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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

SUJEITO MEIA-BOCA

Comecei a prestar a atenção ao fato quando, em uma viagem, fui recebido no aeroporto e a pessoa que me esperava me disse que eu ficaria hospedado em um hotel recém-inaugurado. Lá chegando, percebi que o prédio era novo, mas que carecia de um bom acabamento na pintura, a recepção era pobre, a decoração de mau gosto. Quando entrei no quarto, as camas eram de metal, pobres, os colchões de espuma fina, o lençol, ainda que novo, era de terceira categoria, as toalhas mais pareciam lençóis recortados, o cobertor era puaia. Entrei no banheiro: a torneira era de plástico e rodava quando se tentava abrir ou fechar porque colocada de forma inapropriada. O chuveiro era dos mais baratos e jogava água para todo lado, menos onde devia molhar.
Conversando depois com o dono, percebi que ele era assim: meia-boca. O carro, a camisa, a calça, o sapato. Tudo nele era mal feito, torto, faltando botão, etc.
Em outra oportunidade, fui recebido na Rodoviária por um pastor. Ele pegou minhas malas, fomos ao estacionamento e o carro dele era um arremedo de alguma coisa que um dia tinha sido uma Belina. Abriu a tampa de trás no tranco. Colocou um cabo de vassoura para manter a tampa aberta. Para abrir a porta do motorista teve que colocar a mão e abrir por dentro. Eu pensei que aquele carro nunca tinha sido lavado. Ao andar parecia escola de samba: barulho por todo lado e o carro nas curvas rebolava. Perguntei como ele se sentia com um carro neste estado. Para surpresa minha, ele disse: este carro tá bom de mecânica, só tem umas coisinhas para acertar e vai ficar zero bala. Um ano depois, estava com o mesmo carro e sem ter acertado as coisinhas.
Em outra oportunidade, era uma S10. Estava aparentemente boa. A maçaneta da porta do passageiro estava quebrada. — Quando você vai arrumar isto? —Já fui ver. É barato. Três anos depois a coisa estava do mesmo jeito.
Estive em uma casa que tinha três aparelhos de televisão, um em cima do outro. Perguntei o porquê daquilo. A resposta: —Os de baixo estão queimados. —E por que você não descarta? —É o que pretendo fazer! Nunca fez.
Em uma casa que conheço, a caixa d’água fica no forro em cima do banheiro. A boia quebrou e vaza água. De preguiça de consertar, deixaram derramando. No máximo fechavam o registro até que água acabasse. Aí se lembravam de abrir e deixá-lo assim até que nova “inundação” ocorria. Havia goteira em cima da cama do casal quando isto acontecia. Mudaram a cama de lugar, mas nunca arrumaram a boia.
Estas pessoas meia-boca não pagam as coisas em dia, vivem com o nome sujo, trocam de operadora de celular cada vez que cortam a linha que estão usando. Não cozinham, mas vivem de comer “tranqueiras”: sanduiches, batata frita de saquinho, salgadinhos, frituras de bar de esquina. Um banquete é uma pizza pedida no delivery mais barato.
Há pessoas que não tem o cromossomo da coisa completa, terminada, da coisa limpa, arrumada. Elas se contentam com uma casa meia-boca, uma torneia pingando, uma porta sem maçaneta, uma janela que não fecha.
O pior é que algumas destas pessoas acham que tem a vocação para serem líderes, pastores ou ter seu próprio negócio ou se candidatarem para algum cargo. Não avançam nos negócios, não têm liderados, perdem a membresia das igrejas e acabam morando em casa construída com coisas roubadas.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

HENOTEÍSMO E MONOTEÍSMO

Segue texto do meu amigo e teólogo Paulo Rückert:
A dura lição do exílio na Babilônia provocou o amadurecimento teológico dos judeus. O confronto com os deuses dos dominadores ocasionou uma transição do Henoteísmo para o Monoteísmo.
O Henoteísmo afirma a adoração exclusiva de um Deus, que é superior aos demais deuses (2 Cr 2,5; Ex 15,11; Sl 82,1). Os outros povos têm os seus deuses, mas para os hebreus há somente um Deus, o verdadeiro. Os demais deuses foram subordinados a Iahweh (Sl 82), o Deus dos hebreus. “Celebrai o Deus dos deuses, porque o seu amor é para sempre!” (Sl 136,2).
No Sl 95,3 lemos: “Porque Iahweh é Deus grande, o grande rei sobre todos os deuses”. O hebreu reconhecia a existência dos deuses dos outros povos, mas declarava de modo enfático: Iahweh é superior a todos eles. Ele controla toda a realidade. Ele é o grande Rei (Sl 77,13; 96,4-5; 97,9; 136,2-3; 145,1).
O Sl 96 declara: “Pois Iahweh é grande, e muito louvável, mais temível que todos os deuses!” (v. 4). “Os deuses dos povos são todos vazios” (v. 5). Diante de Iahweh, os demais deuses são inexpressivos. Iahweh é o maior de todos (Sl 97,7; 115,4-8; 135,15-18; Is 40,18-19; 41,21-24).
“Graças te darei, de todo o coração; celebrar-te-ei perante os deuses” (Sl 138,1). Ao povo hebreu compete adorar somente um: Iahweh. Não há possibilidades para um sincretismo. Encontramos também declarações de henoteísmo em Ex 15,11; Dt 3,24; Sl 77,14.
Por sua vez, o Monoteísmo declara que só existe o único Deus verdadeiro com o qual todos os acontecimentos estão relacionados. Há um só Deus e os ídolos são nulos e inexistentes (Is 43,10; 44,6; Dt 32,39; 1 Rs 8,60; Sl 18,31; Zc 14,9). Vejamos o Sl 86,10: “pois tu és grande e fazes maravilhas, tu és Deus, tu és o único”. Vejamos também Is 45,21; Jr 10,6.
A partir da afirmação do Monoteísmo, o povo constatou que Deus continua com o controle dos acontecimentos. O propósito divino se realiza.
Mais tarde, Isaías formulou o monoteísmo absoluto (45,6.14-21), que é mais afirmativo do que o henoteísmo, pois declara a nulidade e a inexistência dos ídolos. O profeta Zacarias radicalizou o monoteísmo (Zc 14,9).
O monoteísmo ético significa que o único Deus compromete a pessoa a orientar a sua vida mediante princípios éticos. A fé e a ética estão interligadas.
 “A evolução intelectual e religiosa da antiga sociedade oriental tendia para o monoteísmo ético e transcendental. Apenas os judeus, no entanto, foram capazes de levar essa tendência a uma conclusão lógica e inequívoca” (William McNeill, História Universal, p. 59).
Portanto, o monoteísmo não se restringe a uma crença teórica e abstrata, contestada por Tiago (2,19). O monoteísmo ético implica um vínculo entre fé e compromisso. “A definição de monoteísmo ético por esse povo foi, portanto, uma das maiores e mais duradouras conquistas da antiga civilização oriental” (William McNeill, p. 64).
Não se trata de uma contemplação esotérica de um disco solar (como foi proposto pelo faraó Aquenáton), mas de um relacionamento pessoal com o Deus vivo, que se reflete nas relações e na conduta com a totalidade dos seres vivos. 



quarta-feira, 2 de agosto de 2017

COM QUEM ANDAS?


Diz o ditado: “dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Sabedoria popular acumulada por séculos. Aplicada no dia-a-dia, nem sempre ela se aplica cabal e infalivelmente. Um exemplo disto é Jesus: andou com publicano, zelote, ladrão, esteve na casa de coletor de impostos odiado pelo povo, deixou-se lavar os pés por uma prostituta, teve um mentiroso em sua companhia. Nem por isto teve em sua vida uma destas características.

No entanto, se esta máxima popular for aplicada ao Temer, tenho a impressão de que a conclusão será outra. Ele está cercado de pessoas suspeitas, denunciadas por mais de um delator da Lava Jato (Padilha, Gedel, Jucá e Moreira Franco). Do seu círculo próximo de auxiliares, vários devem explicações à Justiça: Loures, Yunes, Filipelli. Do seu entorno político, o Marum, precisa explicar sua lealdade ao Eduardo Cunha, ao ponto de visitá-lo na cadeia em Curitiba, com viagem que ele cobrou da Câmara. O Perondi e o Vladimir Costa (aquele que tatuou Temer o ombro depois de ganhar cinco milhões em emendas parlamentares) são figuras histriônicas que se desacreditam cada vez que falam. O relator que apresentou a versão pró-Temer na CCJ, o Ackel, também foi agraciado com emendas parlamentares, assim como tantos outros, no festival de liberação que antecedeu a votação. Até o presidente da CCJ recebeu quinhentos mil para pagar dívida.

O presidente teve o apoio em sua campanha dos dez milhões da Odebrecht, acertados em reunião no Palácio do Jaburu, mesmo local da reunião com o Joesley, a quem agora ele chama de bandido e seus funcionários de capangas. Para se segurar no cargo, reúne-se com o Aécio, também no Palácio do Jaburu, outro enrolado com a delação da JBS e Furnas.

