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segunda-feira, 28 de junho de 2021

DEPOIS DE MIL, A SEPARAÇÃO AMIGÁVEL

Se não errei na conta, escrevi 1022 colunas para o Correio Popular. Foram mais de 20 anos de escrita contínua, com um único período de férias, quando fui muito bem substituído pela Rute Salviano Almeida, pesquisadora e autora de vários livros sobre o papel da mulher na história da Igreja.

Comecei a escrever por indicação da jornalista Maria Tereza Costa. O meu compromisso era que não receberia nada em troca pelo meu trabalho semanal (nem mesmo uma assinatura do jornal!), para que eu pudesse ter liberdade. E assim foi durante todo o tempo: nunca recebi um centavo e fiz isto com dedicação e orgulho. Há quem me perguntou se era assalariado do PT, se era comissionado na Prefeitura, se ganhava do PSDB. Tais insinuações se deviam a mentes tacanhas que acham que não posso ter opinião própria: tudo o que penso e escrevo deve ter um pagamento por trás.

Nesta relação tive muitos contatos com os editores para sentir como estava sendo recebida minha coluna, umas duas ou três vezes fui alertado de que o que eu tinha escrito poderia me trazer problemas judiciais, mesmo assim a publicariam. Em comum acordo, troquei a mensagem escrita, pois vi sabedoria no conselho que o redator me dava.

Umas poucas vezes falhei em escrever. No início que eu tinha que levar para a redação um disquete com o arquivo. Com o advento da internet facilitaram. Algumas vezes não enviei e isto se deveu a viagens. Onde estava não tinha internet para mandar o arquivo (quando a internet era produto de luxo e não se achava em qualquer lugar). Em outras ocasiões eu ligava para a redação e pedia prazo estendido para enviar, porque, em viagem, só chegaria em casa depois das sete da noite. Sempre fui atendido com a gentileza das pessoas que me atendiam.

Já escrevi que colunista não pode ter medo das críticas. É virar vidraça. Quando o colunista coloca em público e ao público as suas opiniões políticas e religiosas, fatalmente haverá quem discorde. Há os que discordam e o fazem saber em termos polidos. Há os que, discordando, acham que atacar e ofender é o meio mais eficaz de ser ouvido.

Recebi muitos e-mails. Alguns concordando e muitos discordando. Entre os que discordavam, lembro-me de um que me escreveu uma série de e-mails. Ele lia e não entendia o que eu havia escrito, ou deduzia maniqueisticamente. Quando critiquei o Bush pela guerra contra o Talibã, ele me chamou de comunista e terrorista, como se criticar a decisão do presidente me colocasse necessariamente como favorável à outra parte. A lógica dele era: se ele é contra A, só pode ser a favor de B. Silogismo falso.

Certa feita fiz um comentário en passant sobre o Foucault. Um leitor me escreveu criticando a citação e me enviou um compêndio, de sua lavra, com críticas ao filósofo. Por se tratar de um estudioso e mestrando na área eu o li e, diferentemente do que ele pretendia, eu fui ler mais coisas do Foucault e hoje sou um fã dele. Tenho pessoas que me enviam coisas que acham interessantes e que podem ser subsídio.

Desde o início assumi que escreveria sobre política internacional, nacional e local e sobre religião e igrejas. Assim fiz.

Ter sido colunista me deu alegria. Como tudo na vida tem começo, meio e fim, encerro o meu ciclo.

Quando há alguns anos li que em 2025 se publicaria a última edição de um jornal impresso no mundo, achei exagero. Mas constato que muitos já morreram. O jornal onde iniciei, quanto tinha 12 anos, a Tribuna de Indaiá, já fechou. Onde meu pai escrevia, o Votura, também fechou. Os jornais, via de regra, encolheram. Quem comprava o Estadão aos domingos e vai comprá-lo hoje, percebe a diferença. Os jornais estão priorizando as notícias ainda que elas estejam nos portais. Para mim o jornal impresso está na UTI.

Opinião todo mundo tem e as coloca nos Face, Instagram, Twitter da vida, uma grande quantidade de comentários eivados de raiva e de pouca profundidade.

Continuo postando no Facebook e no blog (inhauser.blogspot.com). A quem me acompanhou, meu obrigado.

