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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

AMIZADE NÃO É IOGURTE

Uma das coisas mais preciosas do ser humano é ter amigos. Ainda que outras espécies animais tenham seus relacionamentos, façam suas alianças e vivam em bandos ou grupos, falta-lhes a capacidade de ter e ser amigo. Amizade é algo divino, algo que tem a ver com a Imago Dei que o relato da criação diz que temos. Muito já se discutiu e se refletiu sobre o significado desta imagem e semelhança de Deus em nós. Há quem diga que é a nossa conformação trina (corpo, alma e espírito), há quem diga que é o desejo da adoração do ser superior que só os humanos têm, outros afirmam que é a capacidade humana de estabelecer comunicação em nível superior. Outros dizem que é a capacidade humana de planejar, de pensar no futuro, de mudar a cultura e interferir na história. Tenho pensado que é a capacidade humana de se relacionar em níveis altruísticos e estabelecer laços afetivos não erotizados.
A amizade se inclui nisto. Ela é algo indefinível na sua totalidade, mas experienciável em sua plenitude. Ela é algo que não é como iogurte que tem prazo de validade curto. Ela não é namoro e acho que é mais sublime que ele. Ninguém pede alguém em amizade, tal como ocorre no namoro, noivado ou casamento. A amizade tem geração espontânea: acontece! Não busca a reciprocidade: ela é doação incondicional. A amizade não é ciumenta, nem grudenta, nem supervisora, nem asfixiante. Ela é amizade e ponto final.
Amigos não precisam se ver a toda hora. Basta saber que são amigos e que um pode contar como outro sempre que precisar. Ela é uma relação bilateral de ajuda, onde o equilíbrio do dar e receber é uma constante. Amigo que só explora, que é folgado, que “encosta”, que não se dispõe a dar sua cota, é chupim e não amigo. Amigo enriquece pelo que traz de conteúdo e conhecimento à relação. Ele ensina e aprende com a relação.
Não há divórcio nem separação de bens na amizade. Se algo acontece e ela é rompida, cada qual vai para o seu lado e as coisas se acertam. Podem ficar algumas rusgas, mas nunca soube de um processo por danos e perdas porque uma amizade terminou.
Amizades são como carvalhos: árvores longevas que sempre têm sombra para aninhar os cansados. Pode haver tempestade, ventos fortes, muita trovoada, mas lá está o carvalho. Assim é o amigo. Amizade é como vinho: vai pegando mais sabor com o tempo. A idade adoça as amizades, tira o adstringente, acrescenta o amaderado. A amizade não exige encontros constantes: o amor, se não está em constante contato com a pessoa amada, esfria. A amizade não. Ela se mantém.
Velhos amigos não são, necessariamente, os amigos velhos, ainda que a relação tenha certa constância. Amizades existem para durar. Feliz a pessoa que tem amigos de longa data. O tempo pode tirar de nós algumas amizades, porque somos finitos. Perder um amigo é perder alguém que é mais que um irmão. Bem diz a Bíblia que há amigos mais chegados que um irmão. Cultivar e celebrar as amizades é sinal de sabedoria!
Ontem soube que um grande amigo, o Gerson Urban, está na UTI em estado grave. Levei um baque! O Gersão é destes amigos que nos falamos de tempo em tempo e, quando nos encontramos, é uma festa. Doeu saber da saúde do Gersão. Mas também foi o aniversário do Christian, outro amigo de longa data. Poucos nos temos falado e encontrado, mas sei que a amizade não se definhou, antes, o respeito de um para com o outro cresce cada vez mais.
Aos meus amigos (que não são poucos), a minha gratidão por este amor que é ágape!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

