ele tem um demérito: parte da tarde todos se sentam à frente da televisão
para ver o Super Bowl. No Brasil e América Latina nem futebol tem. A televisão
é de uma pobreza indescritível e o melhor é ficar conversando que ver o que
passam.
Que outro evento produz mais giro no
mercado, mais movimentação nas lojas, mais generosidade nos presentes, mais
empregos, mais desejos de felicidade mesmo expressos a desconhecidos? Que outro
evento produz mais gente engajada em solidariedade distribuindo presentes e
comida aos mais necessitados, cânticos corais com apresentações nos mais
variados espaços? Que outro evento inspirou tantos compositores a compor
músicas, algumas que são obras primas da humanidade, como, por exemplo, o
Aleluia de Haendel?
É verdade que houve quem bebeu e se
excedeu no Natal. É verdade que tem gente de ressaca hoje. É verdade que tem
gente que vai levar alguns meses para pagar os presentes que comprou e outros a
comida que colocou sobre a mesa. Mesmo assim, nunca vi alguém reclamar da
celebração do Natal. Há algo de mágico nele e sua comemoração. Tenho para
comigo que o mágico é a mesa. O comer juntos é a prática mais antiga da
humanidade. Já li o Yuval Harari, o Reza Aslam, o Domenico de Masi em suas
incursões sobre a história da humanidade. Não vi neles uma ênfase no comer
juntos como elemento formador da comunidade, ainda que isto seja tão antigo
como o ser humano. Comer juntos é compartilhar, é dar do que se tem, é
beneficiar o outro com o alimento. Isto também se faz no Natal e assim se
retoma a prática mais antiga da humanidade!
Marcos Inhauser
quarta-feira, 19 de dezembro de 2018
JOÃO! DE DEUS?
Há notícias que impactam e que não entendo por que elas têm
este poder, uma vez que se tratam de coisas corriqueira. Há outras que, pelo
inusitado, se transformam em sensações jornalísticas (a águia que fez ninho na
janela de um apartamento na área do Central Park). Há as que nos estarrecem
pela violência dos fatos (o caso do Tsunami nas Filipinas), pela crueldade (o
caso da morte e emasculação do jogador de futebol), pelo volume do dinheiro
envolvido (as descobertas da Lava Jato), pela constância na prática do crime (o
ex-governador Sérgio Cabral) ou pela imprevisibilidade (o massacre na Catedral
de Campinas). Muitos mais exemplos poderiam ser dados para exemplificar o que
afirmo.
Estamos, nestes dias, diante de notícias que a cada dia nos
estarrecem pela antiguidade da prática delituosa, pela quantidade de acusações,
pelo tempo em que demorou para que viessem à luz, pelo abuso da autoridade
religiosa e pela natureza dos crimes. Falo dos fatos relacionados ao João,
indevidamente alcunhado de João de Deus.
Para mim, o problema começa com a alcunha: de Deus. Isto o
elevou a um patamar de divindade, de alguém acima dos normais, de um quase
deus. Se se prestar atenção às acusações agora feitas, perceber-se-á que muitas
das mulheres dizem que não o denunciaram para não prejudicar a obra que ele
fazia, que ele era idolatrado pelos seguidores, que ninguém acreditaria no que
contassem. Nem mesmo uma juíza e promotor acreditaram no relato de uma abusada,
e arquivaram a denúncia por falta de provas (queriam fotos ou vídeos que
provassem?). Se era tido neste plano superior, suas ameaças de que a doença
voltaria se contassem do abuso, que os demônios as atacariam ganhava foros de
verdade, sem diminuir a grau de chantagem.