Marcos Inhauser

A ESPECIFICIDADE DA ESPECIALIDADE

Participei e participo de muitos grupos de pastores e especialistas em teologia. Há os que entendem de teologia e há os que entendem de Bíblia. São duas coisas diferentes dentro de uma área que, para os leigos, são a mesma coisa. Os especialistas em teologia podem ser em teologia sistemática, teologia bíblica, teologia prática, teologia pastoral, religião e sociedade, ou em história da teologia. Os especialistas em Bíblia podem ser em Antigo Testamento, Novo Testamento, Evangelhos, exegese bíblica, gêneros literários bíblicos, grego, hebraico, aramaico etc.

Assim como em outros campos do saber, há os generalistas, que têm uma visão do todo, mas que, quando precisam de informações mais precisas e profundas, buscam-nas com os especialistas. Um especialista sério, ainda que possa ter suas convicções sobre outras áreas que não a sua especialidade, preferem remeter o assunto a quem de direito.

O mesmo ocorre com a área médica. Há os clínicos gerais, mas há os ortopedistas, otorrinolaringologistas, dermatologistas, cardiologistas, pneumologistas, oncologistas, infectologistas etc. Para explicitar o detalhamento, no campo da ortopedia há quem se especialize em mão, outros em joelho, outros em quadril. Podem ter a visão geral, mas a especificidade da sua especialidade os leva a limitar-se à sua área.

Buscar um ortopedista para problema no ouvido é insensatez. O mesmo é buscar oncologista para tratar de infectologia. Como diz o ditado, “cada macaco no seu galho” ou “sapateiro, ao teu sapato”.

Há os que, ainda que tenham uma especialidade teológica, também se especializaram em áreas correlatas. Tenho um amigo que é teólogo, se especializou em Bonhoeffer, mas estudou muito sobre a teologia nas histórias em quadrinhos.

Eu me especializei na Teologia Pastoral e me preocupei com as relações de poder na relação pastor-igreja e igreja-sociedade. Estudo a participação dos líderes religiosos na política e o jogo de poder que se estabelece nestas relações. Com veio mais ao estilo do profético veterotestamentário, me inclino para as denúncias de conluios existentes nesta relação. Para esta minha leitura/interpretação valho-me dos noticiários, dos comentaristas, dos colegas pesquisadores na área, das informações colhidas nas conversas pessoais, da análise lógica, do confronto de versões, das leituras filosóficas e especialmente de Michel Foucault. Posso fazer menção a coisas do AT ou NT, da teologia e da história da Igreja, mas tenho consciência de que falo generalidades.

Como toda e qualquer interpretação de fatos públicos, posso ser aceito ou rejeitado nas minhas conclusões. Faz parte do jogo. Posso ser elogiado por quem não tem noção das coisas a que me refiro, posso ser criticado por quem, sem saber patavina da área, se arvora em conhecedor das entradas do piolho.

O que percebo é que, quem não conhece a especificidade da área tratada pelo especialista é acidamente atacado por quem nunca estudou. Um amigo, com doutorado em missiologia, escreveu um artigo na sua área. Eu o considerei muito bom e compartilhei. Teve quem se arvorou em melhor conhecedor que ele e, sem nunca ter se aprofundado na área, o acusou de heresia e destruidor da fé.

É o preço que o engenheiro civil paga ao ser criticado pelo pedreiro, que acha que sabe mais que ele.

Marcos Inhauser

terça-feira, 15 de junho de 2021

VOLIÇÃO E ATO NECESSÁRIO

Há coisas que, em função das circunstâncias, o indivíduo não pode deixar de fazer. A impossibilidade de não fazer decorre da própria natureza humana que, por sua herança arquetípica, por mais que tenha a volição direcionada em outro sentido, se vê compelido a fazê-lo.

Assim é o ato de sobrevivência. Diante da iminência da morte, o ser humano se dispõe a matar para se safar. Diante da fome, rouba o que lhe é necessário para viver. Em ambos os casos há consenso quase universal de que o praticante de tais atos não deve ser penalizado, uma vez que foram atos necessários.

Por outro lado, o ser humano, histórico e historicamente condicionado que é, opera no campo dos acontecimentos naturais e nos fatos históricos. Não existe diferença entre um e outro, uma vez que os atos naturais, ao receber a ação concomitante do ser humano, se torna histórico, porque é na relação entre fatos naturais e ação humana que se dá a história.

Neste sentido, há no histórico uma tensão entre o ontem que vai se esvaziando, mas querendo permanecer e o amanhã que quer se tornar, vir-a-ser. É na dimensão entre o ontem e o hoje que se dá a pregação e a profecia (no sentido de "falar da parte de" e "nunca no sentido de predizer", a pré-fecia). A pré-fecia tem um quê de mítico, na medida em que quer garantir o vir-a-ser pela enunciação da palavra. Como, na quase totalidade das vezes, os pré-fetas anunciam o futuro garantindo a ação de Deus, assumem uma versão mitológica na sua prédica, porque o vir-a-ser é ação dos deuses na história, elemento característico dos mitos.