DEPRESSÃO VIRTUAL


Em  conversas com amigos e lendo em noticiosos, percebo que há uma generalizada debandada das redes sociais. Parece que a coisa saturou. Ouvi de mais de um que é muito tempo gasto para nada. O que estão dizendo é      que nas redes sociais, se a pessoa quer ler e responder ao que chega, gasta muito tempo e nada ou quase nada é acrescentado ao conhecimento.
As redes são o palco de uma miríade de platitudes, lugares comuns, obviedades e senso comum. Não é para menos que seja terreno propício para as Fake News porque as pessoas consomem o que leem e repassam, sem um olhar crítico.
Não sou afeito às redes e já escrevi que, por vezes, me sinto jurássico por não estar em dia com estas novidades tecnológicas. Uso o Facebook para postar a minha coluna, tenho o Whatsapp para me comunicar com uma dúzia de amigos, um ou dois grupos e nada mais que isto. Confesso que já tive mais gente no meu Whatsapp, mas percebi que me enviavam tanto lixo que bloqueei. Tinha quem me mandasse dez ou mais memes por dia!
Era muito tempo lendo lixo, mais tempo ainda limpando o lixo nos arquivos baixados. Não ganhei um centavo com o que recebi da maioria das postagens, mas preservo alguns contatos porque estes, sim, ainda que de forma esporádica, me enviem coisas interessantes e instrutivas.
Pesquisas têm revelado uma forte tendência de declínio no uso do Facebook, Whatsapp, Instagram e outras. Tanto assim que o Whatsapp, por razões de evitar a disseminação de notícias falsas, já limitou o envio de mensagens para não mais que 5 contatos (o que celebro).
O uso político destes apps também tem contribuído, especialmente porque gerou tensão e atritos, inclusive dividindo famílias e rompendo amizades. A presença dos haters e a facilidade com que agridem algo postado e a pessoa que postou, pode ser outro elemento causador desta tendência.
Mas o afastamento das redes vem acompanhado ou é precedido de um sentimento de desmotivação, de tristeza, de falta de esperança. Tenho ouvido de gente que, por ter sido rudemente atacada por causa de uma foto postada, algo escrito ou opinião dada, entram em crise. As redes são espaço fácil para destilar ódio. Vi uma foto postada por uma mãe com sua filha e vários comentaram com as afirmativas comuns: lindas, duas gatas, maravilhosas. Mais à frente o marido postou: mocreias!
Este exemplo é paradigmático dos dois polos: afirmativas positivas pelo uso de expressões que não dizem nada (gatas, lindas, maravilhosas) e que são a grande parte dos comentários e as expressões agressivas, despropositais, amargas, biliáticas. Estas, ainda que, no mais das vezes usem frases useiras e vezeiras, ferem, machucam, ofendem. As primeiras não elogiam ao ponto do ego se sentir massageado (salvo para os narcísicos patológicos) e as segundas, ofendem profundamente e levam as pessoas à depressão virtual, mas tão real quanto a depressão tal como é conhecida.
Se a justiça reconheceu há pouco um caso de estupro virtual, por que não também o de depressão virtual? Se os pedófilos e caluniadores podem ser processados pelo que postam, por que não também os que produzem tristezas e depressão pelas amarguras destiladas nas  redes?
Para mim nada substitui o canto físico, o olho no olho, a conversa ao redor da mesa, as gargalhadas, o riso e as lágrimas das recordações. Rede social para mim é o tempo que desfruto do cafezinho com o Samuel, a pizza com o Daniel, a conversa com o Alexandre, as aulas privativas com o Zé Lima, os comentários sobre as leituras de livro que fazemos eu e o Silvarinho. Tantas outras experiências maravilhosas poderia citar, mas o espaço não permite e nem por isto, meu amigo e amiga, não se sinta excluído.
Marcos Inhauser

