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quarta-feira, 20 de maio de 2020

AS “LIVES” ME MATAM

Virou moda! A quantidade de gente fazendo “lives” é estarrecedora! Se fosse acompanhar todas que fui convidado, não faria outra coisa. É uma nova onda de pregadores, professores, especialistas de toda espécie etc.

Vi algumas de gente que não conhecia. Eram “mesmólogos”: especialistas em repetir o que há se sabe e uma multidão já disse. Vi gente, sem ideia do que seja um vídeo gravado ou uma transmissão ao vivo, tentando fazer “sua live”. Um desastre! Um deles, sentado em uma cadeira de cozinha em um quarto vazio, com um notebook no colo, câmera mal focalizada, lia um sermão horroroso.

Outro iniciou dizendo que era militar reformado, que havia recebido, depois da aposentadoria, um chamado para abrir uma igreja (Luizão: vocação reumática!), falou o que tem feito para que a igreja cresça e mostrou “sua igreja”: um salão vazio, cheio de cadeiras e um palco com alguns instrumentos. Ninguém mais do que ele. O primeiro desatino foi confundir igreja com templo ou salão de reunião. Igreja nunca foi e nunca será edifício, catedral, templo ou salão. Igreja é gente reunida em nome de Jesus. Não importa onde se reúna.

Participei de uma igreja que se reunia debaixo de uma árvore na Nicarágua e de outra que se reunia entre os escombros de um templo abalado pelo terremoto de Manágua. Na Coréia visitamos uma igreja que se reunia na rua, todos sentados no chão. Um grupo da Igreja da Irmandade na Austrália se reunia nas escadarias de um edifício. Na igreja primitiva ela se reunia nas casas dos familiares.

Recebi esta semana um vídeo de um “té-logo” implorando ao governador para permitir que os pastores fossem aos templos para que de lá pudessem gravar suas lives, pois não estavam se reunindo, segundo orientação governamental. Para ele, para que a live fosse abençoada, precisava ser gravada no templo. A benção depende do local onde ela é ministrada e deve ser feita no templo!

Acrescente-se a isto a quantidade de lives de artistas. Só no sábado passado dever ter havido umas dez, uma atrás da outra, de gente conhecida e outras nem tanto. Recebi o convite para uma dupla (irmão e irmã): ele tocando o básico no violão, ela cantando desafinado.

Neste universo da mesmice, raros são os casos de gente que tem algo novo e sábio para dizer. Cito um exemplo entre alguns: o Rev. Lampreia. Acho mesmo que tem gente que se acha tão bonita que precisa mostar a cara na live. Sendo eu um antinarcísico juramentado, tenho meus pruridos com esta profusão de faces falando coisas, seja em vídeos ou lives. Parece que, se não aparecer a cara do sujeito, não serve. A opção do podcast, onde só a ideia é veiculada, sem necessidade de colocar uma face, não tem sido usada pelos pregadores virtuais.

Preocupa-me o que está por trás dos pregadores que usam a live: acham que gravar um sermonete, reproduzir um culto em templo vazio, ler trechos bíblicos é pastorear o rebanho. Pastoreio é mais que lives. Envolve o face-a-face, o escutar pacientemente, entender os sentimentos numa dimensão empática e não simpática. O syn+pathós é sentir com o outro, dois sentimentos que caminham justos. O em+pathós significa entrar no sentimento do outro e sentir da mesma maneira que ele sente. É ser um com o sentimento do outro.

Pregadores não são, necessariamente pastores. "Lives" não pastoreiam.

