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quarta-feira, 27 de maio de 2020

REGRA PARA AVALIAÇÃO DOS REIS


Na antiguidade era comum os reis serem considerados deuses. Assim era com os Faraós. Eles não eram considerados simples reis, mas eram tidos como de caráter divino, filhos dos deuses e seu corpo era divino, porque seu sangue teria origem no deus Hórus. 

O Faraó, assim concebido, era o administrador máximo, chefe do exército, juiz e sacerdote. Ele decidia sozinho, sendo, na quase totalidade deles, déspotas. Quando delegava suas missões a assessores, fazia questão de ter o controle das decisões. Tinha um séquito de escribas que registravam seus atos, decretos, relações comerciais. Nesta narrativa, como se pode depreender, vicejava o elogio, a exaltação dos seus feitos heroicos. Muitas destas narrativas eram exageradas ou mesmo falsas.

Por serem deuses ou filhos dos deuses, só podiam se casar com quem também tivesse sangue divino. Os casamentos entre irmãos e parentes próximos era comum, razão pela qual, muitos deles sofriam de enfermidades e deformações por causa dos casamentos consanguíneos. Os pais de Tutancâmon eram irmãos e seu pai, Aquenáton, costumava procriar com as próprias filhas. Não é de se admirar que fossem machistas. Ainda que houvesse mulher com sangue divino (como Hatchepsut) ela era representada em esculturas com barba.

Não é de surpreender também que, para eles, a família era o reino, fazendo de tudo para preservar os seus, sob o argumento de que preservavam a realeza divina. Para reafirmar a divindade, tinham os sacerdotes que se encarregavam de reforçar a ideia da natureza divina deles, incensando-os como divinos e mitológicos, porque descendentes do deus Hórus

Este padrão foi, em certa medida, preservado nos reis da Idade Média, quando se desenvolveu o conceito do direito divino dos reis, pelo qual o reinado deles tinha sua origem e sustentação na vontade de Deus. A raiz disto, provavelmente, está em Constantino, o imperador “cristão”

Foi em Israel que se pode notar mudança significativa. Os reis de Israel e Judá não eram divinos ou filho dos deuses. Eram “escolhidos” e ungidos (abençoados). A avaliação que se fazia dos seus reinados era a concordância dos seus atos com a Lei do Senhor. Exemplo disto é a do sábio Salomão: “Porque Salomão me deixou ... e não andou nos meus caminhos para fazer o que é reto perante mim, a saber, os meus estatutos e os meus juízos, como fez Davi, seu pai. (IRs 11:33); “Fez o que era mau perante o SENHOR e andou nos caminhos de seu pai e no pecado com que seu pai fizera pecar a Israel” (IRs 15:26) e tantos outros exemplos.

Os governantes modernos que se dizem cristãos devem ser analisados pela mesma regra, acentuando-se que, além dos “estatutos e juízos” de Deus, há os ensinamentos de Jesus. As regras dos Dez Mandamentos de “não matarás”, “não dirás falso testemunho” (entenda-se “não mentirás”), mais os ensinamentos do Sermão da Montanha (bem-aventurados os misericordiosos, os pacificadores, os mansos) são padrões para avaliar governantes.

Quem promove a morte por ato ou decisão indireta, quem semeia a discórdia, a divisão, o conflito, quem mente (uma ou reiteradas vezes), ainda que afirme ou se creia o messias (ungido para tal missão), é tudo menos evangélico. Não basta repetir versículo bíblico, ter sido batizado ou ter parentes cristãos, nem mesmo uma horda de “religiosos aduladores”. A vida e os atos é que devem ser avaliados à luz das Escrituras.

Marcos Inhauser.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

AS “LIVES” ME MATAM

Virou moda! A quantidade de gente fazendo “lives” é estarrecedora! Se fosse acompanhar todas que fui convidado, não faria outra coisa. É uma nova onda de pregadores, professores, especialistas de toda espécie etc.

Vi algumas de gente que não conhecia. Eram “mesmólogos”: especialistas em repetir o que há se sabe e uma multidão já disse. Vi gente, sem ideia do que seja um vídeo gravado ou uma transmissão ao vivo, tentando fazer “sua live”. Um desastre! Um deles, sentado em uma cadeira de cozinha em um quarto vazio, com um notebook no colo, câmera mal focalizada, lia um sermão horroroso.

Outro iniciou dizendo que era militar reformado, que havia recebido, depois da aposentadoria, um chamado para abrir uma igreja (Luizão: vocação reumática!), falou o que tem feito para que a igreja cresça e mostrou “sua igreja”: um salão vazio, cheio de cadeiras e um palco com alguns instrumentos. Ninguém mais do que ele. O primeiro desatino foi confundir igreja com templo ou salão de reunião. Igreja nunca foi e nunca será edifício, catedral, templo ou salão. Igreja é gente reunida em nome de Jesus. Não importa onde se reúna.