ESPERANDO RECOMEÇOS

Já escrevi aqui que deve ser chato ser Deus porque nada é novo ou diferente para Ele, nada pode maravilhá-Lo. Ele sabe de tudo, criou tudo.
Mas há um outro elemento que me inquieta neste final de ano. Deus, porque é Deus, não pode nem pôde nunca recomeçar algo. Ele faz tudo tão certo que não há necessidade de refazer. Ele não precisa aprender com os erros porque, segundo a definição, é impossível que Ele erre.
Fiquei me imaginando no lugar de Deus e não posso dizer que gostei. Uma vida certinha, sempre fazendo tudo tão correto, certo e perfeito me cheirou algo meio cansativo (há uma expressão melhor no espanhol: aburrido).
Pense nisto: ficar a vida toda sem a possibilidade de recomeçar a fazer algo, sem a possibilidade de aprimorar na segunda vez o que se fez na primeira, de dar um toque especial.
O fato de fazer tudo certo já na primeira vez não exige que a vida tenha recomeços. Recomeçar é característica dos seres criados, dos humanos e animais. A necessidade de recomeçar, de ter a esperança de que na próxima vez será melhor, é coisa tipicamente humana. Deus não precisa disto. Deus não tem esperança porque espera quem não tem todas as condições de realizar o que quer que aconteça.
Deus não tem a limitação do tempo. Os entendidos e definidores de como Deus é dizem que Ele é um ser atemporal, ou seja, que não está afeito às condições do tempo. Por isto também o definem como eterno, sem princípio nem fim de dias. Não teve começo e não terá fim. Deus não se rege pelos meses, estações, luas, anos, séculos ou milênios.
Isto é coisa aqui do “andar de baixo”. Nós precisamos de uma noite para descansar (Deus não descansa, ainda que a Bíblia diga que Ele descansou e mais tarde Jesus contradiz isto dizendo que Ele e o Pai trabalham até agora). Precisamos de uma noite para renovar forças e esperanças. O salmista, afirmando algo que todos gostamos de acreditar, diz: o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.
Os dias terminam com a entrada da noite e isto é o recomeço. A noite termina com a entrada do dia e isto é recomeço.
Recomeçamos com as trocas das luas, com a entrada das estações, com a mudança dos meses, com a entrada de um ano novo. Precisamos destes recomeços, porque vivemos de esperança. E esperamos que amanhã seja melhor, que o próximo verão seja mais ao meu gosto, que no próximo Natal toda a família esteja reunida, que no próximo ano seja promovido ou ganhe mais, etc. e tal.
A vantagem de ser humano é esta capacidade de recomeçar, de aprender com os erros e acertos da vida. A beleza da vida é a esperança, coisa típica e maravilhosamente humana. Quem não espera, morre.
Esperar contra toda a esperança foi a grande obra de Abraão, o pai da fé. É esperar o que nos caracteriza nestes dias de expectativa com o novo ano, novo governo, nova Câmara, novo Senado, novos ministros. Queremos dias melhores, com mais empregos, melhores salários, relações mais prazerosas, casamentos mais felizes, sentimento de realização, mais abraços, mais beijos, mais compreensão, etc.
Marcos Inhauser 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

NA RESSACA DO NATAL


Acaba mais uma celebração de Natal. Os mais puristas dirão que lá se vão mais de dois mil anos de celebrações. Outros, mais atentos e analíticos, questionarão, considerando que não há indícios de celebração do Natal nos primórdios da Igreja e que mesmo a data do nascimento nunca se conseguiu precisar e o que se celebra é uma convenção.
Há quem coloque o início das celebrações no século IV, a partir da figura de Nicola, nascido em Pátara – Ásia Menor, figura reverenciada por diferentes tradições cristãs. Com idas e vindas na história de Nicolau, que acabou virando santo e bispo de Myra, a tradição de São Nicolau, que envolvia o distribuir presentes na noite de natal, se expandiu pela Europa no século XII. Quinhentos anos depois, os holandeses levaram esta tradição aos Estados Unidos, e também se difundiu por toda a América Latina.
Inicialmente Papai Noel distribuía os presentes montado em um cavalo. Mais tarde o escritor Clement Moore  colocou o São Nicolau em um trenó puxado por renas. Mas foi a Coca-Cola quem, em 1931, fez uma campanha natalina, onde o personagem ganhou roupa vermelha, barba e enorme barriga.
Muito se escreveu criticando esta celebração do Natal onde o Papai Noel tem maior importância que o nascido, onde os presentes falam mais alto que a mensagem do nascimento de Jesus, a comilança toma espaço da fraternidade.
Há, no entanto, algumas coisas que devem ser consideradas depois que a festa acaba. Não há na cultura brasileira e, quiçá, na cultura ocidental, outro evento social que produza mais encontros familiares e de conhecidos, que promova mais tempo à mesa, mais confraternização, mais generosidade, mais perdão que o Natal. Que outro momento se tem tanta gente saindo de suas casas para visitar pais e parentes, para ter um tempo em família? Que outro evento provoca mais tempo à volta de uma mesa para uma refeição comunal? Talvez alguns citem o Thanksgiving estadunidense, mas ele tem um demérito: parte da tarde todos se sentam à frente da televisão para ver o Super Bowl. No Brasil e América Latina nem futebol tem. A televisão é de uma pobreza indescritível e o melhor é ficar conversando que ver o que passam.
Que outro evento produz mais giro no mercado, mais movimentação nas lojas, mais generosidade nos presentes, mais empregos, mais desejos de felicidade mesmo expressos a desconhecidos? Que outro evento produz mais gente engajada em solidariedade distribuindo presentes e comida aos mais necessitados, cânticos corais com apresentações nos mais variados espaços? Que outro evento inspirou tantos compositores a compor músicas, algumas que são obras primas da humanidade, como, por exemplo, o Aleluia de Haendel?
É verdade que houve quem bebeu e se excedeu no Natal. É verdade que tem gente de ressaca hoje. É verdade que tem gente que vai levar alguns meses para pagar os presentes que comprou e outros a comida que colocou sobre a mesa. Mesmo assim, nunca vi alguém reclamar da celebração do Natal. Há algo de mágico nele e sua comemoração. Tenho para comigo que o mágico é a mesa. O comer juntos é a prática mais antiga da humanidade. Já li o Yuval Harari, o Reza Aslam, o Domenico de Masi em suas incursões sobre a história da humanidade. Não vi neles uma ênfase no comer juntos como elemento formador da comunidade, ainda que isto seja tão antigo como o ser humano. Comer juntos é compartilhar, é dar do que se tem, é beneficiar o outro com o alimento. Isto também se faz no Natal e assim se retoma a prática mais antiga da humanidade!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