Neste exercício de poder há um desequilíbrio entre o
religioso e o fiel. Cito aqui o que já escrevi anteriormente nesta coluna
(Poder Divino): “... estudos feitos sobre os casos de violência sexual sempre
mostram uma relação desigual de poder, onde os abusadores, no exercício de suas
autoridades, impõem suas vontades sobre as partes mais fracas. Também afirmava
que, no campo do religioso, esta desigualdade do poder se estabelece quando o
religioso se apresenta como revestido de “autoridade espiritual”, o que
facilita a investida sobre a presa de sua sanha sexual. Uma “cantada” de um
religioso é mais efetiva que a de um cidadão normal. Há nisto a mística de
estar se relacionando com o sagrado, com alguém mais próximo de Deus, uma
elevação espiritual pelo sacrifício da entrega do corpo, de orgasmo mais pleno
porque feito com a santidade. Há o caso (sem o mesmo destaque na mídia) de
pastor que Deus revelou que as mulheres dos membros da Diretoria da Igreja
deveriam ser acessíveis e acabou sendo flagrado no escritório pastoral com uma
delas.”
No caso do João Abusador havia o argumento de equilíbrio das
energias, de transferência, via genital, de energia para a cura e outras
abobrinhas. Insaciável, até uma filha acusa o pai.
Não é para menos que, até o momento em que escrevo esta
coluna, pelo menos 506 mulheres já ofereceram denúncia contra o João Abusador.
No entanto, pasma-me o instituto da prescrição da punibilidade por ter
decorrido algum tempo. A dor das abusadas, violentadas e estupradas não
prescreveu. As lágrimas são atuais, a dor é diária, o sofrimento ininterrupto.
É justo não aceitar denúncias porque feitas depois de seis meses? Dos 506 casos
conhecidos sobrará um caso. É isto mesmo que entendi?
Marcos Inhauser
quarta-feira, 12 de dezembro de 2018
GERAÇÃO INÚTIL
Você certamente já ouviu falar da Geração Nem-Nem: nem
trabalham, nem estudam. Escrevi em minhas últimas colunas sobre a geração que
não tem vocabulário porque não leem e, em função disto, usam emojis e memes
para tentar dizer o que pensam ou sentem. Curtos de vocabulário, sabem apertar teclas
e tocar telas.
Eu já tinha ouvido algo parecido a isto quando trabalhei com
treinamento em uma fábrica que contratava centenas de jovens para trabalho
temporário, com duração de seis meses. Nos primeiros cinco trabalhavam
razoavelmente bem, mas no sexto já encostavam o burro na sombra. Demitidos ao
final do contrato, ficavam pendurados no seguro desemprego por mais uns seis
meses. Ouvi mais de uma vez dos supervisores destes jovens de que se tratava de
uma geração perdida. O assunto deles era só balada e bebedeira.
Mais tarde ouvi de uma professora universitária preocupada
com a quantidade de alunos que entravam na sala de aula, assinaram a lista de
chamada e saiam para ir beber no bar em frente à faculdade. Não queriam saber
de estudar e a escola era o pretexto para sair de casa.
Com as recentes mudanças nos perfis das vagas de trabalho,
que exigem mais conhecimento e habilidades comunicacionais, relacionais e
trabalho em equipe, uma parcela da nova geração está ficando à margem dos
processos seletivos. Tenho para comigo que dentre os 14 milhões de
desempregados, há grande parte formada pelos desprovistos de mínimas
habilidades relacionais e comunicacionais. Gente inútil desde o ponto de vista
funcional.
Por algumas vezes fui solicitado por amigos para dar uma
garibada em currículos de filhos ou amigos. No mais das vezes continham erros
crassos de português, falta de sentido nas frases ou estava pavoneado: inglês
básico, curso de Word e Excel. Se nem sabiam lidar com o idioma materno, como
esperar que soubessem inglês?
Dia destes vi um presidente de multinacional sentado no seu
escritório olhando CVs para seleção de uma funcionária para um determinado
cargo. Olhei para o CV e vi que nas telas (haviam duas conectadas ao mesmo
tempo) do computador estavam abertas, uma no Facebook, outra no Instagram.
Antes que eu perguntasse, ele me disse: o currículo está bom, mas o que escreve
no Face e Instagram é horrível. Alguém fez este CV para ela.