Marcos Inhauser

quarta-feira, 5 de abril de 2017

SOBRAM TOSQUIADORES

A metáfora é bíblica. Comparar a igreja com um rebanho com seu pastor é algo que faz parte do imaginário dos leitores bíblicos. Que o pastor tenha a seu cargo o cuidar das ovelhas é o que a Bíblia ensina. No entanto, nestes dias, a coisa anda complicada. Os que deveriam cuidar das ovelhas, só olham para elas para saber quanta lã têm e como tosquiá-las! Mais que preocupadas com o bem-estar de suas ovelhas, preocupam-se em quanto elas podem render no faturamento.
Para se ter uma ideia da coisa, conto aqui alguns fatos verídicos, ocorridos há não muito tempo. Um casal jovem, com uns dois anos de casado, ele criado na igreja, ela não, decidem ir a quatro igrejas diferentes para saber em qual delas eles se sentiriam melhor para frequentar assiduamente. Depois das visitas, perguntei a eles o que haviam decidido. A resposta deles: nenhuma! Queremos uma Igreja é não um camelódromo onde o pastor vende de tudo, de Bíblia a CDs, passando por livros e camisetas. Nas outras ouvimos e cantamos alguns louvores e depois foi só pedido de dinheiro para pagar o programa de televisão, o telhado da Igreja, a ampliação do templo.
Em outra igreja, em Campinas, o animador de auditório que deveria ser o pregador e que se chama de pastor, contou que tinha ido visitar uma igreja em outra cidade e que, no meio do louvor, uma pessoa ficou endemoninhada. Foi trazida ao púlpito (prá mim era palco!). O pastor disse que aquele demônio pegava em crente não-dizimista. Depois de um salseiro, com direito à entrevista do demônio, o “pastor” disse: “vou mostrar o que o demônio faz com o dinheiro de quem não é dizimista”. Deu a ele uma nota de R$ 2,00 e a pessoa endemoninhada trucidou a nota, fazendo-a em pedaços. Veio o sermão sobre o não dar o dízimo: “o diabo destrói o que você ganhou, rasga, faz picadinho da sua vida e finanças, pense no como estão suas contas você que não é dizimista e você vai concordar comigo”.
Em seguida, pediu que os dizimistas da igreja (plateia) se identificassem e pediu que um deles trouxesse à frente uma nota, de preferência de R$ 100,00. Apareceu alguém. O “entrevistador de demônio” deu a nota ao endemoninhado e ele a beijou, colocou sobre o coração e cuidou dela com carinho. Lá veio a mensagem: “quando a pessoa é dizimista o demônio não tem o poder de destruir as finanças e o dinheiro, antes cuida dele com carinho”. Dou um picolé para quem disser que, em seguida, o animador de auditório fez a coleta das ofertas na igreja. Este “tristemunho” foi contado pelo animador-visitante, agora em sua igreja, para ali também “motivar os fiéis ao dízimo”.
Em outra igreja, também em Campinas, o arrecadador de plantão desafiava os presentes a ofertar R$ 1.000,00. Depois baixou para R$ 500,00, depois R$ 200,00. A esta altura uma senhora que a conheço muito bem e que estava em sérias penúrias, foi à frente. O arrecadador disse a ela em alto e bom som: “a irmã deposite aqui a sua oferta”. “Eu não o tenho, mas gostaria de poder contribuir e quero que o pastor ore por mim para que, da próxima vez ,eu possa vir à frente e entregar a oferta para a Igreja”. Ele, de público a ofendeu e a expulsou do palco.
Não são pastores: são tosquiadores de ovelhas, não importa quanta lã tenham para ser cortada. Cortam o que têm, nem que sejam fiapos!

Marcos Inhauser

quarta-feira, 29 de março de 2017

FALTAM PASTORES

Estou no pastorado há 44 anos. Já vi muita coisa, conheci pastores exemplares como foram o Joás Dias de Araujo, o Nephtali Vieira Junior, Naor Garcia entre outros. Há no pastorado, no dizer do Rev. Joás, um mistério. Eu acrescentava que é um mistério místico. Há uma mística na vocação, na imposição das mãos para a ordenação e no próprio desenvolver do ministério pastoral.
O pastorado é a vocação para o trabalho com pessoas, com tal intensidade e autoridade que pode e muitas vezes entra nos detalhes da vida pessoal e até íntima da vida dos fiéis. Não é só o pregar. Este é um dos trabalhos e talvez o de menos importância e de resultados comprovadamente baixos. Pergunte a uma pessoa na segunda-feira qual foi o tema do sermão pregado na igreja e certamente você escutará com muita frequência: “não lembro”.  OO aconselhamento pessoal, familiar, conjugal, a orientação de jovens e adolescentes, o ensino de valores éticos e morais, a confissão espontânea de pecados, a conversa onde as dúvidas bíblica e teológica surgem, o visitar enfermos, famílias, estar presente nos momentos marcantes da família e nos ritos de passagem, são alguns dos aspectos que diziam/dizem respeito ao trabalho pastoral.
Acontece que os tempos mudaram e a sociedade também. Já não é tão fácil visitar as famílias em suas casas, uma vez que muitas delas se encontram fechadas a maior parte do tempo. Lembro-me da primeira igreja que pastoreei nos Estados Unidos e que, ligando para os telefones dos membros, fazia um pastorado de secretária eletrônica. O que era uma celebração para muitos, hoje, o receber o pastor para uma visita pode ser um incômodo por ser o horário quando a família, que esteve separada durante todo o dia, tem agora para se reunir e conversar.
O trabalho do pastor como conselheiro foi cedendo espaço para os psicólogos, psicanalistas e outros profissionais. Antes não se exigia do pastor conhecimentos mais profundos sobre o ser humano e suas relações. Hoje precisa estudar várias linhas para poder fazer um trabalho significativo.
Os pastores pastoreavam comunidades onde ele conhecia a todos pelo nome. Era o pastor que sabia da vida de cada ovelha. Com o advento das mega-igrejas, os pastores perderam o contato pessoal com a membresia. De pastores passaram a ser animadores de auditórios, as suas congregações se transformaram em plateia, de doutrinadores passaram a ser motivadores. O evangelho do “cada um tome a sua cruz” foi banalizado, para um evangelho da graça barata, da vida cristã anônima, individualista, solitária. É a comunhão comigo mesmo. A membresia e fidelidade a uma congregação foi substituída pelo turismo eclesiástico. A participação fiel a uma congregação local foi trocada pelas igrejas de grife.
De doutrinadores, hoje muitos são apeladores (no mais negativo sentido da palavra). Vivem de fazer apelos para que os presentes contribuam acima do que haviam se disposto a fazer. Deixam de dar com alegria para serem contribuidores constrangido. Inventam símbolos, eventos, programas com o fim de “motivar” a contribuir.
O servo da comunidade se transformou e ganhou títulos pomposos de apóstolos e quejandas. O serviço anônimo ao próximo cedeu espaço ao tempo televisivo pago a peso de outro. O mistério místico do pastorado virou narcisismo midiático.
Faltam pastores. Sobram animadores de plateia, arrecadadores, show-men.

Marcos Inhauser