Virou moda! A quantidade de gente fazendo “lives” é estarrecedora! Se fosse acompanhar todas que fui convidado, não faria outra coisa. É uma nova onda de pregadores, professores, especialistas de toda espécie etc.
Vi algumas de gente que não conhecia. Eram “mesmólogos”: especialistas em repetir o que há se sabe e uma multidão já disse. Vi gente, sem ideia do que seja um vídeo gravado ou uma transmissão ao vivo, tentando fazer “sua live”. Um desastre! Um deles, sentado em uma cadeira de cozinha em um quarto vazio, com um notebook no colo, câmera mal focalizada, lia um sermão horroroso.
Outro iniciou dizendo que era militar reformado, que havia recebido, depois da aposentadoria, um chamado para abrir uma igreja (Luizão: vocação reumática!), falou o que tem feito para que a igreja cresça e mostrou “sua igreja”: um salão vazio, cheio de cadeiras e um palco com alguns instrumentos. Ninguém mais do que ele. O primeiro desatino foi confundir igreja com templo ou salão de reunião. Igreja nunca foi e nunca será edifício, catedral, templo ou salão. Igreja é gente reunida em nome de Jesus. Não importa onde se reúna.
Participei de uma igreja que se reunia debaixo de uma árvore na Nicarágua e de outra que se reunia entre os escombros de um templo abalado pelo terremoto de Manágua. Na Coréia visitamos uma igreja que se reunia na rua, todos sentados no chão. Um grupo da Igreja da Irmandade na Austrália se reunia nas escadarias de um edifício. Na igreja primitiva ela se reunia nas casas dos familiares.
Recebi esta semana um vídeo de um “té-logo” implorando ao governador para permitir que os pastores fossem aos templos para que de lá pudessem gravar suas lives, pois não estavam se reunindo, segundo orientação governamental. Para ele, para que a live fosse abençoada, precisava ser gravada no templo. A benção depende do local onde ela é ministrada e deve ser feita no templo!
Acrescente-se a isto a quantidade de lives de artistas. Só no sábado passado dever ter havido umas dez, uma atrás da outra, de gente conhecida e outras nem tanto. Recebi o convite para uma dupla (irmão e irmã): ele tocando o básico no violão, ela cantando desafinado.
Neste universo da mesmice, raros são os casos de gente que tem algo novo e sábio para dizer. Cito um exemplo entre alguns: o Rev. Lampreia. Acho mesmo que tem gente que se acha tão bonita que precisa mostar a cara na live. Sendo eu um antinarcísico juramentado, tenho meus pruridos com esta profusão de faces falando coisas, seja em vídeos ou lives. Parece que, se não aparecer a cara do sujeito, não serve. A opção do podcast, onde só a ideia é veiculada, sem necessidade de colocar uma face, não tem sido usada pelos pregadores virtuais.
Preocupa-me o que está por trás dos pregadores que usam a live: acham que gravar um sermonete, reproduzir um culto em templo vazio, ler trechos bíblicos é pastorear o rebanho. Pastoreio é mais que lives. Envolve o face-a-face, o escutar pacientemente, entender os sentimentos numa dimensão empática e não simpática. O syn+pathós é sentir com o outro, dois sentimentos que caminham justos. O em+pathós significa entrar no sentimento do outro e sentir da mesma maneira que ele sente. É ser um com o sentimento do outro.
Pregadores não são, necessariamente pastores. "Lives" não pastoreiam.
Marcos Inhauser
Professor, pastor, teólogo e educador corporativo Textos escritos para a coluna semanal no Correio Popular, da cidade de Campinas e texto escritos depois de 2021, que tratam de temas nacionais, internacionais, sobre igreja e teologia
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quarta-feira, 20 de maio de 2020
quarta-feira, 5 de abril de 2017
SOBRAM TOSQUIADORES
A metáfora é bíblica. Comparar a
igreja com um rebanho com seu pastor é algo que faz parte do imaginário dos
leitores bíblicos. Que o pastor tenha a seu cargo o cuidar das ovelhas é o que
a Bíblia ensina. No entanto, nestes dias, a coisa anda complicada. Os que
deveriam cuidar das ovelhas, só olham para elas para saber quanta lã têm e como
tosquiá-las! Mais que preocupadas com o bem-estar de suas ovelhas, preocupam-se
em quanto elas podem render no faturamento.
Para se ter uma ideia da coisa,
conto aqui alguns fatos verídicos, ocorridos há não muito tempo. Um casal
jovem, com uns dois anos de casado, ele criado na igreja, ela não, decidem ir a
quatro igrejas diferentes para saber em qual delas eles se sentiriam melhor
para frequentar assiduamente. Depois das visitas, perguntei a eles o que haviam
decidido. A resposta deles: nenhuma! Queremos uma Igreja é não um camelódromo
onde o pastor vende de tudo, de Bíblia a CDs, passando por livros e camisetas.
Nas outras ouvimos e cantamos alguns louvores e depois foi só pedido de
dinheiro para pagar o programa de televisão, o telhado da Igreja, a ampliação
do templo.
Em outra igreja, em Campinas, o
animador de auditório que deveria ser o pregador e que se chama de pastor,
contou que tinha ido visitar uma igreja em outra cidade e que, no meio do
louvor, uma pessoa ficou endemoninhada. Foi trazida ao púlpito (prá mim era
palco!). O pastor disse que aquele demônio pegava em crente não-dizimista.