Certa feita, em uma viagem de Rio Verde a Campinas, uma moça
sentou ao meu lado e puxou conversa. Nova, tinha ido visitar o noivo e estava
para casar em poucos dias. Morava em uma cidade muito pequena, onde emprego era
raridade. O pai era agricultor e ela falava muito mal, comendo os “s” e errando
em todas as concordâncias. Ela me disse que ia casar e que iriam mudar-se para
a cidade dela para ajudar o pai. Do nada ela me disse que ela queria estudar
inglês e o que eu achava disto. Perguntei qual o emprego na cidade dela
requeria inglês, ao que me respondeu: nenhum! Eu disse a ela que seria melhor
estudar o português antes de se aventurar em outro idioma, porque este
aprendizado exigia bom conhecimento da língua materna. No meu entender, ia
gastar dinheiro para nada.
Fico a pensar o que será desta gente quando tiverem seus 35
anos de idade, a crise da meia idade bater à porta e sem perspectivas de
futuro! Sem INSS, sem plano de saúde, sem salário para comprar o básico,
dependentes dos pais, sem sonhos e, especialmente, sem realizações. Não terão
história para contar! Inúteis sociais!
Dá para entender porque o consumo de drogas está aumentando!
Marcos Inhauser
quarta-feira, 5 de dezembro de 2018
PESSOAS INSÍPIDAS
Aconteceu de novo! Estava na casa de uns parentes e
lembrando de coisas passadas, quando veio à tona a lembrança de um fato que
envolveu um pastor que visitava a cidade. Ao lembrar dele, recordei-me do filho
que estudou comigo e que nunca mais havia lembrado que ele tinha passado pela
minha vida. Entrei em contato com outros colegas do mesmo tempo que também
estudaram conosco e também não se lembravam, nem tinham notícia dele.
Foi uma pessoa insípida: passou, conviveu e não deixou nenhum
sabor de sua passagem. São pessoas que passaram em “brancas nuvens e em plácido
repouso” foram colocadas no esquecimento. Morrem na lembrança porque não
viveram na convivência.
A passagem delas foi sem nenhuma contribuição, sem benefício
para os circundantes, sem ensino passado, sem marcar em algo que tenham dito ou
feito. Olhando para trás percebo que o assunto delas era muito reduzido,
limitando-se a falar de futebol, contar piadas, falar de doença, reclamar da
vida. São doutores em falar obviedades. Têm PhD em Mesmice. Não tem assunto
porque nunca leram um livro, não leem jornal, não se atualizam, têm vocabulário
limitado. Costumo dizer que estas pessoas não têm “cabine pressurizada”: é só
levantar voo na conversa e começam a ter dor de cabeça pela falta de oxigênio
(neurônios).
Uma das primeiras colunas que escrevi para o Correio Popular
(Somos Água) eu dizia que uma vida significativa se mede pela quantidade de
água (lágrimas) derramada na hora da morte e que o epitáfio mais cruel da
história é a do rei bíblico que “morreu e não deixou saudades”. Há quem nem na
vida dos filhos fez diferença, ao ponto de uma filha me pedir para não falar
alto durante a cerimônia de sepultamento do pai porque, se ele estivesse só
dormindo e acordasse, ela não ia levá-lo de volta para casa!
Tenho estudado o fenômeno e tenho pensado que as pessoas que
passam e marcam a passagem são aquelas que foram significativas porque tiveram
alguma destas ações. Marcam a passagem as que nos ensinaram algo que nos ajudaram
em um momento concreto, supriram a falta de um conhecimento específico.
Lembro-me com clareza onde e quem foi que, diante de uma dúvida quanto ao
significado da palavra inglesa foreigner,
me ensinou o significado.
O segundo grupo é formado por aqueles que nos deram um norte
para a vida, que nos ajudaram a encontrar uma profissão, que nos ajudaram a ter
um sonho. Agradeço ao “seo Lineu” quem me chamou à sua casa e me disse, entre
outras coisas, que eu devia me dedicar ao ensino. Foi o que fiz a partir
daquela conversa.
