Leia mais

Há outros artigos e livros de Marcos e Suely Inhauser à sua disposição no site www.pastoralia.com.br . Vá até lá e confira

quarta-feira, 29 de julho de 2020

TOLICE RENITENTE

No seu livro “Autoengano”, Eduardo Giannetti traz a seguinte afirmação; “Se o tolo persistisse em sua tolice ele se tornaria sábio” (pg 56). Citando Platão ele afirma que “todas as tentativas são arriscadas, e é verdadeiro o provérbio segundo o qual aquilo que vale a pena nunca é fácil (República, 497 d). Ao comentar o assunto ele afirma que a atividade humana é como uma loteria, onde a aposta precisa ser paga na entrada, o que leva a melhor parte das esperanças e energias. No entanto, as chances de sucesso são mínimas e para cada ganhador há uma multidão de perdedores”.

Isto assim é, continua Giannetti, porque a capacidade humana de autocontrole, perseverança e autoconhecimento é limitada. O saber não é condição suficiente para o fazer. Há os que, mesmo sabendo muito e ensinando, diante de uma tarefa que exige tenacidade e persistência, desistem ao enfrentar os primeiros embates e justifica sua falta de competência em fazer, acusando e atirando pedras em tudo e todos, como se eles fossem os culpados da sua incompetência. Heráclito dizia que “a natureza ama esconder-se” (frag. 123).

Minha sogra tinha um ditado: “cada ladrão julga por sua condição”. Sem saber, ela afirmava algo que filósofos clássicos já haviam dito. Vejo no outro aquilo que não quero ver em mim, e como não tenho coragem de afirmar que tenho os erros que aponto no outro, é mais fácil projetar e acusar os outros ao invés de me denunciar. Para que não se descubra o seu ignominioso interior, o acusador precisa que os outros creiam na sua credibilidade, que é honesto nas intenções que tem. A máxima por trás disto é o que Protágoras dizia: “qualquer um que não professe ser justo só pode estar louco” (323 b). Para tanto, via de regra, fazem autoelogios: “a minha honestidade não permite”, “tenho um currículo a zelar”, “o tempo mostrará que estou com a razão”. A questão, nestes casos, é a hermenêutica por trás das palavras para descobrir as mentiras que o acusador profere para acobertar o que nele existe.

Como humanos, o maior erro seria nunca errar. Falíveis, erramos desde a fonte da humanidade. No que pese as afirmações dos autoenganados honestos e impolutos, a sapiência está em reconhecer que todos, imperfeitos que somos, não temos autoridade para atirar pedras, por melhor que sejam as razões. O acusar o outro como responsável pelas minhas incapacidades é mecanismo de defesa dos tolos.

Bernstein, no seu livro “Against the Gods” (pg 202) cita um anônimo: “A informação que se tem não é a informação que se quer. A informação que se quer não é a informação da qual se precisa. A informação da qual se precisa não é a que se pode obter. A informação que se pode obter custa mais do que se quer pagar”. Não sei por que, mas me vem à cabeça as mentiras e desistência de um obstinado perdedor, que na loteria da vida ganhou uma presidência e mostrou sua incompetência no trato da pandemia e acusa STF, governadores e prefeitos pelo descalabro.

Para os tolos e perdedores, a busca da informação necessária é tarefa tão cara que eles não estão dispostos a pagar, porque a incompetência inata não lhes dá a resiliência para continuar até o fim e obter o prêmio da vitória. Ao ver o tamanho da estrada desiste da carreira.

A desistência é típica dos frágeis, dos tolos, dos perdedores.

Marcos Inhauser

VERDADE E VERDADES

Mencionei na coluna passada a parresía, que é a virtude de dizer a verdade. Outra anotação sobre o tema está no diálogo entre Sólon e Pisístrato. Sólon afirma sobre Pisístrato: “se o soberano se apresenta exercendo um poder militar, ameaçando pela força armada a outros cidadãos, é normal que que os cidadãos [em troca] cheguem armados”. Se o tema é a parresía, e o governante vem armado de mentiras, é normal que os cidadãos de bem o combatam com investigações e verdades. A certa altura Sólon afirma; “sou mais sábio do que os que não compreenderam os maus desígnios de Pisístrato, e sou mais corajoso dos que o que os conhecem e se calam por terem medo” (Foucault, M. Coragem da Verdade, pg 66).