Dos seus ministros, Kassab, Bruno de Araújo, Aloisio Nunes, Marcos Antonio Pereira, Blairo Maggi e Helder Barbalho devem explicações às citações feitas pelos delatores. Os líderes André Moura e Aguinaldo Ribeiro não fogem à regra: estão sujos na Lava Jato.

Sobra quem? Esta é a pergunta que muitos se fazem.

Mas vamos adiante: um presidente que tem uma acusação com áudio gravado em que comete o crime de obstrução da Justiça e corrupção, que ouve de um cidadão que ele está corrompendo juiz e nada faz, pode governar um país? Merece credibilidade um presidente que compra votos de parlamentares abrindo as torneiras do erário para liberar emendas parlamentares, mesmo diante do rombo nas contas públicas? Tem autoridade um político que se sustenta no cargo pela compra de votos e chicanas regimentais, trocando peças na CCJ para que a votação lhe seja favorável?

Na América Latina vivemos dias ímpares: na Venezuela um presidente que se sustenta pela truculência, por histrionismos retórico e chicanas jurídicas para convocar uma constituinte a seu gosto e formato. No Brasil, um presidente que se sustenta com mudanças nos membros da CCJ, com compra de votos e Decreto Lei que agrada a bancada ruralista. Dois mandatos ilegítimos pelos atos praticados. Se na Venezuela há mortes nas manifestações, no Brasil há mortes pelo contingenciamento de verbas para a saúde. Se a Venezuela está falida, no Brasil estados estão falidos ou em estado pré-falimentar.

Neste momento parece que Venezuela e Brasil são nações gêmeas siamesas.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 26 de julho de 2017

COMUNICAÇÃO CANSATIVA


Ouvi hoje a entrevista do ex-jogador são-paulino que volta ao time, o Hernanes. Em quinze segundos de fala ele repetiu três vezes o advérbio “realmente”. Irritante!

Cada vez que ouço alguém falando e usa um dos cacoetes (serão mesmo cacoetes?) como “realmente”, “na verdade”, “neste momento”, “ entendeu?”, “né” passo a contar quantas vezes a pessoa vai repetir o irritante cacoete. Tem gente que diz que sofro de Transtorno Obsessivo Compulsivo, mas acho que é implicância com coisas que só fazem irritar.

Dou alguns exemplos: um repórter da CBN Campinas, quando do acidente com o barco na Lagoa do Taquaral e que lá estava para reportar o que estavam fazendo, falou em sua intervenção (que durou uns dois minutos) mais de quinze vezes a expressão “neste momento”. Uma repórter da mesma rádio, em uma fala de 30 segundos mais ou menos, repetiu o “realmente” sete vezes. Uma psicóloga dando uma entrevista na televisão, repetiu nada menos que 28 vezes o “realmente”.

Quando uma pessoa começa a frase com o “na verdade” eu me ponho na defensiva: ele quer me convencer de que está falando a verdade e que o que ele fala não pode ser questionado. Se ele começa com “na verdade” como posso duvidar do que diz? Como posso questionar? A melhor atitude para os que usam o “na verdade” é ficar quieto e engolir o que falam, mesmo que seja asneira. Digo isto porque já tentei questionar e me dei mal e quase perco um amigo.

Dependendo do que a pessoa fala, o “neste momento” é desnecessário. A descrição feita pelo repórter era feita em cima dos fatos e dizer “neste momento” era redundante. Só podia ser naquele momento. E pela redundância e pela repetição tornou-se cansativo. Já ouvi muitas vezes em igrejas esta expressão: “neste momento” vamos ter uma oração ... Desnecessário!

Mas o que me irrita e me coloca na defensiva é a repetição do “entendeu”. Para mim, o que a pessoa está me comunicando é que o que ela está dizendo é tão complicado ou profundo que ela precisa se certificar de que estou entendendo a sua colocação. No fundo, é uma forma de me depreciar. Se você disser para sacanear: “não, não estou entendendo” a pessoa se perde na sua fala ou, o que é pior, vai tentar explicar o óbvio que está dizendo. Mesmo porque, todas as vezes que vi alguém empregando com insistência o “entendeu” não estava dizendo nada mais que obviedades.

Acho que esta minha implicância e o contar as vezes que as coisas se repetem se deve a uma experiência da juventude. Tive um professor de química que abusava do “né”. Os alunos faziam um bingo para ver quem mais próximo chegava da quantidade de “né” que ele proferia em uma hora de aula. Três estavam encarregados de contar e se tirava a média das contagens porque a gente às vezes perdia um ou outro. Quem mais próximo chegasse do número aferido, ganhava a bolada das apostas feitas. A média era de 250 por hora!

Para mim o “né” é manipulador: é uma contração do “não e?” e o uso dele implica em me fazer concordar com o que a pessoa está falando, sem ter chances de questionar.

Na verdade, realmente fui chato neste momento, né? Perdão!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 19 de julho de 2017

RECUPERANDO


Como não tenho feito outra coisa que ficar de molho, a cabeça tem trabalhado! E, por estar vendo notícias até não mais poder, o que tenho pensado e refletido tem conexão com o que escuto que está acontecendo, relacionando com meu estado de saúde.

Se há algumas semanas a palavra da semana foi “ilação”, a desta, ao que parece é “recuperação”. Nisto estou: em processo de recuperação de uma Trombose Venosa Profunda que me obstruiu cinco veias da perna esquerda. A cada dia é uma expectativa nova de que a coisa esteja melhor, a cada movimento mais ousado fico esperando a reação, se favorável ou não. Fui fazer os exames requeridos e a primeira coisa que fiz foi ver a data dos resultados. Frustrei-me com um que só deve sair em meados de agosto. É muita espera para saber com clareza o que aconteceu. Imagino que não me deixarão livre e solto até lá. Um martírio!

Fico entre o desejo e a consciência da gravidade. Ela me faz repousar (ainda que a contragosto). Ele me move a querer fazer coisas, trabalhar e ser o que sempre fui: elétrico. Os sinais de melhora, por mais imperceptíveis que possam ser, e alguns deles só eu sinto, são comemorados, a expectativa de pronto restabelecimento é aquecida e o desejo de voltar à normalidade é promovida.

Vendo os noticiários percebo que o Temer também está no mesmo. Acometido por várias tromboses incriminatórias, fruto de seu comportamento questionável no trato das questões políticas e republicanas e também pelo DNA da política brasileira que tem o cromossomo da corrupção, ele teve que entrar na UTI da CCJ e manobrar como pode para se safar e tentar voltar à normalidade. Trocou diagnósticos, médicos, remédio e, de uma forma bastante questionável, safou-se da UTI, ainda que haja um novo exame detalhado a ser feito pelo plenário da Câmara.

Ganhou uns dias de “aparente” recuperação que só ele e seus asseclas percebem e propagam aos quatro ventos. Sinais mínimos são hiperbolizados nas mídias sociais, meio escolhido para dizer o que quer e não ser questionado de pronto por jornalistas, tal como se dá nas coletivas. Os pronunciamentos pasteurizados e feitos sob encomenda, onde marqueteiros regiamente pagos cuidam da “imagem”, de forma a mostrar que o paciente está bem, quando está moribundo.

Um 0,001% em alguma coisa é vendido como se o trem estivesse voltando aos trilhos. A criação de alguns postos de emprego (desprezíveis diante da massa de desempregados) é anunciada como a recuperação do paciente e da economia. Faz-se um processo seletivo dos dados, uma vez que nada se fala da queda do PIB, das projeções que diminuem a cada semana. Uma recuperação desejada pelo paciente, mas não referendada pelos diagnósticos.

O Temer e eu estamos na mesma (guardadas as devidas proporções e natureza da enfermidade). Ambos queremos a recuperação imediata, como se ela viesse por um passe de mágica, num estalar dos dedos. Ambos aguardamos resultados de exames feitos e olhamos a cada dia para os indicadores para buscar sinais mínimos de melhora. As semelhanças param aqui. Eu tenho gente orando por mim e querendo que eu melhore. Ele tem gente querendo que seja comido pela enfermidade e que não se recupere. Eu não suborno médicos e não dou verbas extras para garantir diagnósticos favoráveis. Confio no meu Deus. Ele confia no Padilha, Moreira, Geddel, Marun, Perondi, etc. Eu tomo remédios. Ele, ao que me parece, está tomando veneno.