Depois de um salseiro, com direito à entrevista do demônio, o “pastor” disse:
“vou mostrar o que o demônio faz com o dinheiro de quem não é dizimista”. Deu a
ele uma nota de R$ 2,00 e a pessoa endemoninhada trucidou a nota, fazendo-a em
pedaços. Veio o sermão sobre o não dar o dízimo: “o diabo destrói o que você
ganhou, rasga, faz picadinho da sua vida e finanças, pense no como estão suas
contas você que não é dizimista e você vai concordar comigo”.
Em seguida, pediu que os
dizimistas da igreja (plateia) se identificassem e pediu que um deles trouxesse
à frente uma nota, de preferência de R$ 100,00. Apareceu alguém. O
“entrevistador de demônio” deu a nota ao endemoninhado e ele a beijou, colocou
sobre o coração e cuidou dela com carinho. Lá veio a mensagem: “quando a pessoa
é dizimista o demônio não tem o poder de destruir as finanças e o dinheiro,
antes cuida dele com carinho”. Dou um picolé para quem disser que, em seguida,
o animador de auditório fez a coleta das ofertas na igreja. Este “tristemunho”
foi contado pelo animador-visitante, agora em sua igreja, para ali também
“motivar os fiéis ao dízimo”.
Em outra igreja, também em
Campinas, o arrecadador de plantão desafiava os presentes a ofertar R$
1.000,00. Depois baixou para R$ 500,00, depois R$ 200,00. A esta altura uma
senhora que a conheço muito bem e que estava em sérias penúrias, foi à frente.
O arrecadador disse a ela em alto e bom som: “a irmã deposite aqui a sua
oferta”. “Eu não o tenho, mas gostaria de poder contribuir e quero que o pastor
ore por mim para que, da próxima vez ,eu possa vir à frente e entregar a oferta
para a Igreja”. Ele, de público a ofendeu e a expulsou do palco.
Não são pastores: são
tosquiadores de ovelhas, não importa quanta lã tenham para ser cortada. Cortam
o que têm, nem que sejam fiapos!
Marcos Inhauser
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quarta-feira, 29 de março de 2017
FALTAM PASTORES
Estou no pastorado há 44 anos. Já vi muita coisa, conheci
pastores exemplares como foram o Joás Dias de Araujo, o Nephtali Vieira Junior,
Naor Garcia entre outros. Há no pastorado, no dizer do Rev. Joás, um mistério.
Eu acrescentava que é um mistério místico. Há uma mística na vocação, na
imposição das mãos para a ordenação e no próprio desenvolver do ministério
pastoral.
O pastorado é a vocação para o trabalho com pessoas, com tal
intensidade e autoridade que pode e muitas vezes entra nos detalhes da vida
pessoal e até íntima da vida dos fiéis. Não é só o pregar. Este é um dos
trabalhos e talvez o de menos importância e de resultados comprovadamente
baixos. Pergunte a uma pessoa na segunda-feira qual foi o tema do sermão
pregado na igreja e certamente você escutará com muita frequência: “não
lembro”. OO aconselhamento pessoal,
familiar, conjugal, a orientação de jovens e adolescentes, o ensino de valores
éticos e morais, a confissão espontânea de pecados, a conversa onde as dúvidas
bíblica e teológica surgem, o visitar enfermos, famílias, estar presente nos
momentos marcantes da família e nos ritos de passagem, são alguns dos aspectos
que diziam/dizem respeito ao trabalho pastoral.
Acontece que os tempos mudaram e a sociedade também. Já não
é tão fácil visitar as famílias em suas casas, uma vez que muitas delas se
encontram fechadas a maior parte do tempo. Lembro-me da primeira igreja que
pastoreei nos Estados Unidos e que, ligando para os telefones dos membros,
fazia um pastorado de secretária eletrônica. O que era uma celebração para
muitos, hoje, o receber o pastor para uma visita pode ser um incômodo por ser o
horário quando a família, que esteve separada durante todo o dia, tem agora
para se reunir e conversar.
O trabalho do pastor como conselheiro foi cedendo espaço
para os psicólogos, psicanalistas e outros profissionais. Antes não se exigia
do pastor conhecimentos mais profundos sobre o ser humano e suas relações. Hoje
precisa estudar várias linhas para poder fazer um trabalho significativo.
Os pastores pastoreavam comunidades onde ele conhecia a
todos pelo nome. Era o pastor que sabia da vida de cada ovelha. Com o advento
das mega-igrejas, os pastores perderam o contato pessoal com a membresia. De pastores
passaram a ser animadores de auditórios, as suas congregações se transformaram
em plateia, de doutrinadores passaram a ser motivadores. O evangelho do “cada
um tome a sua cruz” foi banalizado, para um evangelho da graça barata, da vida
cristã anônima, individualista, solitária. É a comunhão comigo mesmo. A
membresia e fidelidade a uma congregação foi substituída pelo turismo
eclesiástico. A participação fiel a uma congregação local foi trocada pelas
igrejas de grife.
De doutrinadores, hoje muitos são apeladores (no mais
negativo sentido da palavra). Vivem de fazer apelos para que os presentes
contribuam acima do que haviam se disposto a fazer. Deixam de dar com alegria
para serem contribuidores constrangido. Inventam símbolos, eventos, programas
com o fim de “motivar” a contribuir.
O servo da comunidade se transformou e ganhou títulos
pomposos de apóstolos e quejandas. O serviço anônimo ao próximo cedeu espaço ao
tempo televisivo pago a peso de outro. O mistério místico do pastorado virou
narcisismo midiático.
Faltam pastores. Sobram animadores de plateia,
arrecadadores, show-men.
Marcos Inhauser
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