JOÃO! DE DEUS?


Há notícias que impactam e que não entendo por que elas têm este poder, uma vez que se tratam de coisas corriqueira. Há outras que, pelo inusitado, se transformam em sensações jornalísticas (a águia que fez ninho na janela de um apartamento na área do Central Park). Há as que nos estarrecem pela violência dos fatos (o caso do Tsunami nas Filipinas), pela crueldade (o caso da morte e emasculação do jogador de futebol), pelo volume do dinheiro envolvido (as descobertas da Lava Jato), pela constância na prática do crime (o ex-governador Sérgio Cabral) ou pela imprevisibilidade (o massacre na Catedral de Campinas). Muitos mais exemplos poderiam ser dados para exemplificar o que afirmo.
Estamos, nestes dias, diante de notícias que a cada dia nos estarrecem pela antiguidade da prática delituosa, pela quantidade de acusações, pelo tempo em que demorou para que viessem à luz, pelo abuso da autoridade religiosa e pela natureza dos crimes. Falo dos fatos relacionados ao João, indevidamente alcunhado de João de Deus.
Para mim, o problema começa com a alcunha: de Deus. Isto o elevou a um patamar de divindade, de alguém acima dos normais, de um quase deus. Se se prestar atenção às acusações agora feitas, perceber-se-á que muitas das mulheres dizem que não o denunciaram para não prejudicar a obra que ele fazia, que ele era idolatrado pelos seguidores, que ninguém acreditaria no que contassem. Nem mesmo uma juíza e promotor acreditaram no relato de uma abusada, e arquivaram a denúncia por falta de provas (queriam fotos ou vídeos que provassem?). Se era tido neste plano superior, suas ameaças de que a doença voltaria se contassem do abuso, que os demônios as atacariam ganhava foros de verdade, sem diminuir a grau de chantagem.
Neste exercício de poder há um desequilíbrio entre o religioso e o fiel. Cito aqui o que já escrevi anteriormente nesta coluna (Poder Divino): “... estudos feitos sobre os casos de violência sexual sempre mostram uma relação desigual de poder, onde os abusadores, no exercício de suas autoridades, impõem suas vontades sobre as partes mais fracas. Também afirmava que, no campo do religioso, esta desigualdade do poder se estabelece quando o religioso se apresenta como revestido de “autoridade espiritual”, o que facilita a investida sobre a presa de sua sanha sexual. Uma “cantada” de um religioso é mais efetiva que a de um cidadão normal. Há nisto a mística de estar se relacionando com o sagrado, com alguém mais próximo de Deus, uma elevação espiritual pelo sacrifício da entrega do corpo, de orgasmo mais pleno porque feito com a santidade. Há o caso (sem o mesmo destaque na mídia) de pastor que Deus revelou que as mulheres dos membros da Diretoria da Igreja deveriam ser acessíveis e acabou sendo flagrado no escritório pastoral com uma delas.”
No caso do João Abusador havia o argumento de equilíbrio das energias, de transferência, via genital, de energia para a cura e outras abobrinhas. Insaciável, até uma filha acusa o pai.
Não é para menos que, até o momento em que escrevo esta coluna, pelo menos 506 mulheres já ofereceram denúncia contra o João Abusador. No entanto, pasma-me o instituto da prescrição da punibilidade por ter decorrido algum tempo. A dor das abusadas, violentadas e estupradas não prescreveu. As lágrimas são atuais, a dor é diária, o sofrimento ininterrupto. É justo não aceitar denúncias porque feitas depois de seis meses? Dos 506 casos conhecidos sobrará um caso. É isto mesmo que entendi?
Marcos Inhauser


quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

GERAÇÃO INÚTIL


Você certamente já ouviu falar da Geração Nem-Nem: nem trabalham, nem estudam. Escrevi em minhas últimas colunas sobre a geração que não tem vocabulário porque não leem e, em função disto, usam emojis e memes para tentar dizer o que pensam ou sentem. Curtos de vocabulário, sabem apertar teclas e tocar telas.
Eu já tinha ouvido algo parecido a isto quando trabalhei com treinamento em uma fábrica que contratava centenas de jovens para trabalho temporário, com duração de seis meses. Nos primeiros cinco trabalhavam razoavelmente bem, mas no sexto já encostavam o burro na sombra. Demitidos ao final do contrato, ficavam pendurados no seguro desemprego por mais uns seis meses. Ouvi mais de uma vez dos supervisores destes jovens de que se tratava de uma geração perdida. O assunto deles era só balada e bebedeira.
Mais tarde ouvi de uma professora universitária preocupada com a quantidade de alunos que entravam na sala de aula, assinaram a lista de chamada e saiam para ir beber no bar em frente à faculdade. Não queriam saber de estudar e a escola era o pretexto para sair de casa.
Com as recentes mudanças nos perfis das vagas de trabalho, que exigem mais conhecimento e habilidades comunicacionais, relacionais e trabalho em equipe, uma parcela da nova geração está ficando à margem dos processos seletivos. Tenho para comigo que dentre os 14 milhões de desempregados, há grande parte formada pelos desprovistos de mínimas habilidades relacionais e comunicacionais. Gente inútil desde o ponto de vista funcional.
Por algumas vezes fui solicitado por amigos para dar uma garibada em currículos de filhos ou amigos. No mais das vezes continham erros crassos de português, falta de sentido nas frases ou estava pavoneado: inglês básico, curso de Word e Excel. Se nem sabiam lidar com o idioma materno, como esperar que soubessem inglês?
Dia destes vi um presidente de multinacional sentado no seu escritório olhando CVs para seleção de uma funcionária para um determinado cargo. Olhei para o CV e vi que nas telas (haviam duas conectadas ao mesmo tempo) do computador estavam abertas, uma no Facebook, outra no Instagram. Antes que eu perguntasse, ele me disse: o currículo está bom, mas o que escreve no Face e Instagram é horrível. Alguém fez este CV para ela.
Certa feita, em uma viagem de Rio Verde a Campinas, uma moça sentou ao meu lado e puxou conversa. Nova, tinha ido visitar o noivo e estava para casar em poucos dias. Morava em uma cidade muito pequena, onde emprego era raridade. O pai era agricultor e ela falava muito mal, comendo os “s” e errando em todas as concordâncias. Ela me disse que ia casar e que iriam mudar-se para a cidade dela para ajudar o pai. Do nada ela me disse que ela queria estudar inglês e o que eu achava disto. Perguntei qual o emprego na cidade dela requeria inglês, ao que me respondeu: nenhum! Eu disse a ela que seria melhor estudar o português antes de se aventurar em outro idioma, porque este aprendizado exigia bom conhecimento da língua materna. No meu entender, ia gastar dinheiro para nada.
Fico a pensar o que será desta gente quando tiverem seus 35 anos de idade, a crise da meia idade bater à porta e sem perspectivas de futuro! Sem INSS, sem plano de saúde, sem salário para comprar o básico, dependentes dos pais, sem sonhos e, especialmente, sem realizações. Não terão história para contar! Inúteis sociais!
Dá para entender porque o consumo de drogas está aumentando!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