Esta característica da pré-fecia deve ser "demitizada", porque tende a ser a-histórica. Antes, ao invés de massificar e alienar consciências, a profecia deve formar a consciência coletiva para a ação história significativa no momento chamado hoje. Para tanto há que se ter uma visão mais universal e não provincial ou pequena dos atos de Deus, tão característico das pré-fecias. O profeta fala de uma história global, não de coisas particulares e individuais.

Há ainda que lembrar-se que, no processo histórico, os vencedores de sistemas iníquos e exploradores, por terem agido histórica e conscienciosamente, lograram êxito nas suas empreitadas. Mas esta mesma história nos ensina que, ao galgar o poder, acabam reproduzindo as técnicas e injustiças do regime que combateram. Tanto no antigo como no novo regime, a história, entendida como falar e ter respostas, chamar e ser ouvido, não existe porque os gritos do povo são abafados. O profeta vem então fazer recordar, engajar o povo criando consciência e sempre lutando para que o status quo seja mudado.

Assim é o que vivemos. Tanto o PT como o atual governo, tiveram e tem no seu discurso o combate à corrupção, se apresentaram e apresentam e como voz do povo. Galgados ao poder, se transformaram e esquivam-se de dar respostas às questões importantes e interessantes e fizeram ou fazem coisas inexplicáveis em função do prometido em suas campanhas. Parece que o Diploma Eleitoral muda o DNA do candidato, agora diplomado. Isto aconteceu com a legião de deputados e senadores de primeira eleição. Se esperava que fossem mudar as coisas no Congresso e o que se vê é a continuidade daquilo que todos abominamos.

 

Marcos Inhauser

 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

NYIRAGONGO SALLES

O vulcão Nyiragongo, na República Democrática do Congo, entrou em erupção no dia 22 de maio. Outro, o Murara, que está em área desabitada, também entrou em erupção. A cidade de Goma, que está a mais ou menos 12 km de distância do Nyiragongo, teve lavas vulcânicas que chegaram a 300 metros, pelo que, as autoridades pediram que os habitantes a deixassem. Muitos foram à vizinha Ruanda. Na área próxima à cidade de Goma, se fala em quase dois milhões de habitantes.

Desde 1882, ele entrou em erupção ao menos 34 vezes, e em algumas vezes ficou dois anos em atividade. A recente erupção causou a morte de 32 mortes até o momento e a fuga de dezenas de milhares de habitantes.

Vulcões, em certa medida, são previsíveis quando devidamente monitorados. Microssismógrafos colocados nas encostas e em escala ascendente, mostram, com bastante precisão, a entrada da lava no cone, o que, aliado ao monitoramento da temperatura na boca e no interior dela, dá condições de se prever suas atividades. Alertas com cores são emitidos. Assim foi com o Pichicha, em Quito, quando lá morei.

Da mesma forma se pode prever o surgimento e caminho dos tornados, furacões e tufões. Quando vivíamos em Chicago, em área que é caminho dos tornados, a TV anunciava em notas de rodapé a previsão de tormentas e tornados e mostravam, com certa precisão, o horário que poderia acontecer.

Não são assim os terremotos. Até o momento nada indica certa previsibilidade. O que se sabe é que certas áreas são mais susceptíveis e o máximo a fazer é se prevenir para algo que é imprevisível.

O mesmo raciocínio se pode aplicar à administração pública. Há áreas com previsibilidade sísmica, ainda que não se tenha instrumentos confiáveis para a detecção a priori.  Só dá para correr atrás dos estragos. Penso que um exemplo disto são as fraudes fiscais, no INSS, no ICMS, no IPTU etc. O que se faz é colocar a polícia para correr atrás do prejuízo. Por mais que se criem mecanismos de controle, as atividades sísmicas contornam os obstáculos, abrem fendas, destroem coisas construídas e matam pessoas. Veja o exemplo dos desvios na merenda escolar, nas verbas da saúde, para citar dois exemplos.

Há, no entanto, tal como os vulcões, atividades ruinosas que podem ser monitoradas com sensores. Uma delas é o que está acontecendo com o ministro Salles. Os microssismos evidenciavam que o vulcão ia entrar em erupção. Investigações, denúncias, defesa dos madeireiros, aumento do desmatamento, redução da fiscalização, inativação por falta de recursos econômicos de organismos ambientais, advocacia administrativa.

