Há 40 anos, na última segunda-feira, dia 22, fui ordenado ao ministério
pelo Presbitério Norte de São Paulo. Não celebrei a data e ninguém a celebrou. D
minha parte não celebrei e tenho razões para isto.
A razão maior é que estou em período em que estou vivenciando a
experiência do Coelet, o Pregador do livro bíblico do Eclesiastes. Já escrevi
aqui, há algum tempo, que o Coelet é quem valida uma “espiritualidade da
depressão”. Não acho que estou deprimido, mas estou, sim, frustrado,
decepcionado, envergonhado, magoado, bravo e desanimado (FDEMBD).
Estou FDEMBD com a situação do meu país. Eu imaginava que a coisa
estava ruim, mas não que a podridão tivesse alcançado os níveis e as
autoridades que alcançou. Estou FDEMBD com os políticos do meu país, inclusive
com os que ajudei eleger, porque esperei deles algo muito diferente do que
estão sendo e entregando. Estou FDEMBD com o cinismo das pessoas públicas que
têm a coragem de negar o batom na cueca. Estou FDEMBD com o STF que solta o
Eike, o Zé Dirceu, que tem ministro que inocenta o Maluf, que rasga a
Constituição no processo de impeachment. Estou FDEMBD com o Judiciário pelas
idas e vindas, sentenças e liminares, que joga a coisa numa ciranda que vence
quem tem o melhor advogado, o mai$ bem pago. Estou FDEMBD com a Lava Jato que
anda dando sentenças ínfimas para quem cometeu crimes máximos. Estou FDEMBD com
A PGR que dá impunibilidade aos irmãos Batista, no que pese terem comprado o
Brasil e os deputados com suas propinas e maracutaias.
Estou FDEMBD com a “igreja brasileira” porque, salvo honrosas exceções,
sucumbiram ao modelo de mercado. Ou fazem a coisa para o gosto do público e
para encher templos, ou fazem as coisas numa sucessão de eventos, onde a igreja
é “uma fábrica de eventos”: jantares, gincanas, acampamentos, encontros deste
ou daquele grupo, etc. Estou FDEMBD com um monte de gente que se chama pastor,
que nunca passou por um treinamento teológico sério, que se achou bom orador,
que nunca passou por uma cerimônia bíblica de ordenação e que envergonham algo
que tem sua origem na vocação divina.
Estou FDEMBD com alguns com quem gastei tempo ensinando, dei do meu
tempo, investi até financeiramente e que resultaram em perda total ou em
vergonha para mim e para o evangelho. Gente que treinei para ser pastor e que virou
bandido. Estou FDEMBD com alguns membros de igreja que trocam a comunhão dos
irmãos na reunião da igreja por qualquer coisa de somenos. Estou FDEMBD com
quem me critica porque me acham radical, veemente, profético ao estilo
jeremias,
No entanto, nestes 40 anos, tive meus bons momentos e recordá-los me dá
ânimo para seguir adiante, mesmo porque, tenho absoluta certeza, a vocação que
tenho é irresistível e, por mais que queira deixá-la (e já tentei), tal como
Jeremias “como me calar se tua voz me queima aqui dentro?” Nestes 40 anos tenho
gente que ensinei, pastoreei, me fiz confidente e que me dão a alegria do
respeito, do carinho e da acolhida. Tenho Igrejas e famílias que me recebem de
braços abertos, onde me sinto amado e percebo que não trabalhei em vão.
Plantei flores e me arranhei com os espinhos. Semeei espinhos é
verdade, mas sempre na firme convicção do exercício do profético enquanto
denúncia. Acho que demorei muito tempo para reconhecer a graça de Deus no meu
ministério e na vida das pessoas. O fardo do ministério se tornou mais leve a
partir da dimensão da graça. Se estivesse ainda pregando e ensinando a justiça
retributiva, teria sucumbido.
Não tenho ânimo para celebrar os 40 anos de ordenação ao ministério,
por mais significativo que isto tenha sido para a minha vida. O que, sim, faço
é agradecer a Deus por me manter em pé nestes anos, apesar do tropeços e erro,
da descrença costumeira nos momentos de crise, e por me ter usado quando nada
em mim servia. Como diz um hino: “se Tu podes usar qualquer coisa, Deus,
usa-me! Esta é a minha oração!
Marcos Inhauser
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