PESSOAS INSÍPIDAS


Aconteceu de novo! Estava na casa de uns parentes e lembrando de coisas passadas, quando veio à tona a lembrança de um fato que envolveu um pastor que visitava a cidade. Ao lembrar dele, recordei-me do filho que estudou comigo e que nunca mais havia lembrado que ele tinha passado pela minha vida. Entrei em contato com outros colegas do mesmo tempo que também estudaram conosco e também não se lembravam, nem tinham notícia dele.
Foi uma pessoa insípida: passou, conviveu e não deixou nenhum sabor de sua passagem. São pessoas que passaram em “brancas nuvens e em plácido repouso” foram colocadas no esquecimento. Morrem na lembrança porque não viveram na convivência.
A passagem delas foi sem nenhuma contribuição, sem benefício para os circundantes, sem ensino passado, sem marcar em algo que tenham dito ou feito. Olhando para trás percebo que o assunto delas era muito reduzido, limitando-se a falar de futebol, contar piadas, falar de doença, reclamar da vida. São doutores em falar obviedades. Têm PhD em Mesmice. Não tem assunto porque nunca leram um livro, não leem jornal, não se atualizam, têm vocabulário limitado. Costumo dizer que estas pessoas não têm “cabine pressurizada”: é só levantar voo na conversa e começam a ter dor de cabeça pela falta de oxigênio (neurônios).
Uma das primeiras colunas que escrevi para o Correio Popular (Somos Água) eu dizia que uma vida significativa se mede pela quantidade de água (lágrimas) derramada na hora da morte e que o epitáfio mais cruel da história é a do rei bíblico que “morreu e não deixou saudades”. Há quem nem na vida dos filhos fez diferença, ao ponto de uma filha me pedir para não falar alto durante a cerimônia de sepultamento do pai porque, se ele estivesse só dormindo e acordasse, ela não ia levá-lo de volta para casa!
Tenho estudado o fenômeno e tenho pensado que as pessoas que passam e marcam a passagem são aquelas que foram significativas porque tiveram alguma destas ações. Marcam a passagem as que nos ensinaram algo que nos ajudaram em um momento concreto, supriram a falta de um conhecimento específico. Lembro-me com clareza onde e quem foi que, diante de uma dúvida quanto ao significado da palavra inglesa foreigner, me ensinou o significado.
O segundo grupo é formado por aqueles que nos deram um norte para a vida, que nos ajudaram a encontrar uma profissão, que nos ajudaram a ter um sonho. Agradeço ao “seo Lineu” quem me chamou à sua casa e me disse, entre outras coisas, que eu devia me dedicar ao ensino. Foi o que fiz a partir daquela conversa.
O terceiro grupo é formado por aqueles que, em momento de crise pessoal, nos ouviram e, muitas vezes com uma só palavra ou frase, levantaram a nossa cabeça. Assim fez o Lauro quem me fez lembrar de um trecho dos Salmos: “as lágrimas podem durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”. Outro me disse que “depois do dilúvio sempre há um arco-íris”.
O quarto grupo é daqueles que, diante de uma necessidade financeira ou de conhecimento, se dispuseram a investir na nossa vida. Lembro-me do Adilson quando, tendo ido à faculdade com os últimos centavos que tinha, estava disposto e voltar a pé para casa, percorrendo uma distância de uns 10 km. Ele apareceu e se ofereceu a me dar uma carona, sem saber da minha dificuldade. Ele me deixou na porta de casa. Alguns dias depois contei a ele o que tinha acontecido e ele me afirmou que tinha decidido não ir à aula naquele dia, mas que foi porque, em certo momento, percebeu que tinha errado o caminho de volta para casa e estava indo à faculdade.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

MEME: A PALAVRA HUMILHADA


Virou febre. Ao invés de escrever, de expressar sentimentos, de pensar, refletir e se posicionar, busca-se memes para passar adiante algo com o qual a pessoa concorda. Ele é uma unidade de informação que tem a habilidade de se multiplicar, através das ideias e informações que se propagam de indivíduo para indivíduo. Na internet, ele tem a capacidade de viralizar.
O termo foi cunhado por Richard Dawkins, em 1976, em seu livro “O Gene Egoísta” e a palavra vem do grego mimeme que tem o sentido de imitação, e podem ser ideias, músicas, sons, desenhos, modas, valores ou qualquer coisa que possa ser apreendida com facilidade. É uma forma simplificada de informação, que não exige muito do emissor e quase nada do receptor.
A narrativa bíblica coloca a comunicação como ato primeiro do ser humano. Assim que Adão viu a Eva disse: é carne da minha carne, osso dos meus ossos. O interessante é que, antes disto, de acordo com a segunda narrativa da criação, o homem havia sido solicitado a dar nomes aos animais e, ao final do processo, Deus afirma não haver entre eles quem estivesse à sua altura. Isto se deu porque houve monólogo e não diálogo. Era um “eu” que falava e não havia um “tu” para responder à altura. Com a criação da companheira, Eva, se criou o diálogo, elemento fundante das relações e construção da sociedade.
Quando o diálogo se esvazia e cede a outras formas de interação, paga-se alto preço social. É o diálogo que constrói a convivência, que estabelece bases para a convivência na diversidade, que incrementa o espírito da tolerância. O esvaziamento do diálogo é, em última análise, o empobrecimento do ser humano. Ele foi feito para se comunicar, para pensar, refletir, trabalhar conceitos, expressar sentimentos, negociar, buscar consenso, ver no outro a “carne da sua carne e o osso dos seus ossos”. Ao empobrecer o diálogo, empobrece-se o próximo e, por consequência, a si próprio.
Quando o diálogo cede espaço aos memes, quando a conversa se resume em uma imagem ou símbolo (ainda que eles façam parte da comunicação), a palavra é humilhada. Não se fala, se desenha. Não se expressa sentimentos, manda-se emojis.
O diálogo pressupõe o falar e o ouvir na mesma intensidade e qualidade. Quando alguém se comunica por memes e emojis, há emissão da comunicação, há recepção da mensagem pelo outro, mas a coisa para aí ou, na melhor das hipóteses, outro meme ou emoji é devolvido. É uma conversa de tartamudos!
O meme é a humilhação da palavra (tomo o termo emprestado do Jacques Ellul). Ela é jogada fora como elemento essencial da comunicação. Seu poder de articular ideias, de expressar sentimentos, de trocar conhecimento, de ensinar, de cativar, de seduzir é trocado pela forma mais básica de comunicação: desenhos. Esta era a forma primitiva de se comunicar via hieróglifos, ideogramas, gravuras. É o retorno à era das cavernas.
Isto talvez explique o nível de violência que as redes sociais têm revelado. Pessoas que não conseguem ouvir o diferente, que só sabem usar meia dúzia de palavras ofensivas, que não sabem ouvir, têm dificuldades em articular três ou mais frases encadeadas pela lógica. Não cultuaram o hábito de ler e, por isto, não sabem escrever. Não lerão esta coluna até o fim, mas vão me espinafrar com afirmações ridículas.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