O terceiro grupo é formado por aqueles que, em momento de
crise pessoal, nos ouviram e, muitas vezes com uma só palavra ou frase,
levantaram a nossa cabeça. Assim fez o Lauro quem me fez lembrar de um trecho
dos Salmos: “as lágrimas podem durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”.
Outro me disse que “depois do dilúvio sempre há um arco-íris”.
O quarto grupo é daqueles que, diante de uma necessidade
financeira ou de conhecimento, se dispuseram a investir na nossa vida.
Lembro-me do Adilson quando, tendo ido à faculdade com os últimos centavos que
tinha, estava disposto e voltar a pé para casa, percorrendo uma distância de
uns 10 km. Ele apareceu e se ofereceu a me dar uma carona, sem saber da minha
dificuldade. Ele me deixou na porta de casa. Alguns dias depois contei a ele o
que tinha acontecido e ele me afirmou que tinha decidido não ir à aula naquele
dia, mas que foi porque, em certo momento, percebeu que tinha errado o caminho
de volta para casa e estava indo à faculdade.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
MEME: A PALAVRA HUMILHADA
Virou febre. Ao invés de escrever, de expressar sentimentos,
de pensar, refletir e se posicionar, busca-se memes para passar adiante algo com
o qual a pessoa concorda. Ele é uma unidade de informação que tem a habilidade
de se multiplicar, através das ideias e informações que se propagam de
indivíduo para indivíduo. Na internet, ele tem a capacidade de viralizar.
O termo foi cunhado por Richard Dawkins, em 1976, em seu
livro “O Gene Egoísta” e a palavra vem do grego mimeme que tem o sentido de imitação, e podem ser ideias, músicas,
sons, desenhos, modas, valores ou qualquer coisa que possa ser apreendida com
facilidade. É uma forma simplificada de informação, que não exige muito do
emissor e quase nada do receptor.
A narrativa bíblica coloca a comunicação como ato primeiro
do ser humano. Assim que Adão viu a Eva disse: é carne da minha carne, osso dos
meus ossos. O interessante é que, antes disto, de acordo com a segunda
narrativa da criação, o homem havia sido solicitado a dar nomes aos animais e,
ao final do processo, Deus afirma não haver entre eles quem estivesse à sua
altura. Isto se deu porque houve monólogo e não diálogo. Era um “eu” que falava
e não havia um “tu” para responder à altura. Com a criação da companheira, Eva,
se criou o diálogo, elemento fundante das relações e construção da sociedade.
Quando o diálogo se esvazia e cede a outras formas de
interação, paga-se alto preço social. É o diálogo que constrói a convivência,
que estabelece bases para a convivência na diversidade, que incrementa o
espírito da tolerância. O esvaziamento do diálogo é, em última análise, o empobrecimento
do ser humano. Ele foi feito para se comunicar, para pensar, refletir, trabalhar
conceitos, expressar sentimentos, negociar, buscar consenso, ver no outro a “carne
da sua carne e o osso dos seus ossos”. Ao empobrecer o diálogo, empobrece-se o
próximo e, por consequência, a si próprio.
Quando o diálogo cede espaço aos memes, quando a conversa se
resume em uma imagem ou símbolo (ainda que eles façam parte da comunicação), a
palavra é humilhada. Não se fala, se desenha. Não se expressa sentimentos,
manda-se emojis.
O diálogo pressupõe o falar e o ouvir na mesma intensidade e
qualidade. Quando alguém se comunica por memes e emojis, há emissão da
comunicação, há recepção da mensagem pelo outro, mas a coisa para aí ou, na
melhor das hipóteses, outro meme ou emoji é devolvido. É uma conversa de tartamudos!
