Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
Leia mais
segunda-feira, 28 de junho de 2021
DEPOIS DE MIL, A SEPARAÇÃO AMIGÁVEL
Comecei a escrever por indicação da jornalista Maria Tereza Costa. O meu compromisso era que não receberia nada em troca pelo meu trabalho semanal (nem mesmo uma assinatura do jornal!), para que eu pudesse ter liberdade. E assim foi durante todo o tempo: nunca recebi um centavo e fiz isto com dedicação e orgulho. Há quem me perguntou se era assalariado do PT, se era comissionado na Prefeitura, se ganhava do PSDB. Tais insinuações se deviam a mentes tacanhas que acham que não posso ter opinião própria: tudo o que penso e escrevo deve ter um pagamento por trás.
Nesta relação tive muitos contatos com os editores para sentir como estava sendo recebida minha coluna, umas duas ou três vezes fui alertado de que o que eu tinha escrito poderia me trazer problemas judiciais, mesmo assim a publicariam. Em comum acordo, troquei a mensagem escrita, pois vi sabedoria no conselho que o redator me dava.
Umas poucas vezes falhei em escrever. No início que eu tinha que levar para a redação um disquete com o arquivo. Com o advento da internet facilitaram. Algumas vezes não enviei e isto se deveu a viagens. Onde estava não tinha internet para mandar o arquivo (quando a internet era produto de luxo e não se achava em qualquer lugar). Em outras ocasiões eu ligava para a redação e pedia prazo estendido para enviar, porque, em viagem, só chegaria em casa depois das sete da noite. Sempre fui atendido com a gentileza das pessoas que me atendiam.
Já escrevi que colunista não pode ter medo das críticas. É virar vidraça. Quando o colunista coloca em público e ao público as suas opiniões políticas e religiosas, fatalmente haverá quem discorde. Há os que discordam e o fazem saber em termos polidos. Há os que, discordando, acham que atacar e ofender é o meio mais eficaz de ser ouvido.
Recebi muitos e-mails. Alguns concordando e muitos discordando. Entre os que discordavam, lembro-me de um que me escreveu uma série de e-mails. Ele lia e não entendia o que eu havia escrito, ou deduzia maniqueisticamente. Quando critiquei o Bush pela guerra contra o Talibã, ele me chamou de comunista e terrorista, como se criticar a decisão do presidente me colocasse necessariamente como favorável à outra parte. A lógica dele era: se ele é contra A, só pode ser a favor de B. Silogismo falso.
Certa feita fiz um comentário en passant sobre o Foucault. Um leitor me escreveu criticando a citação e me enviou um compêndio, de sua lavra, com críticas ao filósofo. Por se tratar de um estudioso e mestrando na área eu o li e, diferentemente do que ele pretendia, eu fui ler mais coisas do Foucault e hoje sou um fã dele. Tenho pessoas que me enviam coisas que acham interessantes e que podem ser subsídio.
Desde o início assumi que escreveria sobre política internacional, nacional e local e sobre religião e igrejas. Assim fiz.
Ter sido colunista me deu alegria. Como tudo na vida tem começo, meio e fim, encerro o meu ciclo.
Quando há alguns anos li que em 2025 se publicaria a última edição de um jornal impresso no mundo, achei exagero. Mas constato que muitos já morreram. O jornal onde iniciei, quanto tinha 12 anos, a Tribuna de Indaiá, já fechou. Onde meu pai escrevia, o Votura, também fechou. Os jornais, via de regra, encolheram. Quem comprava o Estadão aos domingos e vai comprá-lo hoje, percebe a diferença. Os jornais estão priorizando as notícias ainda que elas estejam nos portais. Para mim o jornal impresso está na UTI.
Opinião todo mundo tem e as coloca nos Face, Instagram, Twitter da vida, uma grande quantidade de comentários eivados de raiva e de pouca profundidade.
Continuo postando no Facebook e no blog (inhauser.blogspot.com). A quem me acompanhou, meu obrigado.