Participei de uma igreja que se reunia debaixo de uma árvore na Nicarágua e de outra que se reunia entre os escombros de um templo abalado pelo terremoto de Manágua. Na Coréia visitamos uma igreja que se reunia na rua, todos sentados no chão. Um grupo da Igreja da Irmandade na Austrália se reunia nas escadarias de um edifício. Na igreja primitiva ela se reunia nas casas dos familiares.

Recebi esta semana um vídeo de um “té-logo” implorando ao governador para permitir que os pastores fossem aos templos para que de lá pudessem gravar suas lives, pois não estavam se reunindo, segundo orientação governamental. Para ele, para que a live fosse abençoada, precisava ser gravada no templo. A benção depende do local onde ela é ministrada e deve ser feita no templo!

Acrescente-se a isto a quantidade de lives de artistas. Só no sábado passado dever ter havido umas dez, uma atrás da outra, de gente conhecida e outras nem tanto. Recebi o convite para uma dupla (irmão e irmã): ele tocando o básico no violão, ela cantando desafinado.

Neste universo da mesmice, raros são os casos de gente que tem algo novo e sábio para dizer. Cito um exemplo entre alguns: o Rev. Lampreia. Acho mesmo que tem gente que se acha tão bonita que precisa mostar a cara na live. Sendo eu um antinarcísico juramentado, tenho meus pruridos com esta profusão de faces falando coisas, seja em vídeos ou lives. Parece que, se não aparecer a cara do sujeito, não serve. A opção do podcast, onde só a ideia é veiculada, sem necessidade de colocar uma face, não tem sido usada pelos pregadores virtuais.

Preocupa-me o que está por trás dos pregadores que usam a live: acham que gravar um sermonete, reproduzir um culto em templo vazio, ler trechos bíblicos é pastorear o rebanho. Pastoreio é mais que lives. Envolve o face-a-face, o escutar pacientemente, entender os sentimentos numa dimensão empática e não simpática. O syn+pathós é sentir com o outro, dois sentimentos que caminham justos. O em+pathós significa entrar no sentimento do outro e sentir da mesma maneira que ele sente. É ser um com o sentimento do outro.

Pregadores não são, necessariamente pastores. "Lives" não pastoreiam.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 13 de maio de 2020

ESCOLA EM CASA

Uma das coisas que esta pandemia produziu foi trazer a escola para dentro de casa. Havia, em certa parcela da população, um clamor para que o governo liberasse o “homeschooling”, onde pais e mães se encarregariam de, no ambiente familiar, ensinar os conteúdos previstos para cada ano escolar. O sistema, utilizado em países europeus e nos Estados Unidos, tem um viés ideológico bastante acentuado.

Há vários argumentos evocados pelos “homeschoolers”. Um deles é que, sendo os filhos educados em casa, há mais segurança para eles ao não se exporem à necessidade diária de se locomover até um determinado ponto. Evita-se também o bullying. Há nisto certo romantismo de que o lar é um ambiente seguro. Se se considera as estatísticas sobre violência e abuso da criança e adolescente, a gente fica estarrecido. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Ministério dos Direitos Humanos informa que, no Brasil, diariamente, são notificadas a média de 233 agressões de diferentes tipos (física, psicológica e tortura) contra crianças e adolescentes com idade até 19 anos. Estes dados são corroborados pelo Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), que mostram que, em 2017, foram feitas 85.293 notificações. Na escola, bem ou mal, há controle externo sobre possíveis violências (professores, inspetores, colegas, polícia, etc.)

Outro argumento é o do controle sobre o conteúdo a ser ensinado. Os pais questionam certos ensinos passados (evolucionismo versus criacionismo, educação sexual, papel social dos gêneros, modelo patriarcal e hierárquico de estruturação familiar, etc.) Percebe-se que, os mais ferrenhos defensores do sistema de homeschooling são oriundos de igreja fundamentalistas, onde as verdades absolutas são a constante. Não é de se estranhar que entre estes haja quem defenda o terraplanismo, a criação da terra há pouco mais de seis mil anos, que ela foi criada em seis dias, negacionismo, talvez até o geocentrismo. Dizer que duvidam da ciência e que preferem as afirmações da fé é voltar ao período medieval, quando a “teologia” era a “scientia prima”, e toda e qualquer formulação deveria se ajustar aos ditames da fé. Que o diga Galileu.

Também se alega que os pais são os que devem escolher o que seus filhos devem aprender, de acordo com suas visões de mundo e possibilidades profissionais. Eles devem determinar o que pode e não pode ser ensinado, para que o saber adquirido seja o necessário para vida profissional que vão ter. Trabalha-se com a ideia de que há saber supérfluo.