Mas, ao fim e ao cabo, pensando que o enfermo também é a nação brasileira, oro por mim e pela nação para que ambos nos recuperemos prontamente!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 14 de junho de 2017

AUTORIDADE E PODER


“A autoridade é a força moral que impõe direitos e obrigações às pessoas sobre as quais exerce sua autoridade. Isto se estende ao plano social, incluindo a família, a cidade, o Estado, a Igreja, etc. E se faz uma distinção entre a autoridade puramente moral que se impões pelo prestígio ou dignidade da pessoa que a detém, livremente reconhecida e a autoridade política, onde a força moral e a força física andam juntas.” (Idigoras, J. L. Vocabulário Teológico para América Latina, Ed. Paulinas, 1983, pg 22).
A citação feita tem ampla aplicação, mas falha ao se aplicar à atual situação brasileira. Ela reconhece a imposição da autoridade pela força moral ou física, mas o que se vê aqui é a imposição pelo conchavo, pelas alianças espúrias, pelos atos inescrupulosos sacramentados pelo mantra de que “deve-se manter a governabilidade”, mesmo que para isto se mantenha corruptos em postos chaves do governo.
Como diria outro pensador (Gene Sharp): “Por causa da dependência que tem de outras pessoas para fazer funcionar o sistema, o governante está continuamente sujeito à influência e restrição, tanto por parte de seus auxiliares diretos, quanto da população”.
A autoridade se mede pela obediência que lhe é prestada. Quanto mais obediência (forçada ou voluntária), mais autoridade tem. Só que a obediência pela força promove não a autoridade, mas o autoritarismo, forma desviante e ilegítima de autoridade. A autoridade que se preze se vale da obediência voluntária, pelo reconhecimento das qualidades morais e administrativas que tem.
Daí um conceito-chave: “se os súditos negam ao governante o direito de governar e mandar, estão retirando a concordância geral ... que torna possível o governo em questão. A perda da autoridade desencadeia a desintegração do poder do governante” (Gene Sharp em Poder, Luta e Defesa, Ed. Paulinas, pg 23). Ainda, do mesmo pensador: “só florescem a tirania onde o povo por ignorância ou por desorganização, ou por real conivência e cumplicidade, apoia e estimula o tirano e o conserva no poder, permitindo que as pessoas sejam instrumentos de sua coerção” (idem, pg. 40).
Alguém já disse que as autoridades são mais susceptíveis à egolatria, à crueldade e à corrupção. A tomar-se a história brasileira dos últimos decênios veremos a acuidade desta afirmação. Parece que assuem certo messianismo quando em suas posições de autoridade. Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer podem ser enquadrados nestes quesitos.
Neste contexto, o império da lei é a única proteção contra a usurpação do ditador e do demagogo. Ocorre que, no Brasil de hoje, ainda que haja lampejos de esperança quanto ao império da lei e da justiça, somos sobressaltados e ficamos escandalizados com certos ministros tabajara que atuam nas altas cortes, por juízes nominados pelo réu e que votam sem impedimento ético, mesmo tendo sido advogado da parte, com sentenças prolatadas sem dar a mínima para as provas levantadas, pelo subterfúgio da tecnicalidade de que estava “fora da inicial”.
Em nome da governabilidade, decide-se pela ambiguidade: apoiar um governo corrupto para ter as reformas saneadoras. Fala-se e prega-se a ética, mas evita-se disciplinar o senador flagrado com a mão na botija.
Diderot, o filósofo francês tem uma frase lapidar que vou parafrasear. A frase é: ‘Há menos inconvenientes em ser louco entre loucos, do que ser sábio sozinho”.
Há menos inconvenientes em ser corrupto em meio de corruptos, do que ser honesto sozinho. Esta é a máxima da política e dos políticos brasileiros.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 24 de maio de 2017

COELET E OS 40


Há 40 anos, na última segunda-feira, dia 22, fui ordenado ao ministério pelo Presbitério Norte de São Paulo. Não celebrei a data e ninguém a celebrou. D minha parte não celebrei e tenho razões para isto.

A razão maior é que estou em período em que estou vivenciando a experiência do Coelet, o Pregador do livro bíblico do Eclesiastes. Já escrevi aqui, há algum tempo, que o Coelet é quem valida uma “espiritualidade da depressão”. Não acho que estou deprimido, mas estou, sim, frustrado, decepcionado, envergonhado, magoado, bravo e desanimado (FDEMBD).

Estou FDEMBD com a situação do meu país. Eu imaginava que a coisa estava ruim, mas não que a podridão tivesse alcançado os níveis e as autoridades que alcançou. Estou FDEMBD com os políticos do meu país, inclusive com os que ajudei eleger, porque esperei deles algo muito diferente do que estão sendo e entregando. Estou FDEMBD com o cinismo das pessoas públicas que têm a coragem de negar o batom na cueca. Estou FDEMBD com o STF que solta o Eike, o Zé Dirceu, que tem ministro que inocenta o Maluf, que rasga a Constituição no processo de impeachment. Estou FDEMBD com o Judiciário pelas idas e vindas, sentenças e liminares, que joga a coisa numa ciranda que vence quem tem o melhor advogado, o mai$ bem pago. Estou FDEMBD com a Lava Jato que anda dando sentenças ínfimas para quem cometeu crimes máximos. Estou FDEMBD com A PGR que dá impunibilidade aos irmãos Batista, no que pese terem comprado o Brasil e os deputados com suas propinas e maracutaias.

Estou FDEMBD com a “igreja brasileira” porque, salvo honrosas exceções, sucumbiram ao modelo de mercado. Ou fazem a coisa para o gosto do público e para encher templos, ou fazem as coisas numa sucessão de eventos, onde a igreja é “uma fábrica de eventos”: jantares, gincanas, acampamentos, encontros deste ou daquele grupo, etc. Estou FDEMBD com um monte de gente que se chama pastor, que nunca passou por um treinamento teológico sério, que se achou bom orador, que nunca passou por uma cerimônia bíblica de ordenação e que envergonham algo que tem sua origem na vocação divina.

Estou FDEMBD com alguns com quem gastei tempo ensinando, dei do meu tempo, investi até financeiramente e que resultaram em perda total ou em vergonha para mim e para o evangelho. Gente que treinei para ser pastor e que virou bandido. Estou FDEMBD com alguns membros de igreja que trocam a comunhão dos irmãos na reunião da igreja por qualquer coisa de somenos. Estou FDEMBD com quem me critica porque me acham radical, veemente, profético ao estilo jeremias,

No entanto, nestes 40 anos, tive meus bons momentos e recordá-los me dá ânimo para seguir adiante, mesmo porque, tenho absoluta certeza, a vocação que tenho é irresistível e, por mais que queira deixá-la (e já tentei), tal como Jeremias “como me calar se tua voz me queima aqui dentro?” Nestes 40 anos tenho gente que ensinei, pastoreei, me fiz confidente e que me dão a alegria do respeito, do carinho e da acolhida. Tenho Igrejas e famílias que me recebem de braços abertos, onde me sinto amado e percebo que não trabalhei em vão.

Plantei flores e me arranhei com os espinhos. Semeei espinhos é verdade, mas sempre na firme convicção do exercício do profético enquanto denúncia. Acho que demorei muito tempo para reconhecer a graça de Deus no meu ministério e na vida das pessoas. O fardo do ministério se tornou mais leve a partir da dimensão da graça. Se estivesse ainda pregando e ensinando a justiça retributiva, teria sucumbido.

Não tenho ânimo para celebrar os 40 anos de ordenação ao ministério, por mais significativo que isto tenha sido para a minha vida. O que, sim, faço é agradecer a Deus por me manter em pé nestes anos, apesar do tropeços e erro, da descrença costumeira nos momentos de crise, e por me ter usado quando nada em mim servia. Como diz um hino: “se Tu podes usar qualquer coisa, Deus, usa-me! Esta é a minha oração!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 26 de abril de 2017