Deu no que deu. Um delegado da PF que ligou os sensores, mostrou que o vulcão podia explodir. Quem devia tomar providências para minorar a crise dormiu no ponto. Um sismógrafo nos Estados Unidos detectou lavas no carregamento de madeira exportada. O STF mandou investigar, a PGR foi provocada, a denúncia formal foi encaminha à ministra relatora e o vulcão está lançando lavas para fora. E tem lava para todos, até, segundo o COAF, nas contas pessoais e no aumento inexplicável do patrimônio.

Com o vulcão principal também o secundário: a presidência do IBAMA. Sensores indicavam atividades sísmicas e decidiu-se expelir a lava antes que ela rolasse morro abaixo, o que, com o tempo, saberemos se a decisão resolveu o problema.

Vivemos em área sísmica e tem gente dormindo sobre os sensores e se gabando que no seu governo nunca houve vulcão. A sabedoria popular diz que é sábio “dar tempo ao tempo”.

Marcos Inhauser

 

MENTIRA VERDADEIRA

Aprendi que a verdade é a versão dos poderosos. Devo isto ao Michel Foucault. A verdade, segundo ele, e talvez outros tenham dito algo parecido a isto, é a versão que o detentor do poder dá aos fatos. Ela se estabelece como verdade porque os fracos não têm o poder de se fazer valer ou ouvir. Por isto (devo isto ao guru Zé Lima), a versão dos fracos e sem poder é “sub-versão”.

Ao estudar história, percebi que a história que conhecemos é a versão dos poderosos. Ela é a feita a partir de manuscritos, cerâmicas, construções, obeliscos, pirâmides, santuários, sarcófagos, túmulos dos poderosos. Os pobres e marginalizados não tinham como deixar construções, manuscritos e sarcófagos. Morriam e eram apagados da história.

Ampliando o conceito, a história é a versão dos poderosos nas suas vitórias contra inimigos derrotados. O derrotado não deixava traços. Eram dizimados. Muitas das inscrições do antigo Egito, Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma são relatos de vitoriosos. Um outro pequeno trecho de um derrotado apareceu e pouca importância se deu a eles. Um deles é Šutruk-Naḫḫunte. Ele ganhou, muitos séculos depois, uma projeção mínima no curta-metragem “The Palace Thief”, e a adaptação no “The Emperor's Club”. Era um conquistador egomaníaco famoso em seus dias, mas praticamente desconhecido hoje.

A maior coletânea de história sobre marginalizados e pobres se tem na Bíblia. Em uma sociedade extremamente patriarcal e machista, que o Antigo Testamento traga as histórias de Débora, Sara, Hagar, Bate-Seba é surpreendente e inexplicável. Que seja a história de um povo marginalizado, escravizado e peregrino, é também inexplicável. É a maior coletânea de feitos históricos de pobres e excluídos.

Estamos em tempos de uma CPI que investiga fatos relacionados ao poder e busca identificar atos de omissão e comissão no enfrentamento da pandemia. No que pese a imposição legal de que a testemunha tem o dever de falar a verdade, sob a pena coercitiva da lei, temos assistido a depoentes (Fabio Wajngarten, Queiroga e Pazzuelo) mentindo descaradamente. Tiveram a desfaçatez de negar o que escreveram e disseram, no que pese os textos publicados, os vídeos apresentados e as declarações dadas. O campeão das mentiras foi o general Pazzuelo, amparado que estava por um habeas corpus que o eximia de ser preso pela CPI.

Porque estavam no poder e tem o apoio do governo, tiveram a coragem de mentir em rede nacional, na esperança de que, ao apresentar a versão do poder, estariam estabelecendo a verdade oficial e vitoriosa.

Parece que não perceberam que os tempos são outros, que a mídia social está atuante, que as falas são checadas online com as verdades que a grande imprensa, os meios de comunicação e jornalistas investigativos têm mostrado.

Por não terem a “sua verdade” estabelecida, por terem suas falas contraditas, mostra que quem está no poder não tem o poder. Lendo Gene Sharp entendi que uma coisa é ter o posto, a posição, outra é ter o poder. Este é resultado da obediência que o povo lhe presta.

Só posso concluir que falta poder a quem hoje tem a posição de autoridade nacional. Quem usou e abusou de um texto bíblico sobre a verdade que liberta, labora no erro e na mentira, e crê que pode mudar os fatos com sua versão enviesada.

A verdade liberta, diz o texto jesuânico. Que liberdade há nas 450.000 mortes?

Marcos Inhauser