Marcos Inhauser
A ESPECIFICIDADE DA ESPECIALIDADE
Participei e participo de muitos grupos de pastores e especialistas em teologia. Há os que entendem de teologia e há os que entendem de Bíblia. São duas coisas diferentes dentro de uma área que, para os leigos, são a mesma coisa. Os especialistas em teologia podem ser em teologia sistemática, teologia bíblica, teologia prática, teologia pastoral, religião e sociedade, ou em história da teologia. Os especialistas em Bíblia podem ser em Antigo Testamento, Novo Testamento, Evangelhos, exegese bíblica, gêneros literários bíblicos, grego, hebraico, aramaico etc.
Assim como
em outros campos do saber, há os generalistas, que têm uma visão do todo, mas
que, quando precisam de informações mais precisas e profundas, buscam-nas com
os especialistas. Um especialista sério, ainda que possa ter suas convicções
sobre outras áreas que não a sua especialidade, preferem remeter o assunto a
quem de direito.
O mesmo
ocorre com a área médica. Há os clínicos gerais, mas há os ortopedistas, otorrinolaringologistas,
dermatologistas, cardiologistas, pneumologistas, oncologistas, infectologistas
etc. Para explicitar o detalhamento, no campo da ortopedia há quem se
especialize em mão, outros em joelho, outros em quadril. Podem ter a visão
geral, mas a especificidade da sua especialidade os leva a limitar-se à sua
área.
Buscar um
ortopedista para problema no ouvido é insensatez. O mesmo é buscar oncologista
para tratar de infectologia. Como diz o ditado, “cada macaco no seu galho” ou
“sapateiro, ao teu sapato”.
Há os que,
ainda que tenham uma especialidade teológica, também se especializaram em áreas
correlatas. Tenho um amigo que é teólogo, se especializou em Bonhoeffer, mas
estudou muito sobre a teologia nas histórias em quadrinhos.
Eu me
especializei na Teologia Pastoral e me preocupei com as relações de poder na
relação pastor-igreja e igreja-sociedade. Estudo a participação dos líderes
religiosos na política e o jogo de poder que se estabelece nestas relações. Com
veio mais ao estilo do profético veterotestamentário, me inclino para as
denúncias de conluios existentes nesta relação. Para esta minha
leitura/interpretação valho-me dos noticiários, dos comentaristas, dos colegas
pesquisadores na área, das informações colhidas nas conversas pessoais, da
análise lógica, do confronto de versões, das leituras filosóficas e
especialmente de Michel Foucault. Posso fazer menção a coisas do AT ou NT, da
teologia e da história da Igreja, mas tenho consciência de que falo
generalidades.
Como toda e
qualquer interpretação de fatos públicos, posso ser aceito ou rejeitado nas
minhas conclusões. Faz parte do jogo. Posso ser elogiado por quem não tem noção
das coisas a que me refiro, posso ser criticado por quem, sem saber patavina da
área, se arvora em conhecedor das entradas do piolho.
O que
percebo é que, quem não conhece a especificidade da área tratada pelo
especialista é acidamente atacado por quem nunca estudou. Um amigo, com
doutorado em missiologia, escreveu um artigo na sua área. Eu o considerei muito
bom e compartilhei. Teve quem se arvorou em melhor conhecedor que ele e, sem
nunca ter se aprofundado na área, o acusou de heresia e destruidor da fé.
É o preço
que o engenheiro civil paga ao ser criticado pelo pedreiro, que acha que sabe
mais que ele.
Marcos Inhauser
terça-feira, 15 de junho de 2021
VOLIÇÃO E ATO NECESSÁRIO
Há coisas que, em função das circunstâncias, o indivíduo não pode deixar de fazer. A impossibilidade de não fazer decorre da própria natureza humana que, por sua herança arquetípica, por mais que tenha a volição direcionada em outro sentido, se vê compelido a fazê-lo.
Assim é o ato
de sobrevivência. Diante da iminência da morte, o ser humano se dispõe a matar
para se safar. Diante da fome, rouba o que lhe é necessário para viver. Em
ambos os casos há consenso quase universal de que o praticante de tais atos não
deve ser penalizado, uma vez que foram atos necessários.