TEMPOS DE DILÚVIO

Tenho lá meus pruridos para ler certos textos bíblicos como historiográficos, como descrição de fatos reais acontecidos no passado. Quando se faz esta leitura mais literalista das narrativas, perde-se um universo de possibilidades de interpretações e lições que as estórias nos trazem. Neste meu espaço como colunista há quase 19 anos, por várias vezes já fiz esta colocação.
Quero trazer à consideração a narrativa de Noé, sua arca, o momento em que viveu e as providências que tomou. A narrativa diz que o SENHOR viu que a maldade se havia multiplicado e que era continuamente mau todo desígnio do coração humano. A pergunta que se impõe é se isto é algo que vale para o passado ou é algo que vemos e encontramos ainda hoje?
A julgar pelo que se está conhecendo pelas revelações feitas pelos delatores, pelas descobertas da PF e MPF, estamos vivendo tempos iguais aos que Noé viveu, tal o grau de promiscuidade e corrupção reinantes. A maldade tem se multiplicado, mostrando os desígnios escabrosos daqueles que se apresentaram ao público, pediram votos para defender os interesses da população. Sabe-se que o modelo eleitoral via propaganda pela TV é viciado e corruptor. Não se conseguirá mudar a representação política enquanto tal sistema existir, onde verbas milionárias abastecem campanhas dos que tem mais chances de vencer.
A esta altura vem a segunda afirmação da narrativa: Deus se arrependeu de ter feito o homem e isso lhe pesou no coração. O texto apresenta um Deus humano, com sentimento humano. Quem não se arrependeu de ter votado neste ou naquele? Quem nunca teve vontade de aniquilar os que roubam o povo e aparecem engravatados com discursos de ética e moralidade?
Isto foi o que Deus decidiu fazer: “farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito”. Decisão radical. Quisera eu ter o poder de determinar o extermínio da classe política e dos que se locupletam com a coisa pública. Há que notar-se que a corrupção que havia nos tempos de Noé tinha implicações e consequências sistêmicas, A maldade do coração afetava toda a criação. A corrupção de vereadores, prefeitos, deputados, governadores, senadores e presidentes afeta toda a criação. Quantos há que não tem médico, escola, merenda escolar com comida estragada, remédios vitais para a manutenção da vida não sendo comprados, museus abandonados, carne fraca e suas artimanhas para renovar prazos de validade, leite contaminado com soda cáustica, etc. Até o tamanho do Sonho de Valsa diminuiu e o preço aumentou.
Neste cipoal de desgraças, houve um que achou graça diante de Deus. Noé: homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos e que andava com Deus. Quem é o Noé nestes tempos de Brasil? Os deputados da bancada evangélica estão gastando mais tempo lendo processos e código penal que a Bíblia. O “evangélico” Eduardo Cunha agora tem tempo para ler a Bíblia, mas continua arrogante e petulante como sempre foi.
Estamos em tempos de dilúvio. Foram quarente das de chuva e estamos neste período paradigmático. O número 40 na Bíblia é símbolo de provação, e estamos neste tempo. Temos lama de todos os lados. A coisa não parece arrefecer. Mas haverá o momento em que a pomba solta voltará com um ramo no bico, avisando que há sinal de vida decente lá fora.
Até lá, esperemos, participemos, construamos nossas arcas e convidemos a ela os que são nossos, tal como fez Noé que fez entrar seus três filhos e suas esposas. A salvação se deu na dimensão familiar.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 19 de abril de 2017

O CONCEITO DE DEUS É DECISIVO


Recebi o seguinte artigo do amigo teólogo Paulo Ruckert que aqui publico com algumas edições para que caiba no espaço.
Não devemos conceituar Deus assim como definimos objetos. Precisamos ter uma compreensão correta de Deus, para podermos nos relacionar com ele. Sem isto, toda a nossa teologia estará sendo construída sobre a areia.
Explico. Quando ingressei na faculdade de teologia o modismo da época era a “teologia da morte de Deus”. Já é perturbador deparar-se com o silêncio de Deus; o salmista grita para que Deus acorde e se levante. Mas a “morte de Deus” chega a ser desoladora. Nesse caso, nem adianta gritar.
Depois entendi que esse modismo teológico partia de um conceito de Deus inventado pelos ingleses e divulgado pelo filósofo Voltaire, conhecido pelo nome de Deísmo. Sem ele como ponto de partida, a “teologia da morte de Deus” perde a sustentação e cai no vazio. Há quatro modalidades que a humanidade tem adotado para se relacionar com Deus.
No seu relacionamento com Deus, o hebreu vivenciou um paradoxo: Iahweh é imanente e transcendente: ele está dentro do mundo e também fora dele. Tudo está sujeito à vontade divina, também os acontecimentos perturbadores. 
A partir dessa compreensão de Deus que o AT nos legou e que Jesus vivenciou integralmente, podemos estabelecer uma análise das quatro principais maneiras que a humanidade tem formulado para se relacionar com o divino.
O panteísmo dissolve Deus na natureza. Todos os seres vivos, incluindo os vegetais, são considerados uma manifestação de Deus. O universo todo é divino.
O deísmo é uma religião da razão. O argumento da existência de Deus é racional. O deísmo postula que Deus deu origem ao mundo e estabeleceu as leis da natureza.
O teísmo pressupõe Deus fora do universo. Deus é considerado uma pessoa celeste e perfeita, que passou a se situar fora e distante da humanidade. Ele se encontra acima do mundo e da humanidade. Deus está isolado desta realidade.
O panenteísmo declara que Deus está no mundo e o mundo está em Deus. Formado por três vocábulos gregos: pan (tudo), en (em) e teísmo (Deus) = Deus e o mundo estão inter-relacionados. Há equilíbrio entre imanência e transcendência de Deus. Deus é imanente como Criador, mas é transcendente em sua liberdade. Deus é infinito e não pode ser confundido com os seres finitos. Deus está presente em toda a realidade. Sendo Deus infinito, nada existe “fora” dEle. Deus não se esgota na realidade presente. Criou o mundo e continua criando ainda hoje.
O panenteísmo constata que Deus age e reage. Quando o povo se corrompeu fabricando o bezerro de ouro, Deus decidiu eliminar os idólatras e começar uma grande nação a partir de Moisés. No entanto, o líder do povo intercedeu, colocando-se “na brecha” (Sl 106,23) e bloqueando a execução do juízo. Diante da intercessão, “se arrependeu o Senhor do mal que dissera havia de fazer ao povo” (Ex 32,14). Deus age e reage. O Deus vivo e dinâmico não está somente “lá fora”, observando os acontecimentos. Ele atua dentro do processo da realidade e interage com o que acontece, podendo até voltar atrás e reconsiderar o curso dos acontecimentos. Deus atua na realidade e os acontecimentos provocam uma reação em Deus.
Se Deus não reagisse aos acontecimentos, redirecionando o seu desígnio, então todas as nossas orações seriam um falar no vazio. Mas, nós podemos contar um Deus vivo, dinâmico e atuante. Assim como o salmista, nós podemos contar com a intervenção divina na realidade, mudando a sorte do seu povo. Podemos esperar e confiar no agir de Deus.
Paulo Ruckert


PS - O texto completo pode ser solicitado por e-mail para marcos@inhauser.com.br

quarta-feira, 5 de abril de 2017

SOBRAM TOSQUIADORES

A metáfora é bíblica. Comparar a igreja com um rebanho com seu pastor é algo que faz parte do imaginário dos leitores bíblicos. Que o pastor tenha a seu cargo o cuidar das ovelhas é o que a Bíblia ensina. No entanto, nestes dias, a coisa anda complicada. Os que deveriam cuidar das ovelhas, só olham para elas para saber quanta lã têm e como tosquiá-las! Mais que preocupadas com o bem-estar de suas ovelhas, preocupam-se em quanto elas podem render no faturamento.
Para se ter uma ideia da coisa, conto aqui alguns fatos verídicos, ocorridos há não muito tempo. Um casal jovem, com uns dois anos de casado, ele criado na igreja, ela não, decidem ir a quatro igrejas diferentes para saber em qual delas eles se sentiriam melhor para frequentar assiduamente. Depois das visitas, perguntei a eles o que haviam decidido. A resposta deles: nenhuma! Queremos uma Igreja é não um camelódromo onde o pastor vende de tudo, de Bíblia a CDs, passando por livros e camisetas. Nas outras ouvimos e cantamos alguns louvores e depois foi só pedido de dinheiro para pagar o programa de televisão, o telhado da Igreja, a ampliação do templo.
Em outra igreja, em Campinas, o animador de auditório que deveria ser o pregador e que se chama de pastor, contou que tinha ido visitar uma igreja em outra cidade e que, no meio do louvor, uma pessoa ficou endemoninhada. Foi trazida ao púlpito (prá mim era palco!). O pastor disse que aquele demônio pegava em crente não-dizimista. Depois de um salseiro, com direito à entrevista do demônio, o “pastor” disse: “vou mostrar o que o demônio faz com o dinheiro de quem não é dizimista”. Deu a ele uma nota de R$ 2,00 e a pessoa endemoninhada trucidou a nota, fazendo-a em pedaços. Veio o sermão sobre o não dar o dízimo: “o diabo destrói o que você ganhou, rasga, faz picadinho da sua vida e finanças, pense no como estão suas contas você que não é dizimista e você vai concordar comigo”.
Em seguida, pediu que os dizimistas da igreja (plateia) se identificassem e pediu que um deles trouxesse à frente uma nota, de preferência de R$ 100,00. Apareceu alguém. O “entrevistador de demônio” deu a nota ao endemoninhado e ele a beijou, colocou sobre o coração e cuidou dela com carinho. Lá veio a mensagem: “quando a pessoa é dizimista o demônio não tem o poder de destruir as finanças e o dinheiro, antes cuida dele com carinho”. Dou um picolé para quem disser que, em seguida, o animador de auditório fez a coleta das ofertas na igreja. Este “tristemunho” foi contado pelo animador-visitante, agora em sua igreja, para ali também “motivar os fiéis ao dízimo”.
Em outra igreja, também em Campinas, o arrecadador de plantão desafiava os presentes a ofertar R$ 1.000,00. Depois baixou para R$ 500,00, depois R$ 200,00. A esta altura uma senhora que a conheço muito bem e que estava em sérias penúrias, foi à frente. O arrecadador disse a ela em alto e bom som: “a irmã deposite aqui a sua oferta”. “Eu não o tenho, mas gostaria de poder contribuir e quero que o pastor ore por mim para que, da próxima vez ,eu possa vir à frente e entregar a oferta para a Igreja”. Ele, de público a ofendeu e a expulsou do palco.
Não são pastores: são tosquiadores de ovelhas, não importa quanta lã tenham para ser cortada. Cortam o que têm, nem que sejam fiapos!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 29 de março de 2017