GOVERNADOS POR NÃO-ELEITOS


Tenho meus questionamentos com a forma de escolha dos presidentes nas democracias, especialmente quando a mídia e o marketing jogam papel preponderante. Os marqueteiros conseguem eleger postes e há inúmeros exemplos brasileiros e fora do país em que tal se deu. A eleição do Trump, até onde se sabe, tem grande chance de ter sido fruto de marketing político. Se antes era o tempo de televisão e as técnicas de filmagem e enquadramento que interferiam nas escolhas, com o advento das redes sociais, os memes entraram e jogaram pesado.
Neste sentido houve uma democratização da propaganda eleitoral. Se antes meia dúzia de Dudas Mendonças faziam o trabalho ao ponto de ser arriscado não utilizar seus serviços, hoje uma câmera razoável e um pequeno estúdio podem fazer estragos. As recentes eleições nos EUA e Brasil alçaram ao estrelato as fake news. O tempo de TV perdeu vigência para o tempo de celular (que o diga o Alckmin e seu tempo de TV que era maior que a soma de todos os outros e os pífios 4% de votos conseguidos).
Mas o que me intriga nos eleitos é que eles pouco ou nadam decidem sobre a vida da nação. Precisam escolher pessoas para ocupar cargos e fazer o que precisa ser feito. No modelo tomá-lá-dá-cá que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão, já vimos ministros saltando da cadeira de Economia para a da Saúde, gente que mal sabia do que se tratava, assumindo ministérios e fazendo suas inhacas. Haja visto o que aconteceu com o ministério do Trabalho. A Cristiane Brasil, nomeada e nunca empossada, entendia de conchavos e acertos espúrios.
No caso do recém-eleito presidente, vão surgindo figuras com autonomia e liberdade para altos voos e que não receberam nenhum voto. A Economia via ser comandada por alguém que nunca recebeu um voto, nem para síndico do prédio. Ele vai comandar a economia e outras áreas da nação e parece ter mais poder que o eleito. O mesmo se pode dizer do Sérgio Moro. Quando foi que ele se submeteu ao escrutínio popular para galgar ao posto que lhe foi oferecido? Muitos me dirão: mas ele foi escolhido por sua comprovada capacidade como juiz federal. O fato de ser um prolatador de sentenças o habilita, automaticamente, para assumir as mais variadas funções administrativas. O fato de ser um bom juiz garante que será um bom administrador?
Quando ouço o Roberto Castello Branco dizendo que vai privatizar parte da Petrobras, quem lhe deu este mandato e autonomia? Foi o Paulo Guedes. Quantos votos o Guedes teve? Quem elegeu o Levy como presidente do BNDES? Quantos votos ele teve para ter poder sobre o maior banco do Brasil? A ministra da Agricultura foi eleita como deputada e alçada ao ministério. Foi para isto que ela foi eleita?
Fica no ar uma pergunta: a democracia se faz através do voto, pela escolha popular? Ou a democracia se faz elegendo alguém que recebe uma carta em branco para colocar ao seu lado quem quiser, os quais, ser ter passado pelo escrutínio, recebem autonomia para fazer o que quiserem ou as forças que o pressionam desejarem.
Perguntado sobre algumas nomeações, o presidente disse que deu “carta branca” para que escolhesse quem ele achasse que seria competente. Pelo que vejo, o papel que resta ao presidente neste “presidencialismo de delegação” é o de “porta-voz”, coisa que tem feito quase que a diário via Instagram e outras redes sociais. E como falador do governo, já produziu o estrago dos Mais médicos, a ira do mundo árabe com a pretendida mudança da embaixada brasileira para Jerusalém. A continuar assim, nem porta-voz será, delegando a tarefa ao vice. Um desastre anunciado.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

