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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

DOEU

Ali era meu ninho. Qual diligente e persistente pássaro, fui juntando meus gravetos e construindo-o. A cada semana, quinzena ou mês era mais um ou alguns livros que iam sendo adicionados à minha biblioteca. Havia um pouco de tudo. Teologia, sociologia, psicologia, política, Direitos Humanos, etc. Ali era meu mundo e meu refúgio. Sentia-me confortável em meio aos meus livros. Nunca fui viciado em leitura, mas há quem assim me considerasse. Ler, ensinar e escrever se transformaram em minhas paixões. Muitas vezes me surpreendi sentado olhando para eles e tentando lembrar o que havia em cada um. Diante da pergunta de curiosos visitantes se eu havia lido tudo, eu, com certa ponta de orgulho, respondia: “não os li todos, mas sei o que há em todos eles. Se precisar de algo, sei onde encontrar.” Quando mandei um trabalho exegético em língua hebraica para o meu doutorado, ele foi recusado por falta de apoio bibliográfico e com a sugestão de que fizesse outro. Fiquei tão bravo que escrevi um prólogo explicando porque não havia posto bibliografia, mas que o faria diante da solicitação. Coloquei mais de 150 livros e 400 notas de rodapé, só usando o que eu tinha na minha biblioteca, que chegou a ter uns 5000 volumes. Com ela aprendi uma máxima: “bobo é quem empresta livro e idiota é quem devolve”. Perdi muita coisa emprestando e devolvendo os pouquíssimos que tomei emprestado, mesmo porque, não gosto de ler livro dos outros porque não posso fazer anotações. Por força de vários motivos que não cabe enumerá-los, me desfiz esta semana do meu ninho. Não foi uma decisão impulsiva, mas algo que foi amadurecendo ao longo de dois anos, a partir do momento em que comecei a enfrentar problemas para ter uma sala que a abrigasse. Por várias vezes tentei separar os que me seriam ainda úteis e descartar os demais. Não conseguia. Era como se parte de mim estivesse sendo extirpado. Tentei vender alguns, mas era como se estivesse vendendo a mim mesmo. Quando já não mais havia como adiar a decisão, elegi ficar com alguns de uma determinada área e doar todos os outros. Elegi dois amigos, um ex-aluno e um leigo católico para que recebessem o que estava doando. Doeu. E a dor só não foi mais forte porque sei que eles serão usados e bem usados por quem os recebeu e que outros serão beneficiados com algumas lições que eles poderão tirar dos livros e passar a outros. Para mim fica o desafio de construir outro ninho, que não seja mais uma biblioteca. Marcos Inhauser

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

CORRUPÇÃO ABENÇOADA

Não há quem não tenha se estarrecido com as imagens da bandalheira que tomou conta da capital federal. Nunca antes na história deste país (para ser bem original) houve tantos, tão detalhados e incriminadores vídeos e provas de gente botando a mão na coisa pública. Mas o que mais estranheza causou foi o acinte com a oração. Nas imagens o deputado Rubens César Brunelli aparece orando com Barbosa e Leonardo Prudente (presidente da Câmara Legislativa), logo após terem recebido a propina das mãos do Durval, e o faz nos seguintes termos: "Somos gratos pela vida do Durval ter sido instrumento de bênção para nossas vidas, para essa cidade, porque o Senhor contempla a questão no seu coração. Tantas são as investidas, Senhor, de homens malignos contra a vida dele. Nós precisamos da Tua cobertura e dessa Tua graça, da Tua sabedoria, de pessoas que tenham armas para nos ajudar nesta guerra. Todas as armas podem ser falhas, todos os planejamentos podem falhar, todas nossas atividades, mas o Senhor nunca falha. O Senhor tem pessoas para condicionar e levar o coração para onde o Senhor quer. A sentença é o Senhor quem determina, o parecer e o despacho é o Senhor que faz acontecer. Nós precisamos de livramento na vida do Durval, dos seus filhos, familiares." Muitos há que se perguntaram como pode uma pessoa que ora agradecer a Deus por uma coisa que é fruto da corrupção, dizer que o pagador da propina é “instrumento nas mãos de benção”, que “tantas são as investidas, Senhor, de homens malignos contra a vida dele” e, por cima de tudo pedir “precisamos da Tua cobertura e dessa Tua graça, da Tua sabedoria, de pessoas que tenham armas para nos ajudar nesta guerra”. Eu também me perguntei. Depois de refletir, conclui que a religiosidade espúria e satanizante que as igrejas, notadamente as neopentecostais, tem pregado e exercido, vendo demônios em tudo, é também a mesma que produz este tipo de aberração. Se há pregadores que expulsam o demônio da caspa, da obesidade, da esquizofrenia, que oram ungindo calcinhas e cuecas de casais com problemas sexuais, que dizem ser a pobreza castigo de Deus, nada os impede de ver no dinheiro fácil a benção. Se lhes falta bom senso para ver causas reais nas enfermidades e situações que satanizam, por que devem ter melhores instrumentos de análise nas “bênçãos”? A falta de lucidez e critérios sérios se aplica aos dois extremos. Salta-se de um para outro (demônio e benção) com a mesma leviandade com que expulsam demônios e glorificam a posse e a propriedade. Se você tiver alguma dúvida e estômago assista a estes pregadores da ignorância nas suas falas televisivas, onde, quais papagaios da fé, repetem ad nausean as mesmas frases e jargões, cometendo a todo o instante as aberrações de satanizar uma paralisia cerebral, uma miopia, uma dor na coluna ou cólica menstrual e, pari passu, agradecer as bênçãos de um carro novo, um aumento de salário, uma casa nova, ou seja lá o que for. Marcos Inhauser