FALTAM PASTORES

Estou no pastorado há 44 anos. Já vi muita coisa, conheci pastores exemplares como foram o Joás Dias de Araujo, o Nephtali Vieira Junior, Naor Garcia entre outros. Há no pastorado, no dizer do Rev. Joás, um mistério. Eu acrescentava que é um mistério místico. Há uma mística na vocação, na imposição das mãos para a ordenação e no próprio desenvolver do ministério pastoral.
O pastorado é a vocação para o trabalho com pessoas, com tal intensidade e autoridade que pode e muitas vezes entra nos detalhes da vida pessoal e até íntima da vida dos fiéis. Não é só o pregar. Este é um dos trabalhos e talvez o de menos importância e de resultados comprovadamente baixos. Pergunte a uma pessoa na segunda-feira qual foi o tema do sermão pregado na igreja e certamente você escutará com muita frequência: “não lembro”.  OO aconselhamento pessoal, familiar, conjugal, a orientação de jovens e adolescentes, o ensino de valores éticos e morais, a confissão espontânea de pecados, a conversa onde as dúvidas bíblica e teológica surgem, o visitar enfermos, famílias, estar presente nos momentos marcantes da família e nos ritos de passagem, são alguns dos aspectos que diziam/dizem respeito ao trabalho pastoral.
Acontece que os tempos mudaram e a sociedade também. Já não é tão fácil visitar as famílias em suas casas, uma vez que muitas delas se encontram fechadas a maior parte do tempo. Lembro-me da primeira igreja que pastoreei nos Estados Unidos e que, ligando para os telefones dos membros, fazia um pastorado de secretária eletrônica. O que era uma celebração para muitos, hoje, o receber o pastor para uma visita pode ser um incômodo por ser o horário quando a família, que esteve separada durante todo o dia, tem agora para se reunir e conversar.
O trabalho do pastor como conselheiro foi cedendo espaço para os psicólogos, psicanalistas e outros profissionais. Antes não se exigia do pastor conhecimentos mais profundos sobre o ser humano e suas relações. Hoje precisa estudar várias linhas para poder fazer um trabalho significativo.
Os pastores pastoreavam comunidades onde ele conhecia a todos pelo nome. Era o pastor que sabia da vida de cada ovelha. Com o advento das mega-igrejas, os pastores perderam o contato pessoal com a membresia. De pastores passaram a ser animadores de auditórios, as suas congregações se transformaram em plateia, de doutrinadores passaram a ser motivadores. O evangelho do “cada um tome a sua cruz” foi banalizado, para um evangelho da graça barata, da vida cristã anônima, individualista, solitária. É a comunhão comigo mesmo. A membresia e fidelidade a uma congregação foi substituída pelo turismo eclesiástico. A participação fiel a uma congregação local foi trocada pelas igrejas de grife.
De doutrinadores, hoje muitos são apeladores (no mais negativo sentido da palavra). Vivem de fazer apelos para que os presentes contribuam acima do que haviam se disposto a fazer. Deixam de dar com alegria para serem contribuidores constrangido. Inventam símbolos, eventos, programas com o fim de “motivar” a contribuir.
O servo da comunidade se transformou e ganhou títulos pomposos de apóstolos e quejandas. O serviço anônimo ao próximo cedeu espaço ao tempo televisivo pago a peso de outro. O mistério místico do pastorado virou narcisismo midiático.
Faltam pastores. Sobram animadores de plateia, arrecadadores, show-men.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de março de 2017

FALTAM LÍDERES

Acho que nunca se falou tanto em formar líderes, nunca se deu tanto treinamento nas empresas para capacitar líderes e nunca estivemos tão necessitados deles. No que se refere ao político, a coisa fica ainda mais feia.
Se se toma uma das premissas básicas da liderança que a de que o líder deve ser exemplo, dá para entender porque estamos faltos de liderança. Depois de Tancredo, tivemos uma sucessão de pessoas investidas na mais alta posição da nação, mas que não puderam ser exemplos. Com a morte do Tancredo, tivemos ascensão de um especialista em surf: vivia na crista da onda e assim ficou até que não mais conseguiu se eleger pelo estado onde nunca morou: o Amapá. Era a sua mentira pública. Outros atos e fatos conspurcaram-lhe a biografia e só foi exemplo para gente do senado e Câmara que aprendeu com eles as patranhas da política. Como legado deixou o Plano Cruzado e uma inflação astronômica.
Sucedido pelo nada exemplar Collor, com sua altivez e arrogância, aliado às maracutaias de seu tesoureiro, foi defenestrado e impedido de se eleger por oito anos. Voltou, mas vive período em que deve muitas explicações ao judiciário brasileiro.
No seu lugar subiu o Itamar Franco quem, não tendo sido eleito, teve um mandato que, se não teve acusações, também não teve o brilho que se espera de uma liderança. Sucedido por Fernando Henrique Cardoso que tinha o brilho do acadêmico, mas não tinha o carisma da liderança. Governou, nunca explicou muito bem como foram feitas as privatizações que, segundo um ministro do seu governo, raiaram à irresponsabilidade. Dava sono quando se dirigia à nação.
Veio o Lula e a Dilma e ambos não são exemplos de liderança. O primeiro o foi no primeiro mandato, mas perdeu a legitimidade com o mensalão e mais tarde com a Lava Jato. A Dilma também não é exemplo de liderança. Veio o Temer que de líder não tem nada. Pusilânime, volúvel, nunca se sabe o que pensa. Como disse uma jornalista, quando perguntada sobre qual o posicionamento dele sobre um assunto: “antes da última piscada de olhos dele, ele era a favor”.
Estamos entrando na reta para as eleições de 2018. Ao olhar ao redor e as candidaturas que estão sendo sugeridas ou pleiteadas, me leva à conclusão de que teremos um cenário desolador. Mais uma vez teremos que optar pelo menos pior. As opções do mundo político (Lula, Ciro Gomes, Alckmin, Serra) são farinha do mesmo saco. Com a exceção do Ciro (ainda), todos os demais têm suas explicações a dar na Lava Jato.
Das figuras que estão correndo por fora do páreo (Doria e Meirelles), a ambos lhes falta o carisma da liderança. Podem estar fazendo (talvez) algumas coisas, mas isto não é o suficiente. É verdade que precisamos de um bom administrador, mas no tipo de presidencialismo brasileiro, um presidente sem base parlamentar é transformar o governo em balcão de negociatas. Vide Collor, Dilma e Temer.
Uma reforma política significativa e estrutural é milagre que não vai acontecer. A propalada reforma eleitoral, se algo fizer, será cosmética. No andar da carruagem, as alterações visarão proteger com o foro privilegiado os que devem muitas explicações. Como a “carne é fraca”, fizeram merenda eleitoral com carne podre e carcaça de cabeça de porco. Nem ácido ascórbico salva.
Ao povo cabe clamar aos céus para que algo aconteça e um verdadeiro líder apareça. Que no frigorífico das eleições não haja carne podre. Está é a minha oração.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de março de 2017