Sólon desnuda assim que a parresía diante do governo mentiroso é arriscada e pode causar a morte, seja ela física, seja ela moral pela execração da indústria de mentiras que tal governante deve ter. “Quem quiser dizer a verdade no jogo de um regime democrático pode se expor efetivamente a morrer” (Idem, pg 67-68).

Sócrates, na Assembleia de Arginusas, declara: “eu votei contra vosso desejo!”. “Eu estimava que meu dever era enfrentar o perigo com a lei e a justiça, em vez de me associar a vós em vossa vontade de injustiça, por temer prisão e morte” (idem, pg 68). O medo faz a consciência calar-se. Mas esta não é a única razão: o desejo do poder é o que move a muitos para bajular os poderosos de plantão. Com Sócrates aprendemos que a prática de dizer-a-verdade é diferente da que ocorre na cena política. Para ele, mesmo o oráculo proferido pelos deuses deve passar por um elégkhein, palavra grega para “fazer recriminações, objeções, questionar, submeter alguém a um interrogatório, opor-se ao que alguém disse para saber que o que disse se confirma ou não” (idem, pg 70).

Há algumas coisas que pastores e líderes religiosos podem aprender com Sócrates: não dar ouvidos às palavras proferidas, por quem quer que seja, e que se pretende ser a Palavra de Deus via boca de algum “iluminado”. Tudo, absolutamente tudo o que lhe for dito, deve passar pela elégkhein, que é o processo de saber se o que se arvora como parresía é, de fato, a verdade.

Neste raciocínio, o pretenso líder que se arvora como parresiasta e é, ao mesmo tempo, aliado dos poderosos, tem toda a chance de ser um embusteiro, porque a parresía é oposta à democracia, tal como a concebemos e vivemos. Daí que, se levada a lógica ao paroxismo, teremos que afirmar que um político religioso, especialmente o cristão, é uma excrescência. Ou será religioso e, se espera, comprometido com a verdade, ou será político aliado à trama de mentiras que norteia os poderosos. Se coloca os pés nos dois barcos, ou perderá a autoridade religiosa ou se mancomunará com as tramas do poder.

Na necessidade da parresía apareceram os profetas. Nenhum deles esteve associado aos reis, antes, pelo contrário, suas alocuções denunciavam os desmandos, injustiças, mortes e exploração que praticavam. Não é possível ser profeta e político partidário, mesmo porque, como ser social, todos somos políticos, já dizia Aristóteles. A política da parresía dever ser a do cristão, e este engloba as denúncias das injustiças, das explorações, do racismo, da xenofobia, da carga tributária escorchante, da corrupção, do caixa dois, das meias verdades, do negacionismo.

Sinto que faltam parresiastas no Brasil!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 15 de julho de 2020

É FAKE?


