O apóstolo Paulo fez três viagens missionárias e, ao que tudo
indica e os estudiosos apontam, visitou a região da Galácia nas três viagens.
Definir os limites de tal região é algo que tem suscitado controvérsias e não
tenho aqui espaço para isto. O que se sabe é que, na região da Galácia,
especialmente nas cidades de Icônio, Listra e Derbe, ele teve atuação que
marcou a sua forma de entender o evangelho e nelas estabeleceu comunidades
cristãs.
Tudo indica que os Gálatas praticavam uma forma de politeísmo
romano-céltico, comum em outras terras célticas e ali Paulo pregou o seu
evangelho da graça, livre dos preceitos legalistas dos judaizantes ou das
religiões de mérito, onde o fiel recebe segundo suas ações. Dá-me a impressão
que Paulo se dedicou de corpo e alma a esta tarefa e acreditou piamente que os
gálatas tinham entendido o evangelho da graça e que viveriam pela graça.
No entanto, na carta que escreve às igrejas, percebe-se um
tom de frustração e indignação. Em nenhuma outra missiva ele foi tão duro e
contundente quanto o foi ao escrever a estas igrejas. O texto, no seu início,
tem uma advertência dura e defesa clara do evangelho de Cristo. Nota-se uma
brusca ruptura entre a saudação inicial (Gl 1,5) e o texto seguinte (Gl 1,6) que
mostra o estado de humor do autor e sua decepção com os gálatas. Ela difere das
outras cartas onde, à saudação inicial, segue-se ação de graças e elogios. Tal
era sua indignação e certeza do que lhes havia pregado que afirma: “... ainda
que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que
vos temos pregado, seja anátema. ... se alguém vos prega evangelho
que vá além daquele que recebestes, seja anátema. ... Faço-vos,
porém, ... que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque
eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus
Cristo.”
Dada a seriedade e a certeza do que havia pregado, dada a
esperança de que a graça prosperaria no seio destas comunidades, Paulo se
decepciona amargamente e escreve: “Ó gálatas insensatos! Quem
vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto
como crucificado? Quero apenas saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas
obras da lei ou pela pregação da fé? Sois assim insensatos que, tendo começado
no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?”
Esta carta me leva constantemente à pergunta: por que é tão
difícil para os cristãos viver a graça? Por que, mesmo sendo instruídos nela,
preferem, pregadores de méritos, do Deus que dá segundo o seu dízimo, que
prometem o milagre, a cura, a posse, como se senhores de Deus fossem, dando-lhe
ordens? Por que é mais fácil acreditar que foi a fé que imaginam ter o que
causou a benção, do que acreditar que a dádiva foi presente imerecido?
Por que, pessoas que viveram certo tempo em uma comunidade
onde a graça é ensinada, acreditam que seu filho, genro, marido, vizinho, amigo
só se converterão se forem para outra igreja, onde a “des-graça” é pregada,
onde a salvação vem pela obediência, e a “graça” exige a aceitação de uma
decisão?
Por que pregar a graça é cair em desgraça diante dos
pregadores de milagres e arrecadadores contumazes? Por que pregar a graça é ser
acusado de incentivar a licenciosidade e o anarquismo religioso?
Na Sua infinita graça, Deus permitiu que houvesse no Novo
Testamento uma carta para nos alertar que os pregadores de certezas e de
recompensas segundo as boas ações devem ser anatematizados, amaldiçoados! Não
sou eu quem o diz. Reclamem com o apóstolo Paulo e com o Espírito Santo!
Marcos Inhauser