CRIMINOSOS COM O PODER DA CANETA

Há algo no ar que me inquieta. São sinais aparentemente contraditórios que, a meu ver, merecem ser melhor analisados. Não os mencionarei por ordem cronológica, mas segundo uma ordem própria.
O primeiro sinal é relacionado à soltura do goleiro Bruno, implicado no crime da modelo Eliza Samudio. O crime foi investigado, gente foi presa, condenada, o corpo nunca foi encontrado, ninguém confessou o crime, o delegado ganhou seus minutos de fama, a imprensa trabalhou e ganhou manchetes, Bruno foi condenado, cumpriu parte da pena, a sentença nunca foi julgada em segunda instância e o réu esteve preso sem sentença que justificasse sua prisão por tanto tempo. Acertada ou não a decisão do STF em soltá-lo, ele encontra emprego (coisa raríssima para um ex-presidiário), é aceito pelo Boa Esporte. É muita névoa para um só caso.
Mas a patrocinadora do clube, em função da decisão da Diretoria, decide retirar o patrocínio, o mesmo fazendo a Prefeitura Municipal de Varginha. A opinião popular julgando o acusado e sentenciando o que só a Justiça deve fazê-lo.
O segundo caso: o Ministério Público apresentou as denúncias de superfaturamento na construção de hospitais no Maranhão, onde mostra que há indícios, evidências e provas de uma quadrilha que ganhou milhões fraudando as licitações e recebendo um “fluxo de propinas” (palavras do delator) que ajudou nas campanhas eleitorais no estado. O juiz substituto que decidiu inocentar a ex-governadora e filha do “ilustre” José Sarney, não contente com a sentença estranha que exarou, ainda se deu a ensinar às mais altas cortes como se aplica o Código Penal.
No primeiro caso sem a prova de um corpo e sem a confissão de alguém, se juntaram evidências e coincidências e se condenou. No segundo caso, com as evidências, os comprovantes de fraude e superfaturamento e provas da transferência de recursos, o juiz absolve.
Causa-me estranheza a facilidade com que as cortes brasileiras, ao lidar com sobrenomes ilustres ou autoridades das três esferas, tem tido o cuidado de não ver provas que justifiquem a condenação e promovem a absolvição. Assim foi com a própria Roseana e o senador Lobão no STF, com o Renan no caso das Notas Fiscais frias que não foi visto como falsidade ideológica, o Collor no processo do impeachment, o deputado Russomano, para ficar em só alguns exemplos.
Agora temos os deputados e senadores denunciados pelas delações na Lava Jato, com a confissão de 77 executivos e os donos da construtora que afirmaram sob juramento que pagaram milhões a todos os partidos políticos. Como eles, deputados e senadores, têm o poder da caneta, movem-se nas sombras, como foi no dia que tentaram tal movimento quando do desastre da Chapecoense, e pretendem promulgar uma lei que anistie toda e qualquer contribuição feita para campanhas políticas. Com isto, todos os detentores de mandatos obtidos com vultosas somas de dinheiro empregado em suas campanhas, que alugaram seus mandatos para promover leis e medidas provisórias que beneficiassem os doadores de suas campanhas, os saqueadores dos Fundos de Previdência, os autorizadores de empréstimos vultosos via BNDES a empresas sabidamente inviáveis, sejam inocentados de todo e qualquer crime.
Doadores, saqueadores da Petrobrás e do erário, criminosas travestidos de empresários, os Cabrais da vida e suas viagens, contas e joias, O Vaccari, Duque, Zé Dirceu, Barusco, Youssef, e tantos outros, estariam de volta às ruas.
É hora de nós, os patrocinadores deste Esporte Clube do Colarinho Branco, retirarmos o patrocínio, condenarmos quem tenta tal crime de lesa-pátria, onde criminosos fazem as leis para benefício próprio. La atrás, alguém me ensinou que é crime quando se promulga uma lei com animus legendi, com o objetivo de culpar ou beneficiar uma pessoa ou grupo de pessoas específico. O princípio da impessoalidade será quebrado e a nação será afogada na lama, porque jogada nela já está.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de março de 2017

QUARTA DE CINZAS NA LAVA JATO

É verdade que o uso litúrgico das cinzas como símbolo de arrependimento remonta aos tempos bíblicos. Podemos ver o uso delas no arrependimento em Ester, quando Mardoqueu se veste de saco e se cobre de cinzas ao saber do decreto de Asuero I (Xerxes, 485-464 AC, da Pérsia, que condenou à morte todos os judeus de seu império Est 4:1). Outro personagem, Jó, mostrou seu arrependimento vestindo-se de saco e cobrindo-se de cinzas (Jó 42:6). Daniel afirmou: "Volvi-me para o Senhor Deus a fim de dirigir-lhe uma oração de súplica, jejuando e me impondo o cilício e a cinza" (Dn 9:3). O povo de Nínive proclamou jejum a todos e se vestiram de saco, inclusive o Rei, que além de tudo levantou-se de seu trono e sentou sobre cinzas (Jn 3:5-6). São exemplos do Antigo Testamento que mostram a prática estabelecida de valer-se das cinzas como símbolo de arrependimento.
Jesus fez referência ao uso das cinzas: "Ai de ti, Corazaim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidônia os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam se arrependido sob o cilício e as cinzas. (Mt 11:21).
Por outro lado, as cinzas também são símbolo de algo que foi destruído, queimado, que virou pó. Elas são a evidência do aniquilamento. “Tudo virou cinzas” é uma expressão que denota derrota, impossibilidade de se recuperar ou ressuscitar.
Quando penso na quarta-feira de cinzas fico entre a cruz e a espada. Não sei se as cinzas, no caso do brasileiro, seriam símbolo de arrependimento ou de aniquilamento. Digo isto porque o Carnaval tem sido um evento nacional que vem ganhando contornos cada vez maiores a cada ano, e se tem explorado comercialmente as festas que em seu nome se realiza. Muitos cometem excessos de todos os gêneros e pode ser que, ao voltar à vida de trabalho e estudos, se arrependam dos excessos cometidos e por eles peçam perdão.
Por outro lado, talvez se deva pensar na quarta de cinzas como sinal de aniquilamento, vez que, a grande maioria que se esfalfou nos cinco dias, chega à quarta em frangalhos, feito cinza, porque a energia, a vitalidade e parte da saúde estão acabadas.
Mas o que realmente a nação gostaria de ver é uma confissão de pecado e arrependimentos dos políticos brasileiros, por atos de comissão e de omissão. Gente confessando que errou, que roubou, que montou esquemas e que viesse à luz, não numa delação premiada, mas em ato genuíno de arrependimento.
Gostaria de ver também os que, mesmo não tendo participado ativamente, mas que sabiam dos atos e nunca fizeram nada para impedi-los. Pecaram pela omissão!
Mas há mais um aspecto: a delação premiada. Para os que negociaram propinas, contratos, maracutaias, vantagens, esquemas, reeleições, na Delação Premiada continuam a fazer seus acordos espúrios: trocam a informação pela propina de uma sentença mais branda e curta, trocam a cela pela tornozeleira, pagam causídicos que, tal como os lavadores de dinheiro, somem com os rastros das suas operações. Advogados especializados em apagar rastros e trazer vantagens para os clientes, sendo a maior delas a liberdade o mais breve possível para que possam desfrutar do que amealharam.
A sentença reduzida é a propina para corruptos que fingem passar por uma cerimônia de arrependimento vestindo-se de cinzas!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

COELET E O BRASIL

O escritor/pregador/sábio do livro de Eclesiastes, é assim chamado no hebraico. Determinar quem era ele é coisa quase impossível, ainda que muitos creiam ser Salomão, já velho, depressivo e desesperançado. Há no livro um refrão: “É ilusão, é ilusão, diz o Coelet. Tudo é ilusão. A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando e afinal que vantagem leva em tudo isso? ... o mundo continua sempre o mesmo. O sol continua a nascer, e a se pôr, e volta ao seu lugar para começar tudo outra vez. O vento sopra para o sul, depois para o norte, dá voltas e mais voltas e acaba no mesmo lugar. Todos os rios correm para o mar, porém o mar não fica cheio. A água volta para onde nascem os rios, e tudo começa outra vez. Todas as coisas levam a gente ao cansaço—um cansaço tão grande, que nem dá para contar. ... O que aconteceu antes vai acontecer outra vez. O que foi feito antes será feito novamente. Não há nada de novo neste mundo.”
O Coelet me dá a garantia de que há uma espiritualidade da depressão ou da desesperança. E ando com ela estes dias, provocada e alimentada pelo noticiário político e policial brasileiro. Já me entusiasmei com alguma aparente novidade que a Lava Jato estaria trazendo, mas se considero as penas até aqui impostas, concluo que há premiação em ser criminoso e que o crime compensa. O Sérgio Machado está em prisão no palacete que tem em Fortaleza. O Delcídio passou um mês se esfalfando na praia, com direito a fotos no Facebook. O Paulo Roberto , o Yussef, o Cerveró, o Barusco, e outros mais já estão em casa.
Mas, a minha maior decepção tem sido o STF. Tenho ficado indignado, irritado e desesperançado com os narcisos do STF: Gilmar Mendes, Lewandovsky e Marco Aurélio. Não podem ver uma luz que pensam que é holofote e já saem a dar entrevistas e fazer afirmações enviesadas. Eles me dão a impressão que agem com a seguinte máxima: o que posso fazer/dizer que vai me colocar na mídia? Agora vem mais um para disputar as luzes: Alexandre de Moraes.
Outro que tem me decepcionado é o tal do decano. Por ser o mais antigo eu esperava, que fosse mais sensato e menos dado a malabarismos. Qual o quê. O Celso de Mello atravessou alinha da sensatez ao dar o voto no caso da linha sucessória (o caso em que o Renan seria impedido de assumir a presidência), dizendo que ele estaria impedido, mas que continuaria na Presidência do Senado. Uma decisão salomônica: cortou o filho ao meio! Depois, quando teve que julgar o foro privilegiado do Moreira Franco, contrariando o que já havia sido decidido anteriormente sobre o caso Lula, elaborou uma sentença rococó, que exigiu a ciência da hermenêutica jurídica para entender o que disse e no final, decidiu mantê-lo no cargo, mas passível de deliberação pelo plenário do STF. Outra decisão salomônica!
Morreu o Teori Zavaski. Ainda fico me perguntando como uma figura do naipe dele, com a importância que tinha no cenário brasileiro, se mete a viajar em um avião de um amigo, com duas desconhecidas, para ir a uma cidade cujo aeroporto não tem aparelhagem adequada. No lugar dele o sorumbático/errático presidente nomeia a pessoa que se encarregou de colocar na cadeia quem chantageou a esposa. É o exercício da gratidão! Um futuro ministro do STF galgado pelo agradecimento.
Para não me delongar mais, a sabatina do Alexandre de Moraes no Senado, em uma CCJ presidida pelo monge das virtudes políticas, enrolado até ao pescoço em denúncias várias, com a parceria de seus filhos, é uma encenação. As cartas estão marcadas. Vão perguntar o óbvio, ele vai responder como querem ouvir, receberá os elogios dos sabatinadores e as críticas de uns poucos, para dar a aparência de democracia.
Concluo com o Coelet: “Todas as coisas levam a gente ao cansaço—um cansaço tão grande, que nem dá para contar. ... O que aconteceu antes vai acontecer outra vez.” E está acontecendo hoje.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