O meme é a humilhação da palavra (tomo o termo emprestado do
Jacques Ellul). Ela é jogada fora como elemento essencial da comunicação. Seu
poder de articular ideias, de expressar sentimentos, de trocar conhecimento, de
ensinar, de cativar, de seduzir é trocado pela forma mais básica de
comunicação: desenhos. Esta era a forma primitiva de se comunicar via hieróglifos,
ideogramas, gravuras. É o retorno à era das cavernas.
Isto talvez explique o nível de violência que as redes
sociais têm revelado. Pessoas que não conseguem ouvir o diferente, que só sabem
usar meia dúzia de palavras ofensivas, que não sabem ouvir, têm dificuldades em
articular três ou mais frases encadeadas pela lógica. Não cultuaram o hábito de
ler e, por isto, não sabem escrever. Não lerão esta coluna até o fim, mas vão
me espinafrar com afirmações ridículas.
Marcos Inhauser
Marcadores:
empobrecimento humano,
esvaziamento da comunicação,
meme
quarta-feira, 21 de novembro de 2018
GOVERNADOS POR NÃO-ELEITOS
Tenho meus questionamentos com a forma de escolha dos
presidentes nas democracias, especialmente quando a mídia e o marketing jogam
papel preponderante. Os marqueteiros conseguem eleger postes e há inúmeros
exemplos brasileiros e fora do país em que tal se deu. A eleição do Trump, até onde
se sabe, tem grande chance de ter sido fruto de marketing político. Se antes
era o tempo de televisão e as técnicas de filmagem e enquadramento que interferiam
nas escolhas, com o advento das redes sociais, os memes entraram e jogaram pesado.
Neste sentido houve uma democratização da propaganda
eleitoral. Se antes meia dúzia de Dudas Mendonças faziam o trabalho ao ponto de
ser arriscado não utilizar seus serviços, hoje uma câmera razoável e um pequeno
estúdio podem fazer estragos. As recentes eleições nos EUA e Brasil alçaram ao
estrelato as fake news. O tempo de TV
perdeu vigência para o tempo de celular (que o diga o Alckmin e seu tempo de TV
que era maior que a soma de todos os outros e os pífios 4% de votos
conseguidos).
Mas o que me intriga nos eleitos é que eles pouco ou nadam
decidem sobre a vida da nação. Precisam escolher pessoas para ocupar cargos e
fazer o que precisa ser feito. No modelo tomá-lá-dá-cá que se convencionou
chamar de presidencialismo de coalizão, já vimos ministros saltando da cadeira
de Economia para a da Saúde, gente que mal sabia do que se tratava, assumindo
ministérios e fazendo suas inhacas. Haja visto o que aconteceu com o ministério
do Trabalho. A Cristiane Brasil, nomeada e nunca empossada, entendia de
conchavos e acertos espúrios.
No caso do recém-eleito presidente, vão surgindo figuras com
autonomia e liberdade para altos voos e que não receberam nenhum voto. A
Economia via ser comandada por alguém que nunca recebeu um voto, nem para
síndico do prédio. Ele vai comandar a economia e outras áreas da nação e parece
ter mais poder que o eleito. O mesmo se pode dizer do Sérgio Moro. Quando foi
que ele se submeteu ao escrutínio popular para galgar ao posto que lhe foi
oferecido? Muitos me dirão: mas ele foi escolhido por sua comprovada capacidade
como juiz federal. O fato de ser um prolatador de sentenças o habilita,
automaticamente, para assumir as mais variadas funções administrativas. O fato
de ser um bom juiz garante que será um bom administrador?
Quando ouço o Roberto Castello Branco dizendo que vai
privatizar parte da Petrobras, quem lhe deu este mandato e autonomia? Foi o
Paulo Guedes. Quantos votos o Guedes teve? Quem elegeu o Levy como presidente
do BNDES? Quantos votos ele teve para ter poder sobre o maior banco do Brasil? A
ministra da Agricultura foi eleita como deputada e alçada ao ministério. Foi
para isto que ela foi eleita?