Que me perdoem os poucos leitores que tenho, mas fui treinado por meu pai, por minha professora de filosofia e pelas leituras de Nassim Taleb e Michel Foucault a duvidar de todas as informações que me chegam, especialmente as relacionadas aos políticos.
Foucault, nas suas últimas aulas, tratava da parresía (falar a verdade) na democracia, algo incomum. Citando Platão e Isócrates diz que, em geral, as pessoas querem ouvir os que “falam no sentido dos seus desejos” e que “a democracia não é o lugar privilegiado da parresía ... e [onde] o exercício da parresía é mais difícil” (A Coragem da Verdade, Pg. 51). Com o Nassim Taleb refinei algo que já tinha: tudo o que tem aprovação da maioria, é senso comum, best seller, tem grande chance de ser engodo.
Vivemos uma democracia que elegeu um presidente que, à medida que as investigações avançam e o Facebook revela, se sabe que usou de desinformação, fake News e robôs para gerar clima antagônico ao oponente e favorável à sua candidatura. Ao fazer isto e polarizar a eleição entre petismo e conservadorismo, o fez por meios maquiavélicos e nada republicanos. Sabe-se que o uso de desinformação, postagens com mensagem não comprovadas, dados incorretos, são a tônica deste que não é um parresiasta. Até um site dedicado a contar as informações equivocadas foi montado (aosfatos.org).
Quero trazer uma inquietação e não uma afirmação. Ele fez alguns testes para saber se teve a Covid-19. Disse que os exames deram negativo. O jornal Estadão conseguiu na Justiça, depois de várias chicanas da parte do requerido, que os exames fossem apresentados e o foram com pseudônimos e justificou-se que assim era por razões de segurança. Neste tempo ele alardeou que era uma gripezinha, receitou a milagrosa hidroxicloroquina, mesmo não sendo médico e contra o posicionamento da comunidade científica, afirmou mais de uma vez que havia certa histeria na veiculação jornalística, tentou maquiar os números de infectados e mortos, brigou com a OMS.
Mais recentemente ele fez um novo teste. Para surpresa geral, ele vem a público e diz que está com Covid-19, apresenta o teste positivo e agora com seu nome. Mais: faz uma entrevista coletiva, retira a máscara para anunciar o fato e que estava muito bem. No outro dia aparece mais de uma vez tomando a milagrosa pílula de hidroxicloroquina e afirmando que estava dando resultados e que estava se sentindo bem.
Estranhei. Todas as pessoas que estiveram com ele nos dias anteriores, quando testados, deram negativo. O Embaixador dos EUA e esposa, as pessoas que com ele viajaram a Florianópolis, os ministros, filho e assessores. Até a esposa testou negativo. Ele é um fenômeno! Não infectou ninguém, apesar do seu descuido com os protocolos que seu governo estabeleceu para todos (menos ele!).
Minha pergunta: será que esta revelação não é fake? Será que ele não veio dizer que estava com a Covid-19 para mostrar que, tal como disse, é uma gripezinha? Será que o remédio maravilhoso não está enchendo os bolsos de quem o fabrica? Como pôde não ter infectado a esposa e o filho? Como este evento da “gripezinha” ajuda a alavancar a candidatura em 2022? Há alguma relação entre a prisão do Queiroz, o emudecimento estranho e a gripezinha? Há alguma relação entre o cancelamento de contas da família no Facebook e esta Covid-19, como forma de criar um boi de piranha?
O tempo dirá. Alguém vai acabar dando com a língua nos dentes e ficaremos sabendo a verdade.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 8 de julho de 2020

ENGANOS SEQUENCIAIS


Lá nos anos 60, venderam-me a ideia de que o problema do país, que era periferia no mundo da economia mundial, era a dependência do centro e que a solução era o socialismo ou comunismo, dependendo de quem me pregava. Do outro lado, leitor assíduo do Estadão e Jornal da Tarde que me acompanharam durante a adolescência, me era vendida a ideia de que o capitalismo era a solução de todos os males. Soube que as marchas da família e a revolução dos militares era a solução para o Brasil entrar no primeiro mundo. Depois, pelo Pasquim, lia a mensagem de crítica aos militares e à ditadura.
Mais tarde, me venderam a ideia de que as multinacionais eram a desgraça deste país e que o jeito de combatê-las era criando as nossas próprias super-empresas. Lá veio a Petrobrás que se agigantou e foi uma das primeiras, no que foi seguida pela Vale e as grandes siderurgias.
Passado algum tempo, veio a onda da dívida externa, que asfixiava nossa vida e que o jeito era decretar a moratória e o perdão incondicional da dívida. Aplaudi o Sarney e fui às ruas pela ideia do Ano Jubileu, ao estilo judaico de passar a régua e recomeçar do zero.
Aí veio o Collor que vendeu a ideia de que o problema do Brasil eram os marajás e os funcionários públicos. Deu no que deu. Veio o FHC e disse que o problema eram as estatais. Vendeu tudo e o dinheiro sumiu, e ainda por cima enfiou outro engodo: o problema estava nas aposentadorias e no INSS. Veio o Lula, mexeu nas aposentadorias, pegou uma maré internacional super-boa, aumentou a carga tributária na relação com o PIB e ainda veio com o discurso de que a CPMF era necessária e que não se cortam quarenta bilhões de uma hora para outra.  Teve um mandato e meio para se preparar e não se preparou para a redução e/ou corte da CPMF.
Veio o Temer e insistiu na Reforma da Previdência para a solução dos males brasileiros. Não conseguiu porque foi flagrado em outro mal brasileiro: a corrupção via gravação de conversas nada republicanas com empresário da JBS.
Veio o atual com seu Posto Ipiranga. Prometeu o paraíso em curto espaço de tempo. Fala fácil e metáforas afinadas, conseguiu fazer a reforma da previdência, não por empenho do chefe, mas por trabalho do César Maia. Agora ele retorna no pós-pandemia prometendo privatizar quase tudo como solução para o reaquecimento da economia. Fala em privatizar os Correios, o Banco do Brasil, a Telebrás e outras coisas mais.
Não acredito nesta arenga! Já venderam a Vale, as teles estaduais, os licenciamentos para uso das bandas da telefonia celular, e o dinheiro sumiu, ninguém sabe, ninguém viu.
De minha parte, não acredito em mais nada a não ser na história, analisada depois de alguns anos dos fatos e assim mesmo com os filtros e condicionantes dos instrumentos de análise. E desta experiência me sobram o ceticismo, a aversão à classe política e uma azia incurável a discurso político-partidário. De uma coisa sei: não confio no Posto Ipiranga e nem no chefe dele.
Marcos Inhauser