PALAVRA DESUMANA

Com algumas exceções, por que elas sempre existem, houve certo consenso em recriminar mensagens, postagens, memes, teorias de conspiração e manifestações animosas quando da enfermidade da sra. Marisa Letícia. Causou indignação e muita gente de bem, independentemente da predileção ou partido político que tivesse censurou as manifestações. Também vi manifestações de religiosos condenando tais postagens e afirmando tratar-se de comportamento execrável.
Nos mesmos dias em que isto se dava, por uma prática que adotamos na Igreja da Irmandade de estudar um livro da Bíblia em sequência e lermos os Salmos também em sua sequência numérica, estive lendo alguns salmos entre o 40 e o 48 e fiquei pasmo com algumas afirmações neles constante. Pesquisei um pouco mais e cito aqui alguns trechos dos salmos: “Sobrevenha-lhes inesperadamente a destruição, e prenda-os o laço que ocultaram; caiam eles nessa mesma destruição”” (35:8); “Os ímpios têm puxado da espada e têm entesado o arco, para derrubarem o poder e necessitado, e para matarem os que são retos no seu caminho. Mas a sua espada lhes entrará no coração, e os seus arcos quebrados. Mais vale o pouco que o justo tem, do que as riquezas de muitos ímpios. Pois os braços dos ímpios serão quebrados” (37:14-17); “Deus meu! pois tu feres no queixo todos os meus inimigos; quebras os dentes aos ímpios”. (3:7); “Deus afiará a sua espada; armado e teso está o seu arco; já preparou armas mortíferas, fazendo suas setas inflamadas. Eis que o mau está com dores de perversidade; concedeu a malvadez, e dará à luz a falsidade. Abre uma cova, aprofundando-a, e cai na cova que fez. A sua malvadez recairá sobre a sua cabeça, e a sua violência descerá sobre o seu crânio.” (7:12-16); “Ah! filha de Babilônia, devastadora; feliz aquele que te retribuir consoante nos fizeste a nós;  feliz aquele que pegar em teus pequeninos e der com eles nas pedra” (137:8-9); “Ó Deus, quebra-lhes os dentes na sua boca; arranca, Senhor, os caninos aos filhos dos leões. Sumam-se como águas que se escoam; sejam pisados e murcham como a relva macia. Sejam como a lesma que se derrete e se vai; como o aborto de mulher, que nunca viu o sol. Que ele arrebate os espinheiros antes que cheguem a aquecer as vossas panelas, assim os verdes, como os que estão ardendo. O justo se alegrará quando vir a vingança; lavará os seus pés no sangue do ímpio”. (58:6-7)
Diante destes textos fico com a pergunta: é justo regozijar-se com a desgraça do inimigo ou daqueles que nos causaram problemas? Quando vejo pessoas que defendem a ferro e fogo e inerrância e infalibilidade das Escrituras e que tudo nela é Palavra de Deus, e ao mesmo recriminam o que foi dito da Marisa Letícia, acho que há profunda incoerência, pois o salmista nos ensina a fazê-lo. Se os Salmos são Palavra de Deus e regra de fé e prática, quem ironizou, zombou ou fez chacota da enfermidade da Marisa Letícia, teve comportamento bíblico. Ou seriam estes textos exemplos de comportamentos humanos e que se tornaram clássicos porque muita gente se vê neles e no desejo de ver a ruína do malfeitor? Não faz parte do DNA humano se alegrar com a desgraça do inimigo?
No que pese o fato de ser isto algo muito humano, não significa que é aceitável, nem mesmo nos salmistas. Devemos condenar suas palavras e desejos, da mesma forma como criticamos quem postou as mensagens. E acima de tudo, devemos condenar em nós mesmos os desejos de vingança e prazer na desgraça alheia.
Marcos Inhauser



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

PALAVRA DE DEUS OU HUMANA?

A posição clássica e ortodoxa é afirmar que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino...”. Por “toda a Escritura” os protestantes e os que neles tem alguma raiz histórica e/ou teológica (batistas, metodistas, pentecostais) vão afirmar tratar-se de todos os livros que fazem parte do cânon bíblico aceito pelas igrejas chamadas de “evangélicas”. Já para os católicos, para os que creem na inspiração plenária das Escrituras, muito provavelmente acrescentarão os livros chamados de deutero-canônicos.
Há, no entanto, um senão nesta postura. Trata-se dos livros dos Salmos e Lamentações de Jeremias. A análise criteriosa deles nos fará perceber que, antes de serem palavra de Deus dirigida aos homens (tal como ocorre nos profetas, por exemplo), trata-se de palavra humana dirigida a Deus.
A grande maioria dos Salmos são orações humanas dirigidas a Deus na forma de pedido, lamentação, louvor, imprecação, etc. Não são strictu sensu Palavra de Deus, mas palavra para Deus, ainda que haja trechos em que explicitamente se afirma ser Deus falando. Da mesma forma as Lamentações de Jeremias. Trata-se de uma coleção de orações, lamentos, falas de arrependimento, que nascem da boca do profeta e são dirigidas a Deus.
A tomada de consciência deste fator é de profunda importância, porque muitos há que, lendo algo que era uma aspiração ou desejo do orador, o transformam em promessa de Deus. Cito o Salmo 23: “O SENHOR é o meu pastor; nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; refrigera-me a alma. Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam. Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges-me a cabeça com óleo; o meu cálice transborda. Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do SENHOR para todo o sempre.”
Note-se que não há nele uma única menção a algo que Deus fala ou promete, antes é a fala do salmista. É uma oração de confiança na provisão e cuidado divinos, mas não é promessa de Deus de que ele fará o que ali está escrito. É um desejo humano e não uma promessa divina.
De igual forma se deve tomar o Salmo 37. Não se trata de promessas, mas de aspiração, de confiança. Neste caso, muito mais de exortação à confiança no Senhor: “Não te indignes por causa dos malfeitores, nem tenhas inveja dos que praticam a iniquidade. Pois eles dentro em breve definharão como a relva e murcharão como a erva verde. Confia no SENHOR e faze o bem; habita na terra e alimenta-te da verdade. Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará. Fará sobressair a tua justiça como a luz e o teu direito, como o sol ao meio-dia. Descansa no SENHOR e espera nele, não te irrites por causa do homem que prospera em seu caminho, por causa do que leva a cabo os seus maus desígnios. Deixa a ira, abandona o furor; não te impacientes; certamente, isso acabará mal. Porque os malfeitores serão exterminados, mas os que esperam no SENHOR.”
Por não perceberem isto, muitos há que prometem o que Deus não prometeu. Conheço muita gente que teve o Senhor como seu pastor, mas que passou por dificuldades e não teve pastos verdejantes e nem água tranquila. Outros que confiaram no Senhor e a Ele se entregaram e nem por isto todos os seus desejos foram satisfeitos.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A TEOLOGIA DOS SEM-PODER