Por outro
lado, o ser humano, histórico e historicamente condicionado que é, opera no
campo dos acontecimentos naturais e nos fatos históricos. Não existe diferença
entre um e outro, uma vez que os atos naturais, ao receber a ação concomitante
do ser humano, se torna histórico, porque é na relação entre fatos naturais e
ação humana que se dá a história.
Neste
sentido, há no histórico uma tensão entre o ontem que vai se esvaziando, mas
querendo permanecer e o amanhã que quer se tornar, vir-a-ser. É na dimensão
entre o ontem e o hoje que se dá a pregação e a profecia (no sentido de
"falar da parte de" e "nunca no sentido de predizer", a
pré-fecia). A pré-fecia tem um quê de mítico, na medida em que quer garantir o
vir-a-ser pela enunciação da palavra. Como, na quase totalidade das vezes, os
pré-fetas anunciam o futuro garantindo a ação de Deus, assumem uma versão
mitológica na sua prédica, porque o vir-a-ser é ação dos deuses na história,
elemento característico dos mitos.
Esta
característica da pré-fecia deve ser "demitizada", porque tende a ser
a-histórica. Antes, ao invés de massificar e alienar consciências, a profecia
deve formar a consciência coletiva para a ação história significativa no
momento chamado hoje. Para tanto há que se ter uma visão mais universal e não
provincial ou pequena dos atos de Deus, tão característico das pré-fecias. O
profeta fala de uma história global, não de coisas particulares e individuais.
Há ainda que
lembrar-se que, no processo histórico, os vencedores de sistemas iníquos e
exploradores, por terem agido histórica e conscienciosamente, lograram êxito
nas suas empreitadas. Mas esta mesma história nos ensina que, ao galgar o poder,
acabam reproduzindo as técnicas e injustiças do regime que combateram. Tanto no
antigo como no novo regime, a história, entendida como falar e ter respostas,
chamar e ser ouvido, não existe porque os gritos do povo são abafados. O
profeta vem então fazer recordar, engajar o povo criando consciência e sempre
lutando para que o status quo seja mudado.
Assim é o que
vivemos. Tanto o PT como o atual governo, tiveram e tem no seu discurso o
combate à corrupção, se apresentaram e apresentam e como voz do povo. Galgados
ao poder, se transformaram e esquivam-se de dar respostas às questões importantes
e interessantes e fizeram ou fazem coisas inexplicáveis em função do prometido
em suas campanhas. Parece que o Diploma Eleitoral muda o DNA do candidato,
agora diplomado. Isto aconteceu com a legião de deputados e senadores de
primeira eleição. Se esperava que fossem mudar as coisas no Congresso e o que
se vê é a continuidade daquilo que todos abominamos.
Marcos
Inhauser
quarta-feira, 2 de junho de 2021
NYIRAGONGO SALLES
O vulcão Nyiragongo, na República Democrática do Congo, entrou em erupção no dia 22 de maio. Outro, o Murara, que está em área desabitada, também entrou em erupção. A cidade de Goma, que está a mais ou menos 12 km de distância do Nyiragongo, teve lavas vulcânicas que chegaram a 300 metros, pelo que, as autoridades pediram que os habitantes a deixassem. Muitos foram à vizinha Ruanda. Na área próxima à cidade de Goma, se fala em quase dois milhões de habitantes.
Desde 1882,
ele entrou em erupção ao menos 34 vezes, e em algumas vezes ficou dois anos em
atividade. A recente erupção causou a morte de 32 mortes até o momento e a fuga
de dezenas de milhares de habitantes.
Vulcões, em
certa medida, são previsíveis quando devidamente monitorados. Microssismógrafos
colocados nas encostas e em escala ascendente, mostram, com bastante precisão,
a entrada da lava no cone, o que, aliado ao monitoramento da temperatura na
boca e no interior dela, dá condições de se prever suas atividades. Alertas com
cores são emitidos. Assim foi com o Pichicha, em Quito, quando lá morei.
Da mesma
forma se pode prever o surgimento e caminho dos tornados, furacões e tufões.
Quando vivíamos em Chicago, em área que é caminho dos tornados, a TV anunciava
em notas de rodapé a previsão de tormentas e tornados e mostravam, com certa
precisão, o horário que poderia acontecer.