Fica no ar uma pergunta: a democracia se faz através do
voto, pela escolha popular? Ou a democracia se faz elegendo alguém que recebe
uma carta em branco para colocar ao seu lado quem quiser, os quais, ser ter passado
pelo escrutínio, recebem autonomia para fazer o que quiserem ou as forças que o
pressionam desejarem.
Perguntado sobre algumas nomeações, o presidente disse que
deu “carta branca” para que escolhesse quem ele achasse que seria competente. Pelo
que vejo, o papel que resta ao presidente neste “presidencialismo de delegação”
é o de “porta-voz”, coisa que tem feito quase que a diário via Instagram e
outras redes sociais. E como falador do governo, já produziu o estrago dos Mais
médicos, a ira do mundo árabe com a pretendida mudança da embaixada brasileira
para Jerusalém. A continuar assim, nem porta-voz será, delegando a tarefa ao vice.
Um desastre anunciado.
Marcos Inhauser
quarta-feira, 14 de novembro de 2018
SOLIDÃO NA MULTIDÃO
Talvez você viva isto ou conhece alguém que o experimente: morar em um condomínio e não conhecer o vizinho. No máximo há um cumprimento formal de “bom dia” ou “boa noite”.
Aristóteles, em sua obra Política fez a declaração que se tornou célebre e paradigmática: somo seres políticos. Ele fez tal afirmação a partir da constatação de que a cidade é uma comunidade, formada com vistas ao bem-comum, onde as ações dos habitantes visam um bem. Portanto, todos participam da vida da polis (cidade) e a atuação deles na comunidade é política. Logo, esta atuação se dá no contexto social e comunitário, nunca na atuação isolada e solitária. Viver em sociedade exige interação e integração com os demais.
Isto era verdade nas sociedades rurais, onde o sistema cooperativo era fundamental para que se alcançassem os objetivos do grupo: boas colheitas ou cuidado excelente do rebanho. Adicione-se a isto a diminuta rede de contatos que a vida rural permitia. Os encontros nas festas ou aos domingos nos eventos religiosos eram a única forma de expandir os contatos, o que era valorizado.
Com a gradativa transferência para o ambiente urbano, os contatos extrafamiliares foram se intensificando e, inversamente, a qualidade deles foi sendo comprometida. Cada vez se conhece mais gente com as quais se têm um relacionamento formal. Trabalha-se em empresas e corporações, em um ambiente competitivo, onde cada qual precisa mostrar suas habilidades e talentos e onde o colega pode ser uma ameaça ao desenvolvimento ou crescimento profissionais. São as “amizades profissionais”. Evidência disto é o surgimento dos networks, redes de relacionamentos profissionais onde, na medida do possível e conveniência, há algum tipo de ajuda comunitária.
Os meios de comunicação tiveram sua contribuição. A mesma notícia é vista por milhões, a mesma piada ouvida por toda a rede de relacionamentos, os mesmos programas são assistidos por expressiva maioria dos conhecidos. Esta massificação torna as conversas problemáticas porque é difícil trazer algo novo ou diferente. No mais das vezes, as conversas acrescentam algo para alguém que não teve a oportunidade de ver o que as mídias trouxeram. Com a recente customização da programação, onde cada qual pode ver o que lhe interessa na hora em que está disponível, sem a necessidade de estar à frente do televisor no horário predeterminado pela emissora, se produz a massificação pela audiência do que interessa.
Este processo de tornar-se um entre milhões gerou, no meu entender, alguns comportamentos típicos da geração solidão. O primeiro deles é a necessidade de postar selfies todos os dias, forma um tanto patológica de pedir que as pessoas olhem para a pessoa. Isto me faz lembrar da Elaine, quando criança, que pedia: “tio, olha prá mim!” A cada post uma ansiedade para saber quantos likes teve.
Outro comportamento é a onda das tatuagens. Acho que isto é uma forma de busca de identidade pelo diferencial que os desenhos ou símbolos afixados ao corpo pode dar. É uma forma de dizer: olha como sou diferente! Quanto mais tatuagem, mais garantia de chamar a atenção e ser notado.