Um dos graves problemas deste modelo familiar de educação é que promove pessoas que aprendem sem o confronto com outras pessoas e ideias. Por adquirirem conhecimento em redomas, sem a possibilidade de conhecer outras formulações, cria-se o “dono da verdade”. Seu universo cognitivo se restringe aos que seus pais determinaram que deveriam conhecer e o que sabem lhes foi passado com sendo a mais pura expressão da verdade. Na vida social tenderão a ser arrogantes achando que têm saber superior.

Uma das coisas que a atual crise tem trazido à tona é a necessidade do convívio social. Ficar isolado, sem contatos e relacionamentos com os outros, sem abraçar, beijar, comer juntos é torturante. Os relacionamentos se tornam mais saborosos e proveitosos quando a identidade dos relacionados têm mais ou menos a mesma estrutura e nível cognitivo. Os “donos da verdade” terão dificuldades em se relacionar e se isolarão. Isto leva ao provérbio bíblico: “Aquele que vive isolado busca seu próprio interesse; insurge-se contra a verdadeira sabedoria.” (Pr 18:1)

Marcos Inhauser

quarta-feira, 6 de maio de 2020

AUTOAFIRMAÇÃO

Se se busca informações sobre o conceito de autoafirmação, encontrar-se-ão milhares de artigos e posicionamentos sobre o tema, muitos deles conflitantes. A autoafirmação é a ação que uma pessoa faz para dizer quem ela é, o que faz e o que não sabe fazer.

Assim, há uma autoafirmação que é positiva e necessária para a solidificação da identidade pessoal. Devo saber quem sou, o que gosto, o que não gosto, o que sei fazer bem, o que sei fazer e o faço, mas não com excelência, e o que, decididamente, não sei fazer. Isto devo ter bem claro para mim. Algumas vezes isto deve ser dito aos outros para que saibam quem sou. Faz parte da construção de relacionamentos saudáveis. Ela é saudável e necessária.

Há também uma autoafirmação destrutiva, quando a pessoa se desmerece, se diminui na frente dos outros, se anula nos relacionamentos. Ela acha que não tem qualidades e deixa isto refletir na forma como se relaciona. Ela é corrosiva e deve ser trabalhada.

Há uma autoafirmação repetitiva que é preocupante. Ela é feita pelas pessoas que, sentindo-se inseguras ou não acreditando no que fazem ou posição que têm, precisam dizer repetidas vezes: “eu sou o chefe”, “quem toma decisões aqui sou eu”, “eu tenho o melhor carro”, “quem está na cadeira de chefe sou eu”, “eu sou empreendedor”, “eu sou doutor”, “eu tenho amigos importantes”, “eu apareço nas colunas sociais”, “eu sou uma pessoa religiosa”, “eu sou o cara”, “eu sou uma mulher linda” “não vou admitir que haja interferências nas minhas decisões”, “quem manda em casa sou eu”, “sou bonita”, “sou másculo”, “eu sou bom no que faço”, “eu tenho a caneta” etc.

Esta autoafirmação se dá por causa da enorme carência afetiva que alguns têm. Precisam estar em evidência, ter suas qualidades constantemente reconhecidas. Elas, no íntimo, não acreditam em si mesmas, duvidam que os outros reconheçam suas posições, autoridade e poder. Por isto precisam afirmar diante dos outros e de si mesmos, para, de algum modo convencer e ser convencido. A autoafirmação repetitiva transforma-se em uma manifestação neurótica de se destacar diante dos outros, para ser respeitado, aprovado e enaltecido.

Provavelmente viveram experiências traumáticas, se sentiram desprezados, excluídos ou submetidos às situações humilhantes, sofreram bullying na infância ou adolescência.

O exagero na autoafirmação é mecanismo de compensação porque tem visão alienada do mundo e é recurso para compensar o medo de perder espaço na vida pessoal e social.

Diante de uma pessoa que, sem necessidade, faz autoafirmações e se coloca como superior, o melhor é desconversar e mudar de assunto. O que elas querem é que se concorde com elas ou que se dê espaço para que demonstrem suas “qualidades”.

Estávamos em uma roda de amigos, alguns deles gerentes e diretores de RH. O “autoafirmativo”, novo no grupo, do nada disse que estava fazendo coaching e que seu método era superior. Disse isto e adicionou: “eu tenho muita experiência como diretor de empresa e muita vivência lidando com comportamentos humanos”. Um a um foi se levantando. Ao final ficou falando a um único que permaneceu e que tinha o dom de vítima.

O autoafirmativo arrogante é intragável. Ele quer se convencer que é bom tentando convencer os outros das suas qualidades e estas não são impostas, mas reconhecidas na vivência. Se preciso dizer que sou é porque ninguém está reconhecendo.

Marcos Inhauser