Não são
assim os terremotos. Até o momento nada indica certa previsibilidade. O que se sabe
é que certas áreas são mais susceptíveis e o máximo a fazer é se prevenir para
algo que é imprevisível.
O mesmo
raciocínio se pode aplicar à administração pública. Há áreas com
previsibilidade sísmica, ainda que não se tenha instrumentos confiáveis para a
detecção a priori. Só dá para correr
atrás dos estragos. Penso que um exemplo disto são as fraudes fiscais, no INSS,
no ICMS, no IPTU etc. O que se faz é colocar a polícia para correr atrás do
prejuízo. Por mais que se criem mecanismos de controle, as atividades sísmicas
contornam os obstáculos, abrem fendas, destroem coisas construídas e matam
pessoas. Veja o exemplo dos desvios na merenda escolar, nas verbas da saúde,
para citar dois exemplos.
Há, no
entanto, tal como os vulcões, atividades ruinosas que podem ser monitoradas com
sensores. Uma delas é o que está acontecendo com o ministro Salles. Os
microssismos evidenciavam que o vulcão ia entrar em erupção. Investigações,
denúncias, defesa dos madeireiros, aumento do desmatamento, redução da
fiscalização, inativação por falta de recursos econômicos de organismos
ambientais, advocacia administrativa.
Deu no que
deu. Um delegado da PF que ligou os sensores, mostrou que o vulcão podia
explodir. Quem devia tomar providências para minorar a crise dormiu no ponto. Um
sismógrafo nos Estados Unidos detectou lavas no carregamento de madeira
exportada. O STF mandou investigar, a PGR foi provocada, a denúncia formal foi
encaminha à ministra relatora e o vulcão está lançando lavas para fora. E tem
lava para todos, até, segundo o COAF, nas contas pessoais e no aumento
inexplicável do patrimônio.
Com o
vulcão principal também o secundário: a presidência do IBAMA. Sensores
indicavam atividades sísmicas e decidiu-se expelir a lava antes que ela rolasse
morro abaixo, o que, com o tempo, saberemos se a decisão resolveu o problema.
Vivemos em
área sísmica e tem gente dormindo sobre os sensores e se gabando que no seu
governo nunca houve vulcão. A sabedoria popular diz que é sábio “dar tempo ao
tempo”.
Marcos
Inhauser
MENTIRA VERDADEIRA
Aprendi que a verdade é a versão dos poderosos. Devo isto ao Michel Foucault. A verdade, segundo ele, e talvez outros tenham dito algo parecido a isto, é a versão que o detentor do poder dá aos fatos. Ela se estabelece como verdade porque os fracos não têm o poder de se fazer valer ou ouvir. Por isto (devo isto ao guru Zé Lima), a versão dos fracos e sem poder é “sub-versão”.
Ao estudar
história, percebi que a história que conhecemos é a versão dos poderosos. Ela é
a feita a partir de manuscritos, cerâmicas, construções, obeliscos, pirâmides,
santuários, sarcófagos, túmulos dos poderosos. Os pobres e marginalizados não
tinham como deixar construções, manuscritos e sarcófagos. Morriam e eram
apagados da história.
Ampliando o
conceito, a história é a versão dos poderosos nas suas vitórias contra inimigos
derrotados. O derrotado não deixava traços. Eram dizimados. Muitas das
inscrições do antigo Egito, Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma são relatos de
vitoriosos. Um outro pequeno trecho de um derrotado apareceu e pouca
importância se deu a eles. Um deles é Šutruk-Naḫḫunte. Ele ganhou, muitos séculos depois, uma projeção
mínima no curta-metragem “The Palace Thief”, e a adaptação no “The Emperor's
Club”. Era um conquistador egomaníaco famoso em seus dias, mas praticamente
desconhecido hoje.
A maior
coletânea de história sobre marginalizados e pobres se tem na Bíblia. Em uma
sociedade extremamente patriarcal e machista, que o Antigo Testamento traga as
histórias de Débora, Sara, Hagar, Bate-Seba é surpreendente e inexplicável. Que
seja a história de um povo marginalizado, escravizado e peregrino, é também
inexplicável. É a maior coletânea de feitos históricos de pobres e excluídos.