As competências da vida em sociedade, do relacionamento, do olhar no olho, das leituras facial e corporal estão caindo em desuso. O que vale são os ícones, carinhas das mais variadas formas que até dicionário já exigem para saber o que querem dizer. Não mais se precisa ter palavras: basta uma coleção de carinhas (emojis)!
Salvo engano de alguém que se coloca pessimista, estamos regredindo para os tempos da caverna quando, por falta de vocabulário, se sentavam à volta da fogueira para contemplar as labaredas.
Marcos Inhauser
Aristóteles, em sua obra Política fez a declaração que se tornou célebre e paradigmática: somo seres políticos. Ele fez tal afirmação a partir da constatação de que a cidade é uma comunidade, formada com vistas ao bem-comum, onde as ações dos habitantes visam um bem. Portanto, todos participam da vida da polis (cidade) e a atuação deles na comunidade é política. Logo, esta atuação se dá no contexto social e comunitário, nunca na atuação isolada e solitária. Viver em sociedade exige interação e integração com os demais.
Isto era verdade nas sociedades rurais, onde o sistema cooperativo era fundamental para que se alcançassem os objetivos do grupo: boas colheitas ou cuidado excelente do rebanho. Adicione-se a isto a diminuta rede de contatos que a vida rural permitia. Os encontros nas festas ou aos domingos nos eventos religiosos eram a única forma de expandir os contatos, o que era valorizado.
Com a gradativa transferência para o ambiente urbano, os contatos extrafamiliares foram se intensificando e, inversamente, a qualidade deles foi sendo comprometida. Cada vez se conhece mais gente com as quais se têm um relacionamento formal. Trabalha-se em empresas e corporações, em um ambiente competitivo, onde cada qual precisa mostrar suas habilidades e talentos e onde o colega pode ser uma ameaça ao desenvolvimento ou crescimento profissionais. São as “amizades profissionais”. Evidência disto é o surgimento dos networks, redes de relacionamentos profissionais onde, na medida do possível e conveniência, há algum tipo de ajuda comunitária.
Os meios de comunicação tiveram sua contribuição. A mesma notícia é vista por milhões, a mesma piada ouvida por toda a rede de relacionamentos, os mesmos programas são assistidos por expressiva maioria dos conhecidos. Esta massificação torna as conversas problemáticas porque é difícil trazer algo novo ou diferente. No mais das vezes, as conversas acrescentam algo para alguém que não teve a oportunidade de ver o que as mídias trouxeram. Com a recente customização da programação, onde cada qual pode ver o que lhe interessa na hora em que está disponível, sem a necessidade de estar à frente do televisor no horário predeterminado pela emissora, se produz a massificação pela audiência do que interessa.
Este processo de tornar-se um entre milhões gerou, no meu entender, alguns comportamentos típicos da geração solidão. O primeiro deles é a necessidade de postar selfies todos os dias, forma um tanto patológica de pedir que as pessoas olhem para a pessoa. Isto me faz lembrar da Elaine, quando criança, que pedia: “tio, olha prá mim!” A cada post uma ansiedade para saber quantos likes teve.
Outro comportamento é a onda das tatuagens. Acho que isto é uma forma de busca de identidade pelo diferencial que os desenhos ou símbolos afixados ao corpo pode dar. É uma forma de dizer: olha como sou diferente! Quanto mais tatuagem, mais garantia de chamar a atenção e ser notado.
As competências da vida em sociedade, do relacionamento, do olhar no olho, das leituras facial e corporal estão caindo em desuso. O que vale são os ícones, carinhas das mais variadas formas que até dicionário já exigem para saber o que querem dizer. Não mais se precisa ter palavras: basta uma coleção de carinhas (emojis)!
Salvo engano de alguém que se coloca pessimista, estamos regredindo para os tempos da caverna quando, por falta de vocabulário, se sentavam à volta da fogueira para contemplar as labaredas.
Marcos Inhauser
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