quarta-feira, 1 de julho de 2020

A "CONVERSÃO” DE CONSTANTINO


História ou "lenda", conta-se que Constantino viu um sinal no céu: uma cruz com as insígnias "com este sinal você vencerá". Constantino estava fraquejando nas suas crenças no Panteão Romano e inclinado a acreditar em um só Deus. Por causa da visão a cruz foi colocada nos escudos. Constantino venceu a batalha, como prometia a visão, e ele passou a se achar o escolhido por Deus.
Constantino tornou-se um enigma para os cristãos e historiadores. Foi conversão ou movimento político para colocar os cristãos sob sua influência? Muitos acreditam na inteligência de Constantino e os primeiros anabatistas acreditavam que a conversão era fake. Com ele a igreja se afastou de sua origem simples. A mãe de Constantino, Helena, "se converteu" pouco depois que o marido a deixou.
Aliado às vitórias que obteve após a visão e o sinal da cruz colocado nos escudos, algo aconteceu a Constantino. A melhor das hipóteses é que ele se converteu, e a pior é que ele tomou uma decisão política.
Ele viveu cercado por filósofos, sábios e pagãos. Em raras ocasiões, ele se conformava às exigências da adoração cristã. Suas cartas aos bispos mostram quão pouco as diferenças teológicas o interessavam. Os bispos foram tratados por ele como assistentes políticos. Os concílios eclesiásticos foram convocados e presididos pelo imperador. Para ele, o cristianismo significava um meio, não um fim.
Ele usou a linguagem monoteísta que qualquer pessoa aceita. Durante a primeira parte de sua conversão, ele participou do cerimonial exigido como Pontifex Maximus; mas os templos pagãos foram restaurados, ele usou os ritos cristãos, assim como os ritos pagãos, usou fórmulas mágicas para proteger as plantações e curar doenças.
Ocorreram mudanças: os símbolos pagãos desapareciam; os bispos tinham maior poder em suas comunidades e localidades; as igrejas eram isentas de impostos; houve legalização e direito de posse; a propriedade dos mártires poderia pertencer à igreja sem fazer inventário; templos foram construídos com dinheiro público; a nova capital Constantinopla foi construída por Constantino para ser a nova sede do império e da Igreja; a proibição do culto às imagens; as seitas cristãs começaram a sofrer perseguição.
Muitos ficaram felizes com as mudanças, vendo a mão de Deus. Outros tinham preocupações pessoais específicas ligadas a heresias que grassavam pelas igrejas. Elas não eram vistas pelo imperador como assuntos religiosos, mas como ameaça ao império.
Percebe-se que usar a religião para realização de projetos pessoais de poder é coisa antiga. Outro já usaram, tanto na Antiguidade como na Modernidade. À medida que a população cristã cresce em um país, candidatos “evangélicos” aparecem. Que o diga a Guatemala.
A ingenuidade de grande parcela do segmento religioso acredita que, porque o candidato usa um versículo da Bíblia como lema de campanha, ou participa de alguns cultos, se deixa batizar ou se casou com uma membro de igreja batista, ele tem a chancela do divino sobre sua proposta. Outros, pretensos líderes evangélicos que detém algumas horas de programação televisiva pagas com o suor alheio, precisando que suas dívidas fiscais milionárias sejam perdoadas por uma canetada do presidente-evangélico, ficam babando ovos à sua volta.
O evangelho já alerta quem usa de trechos do evangelho para se eleger: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” Promover o armamentismo, mentir repetidas vezes, ofender, desprezar os 58.000 mortos não é ser cristão, ainda que diga Senhor, Senhor!
Marcos Inhauser