SOLIDÃO NA MULTIDÃO

Talvez você viva isto ou conhece alguém que o experimente: morar em um condomínio e não conhecer o vizinho. No máximo há um cumprimento formal de “bom dia” ou “boa noite”.
Aristóteles, em sua obra Política fez a declaração que se tornou célebre e paradigmática: somo seres políticos. Ele fez tal afirmação a partir da constatação de que a cidade é uma comunidade, formada com vistas ao bem-comum, onde as ações dos habitantes visam um bem. Portanto, todos participam da vida da polis (cidade) e a atuação deles na comunidade é política. Logo, esta atuação se dá no contexto social e comunitário, nunca na atuação isolada e solitária. Viver em sociedade exige interação e integração com os demais.
Isto era verdade nas sociedades rurais, onde o sistema cooperativo era fundamental para que se alcançassem os objetivos do grupo: boas colheitas ou cuidado excelente do rebanho. Adicione-se a isto a diminuta rede de contatos que a vida rural permitia. Os encontros nas festas ou aos domingos nos eventos religiosos eram a única forma de expandir os contatos, o que era valorizado.
Com a gradativa transferência para o ambiente urbano, os contatos extrafamiliares foram se intensificando e, inversamente, a qualidade deles foi sendo comprometida. Cada vez se conhece mais gente com as quais se têm um relacionamento formal. Trabalha-se em empresas e corporações, em um ambiente competitivo, onde cada qual precisa mostrar suas habilidades e talentos e onde o colega pode ser uma ameaça ao desenvolvimento ou crescimento profissionais. São as “amizades profissionais”. Evidência disto é o surgimento dos networks, redes de relacionamentos profissionais onde, na medida do possível e conveniência, há algum tipo de ajuda comunitária.
Os meios de comunicação tiveram sua contribuição. A mesma notícia é vista por milhões, a mesma piada ouvida por toda a rede de relacionamentos, os mesmos programas são assistidos por expressiva maioria dos conhecidos. Esta massificação torna as conversas problemáticas porque é difícil trazer algo novo ou diferente. No mais das vezes, as conversas acrescentam algo para alguém que não teve a oportunidade de ver o que as mídias trouxeram. Com a recente customização da programação, onde cada qual pode ver o que lhe interessa na hora em que está disponível, sem a necessidade de estar à frente do televisor no horário predeterminado pela emissora, se produz a massificação pela audiência do que interessa.
Este processo de tornar-se um entre milhões gerou, no meu entender, alguns comportamentos típicos da geração solidão. O primeiro deles é a necessidade de postar selfies todos os dias, forma um tanto patológica de pedir que as pessoas olhem para a pessoa. Isto me faz lembrar da Elaine, quando criança, que pedia: “tio, olha prá mim!” A cada post uma ansiedade para saber quantos likes teve.
Outro comportamento é a onda das tatuagens. Acho que isto é uma forma de busca de identidade pelo diferencial que os desenhos ou símbolos afixados ao corpo pode dar. É uma forma de dizer: olha como sou diferente! Quanto mais tatuagem, mais garantia de chamar a atenção e ser notado.
As competências da vida em sociedade, do relacionamento, do olhar no olho, das leituras facial e corporal estão caindo em desuso. O que vale são os ícones, carinhas das mais variadas formas que até dicionário já exigem para saber o que querem dizer. Não mais se precisa ter palavras: basta uma coleção de carinhas (emojis)!
Salvo engano de alguém que se coloca pessimista, estamos regredindo para os tempos da caverna quando, por falta de vocabulário, se sentavam à volta da fogueira para contemplar as labaredas.
Marcos Inhauser