Quando se olha para os textos bíblicos que compõem o Antigo Testamento, pode-se fazê-lo de duas óticas: a tradicionalista e a instrumentalizada. Pela primeira, nos impingem premissas que a tradição repete até que pareça ser verdade. Exemplo disto é afirmar que os cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco, foram escritos por Moisés; que Isaías pertencia à corte; que a maior parte dos Salmos foram escritos pelo rei Davi, que Habacuque era sacerdote; Samuel é o autor dos livros a ele atribuídos, etc. Percebe-se uma nítida tendência de atribuir a autoria dos textos a personalidades do mundo antigo, gente ligada à corte (Moisés, Davi e Isaías), ou ao templo (Habacuque e Samuel).
A leitura instrumentalizada pelas descobertas arqueológicas, pelos fragmentos de escritos tanto em cerâmicas como pedras e papiros, desenhos feitos em cavernas ou nos palácios, a história comparada, a análise dos estilos e o vocabulário empregado nos escritos vários, mostram que a autoria dos textos bíblicos é bem mais complicada e difícil de se precisar. Já perguntei a muita gente que defende a autoria mosaica do pentateuco como poderia ter Moisés escrito em hebraico lá pelo século XIII aC, se os mais antigos textos com alguma palavra que talvez se possa atribuir ao hebraico são datadas no século X? Teria ele escrito em uma língua ainda inexistente? Um dos defensores, diante da pergunta, me respondeu que o “Espírito Santo o capacitou com o dom de uma língua que um dia apareceria”. Por que não se atribui nenhum trecho à autoria de uma mulher, mesmo que se tenha o cântico de Rebeca? Poderia um homem escrever com a fineza e a qualidade dos sentimentos femininos que estão presentes na história de Sara e Hagar e especialmente no encontro desta última com um anjo que a manda de volta para a casa de Abraão?
Como pôde Davi escrever tantos salmos para serem cantados no templo se em seu tempo ele não existia e, mesmo que quisesse construí-lo, foi seu filho, Salomão, que o construiu? Como podia ter dados ordens para se cantar com a melodia tal ou ao som de oitava, se o serviço religioso foi estabelecido mais tarde?
Quando se examina com mais imparcialidade e menos fervor religioso pré-concebido, percebe-se que o Antigo Testamento é uma coletânea de textos, escrito por uma multidão de autores que transmitiram o que ouviram e viram milhares de vezes, ao ponto de se tornar um texto de produção coletiva. A teologia do Antigo Testamento foi obra de um trabalho comunitário, de uma hermenêutica nacional, contando e recontando suas histórias e adaptando-as a cada momento que viviam. A fixação por escrito dos relatos orais se deu tardiamente. Exemplo disto é o livro de Jó, hoje reconhecida por muitos como obra teatral e não relato histórico sobre um personagem real. Em Jó estamos todos os que sofremos, que perdemos bens e família, que fomos falsamente consolados pelos amigos, que fomos acusados por quem nos dizia que nos queria ajudar.
Pela quantidade de denúncias que os textos fazem dos governantes e sacerdotes, da corrupção reinante nos juízos que exploravam e tomavam as propriedades aos mais pobres, pode-se concluir, com grande margem de acerto, que os que transmitiam oralmente as mensagens, especialmente as proféticas, e quem as redigiu, não era gente da corte, do templo ou dos tribunais. Era gente que estava sofrendo as agruras e que via nas mensagens a sua voz e angústia expressadas.
Tudo leva a crer que a teologia do Antigo Testamento é a feita pelos sem-poder, sem-notoriedade, gente sofrida, explorada, escravizada. Por isto, e com propriedade, é que se diz que a Bíblia é a memória dos pobres.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

DOIS CAMINHOS

No emaranhado das teologias, com tantas interpretações, não é fácil entender a essência dos posicionamentos. No desejo de explicitar as coisas, apresento este esboço, resumindo as teologias a duas linhas fundamentais: a teologia do mérito e a da graça.
A do mérito também pode ser descrita como sinérgica ou da justiça retributiva. A palavra “sinérgica” vem do grego “syn”+”erga” = trabalho conjunto. Esta teologia trabalha com o conceito do mérito: a pessoa recebe de Deus o que ela merece. Se praticar o bem, recebe a benção. Se praticar o mal, recebe de Deus o castigo.
Frases características desta linha de pensar são: “Se sou fiel no dízimo, Deus vai aumentar meu salário”; “se sou fiel, não vou ficar doente”; “Deus levou em conta a minha fé”; “Deus me curou porque minha fé é muito grande”; “Deus me deu o emprego porque jejuei três dias”; “aquele que é fiel, praga nenhuma o atingira´”.
As consequências lógicas e práticas deste pensamento é que Deus não é onipotente porque obrigado a retribuir as ações humanas. Deus passa a ser previsível: só responde às ações humanas. Por consequência, Deus pode ser manipulado, porque se consegue que Ele atue em retribuição às ações boas ou más. A salvação não depende de Deus, nem de Cristo, mas das obras feitas para merecê-la, deixando de ser dádiva ou presente para ser pagamento pelo comportamento exemplar que se teve. O juízo final será a pesagem de ações boas e más e, dependendo do resultado desta balança, vai-se para o céu ou o inferno. Como juiz, Deus sentencia cada um de acordo com suas obras. Assim, deixa de ser salvador e se transforma em juiz, deixa de ser amor e passa a ser justiça.
Ela promove o egoísmo: “eu som bom e por isto Deus me abençoa”. Promove a competição e a jactância: “orei tantas horas”; “oro todos os dias, três vezes ao dia”; “li X vezes a Bíblia inteira”; “nunca faltei a um trabalho da igreja”; “Deus vai me responder, porque acredito muito nEle, minha fé é muito grande”. Os cultos se transformam em palcos para a atuação de narcisos: gente que vai à igreja para mostrar quão bons eles são. Ávidos para fazer um solo, orar em voz alta, dar testemunho, contar uma benção. Cacarejam o quanto Deus os está abençoando porque são merecedores. Fazem um rosário de “testemunhos”, cada qual querendo mostrar que é mais merecedor das bênçãos de Deus.
A outra teologia é a da graça que é o agir espontâneo de Deus, aquilo que Ele faz sem que nada o motive ou obrigue a fazê-lo. A graça é o agir surpreendente de Deus, porque nunca previsível: nunca ninguém poderá dizer que a graça vai se manifestar! Ela está definida no texto de João: o vento sopra, não sabes de onde vem, nem para onde vai. A graça não pede licença, nem retribuição ou mesmo um “obrigado”. A graça atropela! Faz mais do que imaginamos ou pedimos! Ela arregaça com os parâmetros da justiça humana, porque ilógica! A graça não precisa de “estrelas televisivas do mundo gospel” para se manifestar, ainda que, se quiser, pode usá-las! Não há poço tão profundo que a graça não possa alcançar! Não há trevas tão escuras que a graça não ilumine!
A graça não é resposta às orações feitas. A graça vem de onde menos se espera! Muda o caos em ordem, a briga em harmonia, a crise me abundância! A graça tapa a boca de pregadores presunçosos! Destrona os que se acham porta-vozes de Deus! Ela exalta o humilde, o órfão, a viúva, o enfermo! A graça visita leitos de doentes terminais!
Marcos Inhauser

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

ELE FARIA 102 ANOS

Meu sogro, que foi um pai para mim, completaria nesta semana, se vivo estivesse, 102 anos de vida. Parece que não entendia porque se dá tanta importância às datas redondas (50, 100, 150, etc.). Certa feita, vendo uma reportagem sobre os 500 anos de algo ele me perguntou se 500 era diferente de 499 anos ou 501 anos. Podia ter escrito algo sobre ele quando faria 100 anos, mas, por respeito a isto, deixei para mais tarde.
Ele era uma pessoa especial. Tão especial que quero transcrever aqui o que recebi de uma jovem da Igreja Menonita, que ele frequentava. Seu nome é May Euzébio.
“No primeiro domingo do mês é sempre o domingo de celebrar a ceia na Igreja que frequento. Um momento simbólico, onde juntos tomamos o cálice de suco de uva, no lugar do vinho, e repartimos o pão, símbolos do sangue e corpo de Cristo, vertido e partido por todos nós.
Hoje, durante essa celebração, algo diferente me ocorreu. Eu segurava o cálice e o pão, e os olhava de uma forma como há muito não olhava. Meu coração encheu-se de uma nostalgia, de forma que cada recanto de mim foi inundado de saudade. A saudade tinha nome: "Seu Leone”. Descobri que meu olhar naquele momento era aquele com o qual eu olhava para a Ceia quando criança. Era o olhar novamente de uma criança!
Lembrei-me de que, quando pequena, após a Ceia dos adultos, as crianças eram convidadas a ir ao salão social da Igreja, aprender sobre a Santa Ceia e participar de uma forma simbólica. Foi deste jeito que, desde criança, ouvi sobre o sacrifício de amor incrível que Jesus fez por mim.
Seu Leone foi o primeiro, e por muito tempo o único, a levar as crianças para a Ceia, explicar cada elemento, cada significado e, com muito amor, orar por todos nós. Quanta gratidão, senti hoje ao tomar a Santa Ceia! Como foi importante para mim, ouvir na minha infância, sobre o sacrifício de amor do meu Jesus!
Foi aquele senhorzinho, humilde e dono de uma alma linda que, por tanto amor à Palavra e aos pequeninos da Igreja, me permitiu conhecer e experimentar o amor do nosso Deus. Quanta gratidão eu senti por aquele homem! Quanta vontade de abraçá-lo e agradecê-lo. Hoje ele descansa nos braços do Pai. O que pude fazer foi fechar meus olhos, diante do pão e do cálice, e agradecer com todo o meu ser, sabendo que a Eternidade me espera, e que um dia eu poderei dizer tudo isso olhando nos olhos tão amorosos do "Seu" Leone.” (May Euzébio)
Ele nunca pediu autorização para fazer isto. Não acredito que a igreja o tenha autorizado, mesmo porque ele o fazia de forma tão espontânea e sincera que seria crueldade impedi-lo.
Eu também sinto saudades dele. Muitas vezes, quando nos sentamos à mesa no espaço da casa que era sua cozinha, lembro da música: “nesta mesa está faltando ele e a saudade dele está doendo em mim”. Saudades das suas piadas, do seu jeito meigo e às vezes duro, saudades das gozações que fazia com ele porque era são-paulino e eu corintiano. Saudades de uma pessoa especial e que soube ser especial para mim e para muito mais gente.
Marcos Inhauser